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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

 ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.13 no.4 Ribeirão Preto out./dez. 2017

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v13i4p174-175 

EDITORIAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v13i4p174-175

 

Saúde mental e vulnerabilidade: desafios e potencialidades na utilização do referencial dos direitos humanos

 

 

Carla Aparecida Arena Ventura

Editora Associada da SMAD, Revista Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drogas, Professora Associada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil. E-mail: caaventu@eerp.usp.br

 

 

"Vulnerabilidade" remete ao sentido de "fragilidade"(1). Este termo interdisciplinar se aplica a diferentes campos temáticos, como o Direito, Bioética, Saúde Ambiental, Epidemiologia e Saúde Mental. Do enfraquecimento da capacidade das pessoas agirem e se defenderem, tornando-se, assim, mais vulneráveis, emergem posturas e iniciativas que visam garantir direitos, fundamentados, no campo dos direitos humanos, pelos princípios de igualdade e não discriminação e embasados no reconhecimento da condição de humanidade de toda pessoa humana(1).

O conceito de vulnerabilidade social surge na relação indivíduo-coletividade e aponta para condições sociais mutáveis, construídas com base em relações de poder(1). Nesse contexto, a vulnerabilidade pode relacionar-se diretamente à deterioração de direitos sociais e civis, resultando na fragilização da cidadania dos indivíduos(1-2). Na saúde coletiva, o conceito de vulnerabilidade supera o preconceito fundamentado na identificação de grupos de risco e culpabilização individual e vincula-se à garantia da cidadania de populações politicamente fragilizadas na perspectiva dos direitos humanos(1-4).

A vulnerabilidade articula-se aos componentes individual, social e programático, permitindo análises multidimensionais e entrelaçando-se às condições materiais, psicológicas, culturais, morais, jurídicas e políticas que podem direcionar saberes e práticas em saúde(1-3). O componente individual refere-se às informações que a pessoa tem sobre o problema e sua capacidade de operá-los na construção de práticas protetoras integradas ao cotidiano; o componente social relaciona-se à obtenção de informações e ao poder de influir social e politicamente para alcançar livre expressão, segurança e proteção; e o componente programático está interligado à qualidade e ao funcionamento efetivo dos programas de controle e serviços(1-3).

Alguns grupos da população são mais vulneráveis que outros. Outrossim, grupos vulneráveis compartilham desafios comuns relacionados à sua posição social e econômica, apoio social e condições de vida, incluindo: enfrentamento de estigma e discriminação; vivência de situações de violência e abuso; restrição ao exercício de direitos civis e políticos; exclusão de participação na sociedade; acesso reduzido aos serviços de saúde e educação; e exclusão de oportunidades de geração de rendas e trabalho(5). Estes fatores interagem entre si, levando à diminuição de recursos e ao aumento da marginalização e vulnerabilidade das pessoas afetadas(5).

Na saúde mental, é importante reconhecer a vulnerabilidade individual, social e programática relacionada às pessoas com transtornos mentais e usuários de drogas, que enfrentam restrições ao exercício de seus direitos civis e políticos, e de sua possibilidade de participar na esfera pública(5-6). Deparam-se, também, com dificuldades de acesso aos serviços de saúde, e enfrentam barreiras até desproporcionais de acesso à educação e oportunidades de trabalho. Somando-se a estes fatores, pessoas com transtornos mentais e usuários de drogas morrem prematuramente, se comparadas com a população em geral(5-6).

Por outro lado, a vulnerabilidade também pode levar à deterioração da saúde mental. Estigma e discriminação geram baixa autoestima, diminuição da autoconfiança, motivação reduzida, e menos esperança no futuro(5-6). Resulta ainda em isolamento, considerado importante fator de risco para o surgimento dos transtornos mentais e uso de drogas. A saúde mental também é afetada quando são negados direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais(5-6).

Portanto, observa-se grande impacto dos transtornos mentais e uso de drogas nas famílias e comunidades, além do estigma, discriminação e exclusão social. Lidar com os problemas de saúde mental de grupos vulneráveis da população pode promover a maior participação das pessoas em atividades econômicas, sociais e cívicas. Nesse sentido, o referencial dos direitos humanos determina a proteção e promoção dos direitos humanos e resulta na obrigação dos países em assegurarem internamente os direitos das pessoas com transtornos mentais(5). Ações e práticas embasadas nos princípios estabelecidos pelos tratados e outros instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais, se integrados às políticas, planos e estratégias intersetoriais nacionais, podem melhorar substancialmente as condições de vida deste grupo vulnerável da população, estimulando sua conscientização e autonomia e possibilitando a construção compartilhada de experiências positivas de vida(5).

Considerando que não há possibilidade de autonomia sem admitir a condição de vulnerabilidade das pessoas(1,7), os artigos desta edição da Revista Eletrônica Saúde Mental, Álcool e Drogas (SMAD) nos convidam a refletir direta ou indiretamente sobre a relação entre saúde/doença mental e a vulnerabilidade individual, social e programática relacionada às pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool e outras drogas. Dessa forma, este número é composto por duas revisões de literatura e cinco artigos originais, que focam diferentes fatores associados aos transtornos mentais e uso de drogas, relacionando-os, explícita ou implicitamente, à situações de vulnerabilidade.

Vulnerabilidade não pode ser confundida com incapacidade e os grupos vulneráveis não devem ser considerados como vítimas passivas de seu próprio destino. Nessa perspectiva, é fundamental que estudos na área de saúde mental busquem caminhos alternativos para lidar com a vulnerabilidade das pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool e outras drogas. Dentre os artigos deste número, também são descritas ações de prevenção e promoção de saúde mental.

Enfim, a vulnerabilidade contém a possibilidade da autonomia, que se expressa, na prática, em possibilidades de "dizer e agir"(1), direitos tradicionalmente negados às pessoas com transtornos mentais e usuários de drogas. A utilização do referencial dos direitos humanos como base para o diálogo e mobilização das pessoas com transtornos mentais e usuários de drogas, em conjunto com outros atores sociais, pode ser um mecanismo para que estas pessoas lidem com sua própria vulnerabilidade, apropriando-se de sua realidade e criando condições para conscientemente agirem e a transformarem. Boa leitura a todos!

 

Referências

1. Sevalho G. The concept of vulnerability and health education based on the teory laid out by Paulo Freire. Interface. (Botucatu). 2018; 22(64):177-88. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0822.         [ Links ]

2. Ayres JRCM, França I Júnior, Calazans GJ, Saletti HC Filho. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM, organizadores. Promoção da saúde: conceitos, desafios, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 117-38.         [ Links ]

3. Ayres JRCM, Calazans GJ, Saletti HC Filho, França I Júnior. Risco, vulnerabilidade e práticas de prevenção e promoção da saúde. In: Campos GWS, Bonfim JRA, Minayo MCS, Akerman M, Drumond Júnior M, Carvalho YM, organizadores. Tratado de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006. p. 375-417.         [ Links ]

4. Ayres JRCM, Paiva V, França I Júnior, Gravato N, Lacerda R, Negra MD, et al. Vulnerability, human rights, and comprehensive health care needs of young people living with hiv/aids. Am J Public Health. 2006;96:1001-6. Doi: 10.2105/AJPH.2004.060905        [ Links ]

5. World Health Organization. Mental Health and Development: targeting people with mental health conditions as a vulnerable group. Geneva: WHO; 2010.         [ Links ]

6. World Health Organization. Social Determinants of Mental Health. Geneva: WHO; 2014.         [ Links ]

7. Amorim R Neto, Rosito MMB. Freire, Dussel e Kohlberg: da vulnerabilidade à autonomia. Rev Contrapontos. [Internet]. 2007 [Acesso 17 mar 2018];7(3):615-27. Disponível em: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/927/782        [ Links ]

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