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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

 ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.15 no.3 Ribeirão Preto jul./set. 2019

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2019.150193 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Síndrome de abstinência alcoólica: conhecimentos e cuidados da enfermagem na clínica cirúrgica do hospital geral

 

Síndrome de abstinencia alcohólica: conocimientos y cuidados de la enfermería en la clínica quirúrgica de un hospital general

 

 

Marciana Fernandes MollI; Carla Aparecida Arena VenturaII; Fabiana Cristina PiresIII; Nathália Nunes BoffIV; Cristiane Borges Facuri da SilvaV; Patrícia Costa de OliveiraVI

IUniversidade de Uberaba, Uberaba, MG, Brasil / Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIUniversidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIIUniversidade de Uberaba, Mário Palmério Hospital Universitário, Uberaba, MG, Brasil
IVUniversidade de Uberaba, Mário Palmério Hospital Universitário, Uberaba, MG, Brasil
VUniversidade de Uberaba, Mário Palmério Hospital Universitário, Uberaba, MG, Brasil
VIUNIMED, Uberaba, MG, Brasil

Autor Correpondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: investigar o conhecimento da equipe de Enfermagem sobre a síndrome de abstinência alcoólica e descrever os cuidados prestados por essa equipe às pessoas com síndrome de abstinência alcoólica internadas na clínica cirúrgica.
MÉTODO: estudo descritivo e qualitativo com 22 profissionais de Enfermagem que atuavam na clínica cirúrgica de um hospital geral e responderam a uma entrevista semiestruturada gravada e posteriormente transcrita. A Análise de Conteúdo e a Análise Temática foram utilizadas para avaliar os dados.
RESULTADOS: foram identificadas as categorias "O conhecimento da equipe de Enfermagem sobre a síndrome de abstinência alcoólica" e "Os cuidados prestados pela equipe de Enfermagem diante de pessoas em síndrome de abstinência alcoólica". A equipe de Enfermagem reconhece os sinais e sintomas da síndrome de abstinência alcoólica, mas não os diferencia em orgânicos e psíquicos. Prioriza-se a contenção mecânica associada à farmacoterapia na prestação dos cuidados.
CONCLUSÃO: recomenda-se sensibilizar e qualificar as equipes de Enfermagem para uma assistência pautada nas reais necessidades das pessoas com síndrome de abstinência alcoólica, pois esse é um desafio a ser superado para oferecer maior segurança no processo cirúrgico.

Descritores: Enfermagem; Hospitalização; Abstinência de Álcool; Conhecimento; Segurança.


RESUMEN

OBJETIVO: investigar el conocimiento del equipo de enfermería sobre el síndrome de abstinencia alcohólica y describir los cuidados prestados por ese equipo a las personas con síndrome de abstinencia alcohólica internadas en la clínica quirúrgica.
MÉTODO: estudio descriptivo y cualitativo. Veintidós profesionales de enfermería que actuaban en la clínica quirúrgica de un hospital general respondieron una entrevista semiestructurada que fue grabada y posteriormente transcrita. El análisis de contenido y el análisis temático se utilizaron para analizar los datos.
RESULTADOS: fueron identificadas las categorias: "El conocimiento del equipo de enfermeira sobre la síndrome de abstinencia alcohólica" y "Los cuidados oferecidos por el equipo de enfermeira para las personas com síndrome de abstinencia alcohólica". El equipo de enfermería reconoce los signos y síntomas del síndrome de abstinencia alcohólica, pero no los diferencia en orgánicos y psíquicos. Se prioriza la contención mecánica asociada a la farmacoterapia en la prestación del cuidado.
CONCLUSIÓN: se recomienda sensibilizar y calificar a los equipos de enfermería para una asistencia pautada en las reales necesidades de las personas con síndrome de abstinencia alcohólica es un desafío a ser superado para ofrecer mayor seguridad en el proceso quirúrgico.

Descriptores: Enfermería; Hospitalización; Abstinencia de Alcohol, Conocimiento; Seguridad.


 

 

INTRODUÇÃO

O uso de bebida alcoólica é uma realidade vivenciada no cotidiano, principalmente, durante festas e celebrações. Contudo, esse consumo se tornou um problema intersetorial, uma vez que aproximadamente 3,8% de todas as mortes globais e 4,6% das incapacidades por anos ajustados de vida se relacionam ao uso do álcool. O custo associado às consequências anteriormente descritas gira em torno de 1% da produção bruta de países de médio e alto rendimentos(1).

Dentre as diversas justificativas para o consumo excessivo do álcool, destaca-se o fato de essa substância ser lícita. A dependência alcoólica se relaciona diretamente aos fatores biológicos e culturais, uma vez que o valor simbólico do álcool define como é o relacionamento do indivíduo com essa substância, sendo um processo tanto individual, como social que indicará as situações do consumo da bebida(2).

De maneira geral, o consumo de álcool nas Américas é elevado, quando comparadas ao resto do mundo, pois o aumento considerável do consumo dessa substância é progressivo desde 2010 e, em 2015, representava um percentual de 13% entre as mulheres e 29% entre os homens(3).

Especificamente, no Brasil, a ingesta de álcool se caracteriza como um problema de saúde pública. Nessa perspectiva, estudo revela que, em 2013, a prevalência foi 13,7%, com destaque para adultos jovens (idade entre 18 e 29 anos), cuja prevalência é de 18,8%(4).

Os dados acima demonstram o crescimento do consumo de bebidas alcoólicas no cenário brasileiro, desencadeando a dependência alcoólica, considerada um sério e frequente problema no país. A dependência alcoólica é compreendida como um conjunto de fenômenos comportamentais cognitivos e fisiológicos, devido ao consumo exagerado, de modo contínuo ou periódico, de uma substância psicoativa, que o dependente sente dificuldade para controlar(5).

Entre 5% a 10% das mortes no Brasil são atribuíveis ao uso do álcool, corroborando a constatação de que o consumo de álcool é alto. Como consequência, os serviços de saúde têm a presença constante desses consumidores em busca de atendimentos devido à própria dependência ou às suas complicações(5). Destaca-se, ainda, que o risco de morte prematura é aumentado entre pessoas que consomem álcool abusivamente. Estudo que realizou metanálise de 81 estudos observacionais constatou um risco três vezes maior de morte entre as pessoas que têm transtornos relacionados ao álcool(6).

A partir dessa realidade, nos serviços de saúde, os profissionais podem se deparar com pessoas em síndrome de abstinência alcoólica (SAA) resultante da interrupção ou redução do consumo de bebida alcoólica ou quando o indivíduo alcançou uma tolerância ao álcool tão significativa que o organismo não consegue consumir as doses que seriam necessárias para evitar a abstinência(7).

Um conjunto de sinais e sintomas psíquicos e físicos agudos caracteriza as manifestações da referida síndrome(8). Dentre as manifestações psíquicas, apontam-se: insônia, agitação psicomotora, distúrbios de sensopercepção e crises convulsivas. Os sinais físicos ainda incluem: tremores, sudorese, oscilação da pressão arterial, temperatura maior que 38º C, mal-estar e cefaleia(7,9).

O início desses sinais e sintomas surge, geralmente, entre 24 e 36 horas, podendo variar entre seis e 72 horas e duram, em média, de sete a dez dias(9), o que pode ocorrer durante internações em hospitais gerais. No Brasil, nos últimos anos, foi possível observar que apenas durante a internação em serviços de saúde, por intercorrências clínicas, cirúrgicas e obstétricas decorrentes do comportamento aditivo, os profissionais são informados de que as pessoas são dependentes de álcool, o que, muitas vezes, ocorre quando já têm início as manifestações de abstinência(10).

Nos serviços de saúde, a equipe de Enfermagem exerce um papel assistencial importante e, ao se especificar a problemática da abstinência alcoólica, suas ações são essenciais, especialmente diante de manifestações físicas ou psíquicas que requerem cuidados qualificados e intensivos. É necessário, portanto, que os profissionais de Enfermagem valorizem os aspectos científicos para oferecer um cuidado de excelência(11).

Dessa maneira, a Enfermagem precisa estar atenta ao tipo de acolhimento que irá oferecer às pessoas com síndrome de abstinência alcoólica, pois ainda há muito preconceito e rotulações da sociedade, além do despreparo de grande parte da equipe. No entanto, devido à grande demanda da população com essa problemática, é importante que o profissional de Enfermagem esteja atento à identificação dos sinais e sintomas, inclusive em serviços de saúde não especializados, uma vez que pode facilitar o atendimento e as intervenções interdisciplinares para cuidar das necessidades decorrentes da abstinência alcoólica.

 

Objetivos

Investigar o conhecimento da equipe de Enfermagem, atuante na clínica cirúrgica de um hospital geral, sobre a síndrome de abstinência alcoólica e descrever os cuidados prestados pela equipe de Enfermagem da clínica cirúrgica às pessoas com síndrome de abstinência alcoólica internadas nesse setor.

 

Método

Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, desenvolvido em uma cidade com aproximadamente 300 mil habitantes localizada no interior de Minas Gerais. O hospital geral que constituiu o cenário da investigação possuía 225 leitos dos quais 25 são destinados à clínica cirúrgica.

Todos os profissionais de Enfermagem que atuavam na clínica cirúrgica foram convidados a participar desta investigação, totalizando 25 profissionais. Destes, 22 aceitaram participar: 18 (80,32%) mulheres, 16 (72,72%) casados e seis (27,27%) solteiros ou divorciados. Foram 14 técnicos de Enfermagem (63,63%) e oito enfermeiros (36,36%).

Os dados foram coletados, nos meses de agosto a outubro de 2016, por meio da entrevista semiestruturada. As questões envolviam os seguintes aspectos: conhecimento sobre os sinais e sintomas da síndrome de abstinência alcoólica, valorização desses sinais e sintomas pela equipe de Enfermagem e cuidados de Enfermagem oferecidos às pessoas com a referida síndrome durante a internação para intervenções cirúrgicas.

Antes do início da coleta dos dados, um dos pesquisadores abordava o profissional de Enfermagem e o convidava a participar do estudo. Depois da aceitação, era agendada a entrevista em um local reservado no próprio hospital e estipulado pelo próprio participante. Tais entrevistas duraram cerca de 45 minutos e foram gravadas e, posteriormente, transcritas.

Os dados foram analisados por meio de Análise de Conteúdo, que constitui um conjunto de técnicas de análise de comunicação, visando à sistematização do conteúdo das mensagens, efetuando deduções lógicas e justificadas e considerando emissor, contexto e efeitos(12).

Após essa técnica de análise, os dados foram sistematizados e avaliados, também por meio da Análise Temática, na qual foram identificados conteúdos que convergiram para significados semelhantes agrupados em unidades temáticas(13). Este método de análise se fundamentou nas diretrizes que estabelecem as seguintes fases: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados por meio da inferência e da interpretação(12).

Iniciou-se a investigação após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade de Uberaba (CAAE: 57476116.0.0000.5145), o que foi sucedido pelo esclarecimento de todos os participantes sobre os objetivos da pesquisa e pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A fim de proteger o anonimato dos participantes, eles foram identificados pelas letras TE (Técnicos de Enfermagem) com números sequenciais e E (Enfermeiros) com números sequenciais, segundo a ordem das entrevistas.

 

Resultados

Por meio da análise dos dados, foram identificadas duas categorias temáticas: "O conhecimento da equipe de Enfermagem sobre a síndrome de abstinência alcoólica" e "Os cuidados prestados pela equipe de Enfermagem diante de pessoas em síndrome de abstinência alcoólica".

O conhecimento da equipe de Enfermagem sobre a síndrome de abstinência alcoólica

Os participantes desta investigação destacaram os seguintes sinais e sintomas: tremores, taquicardia, sudorese, fadiga, vômitos, dispneia, inapetência, agitação, confusão mental, delírios, alucinações, delirium, agressividade, fala desconexa, depressão e ansiedade.

[...] eles apresentaram os sinais e sintomas como: tremor, ansiedade, taquicardia, agitação; sim, consigo identificar os sinais e sintomas desta síndrome como: tremor, ansiedade, taquicardia, agitação e fuga [...].(E1);

[...] agressividade, fala desconexa, tremores no corpo; sim, consigo identificar os sinais e sintomas desta síndrome como: irritabilidade, ansiedade [...]. (E3); [...] agitação, confusão, agressividade, fala desconexa, falta de apetite [...]. (E8); [...] tremor, agitação; sim, consigo identificar os sinais e sintomas desta síndrome como: ansiedade, tremores [...]. (T1); [...] tremores, sudorese, agitação, nervosismo, excesso de fome, boca seca, agitação, tremores, alguns apresenta confusão, outros, não, sudorese, taquicardia, cefaleia, pode apresentar convulsões. (T2)

A equipe de Enfermagem reconhece claramente os sinais e sintomas da síndrome de abstinência alcoólica, mas, quando se perguntou sobre a distinção entre aqueles que se relacionavam aos aspectos orgânicos e aqueles que eram psíquicos, evidenciou-se que não estava clara essa distinção.

Me parece que tudo é orgânico, não é? (T5); Acho que nada é psíquico, senão, teriam que ir para o Sanatório. (E3); Não tenho ideia. (T6)

Essa realidade sinaliza a necessidade de capacitar essa equipe para que fique clara a distinção entre os sinais e sintomas, bem como os riscos que oferecem para a pessoa hospitalizada para realizar uma intervenção cirúrgica, o que possibilitará prevenir complicações nos períodos pré, trans ou pós-operatório. Torna-se importante, considerando que existem lacunas nos conhecimentos da equipe de Enfermagem que participou deste estudo, expor as intervenções cuidativas prestadas às pessoas que apresentam a referida síndrome.

Cuidados prestados pela equipe de Enfermagem diante de pessoas em síndrome de abstinência alcoólica

Ao serem levantados os cuidados prestados à pessoa em síndrome de abstinência alcoólica, evidenciou-se que predomina a associação da farmacoterapia e da contenção mecânica, o que se expressa nos relatos que se seguem.

[...] dependendo da agitação, é necessário realizar contenção mecânica no indivíduo. Monitorizar o mesmo e realizar as medicações conforme prescrição médica [...].(E2); [...]contenção mecânica, administração de sedação, relaxantes musculares, conforme orientações médicas [...].(E4); [...]tranquilizar a pessoa, administrar medicações CPM [...].(E8); [...] contenção, medicação de acordo com avaliação médica e prescrição [...].(T3); [...] sedação e contenção, se prescrito pelo médico [...].(T13)

Apenas um dos participantes referiu promover o conforto e estabelecer uma relação centrada na confiança.

[...] procurando fazer com que o indivíduo sinta o mais confortável e ganhar confiança dele para que ele se sinta mais calmo no pós-operatório. (T12)

Esse relato aponta uma intervenção específica no período pós-operatório, mas um enfermeiro mencionou uma ação a ser executada também no período pré-operatório, que contribui para a prevenção de quedas e traumas.

Durante o pré e o pós-operatório, é importante tranquilizar a pessoa, orientar acompanhante a não deixar a pessoa sozinha, evitar que o indivíduo deambule sozinho para não sofrer quedas e traumas [...]. (E8)

Dentre todos os participantes, apenas o E8 incluiu o acompanhante durante os períodos pré e pós-operatório de pessoas com síndrome de abstinência alcoólica, o que significa que esse profissional valoriza a necessidade de monitoramento contínuo da síndrome de abstinência alcoólica, bem como a segurança da pessoa hospitalizada, o que qualifica os cuidados prestados.

De maneira geral, entre os cuidados prestados às pessoas com síndrome de abstinência alcoólica, predomina o uso da medicação associada à contenção mecânica, o que pode ser necessário para proporcionar a segurança da pessoa em crise e das demais pessoas próximas a ela. Contudo, os cuidados de Enfermagem não devem se restringir apenas às intervenções nos momentos de crise, mas serem executados desde a identificação dos primeiros sinais e sintomas, para se assegurar cuidados mais humanizados e menos coercitivos.

 

Discussão

Percebe-se, considerando que a internação no hospital geral acarreta a interrupção do uso do álcool, que há grande probabilidade de uma pessoa dependente dessa substância evoluir para a síndrome de abstinência alcoólica dentro do próprio hospital(14).

Os sintomas mais comuns da síndrome de abstinência alcoólica são tremores, desconforto gastrointestinal, ansiedade, irritabilidade, aumento da pressão arterial, taquicardia e hiperatividade autonômica. Outros sintomas menos comuns, porém, mais graves, são convulsões, alucinações e delirium(14).

São sintomas orgânicos da referida síndrome a instabilidade autonômica caracterizada por taquicardia, hipertensão, hipertermia e sudorese, além de outros como tremores, fadiga, vômito, dispneia e falta de apetite(7). Ainda é importante destacar que a persistente disfunção autonômica pode resultar em lesão cerebral secundária, podendo ser fatal(15).

Já os sintomas psíquicos resultam de modificações anatômicas e fisiológicas no cérebro que desencadeiam alterações neurobiológicas na estrutura anatômica dos neurônios, o que interrompe o efeito de euforia do álcool e, por isso, a pessoa deixa de sentir o prazer de antes, mas continua impelida a buscar a substância, uma vez que seu corpo se adaptou à sua presença e sentirá a falta em caso de abstinência(17).

Os participantes, de maneira geral, identificam os sinais e sintomas da síndrome de abstinência alcoólica dando ênfase a sintomas psíquicos, entretanto, não valorizam os sintomas considerados mais graves. Além disso, os participantes não distinguem os sinais e sintomas orgânicos dos psíquicos, o que demonstra lacuna em seu conhecimento. Nesse sentido, estudo recente esclarece que tais sintomas podem não ser reconhecidos na prática clínica cotidiana do enfermeiro, principalmente se este não tiver o conhecimento específico(9).

Os profissionais de Enfermagem continuam recebendo pouca ou nenhuma informação e treinamento nas questões relativas à síndrome de abstinência alcoólica, o que pode estar entre os fatores que levam o enfermeiro a não distinguir os sinais e sintomas de possíveis problemas de saúde relacionados ao uso de álcool(7).

A lacuna evidenciada no conhecimento mostra a fragilidade na formação dos participantes, o que pode afetar a qualidade da assistência de Enfermagem às pessoas que apresentam a síndrome de abstinência alcoólica, já que tal distinção sobre os sinais e sintomas influencia a prestação de cuidados(11).

O enfermeiro é o profissional que possui mais proximidade das pessoas hospitalizadas, desde a admissão, até a alta, e isso lhe permite analisar criteriosamente alterações e evolução, sejam elas orgânicas ou psíquicas(17).

Entretanto, quando se trata de pessoas em síndrome de abstinência alcoólica, a falta de conhecimento sobre as particularidades desse comprometimento compromete a prestação dos cuidados necessários, o que pode ocorrer em função de deficiências na formação ou por comodismo(17). Sendo assim, é necessário que a equipe de Enfermagem esteja capacitada para reconhecer sinais e sintomas físicos e psíquicos da síndrome de abstinência alcoólica.

No que se refere aos cuidados oferecidos pela equipe de Enfermagem diante de pessoas em síndrome de abstinência alcoólica, nota-se que, gradualmente, está ocorrendo mudança no entendimento quanto à prestação da assistência em Psiquiatria, pois o tratamento medicamentoso não é mais visto como método único e exclusivo e, sim, mais um recurso terapêutico aliado a outros, tais como a formação de vínculo com as pessoas hospitalizadas(18). Contudo, essa realidade não está presente no cotidiano de cuidados da maioria dos participantes desta investigação, que prioriza a associação da farmacoterapia à contenção mecânica para prestar cuidados à pessoa em síndrome de abstinência alcoólica.

Acrescenta-se que a utilização da contenção mecânica deve ser precedida por uma avaliação global da situação em que a pessoa se encontra, para se verificar a real necessidade desse procedimento, que pode ou não ser acompanhado de contenção química(19).

De maneira geral, infere-se que os participantes desta investigação não realizam essa avaliação global e não consideram as características particulares de cada sujeito do qual estão cuidando, o que é apontado como fundamental em estudo que abordou a percepção do enfermeiro no cuidar à pessoa com transtorno mental(20).

Destaca-se que apenas um dos participantes referiu promover o conforto e estabelecer uma relação centrada na confiança para proporcionar o cuidado às pessoas em síndrome de abstinência, o que se relaciona a um cuidado fundamentado no relacionamento terapêutico. Essa estratégia é mencionada como essencial para que a assistência de Enfermagem em saúde mental seja eficaz e requer a promoção de atenção, o diálogo e a demonstração de interesse diante dos pensamentos, sentimentos e comportamentos das pessoas(18). Nesse sentido, deve-se valorizar a utilização da comunicação terapêutica durante todo o período de internação, para se estabelecer um vínculo junto à pessoa e, assim, facilitar o manejo nos momentos de crise(21).

A especificidade cirúrgica dessas pessoas foi abordada por um dos enfermeiros, que incluiu o acompanhante durante os períodos pré e pós-operatório de pessoas com síndrome de abstinência alcoólica, para que exista uma parceria em prol do monitoramento contínuo da síndrome de abstinência alcoólica e da segurança da pessoa hospitalizada.

Contudo, os cuidados necessários durante o período transoperatório não foram apontados pelos participantes. Tais cuidados são essenciais e precisam ser valorizados e, nesse sentido, estudo recente(22) evidenciou que o desenvolvimento de úlcera por pressão (UPP) constitui uma das complicações mais frequentes durante o ato cirúrgico e, entre os fatores de risco intrínsecos para a sua ocorrência, destacam-se condições clínicas, tais como vasculopatias, picos hipertensivos, desnutrição e desidratação, que desestabilizam a perfusão capilar e predispõem à referida complicação. Dessa forma, reforça-se a necessidade de se proporcionar cuidados no período transoperatório às pessoas com síndrome de abstinência alcoólica que tendem a apresentar a instabilidade autonômica que gera os referidos fatores intrínsecos. Sendo assim, representam cuidados prioritários: utilizar de recursos de proteção (dispositivos acolchoados, por exemplo) para a manutenção da integridade da pele durante o ato cirúrgico; assegurar a perfusão sanguínea eficaz ao fixar extremidades de membros superiores ou inferires; alinhar a cabeça à coluna vertebral e ao quadril e avaliar as necessidades específicas para a manutenção da integridade da pele, conforme a posição indicada para o acesso à área cirúrgica(22).

Nessa perspectiva, o hospital geral, como um novo cenário de cuidados em Psiquiatria, no Brasil, permite a participação da família/acompanhante durante o tempo de internação, e este novo sujeito no cotidiano assistencial favorece a evolução da pessoa hospitalizada e possibilita a humanização do cuidado(23-24).

Ao considerar que a síndrome de abstinência alcoólica é uma realidade frequente em todos os serviços de saúde, ora levando as pessoas ao tratamento, ora como um episódio desencadeado durante a internação, é fundamental que o enfermeiro incorpore um papel terapêutico e não opressor, desprendendo-se do modelo biomédico que visa apenas à doença e não ao sujeito em seu contexto social, considerando as diferentes dimensões que constituem o ser humano. Assim, na atualidade, o profissional deve organizar seus fazeres fundamentado na integralidade da atenção em saúde, com base em uma ótica mais flexível e criativa, vislumbrando um cuidado complexo e singular(25).

 

Conclusão

De maneira geral, evidenciou-se que a equipe de Enfermagem reconhece os sinais e sintomas da síndrome de abstinência alcoólica, mas não os distingue em orgânicos ou psíquicos, o que a impossibilita avaliar os riscos aos quais essas pessoas estão expostas e, por conseguinte, interfere-se na prestação dos cuidados, que se centram na contenção mecânica associada à farmacoterapia.

Contudo, destaca-se que uma das limitações deste estudo consiste no fato de ele ter ocorrido em apenas um serviço de saúde, o que restringe as possibilidades de generalização. No tocante à escolha pela unidade de internação da clínica cirúrgica, esta pode ser vislumbrada sob duas perspectivas: primeiramente, no hospital geral, onde ocorreu a investigação, existem seis leitos de Psiquiatria que se situam na clínica médica e toda a equipe de Enfermagem atuante nesse setor foi capacitada para prestar cuidados de Enfermagem em Psiquiatria e essa mesma capacitação não se estendeu para outras unidades de internação, tal como a clínica cirúrgica; por outro lado, a síndrome de abstinência alcoólica pode interferir na intervenção cirúrgica propriamente dita, nos períodos pré, trans e pós-operatório, e não foi possível, neste estudo, identificar cuidados centrados na amenização desse agravo que, certamente, ampliaria a discussão nesse sentido.

Mesmo diante das limitações supracitadas, acredita-se que este estudo apresentou resultados importantes para o planejamento de intervenções educativas para os profissionais de Enfermagem que atuam no âmbito dos serviços de saúde, especialmente em serviços não especializados em Psiquiatria. Os achados encontrados reforçam a necessidade de que todas as ações relacionadas aos cuidados às pessoas que estão hospitalizadas, sobretudo àquelas que serão submetidas a intervenções cirúrgicas, sejam centradas no atendimento de todas as necessidades orgânicas e psíquicas, sobretudo com o foco na diminuição dos riscos que a síndrome de abstinência alcoólica pode ocasionar no processo cirúrgico.

 

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Autor Correpondente:
Marciana Fernandes Moll
E-mail: mrcna13@yahoo.com.br

Recebido: 09.09.2018
Aceito: 07.12.2018

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