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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

 ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.16 no.1 Ribeirão Preto jan./mar. 2020

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.153349 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil lipídico e consumo de bebida alcoólica: estudo longitudinal de saúde do adulto (ELSA-BRASIL)*

 

Perfil lipídico y consumo de bebida alcohólica: Estudio Longitudinal de Salude do Adulto

 

 

Ludmila Macêdo NaudI,II; Isabela Judith Martins BensenorIII; Paulo Andrade LotufoIV

IUniversidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Departamento de Epidemiologia, São Paulo, SP, Brasil
IIMinistério da Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Brasília, DF, Brasil
IIIUniversidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, São Paulo, SP, Brasil
IVUniversidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, São Paulo, SP, Brasil

Autor correspondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: investigar o efeito do consumo de álcool em geral e do tipo de bebida alcoólica consumida, em diferentes medidas lipídicas.
MÉTODO: o efeito do consumo de álcool foi investigado, bem como do tipo de bebida alcoólica, em diferentes medidas lipídicas, em ambos os sexos de população do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto.
RESULTADOS: foram realizadas análises em relação ao tipo e quantidade de consumo de bebida alcoólica por sexo. O consumo baixo-a-moderado de álcool, independentemente do tipo de bebida alcoólica consumida, resultou em níveis mais elevados de HDL-colesterol, HDL2-colesterol e HDL3-colesterol em homens e mulheres. Não houve participantes da pesquisa que consumiam quantidade baixa a moderada de bebidas alcoólicas destiladas. Os triglicerídeos tiveram efeitos inversos para homens e mulheres no perfil lipídico. Para homens, bebidas destiladas contribuíram para melhor perfil dos triglicerídeos, enquanto para mulheres foi o contrário. Homens que consumiam bebidas alcoólicas destiladas tiveram níveis menores de triglicerídeos e mulheres que consumiam bebidas alcóolicas destiladas tiveram níveis maiores. Nossos resultados estão de acordo com os de estudos anteriores.
CONCLUSÃO: o consumo de álcool resultou em níveis diferentes de medidas lipídicas séricas em homens e mulheres. Dessa forma, conclui-se que a resposta ao álcool tem diferenças biológicas.

Descritores: Alcoolismo; Gorduras; Lipoproteínas HDL; Distribuição por Sexo.


RESUMEN

OBJETIVO: investigar el efecto del consumo de alcohol general, así como el tipo de bebida alcohólica consumida, en diferentes medidas lipídicas.
MÉTODO: el efecto del consumo de alcohol fue investigado, así como el tipo de bebida alcohólica, en diferentes medidas lipídicas en ambos sexos de población del Estudio Longitudinal de Salud del Adulto.
RESULTADOS: se realizaron análisis en relación al tipo y cantidad de consumo de bebida alcohólica por sexo. El consumo bajo a moderado de alcohol, independientemente del tipo de bebida alcohólica consumida, resultó en niveles más altos de HDL-colesterol, HDL2-colesterol y HDL3-coleseterol en hombres y mujeres. No hubo participantes de investigación que consumían en cantidad baja a moderada de bebidas alcohólicas destiladas. Los triglicéridos tuvieron efectos inversos para hombres y mujeres en el perfil lipídico. Para los hombres, las bebidas destiladas contribuyeron a un mejor perfil de los triglicéridos, mientras que para las mujeres fue lo contrario. Los hombres que consumían bebidas alcohólicas destiladas tenían niveles más pequeños de triglicéridos y las mujeres que consumían bebidas alcohólicas destiladas tuvieron niveles más altos. Nuestros resultados están de acuerdo con estudios anteriores.
CONCLUSIÓN: el consumo de alcohol resultó en niveles significativamente mayores de HDL-colesterol, HDL2-colesterol y HDL3-colesterol, tanto en mujeres como en hombres. De esta forma, se concluye que la respuesta al alcohol tiene diferencias biológicas.

Descriptores: Alcoholismo; Grasas; Lipoproteínas HDL; Distribución por Sexo.


 

 

Introdução

Alguns estudos prospectivos têm encontrado que o consumo baixo-a-moderado e constante de álcool estaria associado à redução do risco de doença coronariana(1-4), sendo essa redução relacionada aos efeitos benéficos do álcool sobre os lipídios, principalmente o HDL-colesterol(5-7). Os efeitos protetores do álcool contra a doença coronariana estaria mediado pelo aumento do HDL-colesterol(8). Embora menos frequente, a diminuição no LDL-colesterol também tem sido relatada e, além do HDL-colesterol e LDL-colesterol, o álcool também tem mostrado alterar os níveis de triglicerídeos. Em média, a cada grama de álcool consumida por dia a mais, aumentou-se o nível de triglicerídeos em 0,19mg/dL(9-10).

A maior parte desses estudos avaliou os efeitos da bebida alcoólica e o aparecimento de doenças, entretanto, a influência dos diferentes tipos de bebidas alcoólicas nos níveis plasmáticos de lipídios tem sido investigada em menor grau e em populações específicas, sendo geralmente estudados indivíduos do sexo masculino ou os efeitos do consumo alcoólico em populações dependentes da substância. Até onde sabemos, este é o único estudo a investigar a associação entre o consumo de bebidas alcoólicas e medidas lipídicas em uma amostra brasileira tão grande, comparando os efeitos em homens e mulheres.

Estudos experimentais e transversais têm relatado os efeitos benéficos do consumo de álcool no HDL-colesterol que independem do tipo de bebida alcoólica ingerida, mas que estão relacionados ao próprio consumo de álcool. Eles sugerem que os componentes não alcoólicos, como os polifenóis antioxidantes do vinho tinto, seriam os responsáveis pelo efeito cardioprotetor(9,11-13). O objetivo deste estudo foi investigar o efeito do consumo de álcool em geral, assim como o tipo de bebida alcoólica consumida, em diferentes medidas lipídicas.

 

Método

ELSA-Brasil

O ELSA-Brasil é uma coorte com 15.105 participantes entre 35 e 74 anos em seis cidades brasileiras. A população corresponde a docentes e funcionários ativos e aposentados de seis instituições de pesquisa brasileiras: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Minas Gerais, Fundação Oswaldo Cruz, Universidade Federal da Bahia e Universidade Federal do Espírito Santo(6). Resumidamente, entre 15.105 participantes avaliados em 2008-10, 4.979 deles tinham perfil lipídico medido por ultracentrifugação de densidade vertical (Vertical Auto Profile - VAP) do centro de coleta do estado de São Paulo(7). Foram excluídos indivíduos que não tinham dados de consumo de bebidas alcoólicas, totalizando 4.976 pessoas analisadas no presente estudo.

Cada participante respondeu a uma entrevista de acordo com um protocolo padrão. As entrevistas e exames foram feitos por entrevistadores capacitados em um rígido controle de qualidade. O ELSA-Brasil foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo com o cadastro CEP-HU: 659/06 e, à época, com o Cadastro SISNEP: FR-93920. Após a criação da Plataforma Brasil, o ELSA-Brasil foi aprovado pela Conep, com o CAAE: 08109612.7.1001.0076 e todos os participantes envolvidos nesta pesquisa forneceram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Medidas de subclasses de lipoproteínas e LDL

A coleta de sangue ocorreu após jejum noturno de 12 horas. As amostras de sangue foram centrifugadas no centro local e armazenadas em tubos à temperatura de -80 ºC. Um perfil lipoproteico completo, que incluiu colesterol no plasma, HDL-colesterol, HDL2-colesterol, HDL3-colesterol, lipoproteína A, LDL-real (colesterol LDL sem IDL e Lipoproteína A), IDL-colesterol e VLDL-colesterol para cada indivíduo foi determinado utilizando a metodologia Vertical Auto Profile - VAP (Atherothech®, Birmingham, Alabama, EUA). VAP é um método de medida direta, sem estimativas envolvidas. É baseado na combinação de ultracentrifugação e um analisador enzimático de colesterol de fluxo contínuo, sendo altamente sensível e reproduzível.

A análise do perfil de colesterol da subclasse foi realizada utilizando o método LDL-VAP, que é uma modificação do procedimento VAP projetado para separar as subclasses de LDL-colesterol, variando de LDL1-colesterol a LDL4-colesterol.

Consumo de álcool

Para avaliar o consumo de bebidas alcoólicas (cerveja, vinho, destilados), foi utilizado o Questionário de Uso de Álcool, estruturado com perguntas fechadas e baseado no questionário do National Center for Health Statistics. O padrão de bebida e da frequência semanal de consumo de álcool de bebidas foi determinado com base nesse questionário.

Para o cálculo da quantidade de etanol em gramas, a porcentagem média de álcool das marcas de bebida mais comuns do mercado foi utilizada sendo: cerveja: 6%, vinho: 12% e destilados: 39%. Primeiramente, a quantidade reportada semanalmente pela medida em mL foi determinada e, posteriormente, a quantidade de ingestão de álcool puro em mL/semana foi calculada de acordo com a concentração de álcool em cada bebida. Subsequentemente foram adicionadas à quantidade de álcool consumido em tipos de bebida e depois, multiplicou-se pela densidade de etanol (0,8) para obter a quantidade total de etanol puro em grama por semana. Pessoas que consumiam álcool excessivamente foram categorizadas como aquelas que tiveram consumo de etanol maior ou igual a 210g/semana para homens e maior ou igual a 140g/semana para mulheres.

Análise estatística

Todas as análises estatísticas foram feitas utilizando o software SPSS, versão 17. Por conta dos diferentes padrões de bebida entre homens e mulheres e suas variações nas medidas lipídicas, todas as análises foram conduzidas separadamente. A análise de normalidade foi realizada utilizando o teste de Kolmogorov-Smirnov.

O consumo de álcool foi considerado como variável categórica (baixo-a-moderado e excessivo). As categorias de baixo-a-moderado foram definidas diferentemente por sexo segundo as US Department of Agriculture Dietary Guidelines 2005, sendo para homens: baixo-a-moderado menor ou igual a 210g/semana, e excessivo maior que 210g/semana, enquanto para mulheres, baixo-a-moderado foi menor ou igual a 140g/semana e excessivo maior que 140g/semana.

Quando considerado o tipo específico de bebida alcoólica consumida, foram levadas em consideração pessoas que não só eram inclinadas a consumir somente um tipo de bebida alcoólica, mas que consumiam também diferentes tipos de vinho, bebida ou destilados. Para isso, foi definido um tipo particular de bebida alcoólica predominante se o consumo desse tipo específico de bebida totalizasse dois terços ou mais da quantidade total de etanol consumida.

Para comparação dos tipos de bebida consumida (abstêmio, consumidores de vinho, cerveja, destilado ou misto), foi utilizado o teste One-Way ANOVA. Para a comparação de consumidores de bebida baixo-a-moderado com excessivo para cada tipo de bebida, foi realizado o teste t de Student.

 

Resultados

As medidas lipídicas médias para cada estrato de sexo estão nas Tabelas 1, 2 e 3. Os valores estão divididos de acordo com a quantidade de consumo de álcool e o tipo de bebida alcoólica consumida. HDL-colesterol, HDL2-colesterol, HDL3-colesterol, LDL4-colesterol, VLDL-colesterol, VLDL3-colesterol, razão VAP B/VAP A, triglicerídeos e VAP A1 tiveram diferenças significativas entre abstêmios, consumidores de vinho, cerveja, destilado e misto. E em relação à quantidade de bebida, só foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os consumidores mistos de bebida alcoólica, sendo os valores de HDL-colesterol, HDL2-colesterol, HDL3-colesterol e VAP A1 maiores para quem bebia excessivamente. Tanto para homens quanto para mulheres, não houve participantes que consumiam bebidas destiladas moderadamente.

No geral, verificaram-se níveis menores de HDL-colesterol entre os consumidores de cerveja e níveis elevados entre os consumidores de mais de um tipo de bebida alcoólica; valores de LDL4-colesterol mais baixos para os consumidores de vinho e mais elevados para quem consumia bebidas destiladas; valores mais baixos de VLDL-colesterol para quem consumia somente bebidas destiladas e valores mais elevados para os que consumiam cerveja; valores mais baixos de triglicerídeos para consumidores de vinho e valores mais elevados para consumidores de bebida destilada; valores mais baixos de VAP A1 para consumidores de bebidas destiladas e valores mais elevados para consumidores de bebidas mistas.

Em relação aos homens, os valores de HDL-colesterol, HDL2-colesterol, HDL3-colesterol, LDL4-colesterol, VLDL-colesterol, triglicerídeos e VAP A1 apresentaram diferenças estatisticamente significativas, e entre as quantidades de bebida alcóolica foi apresentada diferença entre a quantidade de vinho para HDL2-colesterol e misto para HDL-colesterol, HDL2-colesterol, HDL3-colesterol e VAP A1 (Tabela 2). Na população masculina, consumidores de cerveja tiveram valores menores de HDL-colesterol, HDL2-colesterol e HDL3-colesterol e consumidores de destilados tiveram valores maiores; abstêmios tiveram níveis mais baixos de LDL2-colesterol e consumidores de cerveja tiveram níveis mais altos; quem consumia mais de um tipo de bebida alcóolica teve níveis menores de IDL-colesterol e consumidores de destilados tiveram níveis mais altos; consumidores de mais de um tipo de bebida tiveram níveis mais baixos de triglicerídeos e níveis mais altos foram observados para consumidores de destilados; consumidores de bebidas destiladas tiveram níveis mais baixos de VAP A1 e consumidores de bebidas mistas tiveram níveis mais altos.

Quanto às mulheres, somente foram apresentadas diferenças de HDL-colesterol, HDL2-colesterol, HDL3-colesterol, LDL2-colesterol, IDL-colesterol, triglicerídeos e VAP A1 (Tabela 3). Mulheres que consumiam somente destilados tiveram níveis mais baixos de HDL-colesterol, HDL2-colesterol e HDL3-colesterol e mulheres que consumiam mais de um tipo de bebida alcóolica tiveram níveis mais altos; mulheres que não bebiam tiveram níveis mais baixos de LDL2-colesterol e mulheres que bebiam somente cerveja tiveram níveis mais altos; quem consumia mais de um tipo de bebida alcóolica teve níveis mais baixos de IDL-colesterol e triglicerídeo e mulheres que bebiam somente bebidas destiladas tiveram níveis mais elevados; para VAP A1, mulheres que só consumiam destilados tiveram níveis mais baixos e mulheres que bebiam mais de um tipo de bebida alcóolica tiveram níveis mais elevados.

 

Discussão

No presente estudo, demonstramos que o consumo de álcool pode resultar em níveis significantemente maiores de HDL-colesterol, HDL2-colesterol e HDL3-colesterol. O efeito do consumo de bebida alcoólica foi similar para LDL2-colesterol, IDL-colesterol, triglicerídeos e VAP A1 para homens e mulheres. O consumo elevado de bebidas alcoólicas destiladas estava associado a maiores níveis de IDL-colesterol, LDL2-colesterol e triglicerídeos. A diferença se deu para o consumo de vinho. Os níveis lipídicos séricos em resposta ao consumo de vinho foram inversos entre os homens e mulheres. Para as mulheres, quanto maior o consumo de vinho, maiores os níveis de HDL-colesterol, HDL2-colesterol e HDL3-colesterol, e para homens, o contrário. No geral, nossos resultados confirmam estudos anteriores associando o consumo de álcool, independentemente do tipo de bebida, com níveis mais elevados de HDL-colesterol, HDL2-colesterol e HDL3-colesterol quando homens e mulheres são avaliados juntos. Entretanto, ao estratificar por sexo, observamos resultados opostos.

Os efeitos do consumo de álcool nos perfis lipídicos foram primeiramente investigados em homens. Os primeiros estudos envolvendo mulheres não realizaram análises por sexo. Os poucos estudos que avaliaram essa relação em populações separadas de homens e mulheres indicaram que a associação do consumo de álcool teve diferença entre homens e mulheres, tendo o consumo de vinho, confirmando nossos achados, aumentado os níveis de HDL-colesterol em mulheres(11,14-15). Esse resultado pode estar ligado ao fato de que as mulheres são mais sensíveis aos efeitos do álcool que o homem, principalmente no que diz respeito à função hepática. As concentrações alcoólicas também diferem entre homens e mulheres. Maiores concentrações alcóolicas são encontradas em mulheres após a ingestão da mesma quantidade de álcool. Esse efeito é atribuído ao menor metabolismo gástrico de mulheres. Neste estudo, os níveis de HDL-colesterol foram maiores com o consumo de bebidas destiladas em homens e menores em mulheres, isso também já foi identificado previamente(16,17). No geral, achamos diferenças nos níveis lipídicos e no consumo de álcool em homens e mulheres, mas esses resultados não devem ser extrapolados por falta de medidas metabólicas e bioquímicas mais detalhadas.

As diferenças na resposta lipídica entre homens e mulheres são nítidas. Para os homens, houve diferença no que diz respeito à quantidade de consumo de bebidas alcoólicas mistas para HDL-colesterol, HDL2-colesterol e HDL3-colesterol, mas não para mulheres. Homens que consumiam bebidas alcóolicas mistas excessivamente estavam associados com níveis maiores de HDL-colesterol quando comparados aos homens que consumiam em quantidade baixa a moderada. Pesquisas anteriores do ELSA-Brasil mostraram o perfil da população e demonstraram que o HDL-colesterol, HDL2-colesterol e HDL3-colesterol são inversamente associados com resistência à insulina e inflamação subclínica(18), que o consumo de álcool aumentava o risco de pressão arterial elevada(19) e que o consumo de bebida alcoólica, quando associado com ingestão de refeições, mostrava um perfil lipídico mais favorável(20).

Para os valores de triglicerídeos, os homens que só consumiam bebidas destiladas excessivamente tiveram valores menores. Enquanto para aqueles que bebiam somente cerveja, os valores foram maiores. Para as mulheres, quem consumia bebidas mistas teve níveis mais baixos de triglicerídeos, sendo que aquelas que bebiam excessivamente apresentaram níveis ainda mais baixos. Mulheres que consumiam bebidas alcoólicas destiladas tiveram níveis mais elevados de triglicerídeos. Existem estudos que mostram uma relação robusta entre ingestão de álcool e aumento de triglicerídeos, principalmente nos efeitos que o álcool tem na variação genética, especialmente nos genes relacionados ao metabolismo do álcool(21).

Para o LDL-colesterol, estudos anteriores têm demonstrado resultados conflitantes entre a relação do consumo de álcool e LDL-colesterol(22). Recentemente, propôs-se que as diferenças podem estar conectadas com variações genéticas no metabolismo de apolipoproteínas, particularmente os polimorfismos da apolipoproteína A5(21).

Embora o mecanismo para as diferenças entre os homens e mulheres não esteja totalmente compreendido, as diferenças podem ser devidas à composição corporal, metabolismo da insulina e glicose, além de fatores genéticos(23). Tamanha diferença entre os sexos é intrigante, pois o mecanismo exato pelo qual o álcool afeta as medidas lipídicas ainda permanece em grande parte desconhecido(8,24-27). Essas diferenças podem ser explicadas por diferenças genéticas, e para tanto, mais estudos são necessários. Estudos clínicos e epidemiológicos sugerem que é, principalmente, o vinho tinto que ajudaria a proteger contra doenças cardiovasculares, aterosclerose e síndrome metabólica, possivelmente, por conta dos polifenóis nele presentes, como o resveratrol, antocianina, flavonol e catequina, que trazem benefícios para saúde. Além deles, os próprios metabólitos podem ser os principais atores da proteção cardiovascular. Na cerveja, o xantohumol e seus metabólitos isoxantohumol e fitoestrógeno 8-fenilnaringenina também têm propriedades saudáveis. Além disso, qualquer efeito saudável do vinho e da cerveja são maiores em combinação com uma dieta saudável, rica em frutas, vegetais e cereais integrais. Há evidências de que os polifenóis têm efeitos sinérgicos com compostos encontrados em outros grupos de alimentos(28). No entanto, recomenda-se que consumidores excessivos de álcool ou abstêmios não devem ser encorajados ao consumo de álcool por efeito protetor no perfil lipídico, pois as consequências deletérias do álcool podem ser maiores do que os possíveis benefícios envolvidos.

As limitações do estudo se devem ao fato de a coleta dos dados sobre o consumo de álcool ter se baseado no autorrelato, pois especialmente quando se trata de consumo de álcool, os participantes de pesquisa tendem a dar respostas que sejam socialmente desejáveis. Portanto, o consumo de álcool pode estar subestimado, principalmente em grupos que bebem excessivamente. O desenho do estudo também é outra limitação. Embora o ELSA-Brasil seja um estudo longitudinal, este estudo teve um corte transversal, não sendo possível fazer inferências de causalidade. Por fim, a classificação utilizada poderia subestimar os números de compulsão alcóolica episódica.

 

Conclusão

No geral, este estudo mostrou que o consumo de álcool, independentemente do tipo da bebida alcóolica consumida, resultou em níveis significativamente maiores de HDL-colesterol, HDL2-colesterol e HDL3-colesterol, tanto em mulheres como em homens. O consumo de álcool demonstrou contribuir para um melhor perfil lipídico, o que já vem sendo demonstrado na literatura. Pesquisas anteriores mostraram associação inversa entre o consumo de álcool e doenças cardiovasculares, tanto em homens quanto em mulheres.

 

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Autor correspondente:
Ludmila Macêdo Naud
E-mail: ludmilanaud@gmail.com

Recebido: 01.04.2019
Aceito: 30.07.2019

 

 

Contribuição dos autores: Ludmila Macêdo Naud participou das etapas de Concepção e desenho da pesquisa, Análise e interpretação dos dados, Análise estatística e Redação do manuscrito; lsabela Judith Martins Bensenor e Paulo Andrade Lotufo participaram da Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante.
Todos os autores aprovaram a versão final do texto.
Conflito de interesse: os autores declararam que não há conflito de interesse.
* Artigo extraído da tese de doutorado "Determinação dietética das subfrações lipídicas por ultracentrifugação vertical e ressonância nuclear magnética", apresentada à Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Departamento de Epidemiologia, São Paulo, SP, Brasil.

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