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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

 ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.17 no.3 Ribeirão Preto jul./set. 2021

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2021.000178 

10.11606/issn.1806-6976.smad.2021.000178 EDITORIAL

 

Recursos humanos em saúde mental, álcool e drogas: formação e competências nas Américas*

 

 

Elizabeth EsperidiãoI,II; Maria Giovana Borges SaidelII,III; Jeferson RodriguesII,IV; Sônia BarrosII,V

IUniversidade Federal de Goiás, Faculdade de Enfermagem, Goiânia, GO, Brasil
IIAssociação Brasileira de Enfermagem, Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental, Brasília, DF, Brasil
IIIUniversidade Estadual de Campinas, Faculdade de Enfermagem, Campinas, SP, Brasil
IVUniversidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Enfermagem, Florianópolis, SC, Brasil
VUniversidade de São Paulo, Escola de Enfermagem, Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica, São Paulo, SP, Brasil

Autor Correpondente

 

 

 

A formulação e execução das políticas públicas em saúde pressupõe qualificação de recursos humanos para que sejam empreendidas com efetividade técnica e ética nos desdobramentos cotidianos. No cenário da atenção em saúde mental não é diferente, visto que a questão das competências para o cuidado tem sido uma das principais adversidades no cumprimento das prerrogativas que orientam medidas para melhoria das condições de saúde da população. O contexto mundial destas políticas volta-se cada vez mais para a valorização da vida, respeito à dignidade humana, segurança do paciente e defesa dos direitos de cidadania objetivando a valorização destes na oferta de cuidado. Nas Américas, estes recursos seguem em desafio para a consolidação do modelo de atenção psicossocial e do processo da Reforma Psiquiátrica.

A reorientação do modelo para o cuidado em saúde mental requer compreensão da complexidade dos problemas, elaboração das respostas, novas formas de cuidado, ressignificação da relação com usuários, familiares, comunidade e entre os profissionais. É imperativo rever formas de gestão, relações de poder e separação entre o pensar e o fazer. A qualificação do trabalho profissional se torna, portanto, um dos elementos fundamentais para a construção de um projeto de assistência integral(1).

O cuidado em saúde mental, que envolve aspectos de formação profissional nos âmbitos generalista e especialista, jurídico-político, sociocultural e valores éticos tem passado por transformações elementares. As práticas comunitárias e territoriais em substituição ao tratamento manicomial e institucionalizado são tendências mundiais. Na América Latina e Caribe, essa transição foi sinalizada pela Declaração de Caracas em 1990, cujo documento criticou fortemente o modelo hospitalocêntrico por não articular seus objetivos com a atenção em saúde descentralizada, participativa, integral, contínua e preventiva(2).

Ainda na esteira das mudanças, há de se refletir que a formação de recursos humanos e suas competências para o cuidado em saúde mental estão imersos em estrutura econômica, social e política de cada país. Essa disposição está atrelada às condições de trabalho tanto no setor saúde quanto na educação, podendo enfrentar precarização e/ou qualificação, a depender do interesse das discussões políticas e da sociedade civil organizada.

É esperado que a formação profissional considere o aspecto técnico necessário à viabilização do trabalho específico como componente capaz de sustentar intervenções práxicas na atividade profissional. A estratégia para efetivação de tal afirmativa centra-se na condução de três vertentes simultâneas: âmbito interno da Universidade; inserção da Universidade nos serviços de saúde; relação da Universidade e serviços de saúde com a população(1).

No que se refere a diretrizes para se pensar globalmente no âmbito das Américas, considera-se que há diversidade inquestionável no que diz respeito às diferenças e semelhanças no sistema político, configurações de território, condições sociais e sanitárias. Ainda assim, uma análise dos programas voltados à saúde mental, objetivando a planificação das ações, atender demandas dos gestores, formadores de recursos humanos e trabalhadores da saúde, daria subsídios para um projeto de formação em saúde mental para as Américas(3). Esse processo de análise possibilitaria reflexão e intervenção sobre as diretrizes da formação profissional do campo da saúde mental, álcool e outras drogas, enfatizando competências necessárias e esperadas.

Os processos formativos, as ações de educação permanente ou em serviço nem sempre se mostram eficazes para a mudança do fazer profissional, devido muitas vezes à descontextualização com a lógica psicossocial e/ou por estarem voltados apenas para a transmissão de conhecimentos em uma perspectiva unidirecional(4).

Especificamente no Brasil, estudo com gestores e trabalhadores da saúde mental demonstrou necessidade de adequação dos currículos (ensino pautado em paradigmas coerentes com a reforma psiquiátrica e práticas e estágio em serviços substitutivos de saúde mental), investimentos na educação permanente e aperfeiçoamento na formação do trabalho em equipe. Essas mudanças estruturais tendem a favorecer para que as práticas ofertadas nos serviços gerais e especializados mantenham consonância com os preceitos da Reforma Psiquiátrica(5).

Todos os níveis de formação requerem articulação do conhecimento com o desenvolvimento de competências interpessoais, intrínsecas ao cuidado em saúde mental. Competências relacionais e de comunicação, trabalho em equipe, iniciativa, cooperação, valores, crenças e atitudes, precisam ter espaço garantido na formação de recursos humanos, na perspectiva de formar pessoas conscientes de seu papel ético, cidadão e social.

No Brasil, a despeito de diversos avanços nas políticas públicas sobre álcool e outras drogas, vários são os obstáculos para consolidar o modelo de atenção integral à saúde. O que permanece ainda, é a lógica repressiva e segregadora em ações higienistas e moralistas. Esses movimentos estão na contramão das estratégias de redução de danos, as quais elegem ações de prevenção e atenção, respeitando singularidades do indivíduo, acolhimento, vínculo, respeito aos seus desejos e escolhas(6).

Destaca-se ainda a necessidade do aumento de financiamento das políticas de cuidado em saúde mental na América Latina e Brasil, objetivando neutralizar estigmas estruturais por meio da assistência de qualidade(7). Outra conjuntura importante é a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Países que ampararam os ODS comprometeram-se mais com ações de promoção da saúde mental e prevenção dos transtornos mentais. Embora "nenhuma saúde sem saúde mental" seja uma importante aspiração, reconhece-se que por muitos anos a saúde mental permaneceu nas sombras dos sistemas de saúde. Espera-se fomentar parcerias governamentais para transformar a saúde mental, globalmente, envolvendo atores importantes que estejam genuinamente comprometidos(8). Ações eficazes no campo da saúde mental mostram-se ainda mais necessárias, especialmente, num momento em que o mundo todo sofre consequências da pandemia pelo coronavírus, com indicadores do aumento do uso de álcool e outras drogas.

Ações que envolvam necessariamente formação de recursos humanos enfatizando as competências para atuar em saúde mental é imperativo. Para as Américas espera-se um projeto unificado entre governos, norteado pelas diretrizes da Reforma Psiquiátrica e calcada no modelo de atenção psicossocial.

 

Referências

1. Barros S. Concretizando a transformação paradigmática em saúde mental: a práxis como horizonte para a formação de novos trabalhadores. Tese (Livre-Docência). São Paulo: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo; 2004.         [ Links ]

2. Organização Pan-Americana de Saúde; Organização Mundial de Saúde. Declaração de Caracas. Caracas: OPAS; OMS; 1990.         [ Links ]

3. Organization of American States. Report on drug use in the Americas, 2015. [Internet]. 2015 [cited 2020 Nov 20]. Available from: http://www.cicad.oas.org/oid/pubs/druguseamericas_eng_web.pdf        [ Links ]

4. Ceccim RB. Continuing education in health: ambitious and necessary challenge. Interface (Botucatu). [Internet]. 2005 [cited 2020 Nov 20];9(16):161-77. Available from: http://www.escoladesaude.pr.gov.br/arquivos/File/textos%20eps/educacaopermanente.pdf        [ Links ]

5. Silva NS, Esperidião E, Cavalcante ACG, Souza ACS, Silva KKC. Desenvolvimento de recursos humanos para atuar nos serviços de saúde mental. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2013 [Acesso 22 nov 2020];22(4):1142-51. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072013000400033        [ Links ]

6. Bolzan LM, Hoff LR. Política de drogas e direitos humanos: avanços e desafios para a consolidação da reforma psiquiátrica brasileira. Cad Saúde Pública. [Internet]. 2018 [Acesso 22 nov 2020];10(25):96-117. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/69631        [ Links ]

7. Loch AA, Gattaz WF, Rössler W. Mental healthcare in South America with a focus on Brazil. Curr Opinion Psychiatry. 2016;29(4):264-9. doi: https://doi.org/10.1097/YCO.0000000000000259        [ Links ]

8. Patel V, Saxena S, Lund C, Thornicroft G, Baingana F, Bolton P, et al. The Lancet Commission on global mental health and sustainable development. Lancet. 2018;392(10157):1553-98. doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31612-X        [ Links ]

 

 

Autor correpondente:
Elizabeth Esperidião
E-mail: betesper@ufg.br

 

 

* A publicação deste artigo na Série Temática " Recursos Humanos em Saúde e Enfermagem" se insere na atividade 2.2 do Termo de Referência 2 do Plano de Trabalho do Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil.

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