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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.2004 n.1 Rio de Janeiro jun. 2004

 

COMUNICAÇÃO DE PESQUISA

 

Subjetividade e tecnologia: impacto da realidade digital em trabalhadores e usuários do instituto nacional de seguridade social

 

Tecnology and subjectivness: the impact of digital reality in workers and users of instituto nacional de seguridade social (INSS)

 

 

Priscila Pires Alves*

Universidade Estácio de Sá

Endereço para correspondência

 

 

Essa pesquisa, desenvolvida no âmbito do meu doutoramento, tem por objetivo analisar os impactos da tecnologia na configuração da subjetividade contemporânea. Para tanto, parte da premissa de que os modos de produção material e simbólica da sociedade, na atualidade, são engendrados pelos avanços tecnológicos, notadamente pela tecnologia da informação, gerando uma nova arquitetura no tecido social, bem como no comportamento dos sujeitos envolvidos.

Fenômeno contemporâneo, o advento da Information Technology penetra as dobras sociais, influenciando cada vez mais as formas de relacionamento dos homens, produzindo processos de subjetivação subsidiados pela lógica digital. A criação de um novo espaço de valores e representações dependentes dos recursos tecnológicos respalda a disseminação de uma cultura digitalizada que determina, por conseguinte, uma nova configuração das relações do sujeito com o seu entorno.

O próprio processo de globalização aparece fortemente articulado à possibilidade tecnológica, utilizando-se das facilidades viabilizadas pela realidade digital, de modo que o entrelaçamento entre tecnologia e capital impulsiona uma aceleração nos processos de mudança e estruturação social, hipertrofia o presente, gerando, conforme análise de alguns autores, um mundo desenraizado, sem fronteiras, desvinculado da grafia enunciativa do passado, portanto “a-histórico”. Hobsbawm (1996, p. 562), por exemplo, contextualiza o que se vive no tempo presente, da seguinte forma: “Vivemos num mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânico processo econômico e tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os últimos três séculos”.

Experiências marcadas pela transitoriedade, rupturas, caos, descontinuidades e alteridades constituem os registros característicos dos fluxos sociais contemporâneos, não sendo poucos os autores que, dentre outros aspectos, destacam o reforço do individualismo, a instituição de uma sociedade de consumo exacerbada, bem como a consolidação do mercado de forma imanente.

Diante desta configuração, a investigação em curso pretende desenvolver uma análise do impacto das tecnologias de informação e comunicação na construção da subjetividade, num campo específico: nos serviços de atendimento ao público realizado pelo sistema previdenciário brasileiro.

O interesse em estudar a Previdência Social partiu de uma experiência vivenciada pela própria pesquisadora, ocasião na qual percebeu que as relações estabelecidas entre o trabalhador e o usuário encontravam-se absolutamente mediadas por um sistema automatizado, frio, que distanciava esses dois pólos e, sobretudo, desumano em relação aos envolvidos. Trata-se de um ambiente habitado por pessoas que passam por momentos difíceis de suas vidas, que, após serem devidamente cadastradas, recebem senhas, que doravante, se constituem em pré-condições para suas relações com o todo o sistema. Olhares desconfortados e passivos marcam a postura do usuário e, de certo modo, dos próprios trabalhadores desse sistema. À revelia da introdução de novas tecnologias (indicadores eletrônicos, processos informatizados, informações on line), as filas e decorrentes esperas permanecem, mas, em contrapartida, o atendimento pessoal fica reduzido ao tempo necessário para uma consulta ao computador, que diz a “última palavra”, mesmo que seja a não rara informação de que “o sistema caiu, retorne amanhã”. Mesmo numa observação ingênua, desconsolos e perplexidades são visíveis, diante das informações precisas, agora exigidas para que se possa participar desse novo ambiente. Uma certa passividade e distanciamento também permeiam o dia-a-dia de usuários e trabalhadores, diante da imaginária grandeza do sistema eletrônico. Por fim, o uso da ferramenta tecnológica como recurso facilitador das operações na previdência, parece gerar uma resposta inversa, tendo em vista que, de um lado, verifica-se a dificuldade do usuário lidar com o aporte tecnológico e, de outro, o trabalhador da Previdência, que diante do teclado e atrás da tela, apresenta-se sujeitado aos recursos da máquina.

Essas experiências preliminares deram o tom da construção da pesquisa que, em última instância, visa discutir os impactos das revoluções tecnológicas no cotidiano das pessoas. Além disso, o estudo ganhou premência, pois ao proceder a um levantamento sobre estudos já realizados nesse campo, não se puderam localizar publicações que problematizassem a Previdência sob o viés eleito. Optou-se, assim, por investigar os efeitos dos impactos tecnológicos sobre a produção de subjetividade dos dois pólos relacionais envolvidos no sistema previdenciário: usuários e trabalhadores.

A investigação encontra-se organizada em duas grandes frentes: o aprofundamento de algumas categorias teóricas centrais para a análise do problema e a realização de uma pesquisa de campo sobre a realidade digital no cotidiano dos usuários e funcionários da agência da Previdência Social da cidade de Barra Mansa, localizada no Rio de Janeiro.

A escolha das categorias teóricas para análise do objeto recaiu sobre: (1) o próprio conceito de revolução tecnológica e de capitalismo tecnológico, consistindo em uma descrição sobre a era tecnológica e a reformatação dos espaços sociais no âmbito político, econômico, bem como das relações humanas, a partir da globalização e do impacto das tecnologias de comunicação e informação sobre o capitalismo; (2) o trabalho e as mudanças de seu significado na realidade digital; (3) as políticas sociais na contemporaneidade e a realidade da Seguridade Social Brasileira nos serviços da Previdência Social (BEHRING, 2002; BEHRING, 2003); por fim, (4) engendrando todo o estudo, a problematização do conceito de subjetividade e sua expressão na atualidade (MANCEBO, 2003).

A pesquisa de campo está se desenvolvendo em três etapas, a saber: coleta de dados, a observação do campo e aplicação de entrevistas semidirigidas. A opção pela triangulação metodológica foi feita, pois possibilita o agrupamento das informações coletadas, de modo que o estudo, cuja natureza é qualitativa, possa oferecer um contorno do universo dos serviços que incluem redes telemáticas e suas repercussões no cotidiano das pessoas.

A primeira etapa do estudo de campo, que consistirá na coleta de dados, tem como objetivo o desenvolvimento de uma pesquisa documental acerca da entrada da tecnologia na Previdência Social, o processo de informatização e o modo pelo qual os sistemas foram implantados e desenvolvidos. A Dataprev, é a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social e, como tal, desenvolve e mantém os sistemas de informática para o Ministério da Previdência. Através do contato com a gerência de comunicação da empresa, já se encaminhou um questionário para que informações preliminares possam ser coletadas e relacionadas ao processo de implementação dos sistemas telemáticos nas agências.

A observação do campo, que visa a uma maior aproximação entre o observador e o objeto a ser estudado, prevê o levantamento do cotidiano da agência de Previdência Social de Barra Mansa; uma descrição analítica do local e do seu funcionamento, de forma a se compreenderem os procedimentos operacionais do posto de serviços, bem como dos registros de eventos e/ou ocorrências inusitadas que se desenrolam nos setores de recepção e atendimento. Os registros serão feitos através de diários de campo, com a transcrição literal dos processos observados.

Com as entrevistas semidirigidas, pretende-se contextualizar os reflexos da realidade tecnológica nas relações de trabalho, nos serviços prestados e nas próprias relações inter-humanas que se desenrolam nesse campo de prestação de serviços. Pretende-se apreender a variedade de expressões e representações acerca do impacto da realidade tecnológica, tanto para o usuário, como para o trabalhador. Importa-nos, por fim, tentar compreender o que entendemos como sendo a conseqüência do impacto das tecnologias no cotidiano das relações inter-humanas que apontam para a invisibilidade social.

Tendo em vista que já foi realizada uma aproximação preliminar no campo de pesquisa, é possível se afirmar que o interesse por essa investigação ratificou-se, pois se pôde levantar uma série de questionamentos acerca dos serviços prestados que, uma vez mediados pelas redes telemáticas, dão densidade ao conceito de invisibilidade social, afetando inexoravelmente a subjetividade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEHRING, Elaine Rossetti. Política social no capitalismo tardio. São Paulo: Cortez, 2002.         [ Links ]

______ . Brasil em contra-reforma: desestrutruação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.        [ Links ]

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.        [ Links ]

MANCEBO, Deise. Contemporaneidade e efeitos de subjetivação. In: BOCK, Ana Mercês Bahia. (Org.). Psicologia e o compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003. p. 75-92.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail:
prialves@speedwave.com.br

Recebido em :13/10/04
Aceito para publicação em: 01/03/04

 

 

NOTAS

* Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Psicologia Social da UERJ. Professora da Universidade Estácio de Sá.

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