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Estudos e Pesquisas em Psicologia

 ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.4 n.2 Rio de Janeiro dez. 2004

 

RESENHA

 

Sujeito e subjetividade

 

Subject and subjectivity

 

 

Maria da Graça Marchina Gonçalves*

Departamento de Psicologia Social da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 

O livro de González-Rey, Sujeito e Subjetividade, constitui-se em uma contribuição teórica importante para a psicologia, a qual, no momento histórico atual, ganha significado especial. Contaminados que estamos todos pelo chão neoliberal e pelos ares pós-modernos, ao encontrarmos uma obra como esta, que teoriza, de maneira original, pois o faz considerando, incorporando ou criticando outras produções teóricas, temos a possibilidade de rever pressupostos, conceitos, postulados, sem, entretanto, nos perdermos nas indefinições ou no relativismo que muitas vezes marcam as formulações contemporâneas.

 O primeiro aspecto a destacar em relação a esta obra deve ser  sobre a importância que tem para a psicologia hoje o debruçar-se sobre as noções de sujeito e subjetividade. O caldo cultural e ideológico contemporâneo traz  em seu bojo, entre outras concepções, uma visão de homem que  anula a noção de sujeito. Na perspectiva histórica, que é a do autor e também a nossa, afirmar o homem como sujeito significa reconhecer a sua possibilidade de superar o imediato, o que está dado, em direção à realização de projetos assumidos. E reconhecer que se trata de uma possibilidade constituída historicamente. Para isso, é necessário afirmar a subjetividade como a experiência própria do sujeito histórico. A  definição de subjetividade que o autor nos apresenta desde o início do livro, e que  vai esclarecendo e fundamentando ao longo dos capítulos, dá conta dedelimitar uma compreensão dos  processos psíquicos que reconhece o homem como sujeito.

A subjetividade neste livro é um complexo e plurideterminado sistema, afetado pelo próprio curso da sociedade e das pessoas que a constituem dentro do contínuo movimento das complexas redes de relações que caracterizam o desenvolvimento social. (GONZÁLEZ-REY, 2003, p. IX).

Dessa forma, começa a apresentação de como o autor concebe a subjetividade. Todo o livro trará os desdobramentos dessa concepção e em que ela se baseia. Já nesse início, ele dá destaque à noção de sentido subjetivo, que, segundo sua abordagem, “...representa a forma essencial dos processos de subjetivação”(GONZÁLEZ-REY, 2003, p. IX). Com essa formulação, compreendendo a subjetividade como “...dimensão complexa, sistêmica, dialógica e dialética,  definida como espaço ontológico”(GONZÁLEZ-REY, 2003, p. 75), e afirmando a capacidade criadora do homem que produz sentidos subjetivos, González-Rey  propõe que a psicologia se volte efetivamente para a investigação da experiência subjetiva, entendendo-a nesses moldes e superando reducionismos presentes na história dessa ciência.

Para cumprir esse propósito, o autor revisita toda a psicologia de uma forma bastante peculiar e instigante porque não faz mera relação de posições e teorias; nem simples história de grandes marcos; nem apresentação anódina de semelhanças e diferenças entre abordagens. Seu passeio (às vezes bastante demorado e detalhado) não perde de vista o eixo central da obra: discutir subjetividade como categoria fundamental da psicologia, categoria que a psicologia nem sempre considerou, mas que essa mesma psicologia foi construindo como uma “zona de sentido”, de valor heurístico importante.

A discussão parte de uma compreensão sobre como se dá a construção teórica que  compartilhamos: está sempre articulada a uma epistemologia. O autor discorre sobre as abordagens da psicologia, mostrando essa articulação e suas implicações para a construção teórica da psicologia e para o reconhecimento da subjetividade como objeto da psicologia.

No capítulo 1, González-Rey apresenta um primeiro período de desenvolvimento da psicologia, apontando o surgimento das principais concepções teóricas e evidenciando como a concepção epistemológica predominante no final do século XIX e início do século XX, na Europa e Estados Unidos configura uma psicologia de base empírica  e experimental, em que a teoria fica em segundo plano. As implicações são diversas para a produção de compreensões sobre a subjetividade, a começar pelo não reconhecimento  da dimensão subjetiva em seu caráter complexo e processual. Aponta, como decorrência desse desenvolvimento inicial, dicotomias (interno X externo; individual X social; afetivo X racional) e fragmentações, que marcam a elaboração teórica. Com esse enfoque, apresenta as principais correntes, destacando diferenças entre a psicologia americana e européia; indicando o surgimento e desenvolvimento do behaviorismo; detendo-se sobre as peculariedades da psicanálise, apontando sua importância para que o tema da subjetividade começasse a ser incluído na psicologia; apresentando o desenvolvimento a partir de Freud e analisando o impacto de Lacan; trazendo, também, elementos da psicologia humanista.

Se o capítulo 1, com uma releitura da história da psicologia a partir do tema da subjetividade já  é inovador, os capítulos 2 e 3 trazem elementos preciosos para que se compreenda a psicologia a partir de um outro viés, que não o tradicionalmente encontrado; e para que se enfrente a diversidade de teorias contemporâneas na psicologia social  contando com referências críticas.

No capítulo 2, o autor nos traz a contribuição da psicologia soviética, cujos  principais autores puseram em cena, de maneira mais direta, a subjetividade como processo complexo. Aqui também encontramos uma análise detalhada sobre como o empirismo reducionista foi superado, com elaborações teóricas que se propunham a discorrer sobre a subjetividade, considerando as diversas dimensões que a constituem: orgânica, comportamental, relacional, social, histórica. A referência básica é Vygotsky, cujas principais formulações são apresentadas pelo autor, que defende que “...as condições epistemológicas para o desenvolvimento do tema da subjetividade na psicologia aparecem com a ruptura que significou a apropriação da dialética pelos psicólogos...”(GONZÁLEZ-REY, 2003, p.73). Embora toda a discussão do capítulo 1 indique os aportes de cada abordagem para a proposição da subjetividade como tema central da psicologia, é a partir da psicologia soviética, segundo o autor, que isso se torna possível. O capítulo 2 segue com a apresentação dos discípulos e seguidores de Vygotsky, apresentados de maneira bastante crítica, trazendo-nos uma parte da psicologia importante e pouco conhecida entre nós. A discussão sobre Leontiev e toda a vertente que González-Rey identifica como “reducionismo objetal” permite compreender mais profundamente a concepção de subjetividade que vai sendo desenvolvida ao longo dos capítulos. Este capítulo traz também uma análise bastante interessante de Castoriadis e Guattari, apontados como autores de “cosmovisão marxista” e criadores de núcleos teóricos próprios e importantes para o desenvolvimento do tema.

No capítulo 3, o autor discorre sobre as variações teóricas que têm em comum uma “inspiração social” e que abordam a relação indivíduo-sociedade tentando superar a compreensão dicotômica que tradicionalmente se tem dessa relação. Aborda a teoria das representações sociais, o construcionismo social, o enfoque sócio-cultural. Também neste caso temos mais do que uma apresentação de teorias. Temos a discussão epistemológica e teórica sobre como essas tentativas, apesar de importantes,  não dão conta de abordar a produção de sentidos como sendo obra de um sujeito social e histórico. Com essa discussão, o autor vai  explicitando cada vez mais a sua concepção, que é o enfoque histórico-cultural.

Finalmente, o capítulo 4 é todo dedicado à apresentação e aprofundamento da concepção histórico-cultural de subjetividade. Todos os aspectos pontuados ao longo dos outros capítulos são aqui sistematizados e desenvolvidos. Vale lembrar que essa pontuação é sempre uma defesa clara de suas convicções teóricas e epistemológicas, o que dá aos outros capítulos a riqueza de análise que permite retomar, de maneira crítica, importantes produções teóricas da psicologia e, ao mesmo tempo, conhecer a perspectiva histórico-cultural.

Neste capítulo final é possível, então, uma apropriação mais direta das formulações da teoria histórico-cultural, incluídas aí conceituações que instigam o debate e a investigação: subjetividade social; sujeito como detentor de um princípio gerador; concepção dialética de sujeito; afetividade; configuração subjetiva; sentidos subjetivos. Enfim, é possível perceber neste momento que o valor heurístico da categoria subjetividade, defendido pelo autor em toda sua análise, é aqui demonstrado pela riqueza das formulações que ele lança e que podemos ter como referência para prosseguir na pesquisa e na construção teórica da psicologia.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GONZÁLEZ-REY, Fernando. Sujeito e subjetividade. São Paulo: Thomson, 2003.

 

 

Endereço para correspondência
grajota@uol.com.br

Recebido em: 05/05/2004
Aceito para publicação em: 26/05/04

 

 

NOTAS

* Professora Doutora do Departamento de Psicologia Social da Faculdade de Psicologia da PUC/SP

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