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Estudos e Pesquisas em Psicologia

 ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.5 n.1 Rio de Janeiro jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Conhecendo a psicologia no Maranhão*

 

Knowing psychology in Maranhão

 

 

Márcia Antonia Piedade Araújo**

Universidade Federal do Maranhão

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Resgate histórico da Psicologia no Maranhão, com base em autores que concebem a História da Psicologia enquanto produção social articulada ao movimento histórico da sociedade. Apresenta-se a Psicologia como área de conhecimento, considerada como uma produção histórica concretizada numa determinada realidade, estabelecendo relações com diferentes fatores de natureza política, social, cultural e científica. Apresenta-se a história percorrida pela Psicologia no Maranhão, enfocando os seus primórdios e a estruturação do campo “psi”.

Palavras-chave: Psicologia, História da Psicologia, Psicologia no Maranhão.


ABSTRACT

Historical rescue of Psychology in Maranhão, based in authors that conceive Psychology history as social production linked to the society historical movement. Psychology is shown as a knowledge area, considered as a historical production accomplished in a certain reality, establishing relations with different factors of political, social, cultural and scientific nature. Psychology in Maranhão history in shown, focusing its earlier times and the structure of ‘psy’ field.

Keywords: Psychology, Psychology History, Psychology in Maranhão.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Entende-se que, para compreender a Psicologia, é preciso considerar-lhe a história – não a que busca somente uma linearidade evolutiva, mas a que está em processo e é conhecida através de amplos estudos e pesquisas realizadas sobre essa ciência e profissão. A compreensão de sua trajetória é indispensável para pensar-se a Psicologia em suas transformações e problemáticas atuais.

Conhecer essa história no Maranhão, por mais recente que seja, faz parte dos muitos estudos que estão acontecendo nessa área. Isto diz respeito à recuperação da memória da Psicologia, tema sobre o qual os pesquisadores, ao longo das últimas décadas do século XX, tanto no meio nacional quanto internacional, têm demonstrado crescente interesse. A necessidade de escrever sobre esse tema encontra eco nas palavras de Massimi (1990, p. 75-76): “[...] qualquer tentativa de preservação, coleta ou indagação crítica, relativa a áreas ou âmbitos específicos da psicologia brasileira representa uma contribuição fundamental”.

Destarte, assinala-se neste estudo o aparecimento da Psicologia no Estado do Maranhão, embora com considerável atraso em relação a outras regiões do país. Nessa tentativa, construiu-se essa história com base em referencial teórico e pesquisa empírica ressaltada nas informações colhidas dos atores sociais que vivenciaram esses percursos.

 

2. BREVE PERCURSO DA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

A necessidade de contextualizar a Psicologia em seu âmbito social e cultural no Brasil tem motivado um aumento progressivo de sua historiografia. Algumas contribuições nessa área são devidas a iniciativas e esforços de pesquisadores preocupados em entender um campo que apresenta muitas divergências e enfoques contraditórios.

As diferentes formas de contar a História da Psicologia têm mostrado que o processo histórico é contínuo, mas não linear, pois ele tem idas-e-vindas, e a forma como se conta a história pode influenciar o porquê de ela ser contada, e ainda o que ser contado nela.

Enquanto área de conhecimento, a Psicologia é considerada uma produção histórica concretizada numa realidade, relacionada com diferentes fatores de natureza política, social, cultural e científica. Contudo, esta é uma visão recente, pois ela tem passado por uma considerável avaliação no que se refere à análise de sua constituição e ao seu processo de mutação enquanto ciência e profissão. As reflexões e explicações nesse sentido devem-se ao fato de que, enquanto ser humano, se está em permanente movimento e transformação.

O homem se realiza e se humaniza, pois, produzindo historicamente sua existência. Nesse processo ele cria as idéias que vão expressar suas ações e as relações que ele estabelece consigo mesmo e com os outros. Como enfatiza Antunes (1998, p. 365),

[...] a história é vista como construção humana coletiva, pois o homem, seu sujeito primordial, é histórico na medida em que é social. Assim, compreender a história humana e, sobretudo, as idéias produzidas historicamente pelos homens, exige a busca de compreensão das relações sociais que permeiam, determinam e são determinadas por suas ações.

Assim sendo, a História da Psicologia, particularmente a do Brasil, necessita de estudos que procurem compreendê-la como produção social, articulada ao movimento histórico global da sociedade (ANTUNES, 1998, p. 374).

Isto leva a compreender o quanto a Psicologia caminhou - conquistou seu próprio espaço como área de conhecimento e campo de práticas - e necessita caminhar, procurando consolidar sua identidade, a partir de uma investigação esclarecedora de suas raízes e pressupostos.

Todavia, torna-se urgente o conhecimento de sua história assim como das condições que forneceram o substrato para o seu desenvolvimento, evidenciando as lutas e alianças em sua trajetória até à constituição do campo autônomo de práticas e saberes que hoje se conhecem.

 

3. A PSICOLOGIA NO MARANHÃO: SEUS PRIMÓRDIOS

A abordagem sobre a Psicologia no Brasil, realizada por alguns estudiosos como Pessotti (1988), Antunes (1999), Massimi (1990) e outros demonstrou que o estudo dos fenômenos psicológicos esteve inserido em diferentes áreas do saber, como a médica e a educacional, obviamente com conotações diferenciadas entre si. E foi por essas mesmas vias que a Psicologia chegou ao Maranhão. Esses percursos tiveram importância fundamental para entender como, a partir deles, e de outros campos do saber, a Psicologia foi penetrando no Estado.

No Maranhão, esse saber esteve por muitos anos ocasionalmente atrelado à figura de médicos-pediatras assim como, em especial, à dos psiquiatras, pois em suas instituições estava centralizado o tratamento relativo à saúde mental. Quanto à participação dos médicos-pediatras nessa área, dados colhidos mostram a freqüência com que esses profissionais eram procurados para atendimentos de cunho psicológico.

Consta na história da Psiquiatria que o Hospital Nina Rodrigues, fundado em 1941, foi a primeira Instituição psiquiátrica no Maranhão a abrigar os enfermos mentais. Contudo, foi apenas em 1987 que os primeiros psicólogos, sem vínculo empregatício, deram início a um trabalho nessa casa de saúde, haja vista a ausência de profissionais qualificados para acompanhamento psicoterápico dos pacientes ali internos.
Os psicólogos recém-chegados, nas décadas de 70 e 80, ao tomarem conhecimento da realidade apresentada, não só a do Hospital Nina Rodrigues, quanto de outras instituições, partiram para um trabalho de sensibilização junto a todos os profissionais que direta ou indiretamente encontravam-se envolvidos com o tratamento da saúde mental, a fim de que pudessem demarcar um campo de saber específico que, até então, não dispunha de profissionais.

Os autores citados anteriormente apontam que uma outra via de entrada da Psicologia no Brasil deu-se através das Escolas Normais, surgidas a partir da segunda metade do século XIX, cujo objetivo era a formação de um corpo docente competente e adaptado às necessidades do sistema educacional brasileiro (MASSIMI, 1990, p. 54).

Durante muito tempo, no Maranhão, as escolas da rede pública e particular do ensino de 2º grau (atual Ensino Médio), em especial as Escolas Normais, contemplavam em seus currículos a disciplina Psicologia, assim como aquelas que habilitavam para o magistério de 1º grau (1ª a 4ª séries do atual Ensino Fundamental). A partir de 1997, aquela disciplina foi retirada dos currículos, permanecendo apenas nas escolas de formação de professores e nas escolas do ensino médio de Enfermagem com o título de Psicologia Aplicada e Ética Profissional, geralmente ministrada por um bacharel em Enfermagem e, ocasionalmente, por profissionais da área de Psicologia.

A Psicologia no Maranhão, como se está explicitando, teve sua origem em outros campos do saber, semelhantemente aos demais Estados brasileiros, o que evidencia a contribuição de pioneiros.

Dessa feita, o interesse que se tem pelos precursores, entre os quais, no Maranhão, o Pe. João Miguel Mohana, vai ao encontro dos que estão preocupados em registrar a contribuição de profissionais na construção da Psicologia brasileira.

As informações sobre Pe. Mohana são inúmeras devido à sua formação, aos estudos e pesquisas que realizou, bem como à sua atuação como pioneiro na História da Psicologia e da Psicanálise no Maranhão.

Sua formação acadêmica foi em Salvador onde concluiu o curso de Medicina no ano de 1949, na Universidade Federal da Bahia. Um ano depois Mohana passa a exercer a profissão, como pediatra, na cidade de São Luís. No auge de sua atividade profissional e literária, aos trinta anos de idade, Mohana tomou a decisão de ser padre, o que deu origem a muitas especulações pela imprensa de todo o país.

Ao ser ordenado clérigo, Mohana decidiu colocar seus conhecimentos a serviço da sociedade, despertando a atenção do público que o procurava pelo domínio demonstrado ao tratar as problemáticas espiritual e social do homem.

O reconhecimento literário ultrapassou fronteiras e, logo, teve suas obras traduzidas para vários idiomas. Nesse sentido, a literatura do Maranhão teve em João Mohana a continuidade da tradição maranhense de “Terra de Letras” 1.

Sua atuação como psicólogo e psicanalista deveu-se à herança do pai, pela inteligência reflexiva e, da mãe, pela intuição psicológica, duas influências constatadas em seus livros. Os estudos nessas áreas iniciaram-se durante sua passagem pelo seminário. Ensinou Psicologia (História da Psicologia) no Seminário Santo Antônio, em São Luís.

Foi durante o curso ginasial que João Mohana, através do Irmão Mário (Colégio Maristas em São Luís), ouviu falar pela primeira vez sobre Psicologia e o que significava essa ciência. Mas a grande influência que recebeu foi de Camilo Torrend, jesuíta francês, radicado na Bahia e admirado por Mohana por sua solidez cultural e genialidade. Através dele, Mohana teve acesso às publicações científicas de universidades da Inglaterra, Estados Unidos e França, conciliando assim estudos médicos com os de cunho psicológico, propiciados por uma convivência de nove anos, que lhe despertou seguramente esse interesse.

Para Mohana, o saber psicológico privilegiava a busca de um maior desenvolvimento do ser, através de uma psicologia baseada em reflexões sobre a vida. Tratava de assuntos do cotidiano, da intimidade humana, especialmente da incerteza, da dúvida e de como os fatos exteriores ocasionavam verdadeiros cataclismas interiores. Ensinava que a adversidade, as neuroses e as dores são como nuvens escuras, que deveriam ser tratadas como passageiras. Afirmava que o homem preferia os valores transitórios em detrimento dos valores eternos, mergulhando, assim, na angústia e na depressão, enfim, no tédio da vida e na perda do significado da existência. Contemplava uma psicologia iluminada pela fé e que indagava sobre a incerteza e a dúvida do homem perplexo diante de si e do mundo (O IMPARCIAL, 1995).

A sociedade maranhense beneficiou-se com as contribuições do Pe. Mohana na área psicológica por muito tempo, mesmo após a chegada dos primeiros psicólogos à cidade de São Luís, tendo em vista a imagem que a população fazia do psicólogo e o pouco conhecimento de sua atuação. É interessante observar que, mesmo sabendo da existência dos serviços oferecidos nos consultórios, na maioria das vezes as pessoas primeiro procuravam o padre que posteriormente as encaminhava aos profissionais.

Lentamente, o campo psicológico foi se constituindo com a chegada de psicólogos a São Luís (entre as décadas de 1970 e 1980) e bem mais tarde com a criação dos cursos. A entrada desses profissionais e o surgimento dos cursos (1991 e 1998), no Estado, ocorreram com considerável atraso em relação à regulamentação do exercício profissional amparado na Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962.

Na década de 70, os primeiros profissionais formados em outras instituições brasileiras chegaram a São Luís. No Brasil, no entanto, a atuação do psicólogo já estava avançada, ocorrendo antes mesmo da regulamentação da profissão e dos cursos.

Durante esses anos, o país enfrentava grandes dificuldades, fruto da ditadura militar instaurada desde 1964 que, em nome da ordem e do progresso, criou dispositivos como a cassação de direitos políticos, a intervenção em entidades estudantis e sindicais, a centralização do poder na mão do Executivo, as torturas, as perseguições, os desaparecimentos de políticos oposicionistas e as mortes.

A década de 70, por conseguinte, foi caracterizada pelo regime militar e pelos inúmeros acontecimentos desastrosos que marcaram esse momento da sociedade brasileira.

A situação apontada acima torna-se muito valorizada quando o interesse pelos problemas da interioridade aumenta. Tudo parecia estar reduzido ao psiquismo, surgindo daí um discurso psicologizante.

Como tudo girava em torno de processos internos, qualquer sentimento de mal-estar ou mesmo as angústias do dia-a-dia eram rotuladas de “falta”, necessitando para tanto de um especialista “psi” para resgatar as vítimas (COIMBRA, 1995, p. 34).

No Brasil dessa época, segundo Mancebo (1999, p. 142-143), duas condições deixaram sua marca na conjuntura do processo de criação dos cursos de Psicologia e nos primeiros anos de seu funcionamento: a ditadura militar, em que as universidades e, de modo especial, os estudantes, tiveram papel de destaque na oposição à situação, e o “boom” relativo à cultura psicológica, caracterizada pela idéia de psicologização da sociedade, uma cultura que já se havia constituído, mas que se configurou e ganhou forma nesse período, com o conhecimento que o homem podia ter de si mesmo como meio de conhecer o mundo.

No final dessa década, conforme Bock (1999b, p. 78-79), o país passava a viver um clima de expectativa. Era a abertura lenta, gradual e segura com a retirada da censura e dos atos institucionais. No setor da educação, os estudantes foram os primeiros que se organizaram com reivindicações por mais verbas, melhoria no ensino, educação pública e gratuita para todos, redução de mensalidades. Muito embora reprimidos em suas manifestações, conseguiram introduzir bandeiras de luta, pois questionavam a ditadura militar e os métodos utilizados. Os psicólogos também partiram para uma reorganização necessária da profissão, iniciada em São Paulo e, em seguida, por outros Estados, através de ocupações e/ou criação de seus sindicatos.

Chega a década de 80 e são outros os desafios para a Psicologia e seus profissionais. Predominou nesse período a busca por uma nova identidade, com muitos debates, congressos, encontros, publicações, reflexões. Cotejem-se alguns aspectos enumerados por Bock (1999b, p. 81): encerravam-se duas etapas da categoria, uma marcada pelas intervenções e lutas corporativistas, e outra que teve como resultado a consolidação da profissão no Brasil; engajavam-se os psicólogos nas lutas junto aos trabalhadores e começavam a participar de movimentos sindicais para a construção da Central Única dos Trabalhadores (CUT). A partir daí, iniciou-se uma mudança na história desses profissionais através de debates e reflexões sobre seus problemas, com a proposta de uma atuação mais adequada junto à população brasileira e suas necessidades. Desse modo, passam a questionar sua formação e modelo de atuação, ensejando a luta para a ampliação do mercado de trabalho. Inicia-se, assim, a sua participação nas lutas da sociedade civil.

O empenho dos profissionais não foi suficiente para alterar a situação em que se encontrava a categoria, em vista dos problemas que permaneciam os mesmos, tais como a concentração nos consultórios, atividades pouco diversificadas, mercado restrito e poucos psicólogos no serviço público. Assim sendo, a categoria voltou-se para si, em busca de uma nova identidade e conseqüente redefinição de sua imagem social como solução para essa crise (BOCK, 1999b, p. 109).

No final da década de 80, a Psicologia ainda se encontrava como área de atuação restrita e elitista, embora já não pudessem ser negados os aspectos sociais e culturais ao se falar de mundo psíquico. Havia uma predisposição de luta e debate em relação a essas necessidades, embora esses caminhos não estivessem bem definidos.

Esse período foi considerado, ainda por Bock (1999a, p. 320-321), como “fervilhante”, em que a Psicologia precisava ser reinventada para responder às necessidades da população com as quais os psicólogos não estavam habituados a trabalhar.

Nesse mesmo momento, as preocupações com as questões referentes à Psicologia ainda não faziam parte do cotidiano da maioria da população do Maranhão em vista de aqui existirem situações mais graves ligadas a outros problemas, como, por exemplo, o da educação.

3.1 Estruturação do campo “psi” no Maranhão

Antes da década de 70, inexistiam em São Luís serviços profissionais de Psicologia, embora houvesse instituições de ensino, empresas e hospitais psiquiátricos que possivelmente necessitassem de especialistas na área. Somente depois dessa década, excetuando-se o Pe. João Mohana, é que se ouviu falar de trabalhos realizados na área da Psicologia na cidade de São Luís.

No que diz respeito à formação na área da Psicologia ficou evidente a necessidade de esses profissionais se deslocarem a outros Estados em busca dessa formação, já que não havia o curso de Psicologia em São Luís. A maioria deles graduou-se em Pernambuco, na Paraíba e em Brasília. A escolha pelo Estado e pela instituição foi devida, em alguns casos, ao fato de parentes e amigos ali residirem.

Quanto aos motivos para trabalhar nesta cidade prevaleceram os familiares e os financeiros. Mesmo assim, outros indivíduos, de fora, que percebiam a cidade como possuindo um campo de trabalho em expansão, revelaram uma certa resistência quanto à mudança para São Luís para construir uma vida nova e, ao mesmo tempo, trabalhar em uma terra onde sequer existiam pessoas para trocar informações, ou até mesmo um Conselho ou Associação que servisse de suporte profissional.

A opção pela Psicologia, deveu-se às leituras de livros e revistas; ao interesse em poder ajudar as pessoas; à influência familiar; à busca pelo autoconhecimento; ao interesse pelo campo educacional; às conversas com profissionais da área e testes de orientação vocacional. No entanto, durante a formação, alguns pensaram em desistir por não encontrarem no início do curso aquilo que tanto esperavam, chegando até a pensar em escolher outra área.

Devido às circunstâncias do mercado de trabalho, optaram por iniciar sua carreira na área organizacional, ao chegarem a São Luís. Ainda assim, outras áreas foram exploradas no início da carreira, dentre elas a clínica, a escolar e a hospitalar. Todavia, muitos trabalham em áreas distintas à da escolha inicial, diferente de outros que continuaram atuando na mesma área da primeira escolha.

O consultório, onde a maioria trabalhou e/ou trabalha, foi visto por alguns como negativo por oferecer pouca estabilidade financeira; já a escolha pela área organizacional se mostrava como algo seguro por oferecer renda fixa.

Por essa razão, muitos profissionais quando chegaram a São Luís, além das atividades de consultório, encontraram no Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN) a instituição que, mesmo sem vínculo empregatício, lhes ofereceu, de início, campo de atuação, já que, devido à inexistência de psicólogos no Estado, os exames psicotécnicos eram realizados por médicos.

De acordo com as informações obtidas no DETRAN, em 1970 foi exigida a aplicação de exames psicotécnicos pelo Conselho Nacional de Trânsito e, a partir de 1971, a primeira psicóloga que residiu em São Luís, formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, foi credenciada.

A partir daí, os psicólogos eram contratados para prestar serviços que eram realizados fora do DETRAN. Posteriormente, a direção da Instituição construiu, em suas instalações, um espaço físico reservado para o exame psicotécnico de candidatos requerentes da carteira de habilitação de motorista, realizado em São Luís e em alguns municípios do Maranhão.

Segundo os profissionais, essa foi uma época de muito trabalho e de retorno financeiro. Assim, em decorrência da existência dessa única opção de trabalho, os primeiros psicólogos atuaram na área organizacional e ainda na clínica, tradicional. Além dessas, a atuação ocorria também, de modo restrito, no campo educacional. As escolas de São Luís, raramente contratavam o profissional e, quando isto acontecia, esse serviço se restringia à aplicação de teste vocacional.

Os trabalhos que foram desenvolvidos na área da Psicologia em São Luís, nesse período, foram poucos em decorrência de alguns fatores: o mercado de trabalho não estava aberto nem sensibilizado para essa profissão, havia poucos profissionais, além da falta de conhecimento da atuação do psicólogo, o que dificultava suas atividades até mesmo nas instituições em que iniciaram seus trabalhos.

Em relação ao aspecto da visão distorcida do papel e imagem do psicólogo, Jacó-Vilela, Gonçalves e Oliveira (1997, p. 178, grifo do autor) assinalam:

Vários são os atributos e as definições de psicólogos que, numa investigação impressionista, podem ser encontrados em nossa sociedade. Uma característica comumente presente, mesmo em entendimentos marcantemente negativista - como naqueles em que o psicólogo é referido como pessoa de extrema frieza, invasora etc. - é a que o circunda com uma aura de magia, como taumaturgo, um novo tipo de sacerdote, o portador – moderno - da bola de cristal, o especialista nas adivinhações sobre o outro.

Apesar das dificuldades percebidas algumas oportunidades de trabalho foram surgindo, já na década de 70, em Instituições como a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (APAE) e a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM). E, nos anos 80, surgiram outros espaços: o Consórcio de Alumínio do Maranhão (ALUMAR), a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a Norte Serviços Gerais (NORSERGEL), a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (CORREIOS) e a Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão (CAEMA).

Na trajetória esboçada, observa-se que a Psicologia no Maranhão percorreu caminhos semelhantes aos que são apontados em seu percurso histórico nacional, como já mencionado. A necessidade da presença desses profissionais no Estado foi-se constituindo, durante essas décadas, a partir das demandas percebidas e das oportunidades por eles criadas de verificar que esse espaço estava aberto, mesmo com restrições da população.

Ainda na década de 80, estrutura-se no Maranhão a Psicanálise, quando um grupo de profissionais de diversas áreas fundou a Associação Maranhense de Medicina Psicossomática, considerado um espaço de discussão sobre o paciente sob a ótica biopsicossocial. Durante alguns anos, essa Associação participou das políticas de atendimento à saúde mental nos hospitais em São Luís.

Nesse grupo havia alguns psiquiatras, além de vários profissionais, que foram buscar sua formação em outros centros urbanos, surgindo então o interesse de pensar a Psicanálise em São Luís, dando enfoque à obra de Lacan. É assim que aparece o primeiro grupo local de Psicanálise, composto por psicólogos e psiquiatras com a proposta de formação de uma Sociedade, o que não chegou a acontecer.

Com percursos anteriores de alguns analistas em grupos e núcleos de estudo, as escolas foram sendo criadas no período de 1989 a 1997. O que se pôde verificar é que as pessoas do primeiro grupo permaneceram algum tempo juntas em uma escola e, mais tarde, com as dissidências, foram fundando outras instituições. Desse modo, o número de membros em cada uma ficou reduzido no início, mas, aos poucos, ampliou-se, aparentemente por sempre haver novas pessoas interessadas em fazer parte dessas instituições.

Observa-se que, após o grupo inicial, a institucionalização da Psicanálise em São Luís ocorre com a fundação das seguintes Escolas: Escola de Psicanálise do Maranhão, Escola Brasileira de Psicanálise, Escola Lacaniana de Psicanálise do Maranhão e o Centro de Estudos Psicanalíticos do Maranhão.

O motivo para o número de escolas, apontado pelos profissionais, diz respeito à questão da orientação quanto à formação contínua e ininterrupta, que caracteriza a sua prática, como também a análise pessoal didática, considerada fundamental na formação do psicanalista. Isso ocorre pela própria história de dissidências e/ou cisões comuns na Psicanálise, fruto de interesses das pessoas que dela fazem parte e da identificação dessas pessoas com a proposta de cada Escola.

Pode-se encontrar nas palavras de Russo (1993, p. 102) a descrição das conseqüências dessa situação:

É interessante constatar que a ‘reforma’ lacaniana, com toda sua crítica à institucionalização da psicanálise, significou, na verdade, uma proliferação de instituições que passam a disputar entre si a legitimidade da transmissão do título de psicanalista [...].

O processo de difusão da Psicanálise em São Luís, iniciado na década de 80, surgiu em meio a acontecimentos marcantes no país, como referido anteriormente, crises nas Sociedades “oficiais” de Psicanálise do Rio de Janeiro, sempre o modelo hegemônico para o Brasil, e a inauguração do espaço para diferentes e variadas formas de “verdadeiras” 2 psicanálises, uma reorientação no campo psicanalítico, promovida pelo lacanismo (COIMBRA, 1995, p. 67-68).

 

4 - CONCLUSÃO

Constatou-se que o caminho percorrido pela Psicologia no Maranhão, em relação à conquista do seu espaço, aconteceu de forma lenta, motivada pelo desconhecimento da população quanto à atuação e imagem do profissional de Psicologia, pela escassez da oferta de trabalho no Estado com raras oportunidades de atuação para o psicólogo. Para suprir todas essas carências, o Estado contava apenas com a experiência pioneira do Padre João Mohana.

O que realmente aqui se tentou assinalar foi como surgiu a Psicologia no Estado do Maranhão, embora com considerável atraso em relação a outras regiões do país. Em resumo pode-se expressar que nessa passagem foi possível verificar que durante muito tempo o conhecimento psicológico esteve atrelado ao Padre João Mohana, com o reconhecimento da população que o procurava para tratar de assuntos dessa ordem, provavelmente sem diferenciar entre o atendimento psicológico e o religioso (ou espiritual); os psicólogos enfrentaram várias dificuldades entre as décadas de 70 e 80, na cidade de São Luís, para o reconhecimento, pela população, desse campo de conhecimento e trabalho; a partir das dissidências ocorridas no primeiro grupo de psicanalistas, houve uma proliferação de instituições psicanalíticas na cidade.

Considera-se que o propósito de conhecer como se estruturou a área da Psicologia no Maranhão venha despertar o interesse de estudiosos do assunto, reconhecendo-se que, só através da história dessa ciência seja possível entendê-la, principalmente em suas determinações locais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
E-mail: márcia@postal.elo.com.br

Recebido em: 11/08/2005
Aceito para publicação em: 07/12/2005

 

 

NOTAS

* Parte da Dissertação de Mestrado “A Psicologia no Maranhão: percursos históricos”.
** Professora da Universidade Federal do Maranhão. Mestre em Psicologia Social.
1 Título atribuído a São Luís na primeira metade do século XIX devido ao grande número de intelectuais que se destacaram no cultivo das letras – Atenas do Brasil.

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