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Estudos e Pesquisas em Psicologia

 ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.7 n.1 Rio de Janeiro jun. 2007

 

ARTIGOS

 

Diferentes concepções da infância e adolescência: a importância da historicidade para sua construção

 

Different conceptions on childhood and adolescence: the importance of historicity on their construction

 

 

Ana Maria Monte Coelho Frota*

Professora Adjunta do Departamento de Economia Doméstica da Universidade Federal do Ceará - UFC

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo discute diferentes concepções de infância e adolescência. Evidencia o contexto no qual essas concepções se formaram e como vêm sendo apresentadas como verdades teóricas na contemporaneidade. Partimos do princípio de que tais concepções vêm mudando no ocidente, nos permitindo ver que as transformações deixam clara a tessitura histórica na qual elas são construídas. Mostramos que, contrapondo-se à perspectiva moderna de infância e adolescência, a pós-modernidade aponta para uma nova concepção, que abre espaço para a multiplicidade e parcialidade de representações destas faixas desenvolvimentais.

Palavras-chave: Infância, Adolescência, Modernidade, Pós-modernidade, Desenvolvimento humano.


ABSTRACT

This paper aims to discuss different conceptions on childhood and adolescence. It analyses the context in which these conceptions were constructed, and how they have been presented as truly theories on the contemporaneity. We start from the principle that these conceptions have been changing in the occident, making possible to see that the transformations clarify the historical texture on which they are constructed. We show that, in contrast with the modern perspective on childhood and adolescence, the pos-modernity points to a new conception, which opens a space to a multiplicity and partiality of representations on these developmental intervals.

Keywords: Childhood, Adolescence, Modernity, Pos-modernity, Human Development.


 

 

I. Introdução

Uma pergunta que parece muito fácil de ser respondida, mas que traz em si uma série de reflexões profundas e de amplitude grande é: “o que é ser criança?” “O que vem a ser a adolescência?”. Para aqueles mais desavisados, ou mais rápidos nas suas respostas, ser criança “é viver um mundo de sonhos e fantasias, gostar de comer bolo de chocolates, é o melhor momento da vida”. Ao mesmo tempo, a compreensão da adolescência é permeada pela idéia de “aborrescência, rebeldia e atrevimento”. De um modo geral, existe a compreensão de que ser criança resume-se em ser feliz, alegre, despreocupado, ter condições de vida propícias ao seu desenvolvimento, ou seja, a infância é considerada o "melhor tempo da vida". Já a adolescência se configura como um momento em que, naturalmente, o indivíduo torna-se alguém muito chato, difícil de se lidar e que está sempre criando confusão e vivendo crises. Deste modo, existe uma leitura de senso comum que costuma colocar a criança vivendo o melhor momento da vida e o adolescente, uma fase difícil para ele e para quem convive com ele.

Mas nem sempre é deste modo que a infância é vivida por todas as crianças. Basta olharmos ao redor, para vermos meninos e meninas na rua, esmolando, se prostituindo, sendo explorados no trabalho, sem tempo para brincar, sofrendo violências de todos os tipos. Será possível pensar que esses meninos e meninas não sejam crianças por não apresentarem todos os predicados que são atribuídos à infância? E com relação aos adolescentes, quantos deles são dóceis, tranqüilos e cooperativos, fugindo de longe da pecha de viverem uma fase de “tempestades e tormentas”? Será que eles não são adolescentes por não se enquadrarem no pré-conceito de “aborrecentes”?

Vemos que existem diferentes concepções de crianças e de adolescentes que se fazem distintas a partir de diferentes pontos de vista teóricos e que acabam por contribuir para formar múltiplos conceitos desses grupos referidos. Assim, é necessário que pensemos melhor sobre quais são e como se construíram as diferentes concepções de infância e de adolescência na nossa sociedade ocidental.

Mas o que mesmo é a infância? Quem habita neste país conhecido como o "paraíso infantil"? Tomemos de empréstimo uma fala da Scliar (1995, p. 4), para dizer do nosso desconforto com esta indagação:

Nem todas as crianças, contudo, podem viver no país da infância. Existem aquelas que, nascidas e criadas nos cinturões de miséria que hoje rodeiam as grandes cidades, descobrem muito cedo que seu chão é o asfalto hostil, onde são caçadas pelos automóveis e onde se iniciam na rotina da criminalidade. Para estas crianças, a infância é um lugar mítico, que podem apenas imaginar, quando olham as vitrinas das lojas de brinquedos, quando vêem TV ou quando olham passar, nos carros dos pais, garotos da classe media. Quando pedem num tom súplice – tem um trocadinho aí, tio? – não é só dinheiro que querem; é uma oportunidade para visitar, por momentos que seja, o país que sonham.

Scliar (1995) discute a multiplicidade de infâncias na contemporaneidade, deixando clara a construção histórica de tal categoria. Para ele, aquela idéia tão difundida da infância como um tempo de felicidade não pode ser garantida para todos. O mesmo parece fazer Calligaris (2000, p. 9), ao refletir sobre a adolescência:

Nossos adolescentes amam, estudam, brigam, trabalham. Batalham com seus corpos, que se esticam e se transformam. Lidam com as dificuldades de crescer no quadro complicado da família moderna. Como se diz hoje, eles se procuram e eventualmente se acham. Mas, além disso, eles precisam lutar com a adolescência, que é uma criatura um pouco monstruosa, sustentada pela imaginação de todos, adolescentes e pais. Um mito, inventado no começo do século 20, que vingou sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial.

Para Calligaris (2000), portanto, a adolescência torna-se mítica quando compreendida como um dado natural, prescrevendo normas de funcionamento e regras de expressão.

Desse modo, percebemos que, tanto a infância quanto a adolescência, são hoje compreendidas como categorias construídas historicamente, tendo, portanto, múltiplas emergências. Essa idéia corrobora com os paradigmas da pós-modernidade, marcos da nossa contemporaneidade.

Para Dahlberg; Moss; Pence (2003), as novas concepções de infância e de criança apontam para a aceitação de uma multiplicidade e um devir que não se fecha em si mesmo. Segundo os autores, o projeto defendido e sustentado pela Modernidade compreende o ser humano totalmente realizado, maduro, independente, autônomo, livre e racional. A busca da razão constitui um caminho na procura da própria essência do humano. Assim, progresso e tecnologia caminham de mãos dadas em direção à felicidade. Porém, com a crise da razão moderna, atestam os autores, construiu-se um

ceticismo crescente sobre a modernidade e sobre suas pretensões (desenvolveu-se) uma crescente desilusão com sua incapacidade para compreender e acomodar a diversidade, a complexidade e a contingência humanas e sua reação de tentar ordená-las a partir do que existe. O projeto da modernidade de controle através do conhecimento, a “avidez por certezas”, implodiu (p. 36).

Sob uma perspectiva pós-moderna, não existe conhecimento absoluto, realidade cristalizada, esperando para ser conhecida e domada; um entendimento universal, que se faça fora da história ou da sociedade. No lugar disso, o projeto pós-modernista propõe que o mundo e o conhecimento dele sejam vistos como socialmente construídos. Isso significa pensar que todos nós estamos engajados na construção de significados, em vez de engajados na descoberta de verdades. Assim, não existe somente uma realidade, mas várias. O conhecimento não é único, e sim múltiplo, variável, fragmentado e mutável, inscrito nas relações de poder, que lhes determinam o que é considerado como verdade ou falsidade. A verdade é compreendida somente como uma correspondência da verdade, uma representação da verdade, e como tal deve ser tomada.

Como objeto de estudo e de trabalho dentro de um projeto construído sob a égide da modernidade, a criança é vista e compreendida como “um sujeito unificado, reificado e essencializado – no centro do mundo – que pode ser considerado e tratado à parte dos relacionamentos e do contexto” (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, p. 63). Contudo, partindo da perspectiva paradigmática da pós-modernidade, a criança é descentralizada, retirada do centro, uma vez que se considera que ela exista através das suas relações com os outros, sempre em um contexto particular e próprio. Assim, torna-se possível e necessário afirmar que

não existe algo como a criança ou a infância, um ser e um estado essencial esperando para ser descoberto, definido e entendido, de forma que possamos dizer a nós mesmos e aos outros, “o que é a criança? O que é a infância?” Em vez disso, há muitas crianças e muitas infâncias, cada uma construída por nossos entendimentos da infância e do que as crianças são e devem ser (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, p. 63).

As distintas concepções de criança e de adolescente são, portanto, construídas a partir de olhares em nada neutros. Os saberes vêm sendo produzidos a partir de discursos dominantes, localizados nos limites do projeto da modernidade, por nós incorporados, sem maiores críticas. Enquanto são incorporados, passam a fazer parte da formação desse panorama em destaque, trazendo influências sobre a compreensão teórica e sobre as práticas com esses grupos etários. Torna-se necessário saber mais sobre esse panorama e saberes para podermos compreendê-los de modo contextualizado.

 

II. Discutindo a Infância

O que é ser criança? Como elas pensam, sentem e vivem? Essas perguntas e outras do mesmo teor são muito difíceis de serem respondidas. Escondem uma armadilha sutil, uma vez que, para muitos escritores, não existe espaço de dúvidas quando se discute estas questões. Cohn (2005) alerta para o perigo de uma leitura rápida e ingênua da infância. Para ela, as idéias de “tabula rasa”, “filhas do pecado”, “habitantes do paraíso”, dentre tantas outras representações da criança, apresentadas por muitos estudiosos, deixam transparecer uma “imagem em negativo da criança” (p. 8). Ou seja, o que se fala, na verdade, é do contraponto entre a criança e a vida em sociedade ou as responsabilidades da vida adulta. Alerta, portanto, para a necessidade de se entender a criança e a seu mundo a partir do seu próprio ponto de vista. Assim, afirma categoricamente a autora: “se quisermos realmente responder àquelas questões, precisamos nos desvencilhar das imagens preconcebidas e abordar esse universo e essa realidade tentando entender o que há neles, e não o que esperamos que nos ofereçam” (COHN, 2005, p. 8).

A infância, nessa perspectiva, deve ser compreendida como um modo particular de se pensar a criança, e não um estado universal, vivida por todos do mesmo modo. Mais uma vez, nos deparamos com a multiplicidade e a urgência de, uma ver por todas, desvincularmos a concepção de criança e de infância de uma idéia pré-concebida, seja ela qual for. Até chegarmos a um vislumbre de uma concepção pós-moderna de criança e infância, debruce-mo-nos um pouco em algumas reflexões sobre o assunto:

Os dicionários da língua portuguesa registram a palavra infância como o período de crescimento que vai do nascimento até o ingresso na puberdade, por volta dos doze anos de idade. Segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em novembro de 1989, "criança são todas as pessoas menores de dezoito anos de idade". Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), criança é considerada a pessoa até os doze anos incompletos, enquanto entre os doze e dezoito anos, idade da maioridade civil, encontra-se a adolescência.

Etimologicamente, a palavra infância vem do latim, infantia, e refere-se ao indivíduo que ainda não é capaz de falar. Essa incapacidade, atribuída à primeira infância, estende-se até os sete anos, que representaria a idade da razão. Percebe-se, no entanto, que a idade cronológica não é suficiente para caracterizar a infância. É o que Khulmann Jr. (1998, p. 16) afirma categoricamente:

Infância tem um significado genérico e, como qualquer outra fase da vida, esse significado é função das transformações sociais: toda sociedade tem seus sistemas de classes de idade e a cada uma delas é associado um sistema de status e de papel.

Se a idade cronológica não pode abarcar a concepção contemporânea de criança, o que poderia mais se aproximar disso? Voltemos à busca da compreensão das raízes dessa discussão.

Philippe Ariès (1978), famoso historiador francês, afirmou que a infância foi uma invenção da modernidade, constituindo-se numa categoria social construída recentemente na história da humanidade. Para ele, a emergência do sentimento de infância, como uma consciência da particularidade infantil, é decorrente de um longo processo histórico, não sendo uma herança natural. Essa sua afirmação trouxe grandes mudanças na compreensão da infância, já que ela era pensada como uma fase da vida, como qualquer outra, mas que revelada pelas “delícias de ser criança e de habitar no país da infância”, de um modo idêntico a si mesmo. Os séculos XVI e XVII, como bem demonstra Áriès, esboçam uma concepção de infância centrada na inocência e na fragilidade infantil. O século XVIII inaugurou a construção da infância moderna, assumindo o signo de liberdade, autonomia e independência.

Na verdade, o que Ariès quis dizer com a sua afirmação de que a infância foi uma invenção da modernidade, é que a infância que conhecemos hoje foi uma criação de um tempo histórico e de condições socioculturais determinadas, sendo um erro querer analisar todas as infâncias e todas as crianças com o mesmo referencial. A partir disso, podemos considerar que a infância muda com o tempo e com os diferentes contextos sociais, econômicos, geográficos, e até mesmo com as peculiaridades individuais. Portanto, as crianças de hoje não são exatamente iguais às do século passado, nem serão idênticas às que virão nos próximos séculos.

Para Ariès, o sentimento de infância data do século XIX. Até então, as crianças eram tratadas como adultos em miniatura ou pequenos adultos. Os cuidados especiais que elas recebiam, quando os recebiam, eram reservados apenas aos primeiros anos de vida, e aos que eram mais bem localizados social e financeiramente. A partir dos três ou quatro anos, as crianças já participavam das mesmas atividades dos adultos, inclusive orgias, enforcamentos públicos, trabalhos forçados nos campos ou em locais insalubres, além de serem alvos de todos os tipos de atrocidades praticados pelos adultos, não parecendo existir nenhuma diferenciação maior entre elas e os mais velhos.

Ariès defende duas teses principais: na primeira, afirma que a sociedade tradicional da Idade Média não via a criança como ser distinto do adulto. Na segunda, indica a transformação pela qual a criança e a família passam, ocupando um lugar central na dinâmica social. Com essa transformação, a família tornou-se o lugar de uma afeição necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos, o que não existia antes. A criança passou de um lugar sem importância a ser o centro da família. Cohn (2005) ressalta o trabalho de Ariès, já que, na opinião desta antropóloga, é importante partirmos da compreensão histórica da infância, uma vez que contemporaneamente, “os direitos da criança e a própria idéia de menoridade, não podem ser entendidos senão a partir dessa formação de um sentimento e de uma concepção de infância” (p. 22). Mas nem todos defendem plenamente o trabalho de Ariès, apesar da clareza da sua importância. Heywood (2004), por exemplo, faz uma crítica severa aos estudos de Ariès. Para ele, o estudioso foi ingênuo no trato com suas fontes históricas, extremamente centrado na Idade Média, e muito exagerado ao afirmar a inexistência de infância na civilização medieval. Suas teses correm o risco de serem tomadas de modo simplista, é para o que alerta o historiador, risco que considero muito possível de ser corrido por leitores menos críticos.

Heywood (2004) mostra, no seu trabalho, que havia uma infância presente na Idade Média, mesmo que a sociedade não tivesse tempo para a criança. Ao mesmo tempo apresenta a tese de que a Igreja já se preocupava com a educação de crianças, colocadas ao serviço do monastério. Já no século XII, assegura o estudioso, é possível encontramos indícios de um investimento social e psicológico nas crianças. Nos séculos XVI e XVII já existia “uma consciência de que as percepções de uma criança eram diferentes das dos adultos” (p. 36-7).

Continuando na sua discussão, Heywood ressalta a emergência social da criança já no século XVIII, fato marcado pelas obras de Locke, Rousseau e dos primeiros românticos. John Locke difundiu a idéia de tábula rasa para o desenvolvimento infantil, afirmando que a criança nascia apenas como uma folha em branco, na qual se poderia inscrever o que se quisesse. Assim afirmando, questionou a idéia de criança como fruto do pecado original, portadora de uma impureza cristã irremediável. Jean Jacques Rousseau defendeu a idéia de natureza boa, pura e ingênua da criança, e da necessidade de respeitá-la e deixá-la livre para que a natureza pudesse agir no seu curso normal, favorecendo o pleno desenvolvimento saudável das crianças. Já as concepções românticas da infância trataram de apresentar as crianças como portadoras de sabedoria e sensibilidade estética apurada, necessitando que se criassem condições favoráveis ao seu pleno desenvolvimento.

O século XIX inaugurou uma criança sem valor econômico, mas de valor emocional inquestionável, criando uma concepção de infância plenamente aceita no século XX. Na verdade, como é possível percebermos, “a história cultural da infância tem seus marcos, mas também se move por linhas sinuosas com o passar dos séculos: a criança poderia ser considerada impura no início do século XX tanto quanto na alta Idade Média” (HEYWOOD, 2004, p. 45).

Contudo, o que observamos no ocidente, foi que o movimento de particularização da infância ganha forças a partir do século XVIII. A família sofre grandes transformações e criam-se novas necessidades sociais nas quais a criança será valorizada enormemente, passando a ocupar um lugar central na dinâmica familiar. A partir de então, o conceito de infância se evidencia pelo valor do amor familiar: as crianças passam dos cuidados das amas para o controle dos pais e, posteriormente, da escola, passando pelo acompanhamento dos diversos especialistas e das diferentes ciências (Psicologia, Antropologia, Sociologia, Medicina, Fonoaudiologia, Pedagogia, dentre outras tantas).

A infância e a criança tornam-se objetos de estudos e saberes de diferentes áreas, constituindo-se num campo temático de natureza interdisciplinar. Independente da forma como era olhada, do posicionamento teórico que se tivesse sobre ela, a infância tornou-se visível como um estatuto teórico.

A infância, enquanto produção cultural da pós-modernidade, não pode ser pensada como cristalizada ou acabada. Constitui-se mesmo num devir, que incorpora a noção de transformação e dinamismo. Para Jardim (2003), “a idéia do devir criança nos leva a pensar a subjetividade em territórios para além da visibilidade superficial que nos leva ao tempo cronológico, uniforme e linear” (p. 28). Coloca-se, então, a necessária compreensão dos diversos sentidos e significados de infância.

Antes de continuarmos discutindo as múltiplas concepções da infância contemporânea brasileira, voltemos nossa atenção à história da criança no Brasil. Com ela, é possível vermos como se construiu a história da nossa criança.

No Brasil, o cuidado com a infância parece ter realmente começado no século XIX, intensificando-se nos séculos seguintes. Para Fontes (2005),

é importante ressaltar que a história da infância no Brasil se confunde com a história do preconceito, da exploração e do abandono, pois, desde o início, houve diferenciação entre as crianças, segundo sua classe social, com direitos e lugares diversos no tecido social (p. 88).

Concorda com esta leitura Pinheiro (2001). Para ela, a história de crianças e adolescentes no Brasil tem sua vida social marcada pela desigualdade, exclusão e dominação. Tais marcas acompanham a história do Brasil, atravessando a Colônia, Império e Republica, conservando ainda hoje a visão da diferença pela desigualdade. Assim, afirma a pesquisadora, “a desigualdade social assume, entre nós, múltiplas expressões, quer se refiram à distribuição de terra, de renda, do conhecimento, do saber e, mesmo, ao exercício da própria cidadania” (p. 30).

A história da criança no Brasil é brilhantemente apresentada por Priore (2000), seja quando se discutem condições de vida das crianças européias trazidas para cá no século XVI (RAMOS, 2000), seja quando aborda o cotidiano das crianças livres ou escravas no Brasil Colônia e Império (PRIORE, 2000). A entrada na Modernidade não trouxe muita diferença para todos os pequenos brasileiros. O sonho de infância feliz não parece ter sido vivido pelas crianças operárias da cidade de São Paulo recém-industrializada (MOURA, 2000) ou das crianças trabalhadoras do nosso país (RIZZINI, 2000; ABREU, 2000).

No Brasil moderno surgiu um termo que conceitua bem a criança desvalida: menor. Este termo foi inicialmente utilizado para designar uma faixa etária associada, pelo Código de Menores de 1927, às crianças pobres, passando a ter, posteriormente, uma conotação valorativa negativa. Metaforicamente, menores passaram a ser todos aqueles ao quais a sociedade atribuía um significado social negativo. Menores eram aquelas crianças e adolescentes pobres, pertencentes às famílias com uma estrutura diferente da convencional (patriarcal, com pai e mãe presentes, com pais trabalhadores, com uma boa estrutura financeira e emocional, dentre outros). Aquelas crianças caracterizaram-se como "menores" em situação de risco social, passíveis de tornarem-se marginais e, como marginais, colocarem em risco a si mesmas e à sociedade. Deste modo, tornou-se uma norma social atender à infância abandonada, pobre e desvalida, mas a partir de um olhar de superioridade, na tentativa de salvamento ou de "adestramento".

O "menor" foi entregue à alçada do Estado, que tratou de cuidar dele, institucionalizando-o, submetendo-o a tratamentos e cuidados massificantes, cruéis, e preconceituosos. Por entender o "menor" como uma situação de perigo social e individual, o primeiro código de menores, datado de 1927, acabou por construir uma categoria de crianças menos humanas, menos crianças do que as outras crianças, quase uma ameaça à sociedade.

Com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, o termo "menor" foi abolido, passando a definir todas as crianças como sujeito de direitos, com necessidades específicas, decorrentes de seu desenvolvimento peculiar, e que, por conta disso, deveriam receber uma política de atenção integral a seus direitos construídos social e historicamente.

A mudança é radical, vai à raiz: o menor deixa de ser visto como menor e retoma seu lugar de criança. O menor passa a ser visto como cidadão de direitos e não como um expectador das tentativas de sabê-lo vítima ou responsável pelos descalabros sociais. A criança volta a ocupar o seu lugar de um ser humano, de um sujeito construído historicamente, com direitos e deveres que devem ser exercidos hoje, com uma vida concreta que pode ser muito dura e distante do sonho dourado da infância mítica da classe média. Contudo, uma criança.

A partir de reflexões sobre as diversas concepções de infância e criança e, partindo de um sonho do projeto modernista, surge uma preocupação cada vez mais ampla e sistemática com o estudo e compreensão da criança e de seu desenvolvimento, com suas maneiras de aprender e com a necessidade de uma educação formal que lhe permita amadurecer de modo mais sadio. A disciplina, até então exercida de forma violenta e agressiva, vai sendo abolida e substituída por técnicas que denotam atitudes mais respeitosas. Assim, a prática de surras, castigos severos, humilhações, o uso de palmatória, dentre outras, está fora de uso e, embora ainda possa ser utilizada, isso ocorre somente de modo pontual.

Essa prática começou a modificar-se a partir do estudo científico da criança, que se iniciou, efetivamente, no século XIX. Como legado maior das Teorias Desenvolvimentistas, surgiu a compreensão da criança como uma categoria científica, notadamente positivista, e a perda da inocência – através da Metapsicologia freudiana. A seguir, a infância passou a ser concebida como produto do tempo, da natureza e da cultura. Porém, como assegura Santos (1996, p. 152), somente "nos anos 60 do século XX a infância se tornará, no bojo dos interesses pela juventude, uma categoria sociológica nas culturas ocidentais modernas".

Podemos ver que, numa perspectiva histórica de milhares de anos, em que predominou o total desconhecimento da criança, a Psicologia do Desenvolvimento Infantil encontrou no seu início uma série de dificuldades para se impor como estudo sério, importante e necessário. Mas ela tem conseguido se firmar. Hoje, o estudo do desenvolvimento da criança é necessário e indispensável para quem deseja trabalhar com essa fase da vida humana. Além disso, a perspectiva extremamente positivista assumida pela Psicologia do Desenvolvimento, que se preocupava principalmente em observar, medir e comparar as mudanças exibidas pelas crianças ao longo de sua trajetória de vida, foi substituída por uma perspectiva mais histórica. Hoje se estuda a criança e a infância como categorias construídas historicamente, o que nos abre possibilidades de compreendê-las de modo concreto, na sua expressão de vida. O tempo linear, cronológico e contínuo é superado por um devir, um tempo que não se esgota em si mesmo. Referindo-se à temporalidade não linear, afirma Figueiredo (1995, p. 9):

É preciso contar a história de uma vida sem dar a impressão de se estar diante de uma sucessão linear, unidirecional e necessária de momentos, cada um deles sendo tomado como um simples e plenamente significativo "agora". É preciso garantir nesta história lugares para acasos e imprevisíveis, lugares para rupturas, lugares para saltos adiante, para retornos e ressignificações; é preciso evitar a tentação de fazer da existência de alguém um processo meramente aditivo ou subtrativo de atributos que se agregariam ou descartariam de uma substância permanente.

A maior parte das teorias que trata do Desenvolvimento Humano tem uma tendência para atuar como se seus saberes fossem verdadeiros e representassem o modelo correto da realidade. Contudo, como alerta Dahlberg; Moss; Pence (2003): “Em vez de serem vistas como representações socialmente construídas de uma realidade complexa, uma maneira selecionada de como descrever o mundo, essas teorias parecem se tornar o próprio território” (p. 54). O risco dessa leitura é que percamos de vista as crianças e suas vidas concretas. Sendo assim, a tentativa pode ser a de normalizar as crianças a partir de uma norma teórica qualquer, atribuindo-lhe uma identidade social e pessoal que não lhe pertencem, de fato.

Vivendo numa condição pós-moderna, precisamos entender o conhecimento e os diversos saberes de uma perspectiva que requer de cada um de nós que

abandonemos a “grande narrativa” de uma unidade teórica de conhecimento e nos contentemos com objetivos mais locais e práticos. Isto significa abandonar uma das suposições (e esperanças) mais profundas do pensamento iluminista: que aquilo que está “de fato” disponível para ser percebido “lá fora” é um mundo ordeiro e sistemático, (potencialmente) o mesmo para todos nós – de tal forma que, se persistirmos muito em nossas investigações e discussões, conseguiremos, por fim, um acordo universal sobre sua natureza (SHOTTER apud HEYWOOD, p. 69).

As diferentes concepções existentes sobre a criança na contemporaneidade ocidental, portanto, são peças imprescindíveis para comporem um quadro geral sobre a infância atual e necessitam serem conhecidas e compreendidas dentro do contexto no qual foram produzidas. Tais saberes, de diferentes disciplinas e origens teóricas, devem ser convidados ao diálogo, produzindo frutos que podem ser ricos e oferecerem novos e variados elementos para ajudarem na compreensão da infância na pós-modernidade.

 

III. Discutindo a adolescência

Assim como a infância, a adolescência é também compreendida hoje como uma categoria histórica, que recebe significações e significados que estão longe de serem essencialistas. É como afirma Pitombeira (2005): a naturalização da adolescência e sua homogeneização só podem ser analisadas à luz da própria sociedade. Assim, as características “naturais” da adolescência somente podem ser compreendidas quando inseridas na história que a geraram. Mas não foi sempre deste modo que se falou da adolescência.

Para a maior parte dos estudiosos do desenvolvimento humano, ser adolescente é viver um período de mudanças físicas, cognitivas e sociais que, juntas, ajudam a traçar o perfil desta população. Atualmente, fala-se da adolescência como uma fase do desenvolvimento humano que faz uma ponte entre a infância e a idade adulta. Nessa perspectiva de ligação, a adolescência é compreendida como um período atravessado por crises, que encaminham o jovem na construção de sua subjetividade. Porém, a adolescência não pode ser compreendida somente como uma fase de transição. Na verdade, ela é bem mais do que isso.

Adolescência, período da vida humana entre a puberdade e a adultície, vem do latim adolescentia, adolescer. É comumente associada à puberdade, palavra derivada do latim pubertas-atis, referindo-se ao conjunto de transformações fisiológicas ligadas à maturação sexual, que traduzem a passagem progressiva da infância à adolescência. Esta perspectiva prioriza o aspecto fisiológico, quando consideramos que ele não é suficiente para se pensar o que seja a adolescência.

Refletindo acerca dos limites identificatórios da adolescência, voltemo-nos à história, buscando elementos que nos ajudem a pensar essas questões. Do mesmo modo que afirmou o caráter moderno da infância, Ariès (1978, p. 46) acredita que a adolescência também nasceu sob o signo da Modernidade, a partir do século XX. Quanto a isso, ele se expressa:

O primeiro adolescente moderno típico foi o Siegried de Wagner; a música de Siegried, pela primeira vez, exprimiu a mistura de pureza (provisória), de força física, de naturismo, de espontaneidade e de alegria de viver que faria do adolescente o herói do nosso século XX, o século da adolescência.

Para Ariès, somente após a implantação do sentimento de infância, no século XIX, tornou-se possível a emergência da adolescência como uma fase com características peculiares e únicas, distintas dos outros momentos desenvolvimentais. No entanto, a partir de outros autores, como Santos (1996) e Levi; Schmidt (1996), discordo destss teses. Penso que o que hoje denominamos infância e adolescência, enquanto idades cronológicas, sempre existiram. No entanto, para se fazerem concretas, constituíram-se historicamente dentro das sociedades. Sendo assim, não é possível se enquadrarem as coordenadas de diversas histórias social e cultural da adolescência do mesmo modo, uma vez que não falamos de uma homogeneidade entre as histórias ou sequer entre os termos definidores do tempo.

Portanto, não podemos compreender a adolescência simplesmente pondo-a em evidência. É necessário buscar não uma definição válida para todos os momentos históricos e sim tentar uma compreensão a partir de sua historicidade. Desse modo, os limites fisiológicos e jurídicos são insuficientes para compreender esse período. É possível sabê-lo melhor, sugerem Levi; Schmidt (1996), a partir de uma antropologia das diversas sociedades humanas, segundo o modo de identificar e de atribuir ordem e sentido ao transitório. Para estes autores, enquadrar as coordenadas de uma história social e cultural da juventude, por diferentes motivos que sejam, torna-se impossível, até mesmo pela não homogeneidade dos termos definidores. Assim, não podemos compreender a adolescência simplesmente pondo-a em evidência, e sim buscando uma compreensão a partir de sua historicidade.

A condição básica que favoreceu a “inauguração” da adolescência ocidental do século XX foi, principalmente, a possibilidade de prescindir da ajuda financeira dos jovens que agora podem se dedicar mais tempo à formação profissional. Além disso, a realidade contemporânea e tecnicista exige cada vez maiores aperfeiçoamentos profissionais, levando a um elastecimento do período de preparação dos jovens para o ingresso no mercado de trabalho. Paralelamente, aumenta também o tempo de tutela das crianças pelos pais, uma vez que elas são mantidas mais tempo nas escolas.

Enquanto construção da modernidade, a adolescência contemporânea foi engendrada a partir de um contexto de crises e contestação social. Segundo Abramo (1994), esse fenômeno facilitou que se plasmasse tal caracterização como a característica própria dos jovens. É possível vermos que a virada para o século XX traz consigo a invenção de uma adolescência representada como uma fase de “tempestades e tormentas” e germe de transformações. O movimento hippie, da década de 60, e o juvenil, de 1968, contribuíram para formar um discurso sobre o que é ser adolescente, instituindo o modelo masculino, da classe média, como o estalão privilegiado. Por toda a década de 70, o movimento de ampliação da contracultura juvenil continuou se expandindo. Mas a história não pára e, na década de 80, acontece uma fragmentação nos movimentos juvenis. Grandes mudanças surgem no plano político, o mesmo acontece no espectro público da juventude brasileira. Parece ter acontecido com a juventude brasileira algo como descreve Abramo (1994, p. 55):

... o movimento estudantil perde expressividade e começa a ganhar visibilidade. Surge uma grande variedade de figuras juvenis cuja identidade se expressa, principalmente, através de sinais impressos sobre sua imagem e pelo consumo de determinados bens culturais oferecidos pelo mercado.

Ferreira (1992) vê grande diferença entre a juventude da década de 50 e a contemporânea, denunciando a falta de sentido e inatividade que considera ser o mais notável na juventude de então. Já Lindemberg (1993), assinala as contradições e incertezas da juventude de baixa renda da periferia de São Paulo, considerando serem essas características identificatórias dos adolescentes pesquisados. Diógenes (1998) ressalta que os movimentos juvenis despertaram visões diferenciadas na sociedade, tais como desordeiros ou renovadores, enfatizando as diferentes representações sociais atribuídas a esses movimentos. Assim é que

a busca da diferença, o desejo de impactar, de provocar contrastes, marcas definidoras da existência social [...] punk, dark, funk, torcidas organizadas, os carecas do subúrbio, os skin heads, o hip hop organizado, dentre outros, parecem mobilizar, de forma visível, a atenção e a tensão juvenil dos anos 90 (p. 103).

Com a sociedade neoliberal, sob a ênfase do mercado e do consumo, envolvida nas questões tecnológicas e nas mudanças do padrão social e culturas das massas, a juventude vem sendo colocada em situação de grande vulnerabilidade social. Nascimento (2002) considera que os jovens parecem se encontrar encurralados dentro de condições sociais que aumentam em muito sua vulnerabilidade. Afirma:

As representações sociais que se formam a partir das inúmeras informações, mediadas, sobretudo pela mídia, não fornecem condições para que o adolescente planeje e articule ações como uma forma de superação da condição ou situação vivida, uma vez que estas informações se destinam muito mais à construção de modelos estereotipados de comportamentos para atender as demandas de consumo (p. 71).

Calligaris (2000) também tem refletido sobre a influência da pós-modernidade e do neoliberalismo sobre a emergência da adolescência. Para ele, a juventude tem sido investida de um imenso valor de consumo, sendo eleita como ideal de vida. Assim, a indústria de consumo não só absorve como investe em valores e estilos adolescentes, elastecendo mais e mais esta fase e tornando cada vez mais difícil se afastar do desejo adulto da adolescência. Como diria o autor, “a adolescência, por ser um ideal dos adultos, se torna um fantástico argumento promocional” (p. 59). Como a adolescência assume o ideal social, fica difícil sair deste lugar. Fica difícil e custoso envelhecer, quando a aspiração social é habitar a adolescência.

Muitos outros pesquisadores têm se dedicado a estudar a expressão da subjetividade dos jovens na contemporaneidade. Existe atualmente uma clareza teórica de que a heterogeneidade de realidades e situações impedem a vivência da adolescência do mesmo modo para todos. Mas esta clareza não foi sempre presente. Se não, vejamos: O pai da Psicologia da Adolescência, Stanley Hall, considerava que a adolescência era a retirada dramática das crianças do paraíso da infância, constituindo-se, deste modo, num período de crises, tempestades e tormentas. E é desta forma que ainda hoje muitos teóricos têm se detido a falar sobre a adolescência: uma fase difícil, geradora de crises, um foco de patologias, um poço de sofrimentos para os jovens e suas famílias.

Segundo Ozella (2003, p. 20), "é necessário superar as visões naturalizantes presentes na Psicologia e entender a adolescência como um processo de construção sob condições histórico-culturais específicas". Isso significa pensar que a adolescência deve ser vista e compreendida como uma categoria construída socialmente, a partir das necessidades sociais e econômicas dos grupos sociais, que lhe constituem como pessoas, enquanto são constituídas por elas. Assim, é mais possível falar de adolescentes que tenham um nome, pertençam a um grupo cultural e tenham uma vida vivida concretamente, do que de uma adolescência de uma forma mais abrangente.

Adolescência, portanto, deve ser pensada para além da idade cronológica, da puberdade e transformações físicas que ela acarreta, dos ritos de passagem, ou de elementos determinados aprioristicamente ou de modo natural. A adolescência deve ser pensada como uma categoria que se constrói, se exercita e se re-constrói dentro de uma história e tempo específicos.

É no sentido de refletir sobre a adolescência construída historicamente que Aguiar; Bock; Ozella (2002) apontam elementos fundamentais para a compreensão da adolescência numa perspectiva sócio-histórica. Para eles é necessário não perder de vista o vínculo entre a desenvolvimento do homem e a sociedade. Além disso, existe uma emergência de se “despatologizar” a noção do desenvolvimento humano, em especial a adolescência, re-construindo a compreensão desta e sua expressão social. Por fim, sugerem um avanço urgente para além de uma suposta realidade “natural” da adolescência. Desse modo, as peculiaridades e especificidades históricas, culturais e sociais precisam ser levadas em conta nos estudos, pesquisas e atribuições de sentido feitos às vivências dos adolescentes.

Somente para encerrar esta discussão, gostaria de pensar um elemento que, assim como a brincadeira infantil parece atravessar de modo mais peculiar a experiência de ser adolescente: a busca de ser por si mesmo. Segundo Eisenstadt (1976), os grupos etários formam-se no estágio de transição entre a dependência infantil e a maturidade do adulto, sendo que o sentido de conquista e reconhecimento de si parece ser o motor básico desses grupos. Talvez seja este o sinal para se pensar em algo próprio da adolescência: a conquista e o reconhecimento de si. Esta é uma construção iniciada com o nascimento, e que se encaminha para a completude do homem, finalizada somente com a morte, que, com o nascimento, delimita os dois extremos da vida. Poeticamente seria mais ou menos como Paz (1992) diz na sua poesia:

Para todos nós, em algum momento, nossa existência se revela como alguma coisa de particular, intransferível e preciosa. A descoberta de nós mesmos se manifesta como um saber que estamos sós; entre o mundo e nós surge uma impalpável, transparente muralha: a da nossa consciência. É verdade que, mal nascemos, sentimo-nos sós; mas as crianças e os adultos podem transcender a sua solidão e esquecer-se de si mesmos por meio da brincadeira ou do trabalho. Em compensação, o adolescente vacilante entre a infância e a juventude, fica suspenso um instante diante da infinita riqueza do mundo. O adolescente se assombra com ser. E ao pasmo segue-se a reflexão: inclinado para o rio de sua consciência pergunta-se se este rosto que aflora lentamente das profundezas, deformado pela água, é o seu. A singularidade de ser, mera sensação na criança – transforma-se em problema e pergunta, em consciência inquisidora (p. 35).

 

IV. Considerações finais: já que não é possível concluir

Elaborar conclusões sobre a concepção atual de infância e da adolescência na contemporaneidade evidencia-se uma tarefa impossível de ser levada a cabo. A compreensão da impossibilidade de se tomarem as grandes narrativas como verdades cristalizadas, a certeza da multiplicidade de vivências e de seus significados que se ancoram nas também múltiplas historicidades, a aceitação da parcialidade das verdades, são elementos que não podem ser deixados de lado. Desse modo, os saberes são construídos de modo tímido, sabendo-se incompletos, precários e parciais. Contudo, ao mesmo tempo, mais verdadeiros.

Ao invés de concluir, apontando a concepção atual de infância e de adolescência na contemporaneidade, dou-me ao direito de alertar para a precariedade das distintas concepções que habitam nossos saberes. Tais concepções, importantes de serem compreendidas e pensadas, não são verdades absolutas e sim “pontas do iceberg”, devendo ser tomadas como tal. Necessário se faz saber de que água elas são feitas, qual a temperatura dos seus arredores, como se formaram, para que são usadas e de que modo.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: anafrota@ufc.br.

Recebido em: 05/09/2006
Aceito para publicação em: 21/05/2007

 

 

Notas

* Psicóloga, Mestre em Educação e Doutora em Psicologia.

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