Estudos e Pesquisas em Psicologia
ISSN 1808-4281
Estud. pesqui. psicol. v.7 n.1 Rio de Janeiro jun. 2007
COMUNICAÇÃO DE PESQUISA
Uso e consumo da água: um problema que interessa à Psicologia?
Use and consumption of the water: is it a problem that interest Psychology?
Ariane Kuhnen I; Scheila Machado da SilveiraII
I Psicóloga, mestre em Sociologia Política e doutora em Ciências Humanas. Coordenadora do Laboratório de Psicologia Ambiental e professora do Departamento de Psicologia da UFSC
II Psicóloga, pesquisadora do Laboratório de Psicologia Ambiental
RESUMO
A água, além de necessária, está ligada aos modos de vida e, esta condição implica estratégias econômicas e políticas assim como práticas de solidariedade da sociedade. Face à complexidade destas interações constroem-se sistemas explicativos, que correspondem aos conhecimentos científicos, mas também a vulgarização destes, a cultura, história e experiências de vida. Dentro deste universo de entendimento a presente pesquisa busca conhecer alguns processos psicológicos subjacentes aos conhecimentos e comportamentos da população implicados pelas políticas e ações relativas ao abastecimento de água. Foi utilizado como instrumento um questionário aplicado na forma de entrevista. Foram entrevistadas 295 pessoas em Santa Catarina e São Paulo. O estudo encontra-se em fase de análise dos dados, mas avalia-se que a qualidade das entrevistas aponta para uma situação bastante positiva em relação à capacidade de ter opiniões que se distanciam das tendências visualizadas nos meios de comunicação.
Palavras-chave: Percepção, Políticas públicas, Recursos naturais, Psicologia ambiental.
ABSTRACT
The water, in addition to be necessary, it';s connected to the life ways and, this condition implies economic and politics strategies as well as practical of solidarity of the society. Face to the complexity of these interactions, people construct clarifying systems, which correspond to the scientific knowledge, but also the vulgarization of these, the culture, history and experiences of life. Inside of this universe of agreement the present research looks for knowing some underlying psychological processes to the knowledge and behaviors of the population implied by the politics and relative actions to the water supply. A questionnaire applied in the interview form was used as instrument. 295 people in Santa Catarina and São Paulo had been interviewed. The study is now in data analysis phase, but it is possible to estimate that quality of the interviews points to a sufficiently positive situation in relation to the capacity to have opinions that is set apart of the trends visualized in the medias.
Keywords: Perception, Public politics, Natural resources, Environmental psychology.
Uso e consumo da água: um problema que interessa à Psicologia?
A qualidade da água é uma medida que diagnostica o estado de conservação do ambiente como um todo, já que, por meio de sua análise, se verifica o grau de erosão do solo, os lançamentos orgânicos, a poluição por esgotos e, inclusive, a poluição atmosférica. Ocorre que o comportamento humano é considerado a maior causa de deterioração ambiental e, por conseqüência, também da qualidade da água, sendo por isso necessário entender as causas do comportamento ambientalmente relevante (OSKAMP citado por CORRAL-VERDUGO, 2003). Nessa linha de raciocínio, segundo Vargas; Mancuso; Benze; Miranda (2002) e Verdugo (2002) as atitudes, informações e expectativas dos usuários da água são fundamentais para garantir uma gestão sustentável dos recursos hídricos. Sendo assim, uma forma de envolver os usuários no processo de gestão dos recursos hídricos é entender a maneira como percebem e interagem com o ambiente. Diversos estudos vêm sendo realizados buscando compreender a complexa situação apresentada e buscam preditores psicológicos de conservação de água. Como bem indica Corral-Verdugo (2002), “o problema da escassez de água possui componentes psicológicos e sociais. As pessoas desperdiçam água, influenciadas por motivos, crenças, percepções e normas pessoais”. E ainda prescreve que são necessários estudos desses componentes para se entender quais características pessoais e situacionais do comportamento podem ser utilizados, quando se prevê a promoção do que chama de padrões de consumo responsável de água.
O ambiente do ponto de vista psicológico é sempre o ambiente percebido ou representado pelos sujeitos. Ao se trabalhar com a relação pessoa/sociedade/ambiente, freqüentemente se encontram confusões entre os conceitos de percepção e representação, que são tidos como processos psicológicos similares. Isso ocorre devido à dificuldade de isolar um processo do outro, o que enfatiza a condição do indivíduo como um sujeito social que seleciona e organiza impressões e informações disponíveis. Enquanto área de estudos que se dedica a estudar a relação pessoa-ambiente, a psicologia ambiental busca averiguar como se produz esse campo chamado de percepção ou representação ambiental e como e de que forma o ambiente modifica o comportamento das pessoas e é modificado por estas. As circunstâncias pessoais, sociais e culturais (idade, sexo, sensibilidade, nível socioeconômico, local de residência, conhecimento dos problemas ambientais) farão com que o sujeito capte e interprete de distintas maneiras as informações do ambiente. A estratégia de seleção e de organização culmina num processo de apropriação ativa do mundo, que tem a função de orientar as ações de maneira inteligente. Portanto, a percepção não é somente o processo de captação e organização da informação, é também ação que supõe tomada de decisão, planificação e execução de respostas.
Partindo deste universo teórico, a presente pesquisa investigou aspectos referentes à água tratada. Para tanto, se efetivou em termos do estudo da percepção da relação com água enquanto recurso limitado e patrimônio/bem comum, natureza da necessidade em água e as representações que suscitam, práticas de consumo, apreciação dos usuários dos sistemas de abastecimento (percepção da qualidade e custo, indicação dos problemas de água subterrânea e de superfície e os riscos sanitários) e avaliação da capacidade de sensibilização que atingem as campanhas de informação. É um tema de interesse do Governo Federal e recebeu financiamento através da FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), órgão do Ministério da Saúde. O estudo encontra-se atualmente em fase de análise dos dados. Algumas avaliações preliminares serão aqui As cidades pesquisadas em Santa Catarina foram Santa Rosa de Lima, Rancho Queimado, Santo Amaro da Imperatriz, Joinville e Balneário Camboriú e, em São Paulo foram Embu, Taboão da Serra e um distrito da capital (bairro Butantã). Para definição da amostra, utilizou-se o critério psicométrico de saturação. Foram entrevistados 295 usuários. No quadro abaixo, visualizam-se as variações demográficas da amostra. O tratamento estatístico foi feito com o uso do SPSS (Statistical Package for the Social Sciences - pacote estatístico para as ciências sociais). Optou-se por uma categorização das respostas, a partir do campo semântico apresentado. As respostas de cada questão estão sendo agrupadas, usando-se o critério de semelhança de conteúdos.
Distribuição das variáveis demográficas da amostra em Santa Catarina e São Paulo
A amostra está distribuída quanto à escolaridade e faixa etária nos dois estados. Por ter mais respondentes do sexo feminino em SC, a amostra é composta de 60% de mulheres e 40% de homens. Quanto ao tempo de domicílio, há uma predominância em SC de maior tempo de moradia. Igual situação se repete em SP, entretanto, distribui-se de maneira diferente já que, comparativamente 47% são nascidos no local onde moram em SC e apenas 25% encontram-se na mesma situação em SP. Esse dado é importante para avaliar o apego do morador ao seu domicílio (como estudado por KUHNEN, 2002) e sua disposição para mobilizar-se em favor dos recursos locais e da qualidade de vida. Cruzamentos entre variáveis estão sendo executados e deverão fornecer novos dados para posterior análise neste sentido, como, por exemplo, entre este dado e o conhecimento acerca dos comitês de bacias hidrográficas ou com a percepção da necessidade de mobilização social. Visualiza-se que a completa análise dos dados possibilitará, ao final, indicar reconsiderações quanto à oferta dos órgãos competentes das habilidades específicas usadas pela população para economizar água. Tal aproximação induz-nos a indicar que os dados oferecem subsídios para a comunidade científica, atuante no setor de tratamento de água e saúde pública, para programas de educação ambiental, assim como auxílio na identificação de elementos de participação social (políticas públicas) e no desenvolvimento de uma medida ou ferramenta gerencial para avaliação permanente e comparada sobre as necessidades e comportamentos de consumo da água na população.
Referências Bibliográficas
CORRAL-VERDUGO, V. A structural model of pro-environmental competency. Environment & Behavior, 34, p. 531-549, 2002.
_____. Determinantes psicológicos e situacionais do comportamento de conservação de água: um modelo estrutural. Estudos de Psicologia, Natal, v.8, n.2, p. 245-252, maio/ago 2003.
KUHNEN, A. Lagoa da Conceição – Meio ambiente e modos de vida em transformação. Florianópolis: Cidade Futura, 2002.
VARGAS, M.C.; MANCUSO, M.I.R.; BENZE, B.G.; MIRANDA, C.O. Água e cidadania: Percepção social dos problemas de quantidade, qualidade e custo dos recursos hídricos em duas bacias hidrográficas do interior paulista. 2002 (http://www.anppas.org.br 01/10/05).
Endereço para correspondência
E-mail: ariane@cfh.ufsc.br
Recebido em: 12/03/2007
Aceito para publicação em: 27/04/2007