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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.7 n.3 Rio de Janeiro dez. 2007

 

ARTIGOS

 

Análise institucional na vida religiosa: caminhos de uma intervenção

 

Institutional analysis in the religious life: paths to an intervention

 

 

William César Castilho Pereira I, *; Adriana Maria Brandão Penzim II, **

I Professor do Instituto de Psicologia da PUC-Minas
II Professora do Instituto de Psicologia da PUC-Minas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste texto são apresentados e discutidos os principais momentos de uma intervenção de cunho institucionalista, a partir de experiências desenvolvidas pelos autores em trabalhos realizados com congregações religiosas que têm escolhido a Análise Institucional como estratégia auxiliar em sua busca por realizar o que denominam Refundação da Vida Religiosa. Recorre-se ao repertório teórico e prático da Socioanálise, proposta por René Lourau e Georges Lapassade, e da Sociopsicanálise, introduzida por Gérard Mendel. Comentam-se as diversas etapas do trabalho e discutem-se possibilidades de atuação junto a grupos visando ao estabelecimento de processos de auto-análise e autogestão.

Palavras-chave: Análise institucional, Intervenção institucionalista, Auto-análise, Autogestão.


ABSTRACT

This essay presents and discusses the main points in an intervention of an institutionalized character, from experiences developed by its authors in jobs done with religious congregations, which have chosen Institutional Analysis as an alternative strategy in the search of creating what they identify as the Religious Life’s Re-foundation. Recurring to the practical and theoretical repertoire of Social analysis proposed by René Lourau and Georges Lapassade, and from the Social psychoanalysis introduced by Gérard Mendel. The many stages of the work were brought up and the possibilities of group and collective action were discussed seeking the establishment of self-analysis and self-management processes.

Keywords: Institutional Analysis, Institutionalized Intervention, Self-Analysis and Self-Management.


 

 

Apesar da evidente expansão do pensamento institucionalista no Brasil, a transmissão de conhecimentos sobre este amplo campo de saberes tem-se concentrado mais na discussão sobre a sua prática do que como esta se dá. É na expectativa de colaborar para que se preencha essa lacuna que, neste texto, apresentamos e discutimos os principais momentos da intervenção de cunho institucionalista. Não se trata de um relato de experiência, mas de um conjunto de saberes construído a partir de práticas de intervenção com congregações religiosas católicas, com as quais temos sido chamados a colaborar, que têm escolhido a Análise Institucional como estratégia auxiliar em sua busca por realizar o que vêm denominando Refundação da Vida Religiosa.

É preciso esclarecer que não se trata, também, de um receituário do tipo “como se faz” uma análise institucional, o que, no mínimo, viria a contradizer todo o escopo do institucionalismo, que repudia padrões, caminhos prontos e verdades pré-concebidas. Aqui estamos a falar de caminhos que se fazem para que neles se caminhe. Tal como Becker (1999), entendemos que a metodologia deve dedicar-se a explicar e aperfeiçoar a prática e não a dizer como se deve fazer algo, ao que certamente subjaz a intolerância ao erro, o entendimento de que há “a maneira correta” de fazer alguma coisa, e a suposta ilusão de que a definição de regras de procedimento podem evitar o incontrolável. É bom lembrar que todo método está apoiado em pressupostos teórico-técnicos e resulta de escolhas, o que lhe confere uma dimensão ideológica. Não há, portanto, metodologias neutras, puras ou inocentes.

A discussão aqui proposta sobre possíveis caminhos a serem trilhados visa à produção de conhecimentos e à formação de analistas comprometidos em contribuir para a formação de grupos sujeitos e autônomos, como instrumento de partilha entre as pessoas, força de construção coletiva que pressupõe a troca de saberes e experiências, compromisso de uma ação comum auto-analítica. Propomos ao leitor que utilize esse texto como se fosse um alambique capaz de destilar idéias, processos, experiências e invenções. Não há um caminho único para a realização de uma intervenção de cunho institucionalista, a qual pode ocorrer de muitas maneiras, desde uma breve ação inventiva disparada por qualquer pessoa inserida em um grupo e que põe em prática seu pensamento instituinte, inaugurando dispositivos deflagradores de processos transformadores da realidade, até ações mais planejadas, as intervenções propriamente ditas, realizadas com a colaboração de um grupo de analistas institucionais.

Neste texto, o que fazemos é oferecer o relato sobre o caminho que temos seguido, ou seja, um dos muitos possíveis. Nesta perspectiva, apresentamos inicialmente uma breve contextualização da Análise Institucional na vida religiosa para, em seguida, discutir o processo de intervenção, descrevendo e comentando as diversas etapas do trabalho analítico, tal como o temos realizado, de modo a facilitar a sua compreensão.

O que se pretende é auxiliar o analista interessado em descobrir trilhas a serem seguidas, tendo sempre em vista que o foco não é o método, mas os grupos e organizações aos quais se quer auxiliar a elucidar aquilo que é oculto em sua vida e em seu funcionamento, provocando a palavra livre e trazendo à tona os não-ditos existentes. Aquilo que não se sabe, uma vez explicitado, faz mover o grupo na busca da autonomia e da transformação da realidade, deflagrando processos analíticos múltiplos de subjetividades.

 

Análise Institucional e Vida Religiosa

Em nosso trabalho, temos recorrido, dentre as diversas correntes institucionalistas, aos repertórios teóricos e práticos da Socioanálise — proposta por René Lourau e Georges Lapassade, e da Sociopsicanálise — introduzida por Gerard Mendel. Não é nosso objetivo aqui discutir detalhadamente tais propostas, mas é preciso comentar, mesmo que genericamente, o que as impulsiona, qual é o seu intento. Tais correntes pretendem trabalhar a contradição: ao invés de manter a lógica identitária, busca-se criar a lógica dialética da transformação. A prática desses ideais tem como premissa básica desencadear rupturas objetivas e subjetivas em um certo modo conservador e coagulado de experiências institucionais, contrapondo à alienação, a autonomia, a cidadania e a expressão da diversidade e da alteridade. Autonomia no sentido de romper com esquemas centralizadores. Não se trata de participar de um poder constituído e vertical, mas, de ter poder de estratégia de ação polivalente. Assim, novos atores, sujeitos, antes excluídos, emergem no cenário grupal, organizacional e institucional. Diferentes espaços são criados, a gestão é coletiva, a história, a memória e o saber são revalorizados e ganham uma nova ordem de significados. À lógica estabelecida, instituída, há que se contrapor a autoprodução de uma nova ordem instituinte.

A instituição é uma instância imaginária (para além do locus do estabelecimento), que encontra concretude em organizações e estabelecimentos. É uma composição de saberes que permitem a todo tempo recompor as relações sociais, organizar espaços, fixar e recortar limites. As instituições não estão desvinculadas da prática social, das relações sociais entre as classes e do processo de produção da vida material. Cada sociedade, segundo o modelo infraestrutural a que obedece, cria determinados tipos de instituição. Essa tipologia institucional será mantida e sustentada em todos os níveis, do Estado à família, desta à igreja, à escola, às relações de trabalho, aos sistemas jurídico, de saúde, à cultura e ao lazer, aos meios de comunicação, etc. As instituições, organizações e estabelecimentos atuam como aparatos de captura de processos de subjetivação singulares, impondo-lhes seu próprio modelo totalizador. Realizam essa apreensão da subjetividade através da produção de enunciados, da centralidade do poder, do saber, do dinheiro, do prestígio, da disseminação da culpa e de formas regressivas ou infantilizadas. A vida religiosa é também uma instituição. Como tal, é um conjunto de tradições, de regras e regulamentos, convenções, acordos, atividades, programas, inseridos na estrutura hierárquica, administrativa e jurídica que perpassa a vida milenar da Igreja, sistematizando prescrições, anseios e proibições, que deverão ser introjetados pelos participantes para que sejam seguidos.

Fazer análise em uma instituição é questionar, interpretar e transformar o lugar imaginário, simbólico e físico, o espaço da hierarquia, a produção dos equipamentos de captura da subjetividade, a relação entre o instituído e o instituinte, ou seja, é liberar a palavra da instituição, o não-dito. Deve-se ter bem claro que a intervenção institucional se dá em um campo de intervenção, que é um recorte, um espaço delimitado do campo de análise, que é bem mais amplo e que deve ser compreendido para que nele se possa intervir e transformar. Em outras palavras, é necessário compreender que em cada espaço concreto — organização, estabelecimento — dá-se de modo particular, singular, a reprodução do instituído e a repressão do instituinte.

Entendendo os grupos como dispositivos1 em ação (BARROS, 1994), a questão que se apresenta é a identificação do conjunto de instituições presentes em cada grupo ou organização social particular. Ao promover uma intervenção em uma organização ou junto a um grupo em uma organização busca-se clarificar coletivamente o conjunto de forças sociais, políticas, econômicas e libidinais em atuação numa situação aparentemente regida por normas explícitas, em vista de objetivos e funções organizacionais precisas.

A análise é o resultado das lutas de sujeitos e grupos fortemente implicados que se utilizam, para tanto, não somente de sua racionalidade, mas também de seu inconsciente, das suas pulsões, afetividade e paixões. Nada se faz sem grande paixão. Quando não há sonhos, quando se não se aposta na utopia está-se à beira da morte. O lugar das paixões na instituição é o que Lourau (1988) chama de instituinte. Ele afirma que o conceito de instituição vem revestido de duas faces inseparáveis, o “instituído” e o “instituinte”. O instituído significa aquele que institui o direito, a ação é feita em direção ao sujeito. Instituinte é aquele que faz a ação, o sujeito que age, produz, cria, opera; particípio presente do verbo latino instituere –instituir– dar início, estabelecer, criar. Portanto, o instituinte é a negatividade do instituído. A instituição é um processo dialético, aberto, fluido. A trama dialética entre os movimentos instituinte, instituído e de institucionalização faz com que ela seja uma realidade permanentemente inacabada, um projeto em construção, a própria vida. Assim, o instituinte não deve ser pensado como um determinante ou uma força que resulta em instituído. O instituinte é permanentemente diagramado como uma relação de forças, que comporta frente a frente tanto o poder com suas singularidades, como as singularidades de resistência e produção de novos sentidos. Nas bordas do espaço instituído ou nos seus poros e orifícios, se debate o espaço instituinte, não previsível e inexato, em linhas flexíveis que entram em permanente contato com as segmentações que impõe o instituído. Por isso, a instituição não pode ser compreendida como algo acabado, do ponto de vista conservador, sem movimentos contrários, apenas como a face do instituído. E assim é, certamente, com a instituição Igreja.

As instituições da vida religiosa, ainda que estejam fundadas em princípios evangélicos e de ordem espiritual, obedecem à mesma dinâmica do tecido social civil e leigo. Mesmo que não estejam conscientes ou que não se dêem conta disso, os membros de um instituto religioso relacionam-se, convivem, organizam-se dentro de princípios e dinamismos institucionais. Mas, como o outro lado da moeda, o instituinte existe. Ele sobrevive encoberto no seio da instituição, através de seu germe transformador, criativo e desejante. Ele sempre está potencialmente presente e renascerá das cinzas do movimento de opressão e da repressão dos agentes institucionais. Os desejos criativos, inovadores e produtivos dormem num espaço submerso à espera das estratégias do grupo que possam acordá-lo do sono repressivo e traduzir as suas mensagens de libertação.

Não há como negar que há na tradição da Igreja e nas comunidades formativas uma longa história de silêncios impostos, de consciências caladas, de relações de poder em que a autoridade, extrapolando sua própria natureza como serviço, determina as condições e os parâmetros da comunicação. O “silêncio sagrado” é uma violência imposta. A eficácia desse controle exige, dentre outras coisas, um silenciamento sobre tudo o que é proibido. Desintegra-se a comunicação e desaparecem os vínculos amorosos entre as pessoas. Porém, para muitos setores desta mesma Igreja, a vida institucional religiosa é essencialmente uma relação amorosa. Esses grupos, ao romper o silêncio contribuem para o desvelamento de uma série de tabus e restrições, características do apogeu da dominação, da exploração e mistificação do modo de vida religiosa autoritário. Isso não ocorre apenas na atualidade. No campo da religião cristã são inúmeras as vocações libertárias orientadas por uma utopia ativa, desde a experiência comunitária dos primeiros cristãos, a vida religiosa mendicante, os muitos e anônimos franciscos e claras de assis, as comunidades inculturadas das missões indígenas, dos quilombos, as Comunidades Eclesiais de Base e os muitos anônimos que vivem em inserção permanente junto a setores oprimidos. Esses ideais também estavam presentes nos princípios do Vaticano II, nas três Conferências Latinoamericanas, na Teologia da Libertação e nas propostas de Refundação da Vida Religiosa. Trata-se de ações instituintes que germinam ao longo do tempo no interior do instituído. Mas este não é um processo fácil. Os obstáculos e as impossibilidades ao seu advento logo vêm à tona tornando-se evidentes e revelando a estrutura institucional religiosa e aquilo que chamamos “não saber”, no âmbito das organizações. O “não saber” no sentido do desconhecido, do censurado e negado pela força violenta do instituído.

Na Análise Institucional com grupos religiosos, observa-se que a ação primordial a ser empreendida se assenta numa estratégia grupal de restituir, trazer à tona e mobilizar o conteúdo não-dito, os segredos da organização e de resgatar a origem histórica dos fundadores. Tudo isso vai ao encontro do que seus integrantes denominam processo de refundação, o qual alguns setores mais avançados da Igreja têm-se proposto realizar.

Não faremos aqui uma ampla discussão sobre a história recente da Igreja Católica, pois não nos colocamos tal objetivo, mas tomemos o entendimento, que é consensual, de que o Concílio Vaticano II constitui-se como um divisor de águas, ao possibilitar à Igreja Católica uma melhor correspondência às realidades sociais, econômicas, políticas e culturais contemporâneas. Isso se deu com grande dificuldade. Desde então, há pelo menos dois projetos que atravessam a Igreja: um paradigma restaurador-centralista que reforça a sua cúpula universal e outro, partidário de uma proposta libertadora, que busca sua sustentação na hermenêutica de uma Igreja particular e singular, em dioceses, paróquias e pequenas comunidades inseridas. Tem-se aqui o jogo de forças entre instituído e o instituinte. Coerentemente, são os grupos de vanguarda os que têm buscado a Análise Institucional, tomando a instituição como lugar de transformação e potencialização dos fluxos desejantes dos participantes.

A intervenção institucional busca a construção de um grupo autogestivo e o papel do agente externo é o de favorecer a participação ativa de todos os seus membros, na qualidade de sujeitos dos seus próprios acontecimentos. Tem-se, para tal, que buscar clarificar coletivamente o conjunto de forças sociais, políticas, econômicas e libidinais em atuação numa situação aparentemente regida por normas explícitas, em vista de objetivos e funções organizacionais precisas. Objetiva-se instalar no grupo um processo de auto-análise, ou seja, de constante produção de saber sobre si mesmo (suas necessidades, desejos, demandas, lógicas de funcionamento, materializações, formas de organização, problemas, soluções, limites) visando à produção de dispositivos permanentes para sua autogestão, “que é, ao mesmo tempo, o processo e o resultado da organização independente que os coletivos se dão para gerenciar sua vida” (BAREMBLITT,1992, p. 139).

Junto aos grupos religiosos com que temos trabalhado, a análise institucional tem-se caracterizado como um instrumento cujo objetivo é conduzir de maneira consciente e metódica as transformações institucionais que uma determinada congregação ou província deseja, visando ao processo de refundação, isto é, de retomada de seu caminho de origem, do carisma e missão fundantes. E isso não significa voltar atrás; ao contrário, significa desprender-se das amarras que se criaram em torno da instituição e buscar o novo, o novo que em sua fundação se buscara.

A proposta fundamental é gerar um novo tipo de saber e de poder, a ser continuamente construído por todos os envolvidos em sua prática; um saber-poder democrático não somente na sua construção, mas também na sua difusão e gerenciamento. Enfim, um saber de mãos dadas com a práxis que o gera, testa, valida e, enfim, transforma. Os diferentes níveis das relações interpessoais, das relações intergrupais, do sistema de funcionamento organizacional, econômico, político, religioso e social são pesquisados, tudo isso girando em torno do desvelamento das instituições ali presentes. Não se trata de uma atuação em que o técnico vem de fora dizer o que o grupo e seus membros devem aspirar, o que é bom para eles. Serão eles próprios a dizê-lo. Assim, o processo de intervenção coletiva é construído através da auto-análise que os próprios componentes se propõem e que vai revelando o não-dito institucional, ou seja, aquilo que aparentemente não sabiam e que permanecia no domínio do recalcamento ou das forças coercitivas, objetivas, das figuras de autoridades despóticas. A revelação do não-saber, do não-dito, do não-poder provoca um capital cultural potencializador intenso no grupo. As pessoas envolvidas, livres de seus grilhões internos e com a auto-estima elevada, são capazes de se apropriarem de suas potencialidades, reafirmando o seu próprio poder, tornando-se mais criativas, alcançando mais prazer. Disso resulta um grupo mais fraterno, solidário e autônomo. Ou seja, realiza-se a proposta da refundação.

Trata-se de abordar a realidade social do grupo, a sua dinâmica subjetiva, coletivamente envolvida com um projeto de vida. É somente como dispositivo que o grupo é capaz de manter-se em permanente refundação, numa ação sempre recomeçada, que nunca se realizará como totalidade. O grupo que se refunda estará sempre em movimento.

 

A intervenção: primeiras questões

Como já foi visto, não há uma concepção única acerca do movimento institucionalista. Por conseqüência, não há consenso sobre seus conteúdos e estratégias metodológicas. Entretanto, há em comum a finalidade máxima que se propõe, qual seja instalar no grupo processos de auto-análise e autogestão. É, portanto, o marco teórico referencial adotado que norteia o desenvolvimento da metodologia de análise a ser seguida em cada organização.

No sistema capitalista contemporâneo, principalmente no seu modelo neoliberal, as abordagens metodológicas institucionalistas colocam-se frontalmente contra, pelo menos, duas concepções muito difundidas nos trabalhos junto a grupos e organizações. A primeira se associa a um marco teórico-ideológico-político conservador, que tem como objetivo explícito ou implícito a redução de conflitos, para evitar as tensões que perturbam o funcionamento coletivo. A referência teórica conservadora centraliza o raciocínio numa visão particularizante, numa perspectiva psicologizante dos distúrbios psíquicos do indivíduo. Trata-se de familiarizar edipianamente os conflitos, camuflando a dimensão política institucional. A segunda atrela-se a um marco teórico reformista, que concebe o processo de análise visando apenas à adaptação à ordem social. Assim, mobilizam-se pessoas e grupos com o objetivo de negociar mudanças, visando à acomodação e à harmonização do poder, do saber, de funções e modos de funcionamento. Contrariamente a tais posicionamentos, a concepção institucionalista é revolucionária e parte da premissa de que o grupo não é uma estrutura homogênea e totalizada, mas um território onde se pode dar a produção do novo, do inesperado, do inventivo. Com a participação de todos os seus membros, pretende-se caminhar em direção a uma organização coletiva, que se re-aproprie de seu próprio poder e saber, visando à instalação de um processo coletivo de auto-análise, que resulte na autogestão. Tem-se por finalidade transformar e subverter a ordem social vigente, mediante processos de criação e invenção. O movimento institucionalista não esconde sua vocação para o político, porém, sua forma de fazer política é sustentada pela prática autogestiva.

 

Processos transferenciais

A primeira questão sobre a qual todo analista deve refletir antes de começar qualquer processo de análise institucional é que ele e toda a equipe de intervenção, com uma certa freqüência, pode-se converter, transferencialmente2, num objeto persecutório, num objeto estranho3 ao grupo. Algumas das características que lhe são atribuídas podem ser úteis e benéficas e outras indesejáveis. Ampliado para além de si, ao olhar do grupo, o analista é revestido de um manto complicador, ameaçador. Ele se torna em algo que, simultaneamente, está fora e dentro do grupo. Transfigurado, é percebido como uma figura que condensa tanto conteúdos maus, não resolvidos — as feridas narcísicas ali presentes—, quanto conteúdos amistosos e fraternos. Esse movimento transferencial, que é coletivo, pode simultaneamente operar como resistência e como acelerador do processo grupal. Portanto, deve ser objeto de atenção para que o analista não corra o risco de se equivocar, acreditando serem aqueles sentimentos voltados para a sua pessoa. Ao longo do processo, os vínculos transferenciais também ocorrerão entre os membros do grupo, ou seja, eles se dão em diferentes direções, transformando grupo e analista em uma “espécie de sujeito ampliado que tem características próprias a qualquer sujeito e outras extraordinárias, muito difíceis de se ver em um sujeito individual”(BAREMBLITT, 1991, p.95).

 

Principais momentos de uma intervenção institucionalista

 

Análise da produção da demanda e do encaminhamento

Entendendo que não há demanda espontânea, a qual é sempre produzida, é necessário analisar cuidadosamente como se deu a sua produção, isto é, como surgiu a oferta do serviço que é solicitado, porque foi solicitado, quais são as expectativas do demandante e se são passíveis de ser atingidas. Quais seriam as razões explícitas e implícitas que levaram a pessoa ou grupo que encomenda o trabalho a pensar que uma intervenção institucionalista o auxiliaria na solução de seus problemas? Quem oferece tal serviço tem, evidentemente, algo a ver com a demanda. Se há uma demanda por um serviço, deve haver uma estreita colaboração de quem o produz para que seja demandado, o que, por si só, já vale uma análise mais aprofundada para que não se caia numa posição do especialista do tipo que diz “eu sou a resposta à necessidade gerada por tua carência”4, provocando no cliente a submissão e a aceitação de que o especialista tem o que lhe falta. Nesse jogo de demanda e de oferta se podem produzir dependência, ignorância e formas recalcadas, que impossibilitam os membros de um grupo de possuírem seu próprio saber e sua própria determinação.

Diríamos, inicialmente, que a solicitação do trabalho de análise é dirigida ao analista. Essa demanda se apresenta como uma moeda de duas faces: a demanda explícita, formulada com clareza por membros da organização. A esta, subjaz uma demanda implícita, que requer uma escuta apurada para que possa ser identificada. O analista institucional não responde à encomenda explícita que lhe é feita, ele a aceita para analisar a demanda implícita. A demanda explícita é por si mesma conservadora, já que traz em si um pedido inconsciente de restauração de um equilíbrio entre forças produtivas e antiprodutivas que se acha perdido na organização. A demanda é um pedido inconsciente de restauração desse equilíbrio. Um pedido do instituído de manter as coisas como estão, mas que se retirem dali seus sintomas. A demanda deve, portanto, ser decifrada e é através desse material inicial que se terá acesso à dinâmica da organização. Trata-se de um conteúdo rico de aspectos que podem auxiliar na elaboração de um esboço do que se passa no grupo.

Outras questões devem ser levantadas. De onde vem a demanda? De todo um grupo? De parte de um grupo? De líderes de um grupo? A gestão parcial da demanda pode estar situada em diferentes segmentos de uma organização e isso constitui um dado de grande importância, pois pode vir a influenciar todo o trabalho, uma vez que traz em seu bojo os desejos existentes e, principalmente, o grau de interesse dos membros do grupo junto ao qual se pretende instalar um processo de intervenção. Assim, não basta ouvir o segmento que solicitou o trabalho, mas todos os membros da organização, em seus diversos segmentos.

Na vida religiosa, em geral a demanda explícita é feita pelo conselho da congregação ou província. Os membros desse conselho recorrem ao analista, solicitando o trabalho e freqüentemente o que as pessoas explicitam, justificando seu pedido. Isto porque há muitos conflitos no interior das comunidades, dificuldades de relacionamento afetivo, envelhecimento dos religiosos, redução do número de candidatos, disputas na administração do dinheiro, agressividade, apatia, desinteresse, falta de iniciativa, de qualificação profissional, de entusiasmo espiritual e ardor missionário. Há também queixas quanto às obras assistenciais: disfunções no hospital, na escola, nos projetos sociais. Fala-se em problemas financeiros, perdas de alunos ou de clientes, ausência de convênios e recursos, em dificuldades com os próprios funcionários. Em síntese, o que estamos chamando de demanda explícita é algo observável, do plano manifesto. Em outra formulação: quando uma determinada organização vive momentos de crise, acaba demandando de outrem alguma oferta que responda aos seus anseios. Por sua vez, alguma agência de serviço alheia à organização, paralelamente, produz a necessidade do serviço, oferecendo o seu produto.

Há também a demanda implícita, ou seja, o não-dito. É tudo aquilo que o grupo solicitante não consegue enxergar, seja por uma questão de recalcamento, por repressão, por desconhecimento, ou até por uma questão maliciosa ou perversa. A demanda implícita só será conhecida, apurada e coletada nos espaços intersticiais instituintes, principalmente nas assembléias gerais com os membros do grupo, incluindo-se, também, todos aqueles que não participam do grupo solicitante. Esse trabalho de busca da demanda implícita, do inconsciente, das potencialidades latentes, é semelhante ao ofício do garimpeiro. Caprichosa e pacientemente, o garimpeiro seleciona as primeiras pedras, muitas vezes sem qualquer valor, até encontrar, bem ao fundo, as pedras preciosas. As demandas implícitas são as pedras preciosas, as manifestações e desejos inconscientes, que num determinado momento estão adormecidos, recalcados, à espera de uma linguagem que os faça escoar através da palavra.

Não podemos esquecer que o trabalho de solicitação de análise institucional é produzido em algum momento, por algum agente ou veículo de comunicação5. Não havendo demandas espontâneas, desde o início há uma espécie de “traição” a tais demandas. Atravessamentos diversos estão presentes nessa produção: de natureza social, política, econômica, libidinal, religiosa, acadêmica. Assim, há que investigar: quem é que produziu a demanda? Quem é que, de uma certa forma, solicitou esse tipo de serviço? Não basta perceber as necessidades e os conflitos apresentados pelos membros do conselho de uma determinada província. É preciso, antes de tudo, que haja demanda por parte de todos os participantes da organização. Quem demanda algo terá condições de, posteriormente, sustentar algum trabalho de análise. O inverso não é verdadeiro.

Grosso modo, a análise institucional é uma forma de intervenção coletiva, pautada na metodologia da pesquisa-ação6, que pressupõe a participação de todos os atores sociais envolvidos, baseando-se em um processo cumulativo de informações e saberes, e utilizando como material a problematização e a avaliação de suas próprias práticas. Essa forma de intervenção desenvolve-se como uma resposta política a favor dos participantes de grupos, tradicionalmente abordados como “ignorantes” de um saber sobre seu próprio funcionamento, marginalizados e impedidos de ter uma atuação ativa no processo grupal, transformados em meros receptáculos de técnicas estereotipadas determinadas por especialistas em grupo. A proposta fundamental da pesquisa-ação é gerar um novo tipo de saber e de poder, a ser continuamente construído por todos os envolvidos em sua prática; um saber-poder democrático não somente na sua construção, como também em sua difusão e gerenciamento.

Os diferentes níveis das relações interpessoais (o afetivo), das relações intergrupais, do sistema de funcionamento organizacional, econômico, político, religioso e social são pesquisados, em busca do desvelamento das lógicas instituições ali presentes. O processo de intervenção coletiva é construído através da auto-análise que os próprios componentes de um grupo se propõem e que vai revelando o não-dito institucional, ou seja, aquilo que aparentemente não sabiam e que permanecia no domínio do recalcamento ou das forças coercitivas, objetivas, das figuras de autoridades despóticas. A revelação do não-saber, do não-dito, do não-poder provoca um capital cultural potencializador intenso no grupo. As pessoas envolvidas, libertadas de seus grilhões internos e com a auto-estima elevada são capazes de se apropriarem de suas potencialidades, reafirmando o seu próprio poder, tornando-se mais criativas, alcançando mais prazer. Disso resulta um grupo mais fraterno, solidário e autônomo. Está aqui alguma coisa muito próxima da proposta de co-responsabilidade hoje presente na vida religiosa.

O percurso de análise é sempre um processo de desconstrução, construção e elaboração. Para que a análise institucional possa acontecer, é preciso percorrer alguns caminhos em que se vai e se volta, fazendo com que a estrada seja cada vez mais propícia ao caminhar. Inicialmente, é necessário um trabalho grupal que favoreça a manifestação do desejo do grupo7. O desejo será o motor da ação coletiva em direção à auto-análise que, por sua vez, deflagrará o processo de autogestão. Tudo isso vivenciado dentro de um clima de liberdade, confiança mútua e ética. Este trabalho inicial cria uma estrutura de suporte à continuidade do processo, pois permite a todos os participantes conhecerem, decidirem e sustentarem a metodologia proposta. O processo de discernimento facilita a escolha entre o método proposto e outras modalidades que se têm apresentado, de modo geral voltadas para as externalidades grupais, e que pensam os grupos de modo objetivado, tal como estruturas unitárias e totalizadas, e não numa perspectiva processual do grupo como dispositivo. É somente como dispositivo que o grupo é capaz de manter-se em permanente refundação, numa ação sempre recomeçada, que nunca se realizará como totalidade. O grupo que se refunda estará sempre em movimento.

 

A primeira Assembléia Geral

Ao receber a encomenda inicial, em geral formulada por um grupo de responsáveis pela organização, o analista escuta atentamente a demanda explícita e solicita um encontro com todas as pessoas que a integram. Com o aceite dos demandantes é preparada a primeira assembléia geral.

Durante o processo de análise institucional, as atividades que se desenvolvem e se desenvolverão são apresentadas de modo transparente e claro aos participantes, visando ao seu conhecimento e aprovação. Neste sentido, são vários os objetivos específicos a serem alcançados na primeira assembléia geral: promover o conhecimento, por parte de todo o grupo, do que é a análise institucional, seus fundamentos, características, propósitos e métodos; favorecer a elaboração do desejo por parte do grupo, de modo a que se explicite a disponibilidade de seus membros para participação nos trabalhos e sustentação do processo; dar início à análise da demanda implícita; construir um planejamento operacional do processo de análise: marcação de datas, horários e locais das próximas assembléias gerais e programação das atividades; escolher um subgrupo para coordenação dos trabalhos; definir procedimentos técnicos para a realização de pesquisas; escolher, a partir de critérios consensuais, um grupo representativo que participará das entrevistas; identificar analisadores históricos e espontâneos; identificar funções e papéis de cada um no grupo; definir técnicas e estratégias8 que serão adotadas.

Na experiência com os grupos religiosos, tem-se observado que, na primeira assembléia geral, forma-se uma estrutura triangular que precisa ser superada. Essa estrutura é composta pela equipe de coordenação, pelos demais participantes e pelo analista (ou grupo de analistas). A primeira assembléia é, geralmente, a de maior dificuldade de realização: surgem fortes resistências à análise coletiva durante todo o trabalho. A resistência pode vir do grupo cliente, que é sempre dividido, nunca homogêneo, e tem as suas contradições. Pode também surgir da equipe de coordenação e até mesmo dos analistas. Para esses últimos, recomenda-se a análise da implicação, proposta e amplamente discutida por Lourau (1988; 2004). Trata-se da análise do “processo que ocorre na organização analítica, em sua equipe, como resultado de seu contato com a organização analisada” (BAREMBLITT, 1992, p.153). A análise da implicação está associada à idéia de contratransferência institucional. Lourau (1988) aponta que intervir é tomar parte em um debate já estabelecido entre outras pessoas. Ou seja, o analista se “intromete” no seio daquele grupo. Na qualidade de intruso, torna-se difícil ao analista conseguir localizar-se naquele espaço institucional, em uma situação que já existe anteriormente instituída. Por outro lado, o analista é pago pelo serviço que realiza. Há, portanto, que se interrogar sobre quem é o verdadeiro cliente. Toda uma situação aparentemente clara e objetivada, de contratação e realização de um serviço, envolve uma multiplicidade de aspectos que devem ser elucidados. Cabe ao analista, ou à equipe de analistas, a análise do compromisso sócio-econômico-político-libidinal, que tem ali o agente externo, consciente ou não, com sua tarefa. Ele deve se perguntar: “como foi que vendi isso, [...] para que foi que vendi, que coisas realmente posso ajudar a solucionar ou devo encaminhar em outra direção, dar de volta ao usuário o que ele solicita de mim”? (BAREMBLITT, 1992, p.106).

A análise da implicação é fundamental ao trabalho e não consiste em analisar os outros, mas em analisar-se a si mesmo como analista, em sua relação com o grupo com que se trabalha, na sua inserção no processo de intervenção. Trata-se de questionar até que ponto o instituído está a reproduzir-se na relação do analista institucional com o grupo. Em outras palavras, seria como problematizar a própria prática do analista institucional, tomando-a também como objeto de análise. Em geral, consultores organizacionais e técnicos de diferentes áreas que prestam serviços às organizações têm o costume de pensar a problemática do outro como objeto de sua ação profissional, como se houvesse absoluto afastamento e neutralidade na relação que se estabelece entre consultor e consultados. Contrariamente a esse posicionamento, a noção de implicação indica claramente que, se o analista institucional não se coloca diante de suas próprias questões, diante do instituído que traz dentro de si mesmo, não terá como auxiliar a análise coletiva. A análise da implicação é, portanto, um compromisso ético e político do analista e deve perpassar todo o processo, estar presente em todos os momentos da intervenção.

Como já se viu, há muitas atividades a ser realizadas durante a primeira assembléia, que é um longo processo, que se pode estender por vários dias. Após a abertura e feitas as apresentações, a primeira parte é dedicada à explicitação do que é a análise institucional, seus objetivos, métodos, técnicas, finalidades, limites e possibilidades. Evidentemente que muitas dúvidas surgirão e é muito importante que todas as perguntas sejam respondidas. A adesão dos participantes só ocorrerá se estes se sentirem suficientemente informados sobre aquilo que lhes é proposto, de modo a se sentirem confiantes no processo. Fundamental ao prosseguimento dos trabalhos, é estabelecido um acordo de livre-expressão, entre o analista e o grupo, que se fundamenta no esforço de todos para que se recuperem os não-ditos e os “segredos” da organização, os quais possibilitarão que se revelem histórias, sagas, rumores e documentos secretos.

Na seqüência, a análise da demanda implícita consiste em um trabalho com todo o grupo, em que poderão ser utilizadas técnicas as mais variadas — lúdicas, expressivas, discursivas, etc. —, que favoreçam a participação de todos. Técnicas são instrumentos, portanto meios, e não fins em si mesmas. Uma técnica de trabalho com grupo é adequada e valiosa se ela auxilia a condução coletiva da ação, se auxilia o processo. A escolha de técnicas de trabalho com grupos dá-se conforme a sensibilidade do analista, considerados os objetivos propostos, as características do grupo, suas peculiaridades, os recursos existentes e o espaço físico disponível para o trabalho.

O que se busca é o levantamento preliminar de analisadores. E o que são os analisadores? Se tomarmos a química como referência, veremos que um analisador é uma substância que, adicionada a um corpo, o decompõe em seus elementos básicos. Para o Institucionalismo, um grupo também apresenta analisadores capazes de propiciar a explicitação dos conflitos existentes e sua solução, isto é, aspectos que, pelas contradições diversas que introduzem na lógica de funcionamento do grupo, enunciam as determinações das situações vividas, revelando aquelas que estão ocultas aos seus membros, restituindo o não-dito institucional. Uma vez que revelam o oculto, a ampla discussão e apropriação desses analisadores poderá permitir o deciframento e a compreensão, pelo próprio grupo, de sua dinâmica organizativa, sua problemática, seus avanços e retrocessos, seus mecanismos internos de funcionamento, suas potencialidades latentes e seus limites, implicando, como conseqüência, a reelaboração de aspirações e valores, a participação ativa e a ação organizada, para o gerenciamento e a realização de suas próprias ações e soluções. Os analisadores é que darão sentido e direção ao processo de auto-análise. São analisadores vivências, fenômenos e acontecimentos que afetam o grupo no seu cotidiano, tais como o dinheiro, o poder, a estrutura organizacional, o fluxograma, os papéis desempenhados, as formas de trabalhar, a história do grupo e da organização, etc.

Durante a primeira assembléia geral, os participantes deverão definir, através de escolha consensual criteriosa, um grupo de pessoas que participarão das entrevistas individuais9. A formação deste grupo deverá ser feita com cuidado, para que os mais diversos segmentos do coletivo sejam contemplados. Assim, antes do processo de escolha, deverão ser definidas consensualmente as variáveis a ser observadas para constituição do subgrupo, as quais, de modo geral, são as seguintes: faixa etária, etapa de formação, escolaridade, funções exercidas e locais de atuação.

Será também solicitado aos participantes que, num prazo breve, recolham materiais que permitirão a identificação de analisadores históricos: documentos, fotografias, álbuns, recortes, revistas e publicações, que direta ou indiretamente registrem a história da organização, desde a sua fundação até os dias atuais. Essa primeira atividade de pesquisa, em que todos poderão participar criativamente, buscando e organizando dados e informações, já se configurará como um dispositivo que favorecerá a deflagração de um processo de auto-análise.

 

Pesquisa dos Analisadores Históricos

Ainda durante a primeira assembléia geral, os participantes são convidados a responder individualmente a um questionário bastante abrangente sobre aspectos socioeconômicos, demográficos, históricos, culturais, políticos e religiosos. Esse questionário é um instrumento de pesquisa que, de modo rápido e ágil, permite a manifestação direta de todas as pessoas envolvidas e a coleta de um amplo rol de dados e informações relevantes, visando traçar um perfil inicial do grupo. Posteriormente, a organização dos dados e informações obtidos se restringirá basicamente à tabulação e aos cruzamentos das incidências - ocorridas para cada categoria selecionada - e o seu cotejamento com outros resultados de pesquisas em fontes confiáveis, no que tange à população geral. Na seqüência, os dados e informações consolidados serão apresentados a todas as comunidades integrantes da Província, na forma de um relatório geral, contendo tabelas, gráficos e quadros, seguidos de comentários analíticos, para que possam ser por todos analisados. Em seguida cada grupo elaborará um relatório reflexivo sobre o seu conteúdo. Esse dispositivo de restituição e análise do perfil coletivo auxilia o diálogo intergrupal, favorecendo o processo de auto-análise.

Paralelamente, é realizada a etapa qualitativa da pesquisa, que tem por objetivo aprofundar os conhecimentos sobre o grupo e seus analisadores, ampliando a visão sobre os processos institucionais ali presentes, e como as pessoas os vivenciam cotidianamente. A escolha das técnicas a serem utilizadas nesta fase da pesquisa ficará a critério do analista, consideradas as circunstâncias de trabalho e as especificidades do grupo. De modo geral, temos adotado a entrevista semi-estruturada e, se necessário e adequado, o trabalho é complementado com a utilização do grupo focal ou de técnicas psicodramáticas. A entrevista é realizada com base em um roteiro de perguntas, elaborado a partir do levantamento preliminar feito na primeira assembléia geral pelos próprios participantes. Trata-se de um roteiro flexível, que permite, à mercê da sensibilidade do entrevistador, acréscimos e adaptações. Ao longo das entrevistas, questões podem ser reelaboradas, outras inseridas, outras abandonadas. O uso de entrevistas com perguntas abertas possibilita ao entrevistado discorrer livremente sobre as questões propostas, ampliando e aprofundando a dinâmica comunicacional. Processo de dupla face, que transita entre o subjetivo e o objetivo, a entrevista remete à memória, fazendo com que a vivência da experiência possa ser relatada, trazendo consigo a riqueza dos sons, as expressões corporais e as muitas esferas de um mesmo fato.

Simultaneamente à aplicação dos questionários e das entrevistas, realiza-se uma pesquisa documental, que tem o objetivo de agrupar, selecionar e relacionar documentos (atas, carta de princípios, regulamentos, organograma, fluxograma, fotografias, publicações em revistas, livros e jornais) sobre a história da instituição. A pesquisa documental tem como proposta certificar, complementar, comparar e enriquecer os dados e informações, coletados ao longo de todo o trabalho.

Consolidado todo o material obtido por meio dos questionários, das entrevistas e do levantamento documental, é elaborado um relatório pré-diagnóstico da organização em foco. O pré-diagnóstico é uma configuração preliminar do que está ali instituído. São os primeiros entendimentos hipotéticos a respeito do quadro organizacional. Trata-se, pois, de uma totalização provisória. Em uma perspectiva da pesquisa-ação e da permanente restituição ao grupo de um saber que ele produz sobre si mesmo, o próximo passo consiste em devolver o pré-diagnóstico aos participantes, para que possam refletir sobre o seu conteúdo. Esse relatório funcionará como um espelho - que reflete aspectos significativos da organização - e como um caleidoscópio - que altera as imagens, de forma cambiante, em sua organização e funcionamento. Certamente em outros momentos essas imagens poderão mudar e adquirir nova configuração.

Os participantes, em seus diversos subgrupos de origem, analisarão o pré-diagnóstico. Aquilo que foi observado, coletado, falado e escrito tem uma aproximação com o real, mas não é uma verdade absoluta e também não é uma representação da realidade. Pode ser corrigido, modificado, ampliado, transformado. Após cuidadosa reflexão e apropriando-se dele como seus co-autores, cada subgrupo proporá correções ao relatório, redigindo um novo documento. Com isso, poderão se sentir verdadeiramente pertencentes ao grupo e participantes do processo coletivo. A nova redação do pré-diagnóstico, construída em cada subgrupo, será a matéria prima da segunda assembléia geral.

 

Segunda Assembléia Geral

A segunda assembléia geral terá como objetivo a aprovação do pré-diagnóstico, em seguida à análise de todos os analisadores ali apontados. O grupo neste momento transforma-se numa assembléia permanente de auto-análise, que exercita a autogestão.

Propor uma assembléia de análise aos religiosos é propor a desnaturalização da vida religiosa, em busca de uma contextualização histórica, libidinal, eclesial e política. O processo auto-analítico é visto como uma decomposição, não em busca de uma causa dos conflitos (de ordem pessoal ou individual), mas, sobretudo daquilo que não faz funcionar o desejo associado à produção. Nesta fase, o exame da realidade institucional faz-se de forma crítica, problematizando-se as situações pesquisadas: os fundadores da congregação10, a história e a realidade sócio-política da fundação, o carisma e a missão, a formação inicial e permanente, o poder, o dinheiro, a afetividade, a sexualidade, o espaço físico das residências e dos prédios, o perfil etário, étnico e social do grupo, as atividades culturais, artísticas e físicas e o redimensionamento das obras.

A assembléia geral possibilita a conscientização e implica um deslizamento da esfera espontânea - ou da simples coleta de informações e dados - em direção à apreensão da realidade religiosa, que conduz à esfera crítica do conhecimento. Esse processo de consciência crítica é uma das ferramentas da proposta de refundação da vida religiosa. Não se trata de viver o caos pelo caos. Mas, a partir da espontaneidade da vivência do caos, a proposta é elaborar de forma participativa novas maneiras institucionais de viver o carisma e a missão. Tomando o próprio referencial religioso dos grupos, tem-se que, tal como nas Bodas de Caná, na passagem de uma situação antiga para uma nova, também se produz um vinho novo, e é vital e urgente que ele seja colocado em odres diferentes (Bíblia Sagrada, Mat. 9,17).

Problematizar consiste num processo de reflexão crítica e profunda, visando adquirir conhecimento sobre a realidade religiosa que aparenta ser natural, mítica e estática. Busca-se, portanto, revelar uma historicidade religiosa, social e gerar a compreensão de seu caráter conflitivo e da necessidade de ações transformadoras, para que se possam construir alternativas novas, de acordo com os desejos identificados pelos membros da organização religiosa. O processo pelo qual se analisam de forma crítica as experiências de vida dos participantes da assembléia geral pode ser tomado como um processo de decodificação que visa ao esclarecimento. Uma vez que se tenham decodificado as experiências, amplia-se o saber sobre essas mesmas experiências, às quais se vinculam as instâncias concretas de opressão, presentes em sua origem nas estruturas sociais e no processo histórico mais amplo, promovendo, assim, o estabelecimento de uma nova concepção da realidade pelas pessoas participantes. Na elaboração dessa nova consciência é que se desenvolve uma compreensão da necessidade da mudança da vida religiosa e social e se visualizam projetos futuros. Na investigação (aspectos latentes e manifestos), interpretação, análise e elaboração da situação, criam-se controvérsias, descortinam-se novas visões de si e do mundo; dá-se um esclarecimento de problemas - que anteriormente, por mecanismos repressivos, de recalcamento ou de alienação, não eram percebidos - e é possível desenvolver formas alternativas de compreendê-los. Torna-se, então, possível projetar ações transformadoras frente à realidade estudada.

 

Construção de Projetos

Após a discussão, problematização e análise dos principais analisadores, segue-se a tarefa de definição e elaboração de projetos. O grupo deverá definir quais os projetos mais urgentes, aqueles que mais efetivamente contribuirão para a transformação de sua realidade, em direção ao que se deseja. Serão também definidos os subgrupos responsáveis por seu planejamento e execução, em prazos e datas estabelecidos. Geralmente, nos grupos religiosos, os projetos mais recorrentes abordam temas atinentes à vida comunitária (questões relativas à afetividade/sexualidade), à missão e à espiritualidade; à regulação do poder e do dinheiro; à formação inicial e continuada; ao processo de envelhecimento dos membros do grupo e ao redimensionamento das obras.

A elaboração dos projetos tomará por base o esquema já consagrado: objetivo, justificativa, metodologia, recursos necessários, orçamento, cronograma, métodos de acompanhamento e avaliação. Previamente à terceira assembléia geral, os subgrupos elaborarão anteprojetos, que deverão ser encaminhados a todos os demais subgrupos, para que todos os integrantes os possam ler, revisar e elaborar sugestões.

 

Terceira Assembléia Geral

A terceira assembléia geral terá como objetivo analisar coletivamente os anteprojetos apresentados pelos subgrupos responsáveis, definindo-se prioridades de realização, ao que se segue a formulação de diretrizes organizacionais para execução dos novos projetos, não como esforços individuais ou de subgrupos, mas como a concretização do desejo coletivo, portanto, de responsabilidade de todos.

 

Execução dos Projetos e Prognóstico/Avaliação Periódica

Ainda na terceira assembléia geral, deverá ser criado um programa de avaliação dos trabalhos, com propostas de acompanhamento periódicas e de atualização, para que a implementação e a execução dos novos projetos possam ser permanentemente monitoradas e, sempre que necessário, se possam efetuar mudanças de percurso e correção de rumos. Rever é retomar o que foi feito e submetê-lo à crítica. É voltar-se para trás, pensando, escutando e refletindo, mas com os olhos dirigidos à frente. Nessa volta, a comunidade religiosa tem oportunidade de avaliar o que foi feito, reconhecendo acertos e erros, limitações e possibilidades. Verificando os êxitos e acumulando o saldo para sua história. O ser humano é o único ser vivo que tem condições de sair da repetição compulsiva de seus erros. Somente na reflexão permanente e no questionamento sistemático é que ele consegue inovar, recriar e re-inventar maneiras de viver e de sair do tédio da reprodução e da repetição. “A própria essência da reflexão é compreender que não se havia compreendido” (BACHELARD, 1983, p.113).

A meta a alcançar não é uma utopia impossível do tipo “viver muito bem”. O que interessa é simplesmente viver. O objetivo não é o conforto total, a ausência de erros e falhas. O sucesso, o prazer pela prática está repleto de significados e não é simplesmente uma coleção de vitórias pragmáticas e quantitativas. Uma boa avaliação não nega o conhecimento adquirido e o trabalho realizado; não nega as dificuldades reais freqüentemente dolorosas, nem os aspectos sombrios da vida. Uma avaliação em que não se permitem tristezas e frustrações facilmente impulsiona o grupo ao desespero e à destruição dos ganhos obtidos. O pior erro político de um processo avaliativo não é tanto fracassar, mas perder-se a esperança. Quando perdemos a esperança, disseminamos a impotência, a fragilidade e as formas enlouquecidas individuais, como a alienação. Ao fazer a avaliação, o grupo se reorganiza em busca de um projeto mais amplo. Com isso, avança e não corre o risco do trabalho se perder. A revisão deve ser coletiva, envolvendo todos os participantes. Nesse contexto, há lugar também para que sejam avaliadas as relações interpessoais, a dominação interna, os pontos débeis do grupo, os segredos, os não-ditos, o desempenho coletivo diante das tarefas, as vitórias e as derrotas.

 

Considerações finais

Muitos têm sido os grupos religiosos com que temos trabalhado. Neles se observa uma vinculação de duas forças que circulam no meio religioso: a fé e a união. Quando essas duas energias invisíveis se conectam é possível perceber dispositivos fecundos em torno de utopias ativas, sobretudo através do processo de refundação da vida religiosa. Na perspectiva do Pe. Edênio do Valle, ele mesmo um institucionalista,

a experiência de análise da instituição religiosa parte de uma perspectiva de fé, e é exatamente porque a fé nos permite sonhar com um horizonte do amanhã. As instituições são uma mediação, não um objetivo. Existem para que possamos avançar naquilo que é essencial.11

Em nossos encontros com os religiosos, temos compreendido que a sua mística aponta o caminho radical da mudança, portanto, da refundação. Tomando algo que é muito presente em suas falas, “se o grão de trigo não cair na terra, e não morrer, não dará bons frutos” (Bíblia Sagrada, Mar. 4, 26), tem-se muito clara uma consigna dialógica entre morte e vida. O entendimento de que é preciso morrer o instituído para que floresça a novidade. É o que eles proclamam permanentemente em sua utopia ativa: “Eis que faço novas todas as coisas!” (Bíblia Sagrada, Ap. 21, 5).

Os resultados que se têm obtido conduzem a pensar que o trabalho de análise institucional tem propiciado a) o advento de processos de auto-análise, em que se pensa, planeja, administra e decide de modo autônomo o próprio trabalho: objetivos, metas, prioridades, recursos necessários, limites e possibilidades de atuação; b) que os componentes tenham condições de, coletivamente, expressar e criticar o dito e, sobretudo, o não dito, ou seja, as verbalizações racionais e conscientes, mas, principalmente, as formas intersticiais, inconscientes, os segredos institucionais; c) que as pessoas promovam relações fundadas na igualdade, na liberdade e, sobretudo, na aceitação e vivência das diferenças étnicas, culturais, de gênero, de idade, de dons e habilidades, visando à complementaridade umas com as outras e à riqueza da diversidade de desejos; d) que se criem entre as pessoas relações afetivas e ternas que possibilitem o resgate da auto-estima, da confiança em si, do desejo e da utopia em torno de projetos coletivos. Tudo isso conduz a pensar que o processo de análise institucional, de certa forma, é simples. O seu segredo está na criação de uma cultura de participação intensa, que mantém vivo um processo auto-analítico de rever-se, de reencontrar-se, compreendendo que isso nunca se concluirá, pois que a força do grupo está justamente em seu movimento constante de autogestão.

 

Referências Bibliográficas

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Endereço para correspondência
William Castilho
E-mail: williamccastilho@uol.com.br;
Adriana Penzim
E-mail: apenzim@uol.com.br.

Recebido em: 18/01/2007
Aceito para publicação em: 09/07/2007

 

 

Notas

* Psicólogo, Analista Institucional, Doutor pela UFRJ.
** Psicóloga, Mestre em Ciências Sociais.
1 Michel Foucault (1982) desenvolve o conceito de dispositivo como um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais e filantrópicas. Em suma, o dito e o não-dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. É um tipo de formação que, em um determinado momento histórico, tem como função principal responder a uma urgência. Tem, pois, uma função estratégica dominante. O dispositivo está sempre inscrito em um jogo de poder, estando sempre ligado a uma ou a várias configurações de saber que dele nascem, mas que igualmente o condicionam.
2 O fenômeno da transferência e suas manifestações em psicanálise é tema freqüente ao longo da extensa obra freudiana. De maneira breve, pode-se dizer que, para Freud, a reação transferencial é uma manifestação recorrente de antigos amores e ódios e pressupõe duas instâncias temporais: o passado e o presente. No pretérito, está implicado o recalcamento de um desejo. No presente, a relação com o terapeuta (tomado como figura de autoridade), despertada pelo mesmo afeto que, originariamente, forçou o sujeito a exilar o desejo. Essa emergência determina o apelo a estratégias defensivas que podem ser a projeção, a identificação, a negação, o deslocamento, etc. Portanto, as manifestações transferenciais são vivências de sentimentos, fantasias e defesas inconscientes em relação a uma pessoa do presente que não visa àquele alvo, mas constitui uma repetição das reações surgidas em relação às pessoas importantes no âmbito da vida psíquica.
3 Tudo que é estranho é também familiar; tudo que é familiar é também estranho. Através da figura do analista, o grupo estranha exatamente aquilo que está familiarmente escondido e negado pelos participantes.
4 Albuquerque, J. C. G. in: Baremblitt, G. (Coord.) O Inconsciente Institucional. Petrópolis: Vozes, 1984. p.85.
5 A Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) sempre incentivou esse tipo de prática associada ao processo de refundação da vida religiosa, tendo publicado uma série de textos e vídeos e promovido seminários sobre o assunto. Já no início dos anos 90, a CRB publicara o livro “A vida religiosa enquanto instituição: uma análise religiosa”. Procedendo desse modo, estava convidando os religiosos do Brasil a colocarem-se como sujeitos de uma reflexão institucional.
6 Estratégia de pesquisa social empírica originalmente proposta por Kurt Lewin (1890-1947), ampliada e comentada por diversos autores contemporâneos. Acerca do tema, veja-se Thiollent (1986).
7 O nosso aparelho psíquico é um dispositivo produtor de representações, imagens, sonhos, ilusões e desejos. É preciso sonhar para ter coragem de lutar. É preciso viver e principalmente ter motivos para viver. Os sonhos dão sentido à vida. Não se deve subestimar a capacidade da ilusão, do ato de sonhar e desejar. Ilusão não é sinônimo de mentira, superstição, ignorância e nem sustentáculo para o surgimento da alienação.
8 As estratégias têm como função furar o bloqueio diante de obstáculos e resistências. Nem sempre é fácil atingir os objetivos finais. Empecilhos de ordem interpessoal, grupal e institucional que surgem ao longo do trabalho fazem com que seja necessário recuar em algumas propostas e negociar outras, para que não se percam de vista os objetivos. Isso requer paciência e criatividade nas ações, habilidade no trato com o grupo, além de amplos conhecimentos sobre a tarefa que se realiza.
9 As congregações com que temos trabalhado em geral contam com um número elevado de membros: dezenas, centenas, distribuídos em pequenas comunidades. Por isto, a escolha que fazemos de realizar entrevistas individuais com uma amostra representativa do coletivo. Em grupos menores, pode-se optar por realizar entrevistas individuais com todos os participantes.
10 Eugène Enriquez (1991) assinala a importância de analisar os mitos fundadores e os pontos de referências identificatórios, como os aspectos ideológicos de uma determinada instituição. Os antigos fundadores podem, mesmo mortos, impedir e dificultar as mudanças, incutindo nos participantes um sentimento de culpa inconfessável. A culpa dos participantes diante dos heróicos ancestrais, das lendas, histórias, rumores e sagas seriam as principais fontes de resistência à mudança.
11 Entrevista concedida ao Professor William C. Castilho Pereira, em outubro de 2004.

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