Estudos e Pesquisas em Psicologia
ISSN 1808-4281
Estud. pesqui. psicol. v.7 n.3 Rio de Janeiro dez. 2007
ARTIGOS
O impacto da cirurgia plástica na auto-estima1
The plastic surgery impact on self-steem
Sabrina Borges Ferraz I ; Fernanda Barcellos Serralta II, *
I Graduada em Psicologia pela Universidade Luterana do Brasil-ULBRA
II Docente da ULBRA
RESUMO
A beleza e suas implicações na representação de si têm grande efeito no comportamento e nas relações dos indivíduos. Neste contexto, a cirurgia plástica estética apresenta-se, para alguns, como a solução para os “defeitos da genética”. Neste estudo, foram realizadas entrevistas com seis mulheres que se submeteram a cirurgia plástica estética há menos de dois anos, a fim de investigar o seu efeito na auto-estima. Para analisar os dados, foi utilizado o método de análise de conteúdo, sendo que o levantamento de inferências e interpretações foi feito sob o referencial psicanalítico. De modo geral, os resultados indicam que a cirurgia plástica aumentou a auto-estima e a harmonia interna das entrevistadas, sanou a sua deformidade física (real ou imaginária) e alterou positivamente suas relações interpessoais e sexuais.
Palavras-chave: Auto-estima, Imagem corporal, Cirurgia plástica.
ABSTRACT
Beauty and its consequences on self-representation have major effects on people’s behavior and relations. In this context, plastic surgery becomes, for some people, the solution for a “defective genetics”. In order to investigate its effects on self-esteem, interviews were conducted with six women who underwent plastic surgery within the last two years. Content analysis method was used to analyze the results, and inferences and interpretations were based on psychoanalytic literature. In general, the results indicate that plastic surgery increased self-esteem and self-harmony of participants, healed theirs real or imaginary deformity, and positively altered theirs personal and sexual relations.
Keywords: Self-steem, Body image, Plastic surgery.
Introdução
A percepção de si mesmo é o que dá a identidade e o reconhecimento do self. A partir da idéia de que o ego inicialmente é totalmente corporal (FREUD,1923/1980) e que ao longo do desenvolvimento humano, o corpo continua ocupando forte relação com o psiquismo, a cirurgia plástica pode ser entendida como uma saída para a insatisfação e o desequilíbrio da conexão corpo e mente.
A pressão externa, através da mídia e dos padrões de beleza, acaba mobilizando o indivíduo em sua percepção de si e, concomitantemente, na sua auto-estima. Atualmente, as relações entre as pessoas estão cada vez mais efêmeras, sendo a aparência, ou seja, a impressão física, um importante elemento de julgamento nas interações sociais. O comportamento se estrutura no que é considerado mais belo ou menos belo. Assim, a beleza passa a ser um valor social que pode garantir sucessos ou fracassos, tanto nas relações interpessoais quanto na vida profissional.
Para algumas pessoas, a cirurgia plástica estética é um caminho encontrado para triunfar sobre o opressor poder da má formação, melhorar a imagem social e aumentar a auto-estima. Por sua vez, tem a capacidade de oferecer uma nova aparência ao indivíduo e garantir um lugar na sociedade.
O objetivo deste estudo é compreender a relação da cirurgia plástica estética com o funcionamento psíquico. Além disso, busca verificar as motivações relacionadas à procura desse método de transformação corporal e avaliar seus efeitos nas relações sexuais e interpessoais, bem como na auto-estima e na auto-imagem do indivíduo.
Revisão Bibliográfica
A conceituação de self, de auto-estima e de autoconceito é extremamente complexa. Muitas teorias tratam os termos como sinônimos, dificultando o entendimento específico de cada um. O self apresenta um escopo mais abrangente e tem sido usado genericamente para designar uma espécie de núcleo do psiquismo humano ou ainda a personalidade individual em sua totalidade. A partir da ótica de (apud TEIXEIRA e GIACOMENI, 2002) o self tem duas perspectivas: Uma diz respeito ao self enquanto conhecedor (agente) e a outra diz respeito ao self como conhecido (objeto). O self como agente corresponderia àqueles processos do funcionamento mental que permitem ao indivíduo estabelecer um senso de identidade pessoal ou eu. O self como objeto é tudo aquilo que o indivíduo vê como pertencendo a si, ou sendo parte de si, constituído em três facetas: um self material, um self social e um espiritual. O self material corresponde aos objetos que um sujeito possui, bem como o seu próprio corpo e sua família. O self social corresponde aos diversos papéis através do qual uma pessoa é reconhecida pelas demais. O self espiritual refere-se aos aspectos mais subjetivos do indivíduo, tais como faculdades psíquicas ou disposições, desejos, emoções, valores, ideais. Cada constituinte do self estaria associado a sentimentos e emoções, especialmente à auto-estima, esta determinada pelo que conseguimos realizar daquilo que esperamos de nós mesmos.
A auto-estima se refere à avaliação que o sujeito faz de si mesmo (em termos de gostar de si ou sentir-se satisfeito consigo), enquanto que o auto-conceito é uma idéia de auto-descrição mais ampla, que inclui aspectos comportamentais, cognitivos e afetivos referentes a si mesmo (TEIXEIRA; GIACOMANI, 2002).
Para Freud (1976), o eu não corresponderia apenas àquilo que o sujeito pensa sobre si ou como ele se avalia, mas estaria associado a uma série de outros processos, inclusive inconscientes. Conforme Teixeira e Giacomani (2002), é durante o desenvolvimento infantil, com a conquista das percepções de suas singularidades e dos efeitos dos seus atos, que a criança vai criando o senso de eu e do autoconceito. Para este desenvolvimento contribui também a idéia que os outros têm da criança. Conforme a criança vai crescendo e se desenvolvendo, seus papéis sociais vão aumentando e isso vai contribuindo para uma formação mais abstrata do auto-conceito. A modificação do auto-conceito não se deve apenas à sofisticação cognitiva, mas também à saliência que alguns aspectos do self assumem em determinadas etapas da vida.
Figueiredo (2003) constata que a construção do eu e a noção do próprio corpo é fundamentada em diversas teorias: Mahler (1982a, 1982b) fala da fase de um autismo inicial, ou seja, o eu está indissociado do outro; ao passar por uma fase simbiótica, este começa a perceber vagamente a existência do(s) outro(s); Stern (1992) fala de um bebê que não vive nunca um período de indiferenciação total, não existindo nunca uma confusão entre o eu e o outro; Winnicott (1989) constatou que um bebê não existe sozinho e que ele, essencialmente, faz parte de uma relação. Também afirma que o bebê, quando olha para a sua mãe, aprende a respeito de si próprio, porque a mãe funciona como um espelho para si.
Mesmo com algumas divergências, o que está em questão é a busca do entendimento de como o ser humano conhece a si próprio e como este se relaciona com seu corpo. A imagem do corpo humano é uma representação mental que temos do nosso próprio corpo. Esta representação não se restringe apenas a sensações ou imaginação, mas a aparência do próprio corpo. A percepção da nossa imagem decorre do conhecimento que temos do nosso corpo. A postura de cada ser humano demonstra como afeta a estrutura corpórea à imagem que temos de nós (PORTINARI, 2000).
O corpo é um comunicador de nossas emoções e um tradutor de nossos pensamentos e vontades. O movimento corporal fala, expressa e revela os mais íntimos desejos. É através dele - e com ele - que descobrimos o mundo e as sensações. Contudo, nosso corpo, muitas vezes, revela algo que não queremos mostrar, ou ainda é diferente e não corresponde às nossas expectativas (MELLO FILHO, 1992).
O corpo da fantasia, em termos psicanalíticos, que no início da vida é percebido como algo externo e ameaçador, de difícil assimilação, “torna-se” o corpo do sujeito, na medida em que este o toma para si, em um trabalho de subjetivação. Essa é a dimensão singularmente humana da relação entre o sujeito e seu corpo. A apropriação do corpo é um processo contínuo e sujeito a constantes modificações. É um processo que envolve, o tempo todo, a incorporação e o abandono de objetos que funcionam como extensão desse corpo, como roupas, adereços, próteses (PORTINARI, 2000).
O Brasil é um dos países campeões em número de cirurgia plástica estética e nossos médicos os mais respeitados internacionalmente. Em 2001, estima-se terem sido efetuadas quase 400.000 operações plásticas, só perdendo em termos quantitativos para os Estados Unidos. Estes dados refletem a relevância do corpo para a sociedade contemporânea e sua busca incessante pela perfeição da escultura corporal. Esta procura desesperada alimenta uma pujante indústria da beleza (JABLONSKI, 2001).
Metodologia
Para a realização deste estudo foi adotada a metodologia qualitativa exploratória (LAVILLE; DIONNE, 1999). As participantes foram seis mulheres adultas com idade entre vinte e três e vinte e quatro anos, que realizaram cirurgia plástica estética há menos de dois anos, indicadas por cirurgião plástico.
As participantes foram contatadas por telefone e convidadas a colaborar com a pesquisa. Após a obtenção do Consentimento Informado, foram realizadas as entrevistas semi-estruturadas, gravadas em áudio. Para a análise de dados foi utilizado o método de análise de conteúdo de Bardin (1997); um método empírico adequado ao exame das comunicações humanas, que tem como objetivo descrever o conteúdo das mensagens e realizar inferências sobre as suas condições de produção/recepção. As etapas deste procedimento foram: exploração do material; seleção de unidades de significado; delimitação de categorias, inferências e interpretação.
Apresentação de Resultados
Através da análise de conteúdo das entrevistas, foram encontradas sete categorias descritas a seguir: POR QUE EU QUERO? (motivação/influência) subcategorias: fatores internos e fatores externos; EU QUERO. E AGORA? (preparação); QUER NOSSA AJUDA? (participação familiar); ENFRENTANDO A DOR (recuperação); SOU EU? (impacto inicial); O QUE ME TORNEI? (resultado) subcategorias: eu independente e eu interdependente; O QUE É BELO? (beleza).
PORQUE EU QUERO? (Motivação/Influência): Esta categoria caracteriza-se pelo fator que determinou a decisão de realizar a cirurgia plástica estética, e como esta decisão foi tomada. Dentre eles destacam-se FATORES INTERNOS e FATORES EXTERNOS.
FATORES INTERNOS: Esta subcategoria descreve os aspectos internos que provocaram a tomada de decisão pela cirurgia plástica. Sentimentos de inferioridade, de não aceitação, de sofrimento pela parte física que era considerada defeituosa e problemas orgânicos foram alguns dos aspectos encontrados.
A fala de uma das entrevistadas ilustra tais fatores:
Acho que com uns 14 anos, a partir disso que já falava em fazer plástica [...] porque eu não gostava mesmo [...] eu me olhava no espelho e não gostava do que eu via, eu não gostava de olhar para o meu nariz, achava que era desproporcional com o meu rosto, achava muito grande e toda vez que eu ficava de perfil pra alguém eu me sentia incomodada, eu achava que a pessoa ia olhar diretamente aquele defeito que eu via em mim, a pessoa poderia nem se importar, mas eu me importava muito com isso (D. 23 anos, formada em Direito).
FATORES EXTERNOS: Esta subcategoria descreve os aspectos externos que estimularam a tomada de decisão. A família e o médico são fatores de influência encontrados na fala das entrevistadas:
Desde os 16 anos eu queria fazer, minha mãe e meu pai olhavam para o meu nariz e não achavam muito legal [...] foi assim meio impulsivo (A., 24 anos, estudante de Administração).
Sempre tive vontade, desde os meus 14 anos, tive puberdade precoce, tomei remédio. O médico viu que eu não iria mais desenvolver e me propôs fazer a cirurgia plástica, disse que se eu quisesse fazer, eu poderia (C., 24 anos, estudante de Psicologia).
EU QUERO, E AGORA? (Preparação): Esta categoria descreve a preparação das entrevistadas para a realização da cirurgia plástica, quais métodos e recursos (físicos e emocionais) utilizaram para enfrentar a cirurgia plástica estética. Através dos relatos, observou-se que o maior número das entrevistadas preparou-se fisicamente para a realização da cirurgia, nenhuma entrevistada buscou ajuda psicológica. Percebemos isto através de suas verbalizações:
A mulher do meu pai já fez lipoaspiração com esse médico e ele atendia pela UNIMED, pelo convênio, então fui nele até por ser mais prático, até porque eu já conhecia e foi o primeiro que procurei, aí a minha madrasta marcou uma consulta, eu consultei com ele, não procurei nenhum outro, nem conversei com outras pessoas sobre isso, porque eu confiava nele pra fazer... (V., 24 anos, formada em Optometria).
Ih, marquei uma semana antes que eu ia fazer (risos), nenhuma preparação, fiz uns exames e fui correndo fazer, acho que nem foi uma semana antes, foram uns cinco dias antes que eu marquei, fui no cirurgião e ele disse: vamos fazer, marca no primeiro dia que tu puder e eu fui e fiz(A., 24 anos, estudante de Administração).
QUER NOSSA AJUDA? (Participação familiar): Esta categoria representa a participação familiar, de que maneira os membros da família reagiram diante da vontade da entrevistada de realizar a cirurgia plástica estética. A grande parte das entrevistadas recebeu apoio familiar diante de sua decisão, é válido ressaltar que as mães das entrevistadas tiveram maior aceitação do que os pais, sendo que os pais aceitaram depois de algum tipo de argumentação. Podemos constatar tais conclusões nas verbalizações das entrevistadas:
Ah, eu acho que eles sentiam o meu sofrimento em relação ao meu nariz, sabe - algumas pessoas, tipo o meu irmão, o meu pai, achavam que era bobagem, que não era uma coisa importante, mas depois de tanto eu insistir naquilo eles viram que aquilo já me consumia, que eu já estava sofrendo com aquilo e achavam que era melhor eu fazer a cirurgia pra melhorar a minha auto-estima que estava muito baixa e realmente, ajudou bastante assim... (D., 23 anos, estudante de Direito).
Meu pai no início ficou furioso, minha mãe me apoiou, foi junto comigo...meu pai não, no início não... só que daí no verão ele me viu de saia e disse: nossa, eu nunca tinha te visto de saia, daí eu disse, é pai, eu não usava porque tinha trauma do meu joelho, daí ele olhou e disse: se eu soubesse teria te dado essa lipo antes, daí depois ele foi aceitando, né... (A., 24 anos, estudante de Administração).
ENFRENTANDO A DOR (Recuperação): Esta categoria apresenta a recuperação do pós-cirúrgico, isto é, como as entrevistadas reagiram fisica e emocionalmente ao se enxergarem após a realização da cirurgia plástica estética. As verbalizações indicaram que a maioria das entrevistadas teve uma boa recuperação, apesar de algum desconforto nos momentos iniciais. Observamos nas afirmativas das entrevistadas esse resultado:
Foi maravilhoso, eu não senti dor nenhuma, nada de dor, e uma semana com gesso, eu saía, não tinha problema nenhum, eu não ia ficar em casa, e a dor foi na hora de tirar o gesso, foi aí que eu senti dor, mas da cirurgia não senti nada, nem lembro porque eu dormi e depois só era ruim para respirar, foi só, o resto foi tudo bem...(V., 24 anos, formada em Optometria).
Minha recuperação foi boa, fiquei toda roxa, mas em uma semana melhorou tudo, fiquei com aquele negócio, uma talinha... o sangue do nariz começa a trancar sabe, é um horror, eu não conseguia respirar, eu não conseguia fazer nada assim, daí uma amiga minha falou que tinha feito também e usava um negócio pra tirar assim, um negócio tipo cotonete, daí eu coloquei e foi a melhor coisa, porque nos primeiros dias foi horrível porque eu não conseguia respirar, respirava pela boca, fora isso, tudo tranqüilo (A., 24 anos, estudante de Administração).
SOU EU? (Impacto Inicial): Esta categoria apresenta o impacto inicial que a cirurgia provoca. O primeiro contato com a nova forma física e a repercussão da mesma. Diante dos dados obtidos, a maior parte das entrevistadas estranhou a nova forma, mas com o passar do tempo foi internalizando seu novo físico e apropriando-se de sua nova aparência:
[...] parecia que meu seio estava lá nas costas, eu olhei e pensei Meu Deus, está muito grande... (C., 24 anos, estudante de Psicologia).
A primeira reação foi arrependimento, um pouco de culpa o que foi que eu fiz? Devia ter pensado melhor, esse tipo de coisa. [...] pouco importavam as palavras do médico, que disse que o resultado final demora de seis meses a um ano. Eu me senti sem graça, sem personalidade, falsa, parecia que eu tinha perdido toda a minha atitude. Pensei todo mundo vai ver que minha cara está diferente! que vergonha! (L., 24 anos, estudante de Direito).
O QUE ME TORNEI? (Resultado): Esta categoria é dividida em duas subcategorias: EU INDEPENDENTE e EU INTERDEPENDENTE.
EU INDEPENDENTE: Expressa o resultado final da cirurgia plástica estética, como as entrevistadas avaliaram e perceberam o efeito final da intervenção cirúrgica. Caracteriza também os benefícios que a cirurgia traz para os indivíduos e de que forma esta modifica a vida do sujeito. As respostas obtidas demonstraram que a maior parte das entrevistadas apreciou o resultado, ou seja, sentiram-se melhor, mais bonitas, com um aumento na auto-estima e na feminilidade. Também foi constatado que a cirurgia plástica estética traz resultados benéficos para as relações, para a sexualidade e a percepção de si mesmo:
Eu me senti outra mulher, eu era acanhada com tudo e com todos e agora não, eu adoro mostrar o peito, uso decote bem apertado, digo que tenho silicone numa boa (C., 24 anos, estudante de Psicologia).
Praticidade, parei de me preocupar em disfarçar meus defeitos; hoje me sinto melhor com menos maquiagem, menos adereços, menos glamour. Aprendi a valorizar a aparência natural e até mesmo as pequenas falhas que, por não serem mais fator de incômodo, por já terem sido aceitas, tomam outra feição - fazem parte de mim, da minha expressão, do charme (L., 24 anos, estudante de Direito).
EU INTERDEPENDENTE: Este tópico expressa o resultado final da intervenção cirúrgica, na visão das entrevistadas, relacionada à percepção do outro. Como elas percebem a percepção do outro após a realização da cirurgia. Os resultados obtidos atestaram que, na visão das entrevistadas, a maioria das pessoas notou alguma diferença positiva, mas não conseguiram explicar a intervenção realizada. Outro efeito encontrado foi uma maior segurança frente à avaliação de outrem. Isso é percebido nas falas das entrevistadas:
Já que ninguém repara, só comento quando vem ao caso e é interessante porque a maioria dos conhecidos não percebe a diferença, apenas te acham mais bonita, e isso é sempre positivo (L., 24 anos, estudante de Direito).
As minhas relações melhoraram porque agora eu não fico pensando que eles estão vendo um defeito que não gostava, entendeu? Então eu já parto do princípio que eu não tenho problema, logo eles podem me olhar sem ver uma coisa estranha”(D., 23 anos, formada em Direito).
O QUE É BELO? (beleza): Esta categoria caracteriza-se pelo conceito de belo, o que se entende por beleza. Este, por sua vez, está descrito pela ótica de cada entrevistada. Analisando as respostas encontradas, percebe-se que a maioria relaciona o belo ao sentimento de bem-estar, ou seja, a beleza está conectada diretamente com o estado de espírito do ser humano, com o sentimento de auto-aceitação e com a auto-estima. É interessante observar que o aspecto físico não foi mencionado, sendo este omitido e não considerado fator determinante de beleza com exceção de uma participante. Como podemos ver em alguns exemplos:
Beleza é uma forma de comunicação, é uma forma de se expor, de interagir. (L., 24 anos, estudante de Direito).
[...] que é bonito, eu não acho que tem um padrão de beleza [...] e eu acho que quando a pessoa tem a auto-estima boa ela vai parecer mais bonita (D., 23 anos, formada em Direito).
Discussão
Uma vez que a imagem corporal é extremamente importante no complexo mecanismo de identidade pessoal (MELLO FILHO, 1992), a aparência pessoal desempenha papel relevante em todas as etapas do desenvolvimento, inclusive na vida adulta (MOSQUEIRA, 1981). A imagem mental na qual representamos nosso corpo é, conforme Mello Filho (1992), formada por três aspectos: a imagem desejada ou aquela que se deseja ter; a imagem representada pela impressão de terceiros; a imagem objetiva, ou a que a pessoa vê, sentindo seu corpo.
A imagem que construímos de nós mesmos é baseada naquilo que vemos e apropriamos do nosso corpo. Entretanto, podemos percebê-lo como defeituoso, indesejado e fonte de grande sofrimento. Diante disso, algumas técnicas surgiram para solucionar esta insatisfação pessoal, entre elas, a cirurgia plástica.
A necessidade de se encaixar nos padrões sociais de beleza tem alimentado cada vez mais o mercado da cirurgia plástica estética. O sentimento de exclusão, de sentir-se diferente e não parte da sociedade, é tão intenso e danoso, que as pessoas são capazes de pagar fortunas para livrar-se de tal sensação. O não pertencimento ao grupo nos tira o prazer da semelhança, nos afasta do outro, sendo que este passa de próximo a estranho (PORTINARI, 2000).
Neste estudo, constatamos que todas as entrevistadas sentiam que alguma parte do corpo estava incomodando, trazendo uma sensação de desconforto e, com isso, mobilizando sentimentos de insatisfação, sofrimento e não aceitação de si. Para que fossem resolvidos ou amenizados tais sentimentos, optaram pela cirurgia plástica estética para corrigir o que não estava lhes agradando, desagrado relacionado tanto à sua própria percepção como também à avaliação que sentiam provir dos demais.
Todo ser humano está vinculado a objetos, quer no plano intra, inter ou transpessoal, e precisa vitalmente do reconhecimento das pessoas para a manutenção de sua auto-estima. É a partir do outro que o ser humano encontra suas semelhanças e diferenças e aprende a se reconhecer, uma vez que estas representações já existem a nível inconsciente. Desta forma, elas asseguram um sentido e desenvolvem a auto-estima (ZIMERMAM, 1999).
O outro é parte do desenvolvimento de identidade do self, isso caracteriza bem os resultados obtidos pelas verbalizações da maioria das entrevistadas, nas quais fica clara a influência da família na tomada de decisão, assim como a opinião do médico, pois ambos identificaram “o defeito” e apontaram a cirurgia plástica estética como sugestão de reparo e conseqüente melhora. Em outros dois casos, porém, é perceptível o mal estar das entrevistadas diante do olhar do outro, fazendo com que elas imaginassem e interpretassem esse olhar como acusador do “problema” corporal. Sentiam-se analisadas e verbalizaram que, nesse momento, o seu “defeito” tomava conta de todo o seu eu, desvalorizando os outros aspectos positivos que possuíam.
Desta forma, nos é permitido pensar e refletir que o outro não influi apenas no início de nossas vidas, mas influencia diariamente, nas pequenas e grandes decisões, nos sentimentos de bem-estar e auto-aceitação, na caminhada eterna de construção e reconstrução. Estamos falando aqui não somente de uma insatisfação pessoal, mas de uma insatisfação baseada e comparada ao padrão social e aos seus valores do que é certo, positivo e belo.
Para Portinari (2000), através do encaixe social, o indivíduo vai modificando seu comportamento e valorizando aspectos do seu corpo, muitas vezes, antes impensado. A imitação social, a simpatia e antipatia são modificações comportamentais para adequar-se às exigências sociais. Isto quer dizer que o homem age em função das competências que lhes são solicitadas pela cultura e pelo grupo de companheiros. Além disso, outro processo comum à inserção social é a identificação pessoal, que consiste na aproximação e incorporação dos elementos sociais, através de pessoas que admiramos e amamos, bem como por aquelas que tememos e detestamos.
O “estar bem consigo mesmo” é algo que necessita ser avaliado e alimentado diariamente. A flutuação no humor, os acontecimentos cotidianos e as transformações ditadas pelo tempo são responsáveis pelo desequilíbrio do bem-estar. Dessa maneira, o ser humano lança mão de estratégias para reorganizar o self e reencontrar a homeostase.
O conceito de belo, para as entrevistadas, está muito relacionado ao sentimento de aceitação. Todavia, nenhuma delas fez psicoterapia para “resolver o problema” de aceitação e tão pouco fez um preparo psicológico anterior à cirurgia plástica estética. Isso nos remete a pensar que, se o corpo não está vinculado à beleza, porque a cirurgia plástica estética tornou-se tão procurada para sanar sentimentos de insatisfação consigo mesmo?
Quando a fonte do sentimento de mal-estar é o corpo, a cirurgia plástica é convocada a resolver “o problema”. É rápida, em algumas vezes definitiva, e não exige muito investimento e/ou comprometimento pessoal em seu processo. Em contrapartida, a psicoterapia, que poderia instrumentalizar o indivíduo a viver de maneira mais saudável e equilibrada, é mais demorada, exige motivação e comprometimento pessoal em seu processo; transformaria o mundo interno, deixando o corpo diferente não em sua estrutura, mas na maneira como é interpretado.
O ideal é um aspecto subjetivo, importante em todas as esferas motivacionais e comportamentais. Nos dias de hoje, o ideal tem escravizado o ser humano na busca incessante e desgastante. É possível encontrar condutas destrutivas como a anorexia, por exemplo, como alternativa de alcançá-lo (PORTINARI, 2000).
O sentimento de pertencimento ao padrão social é tão perseguido que, muitas vezes, quando não alcançado, é motivo de angústia e tristeza. O ideal e o real acabam sendo tão distanciados que o indivíduo se perde na sua própria imagem, o que acarreta prejuízos emocionais, comportamentais, cognitivos e produtivos. Entretanto, ter a possibilidade concreta de aproximar o desejo da realidade é um dos aspectos que impulsionam e movimentam o mercado da cirurgia plástica estética. Isso pode ser constado através dos dados obtidos nesta pesquisa, uma vez que é consenso, entre as entrevistadas que a cirurgia aliviou o sofrimento, proporcionou satisfação interna, qualificou a relação consigo mesma e com os outros, aflorou a sexualidade e elevou a auto-estima.
Constatou-se que o que gerou a busca da cirurgia plástica nas entrevistadas foi a angústia proveniente de fatores internos e externos. Algumas decidiram no impulso, outras estiveram pensando durante algum tempo, outras foram conversar com alguém que já tinha feito. Após este momento, ao se submeter à cirurgia, a maioria delas estranhou o resultado inicial. Os edemas, os hematomas, a diminuição ou o aumento de uma parte do corpo, tudo isso causou um impacto, um choque de não reconhecimento de si mesmo. No caso das entrevistadas, todas relataram que o tempo foi solução para esses sentimentos, pois as conseqüências estéticas da cirurgia foram diminuindo e o resultado mais visível foi aparecendo, sendo que o resultado final foi equivalente ao idealizado e, portanto, satisfatório.
Mas poderíamos pensar no caso de o resultado final não ser satisfatório, na expectativa que não foi alcançada, no desejo que se tornou um pesadelo. O pós-cirúrgico é um momento muito delicado, que remete a uma sensibilização intensa do psiquismo. Para as entrevistadas, foi um momento difícil, que exigiu bastante força e energia para assimilar e aceitar o processo de recuperação que estava acontecendo, embora o resultado final fosse o esperado. Pensemos, neste momento, naquelas em que o resultado final boicota o sonho, quando a imagem corporal tem que ser refeita em cima de algo não idealizado, de algo jamais previsto, o quanto o psiquismo será atingido e o quanto isso poderá acarretar em conseqüências danosas ao indivíduo. Assim, é válido enfatizar a importância dos cuidados psicológicos, porque não estamos tratando somente do corpo, mas sim da mente, uma vez que os dois são intimamente ligados e dependentes.
Mesmo enfrentando um pós-operatório doloroso, com exigência grande de cuidados e uma limitação temporária de atividades e movimentos, todas as entrevistas verbalizaram que a dor do “defeito” é maior. A dor física torna-se pequena perto da dor mental de ter que conviver com algo que não se aprecia. É preferível, segundo as seis entrevistadas, passar por um período de dor física, do que enfrentar por toda a vida uma dor psíquica. Assim, para as seis entrevistadas, após a cirurgia houve um aumento na auto-estima, conseguiram olhar para si mesmas e apreciar o que enxergavam, suas relações interpessoais e sexuais melhoraram e suas vidas conquistaram maior qualidade.
Considerações Finais
Não há como negar a importância da representação do bcorpo na mente humana. É baseada nela que acontecem as relações, a produção cognitiva e emocional. Através de modificações corporais, os sentimentos também vão se modificando e alterando comportamentos.
A cirurgia plástica estética coloca-se como um instrumento de transformação do corpo e também da sua representação mental. O ato cirúrgico acaba solucionando e trazendo alívio para um psiquismo inconformado.
É possível entender que o homem é um conjunto, no qual corpo, sentimentos, pensamentos, cognição e comportamentos atuam juntos interdependentemente. O homem criou formas de manter a harmonia desse conjunto, mesmo que para isso haja um pouco de sacrifício, de dor e dedicação.
Assim, podemos entender que a natureza pode determinar o corpo e suas modificações ao longo do tempo, repercutindo no emocional e, conseqüentemente, nas relações do indivíduo. Mas apesar deste poder, o ser humano conseguiu encontrar uma forma de atenuar essas transformações e de corrigir os resultados deixados pelas marcas do tempo e de apaziguar mente e corpo. O homem, devido a sua insatisfação de suas condições, descobre como obter mais controle sobre si mesmo, como dominar mais seu corpo e sua mente, como adequá-los aos movimentos sociais e seus padrões vigentes. Questionamo-nos, isso é positivo ou negativo? Não há lado para escolher, mas podemos compreender que nada é totalmente bom ou ruim, depende da situação, da freqüência e da intensidade com que acontece. No caso das entrevistadas, constatamos que a cirurgia plástica estética melhorou as suas vidas, sanou a deformidade física, melhorou as relações interpessoais e sexuais, aumentou a auto-estima e estimulou a harmonia interna (mente-corpo).
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Endereço para correspondência
Sabrina Ferraz
E-mail: sabrinaferraz@atualizerh.com.br;
Fernanda Barcellos
E-mail: psifer@terra.com.br.
Recebido em: 06/11/2006
Aceito para publicação em: 02/07/2007
Notas
* Psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS), doutoranda em Psiquiatria (UFRGS).
1 Artigo baseado no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Sabrina Borges Ferraz, realizado sob orientação da Prof. Fernanda Barcellos Serralta, no Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).