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Estudos e Pesquisas em Psicologia
versão On-line ISSN 1808-4281
Estud. pesqui. psicol. v.8 n.2 Rio de Janeiro ago. 2008
ARTIGOS
Algumas contribuições das neurociências para o estudo da relação entre o afeto e a cognição
Some contributions of the neurosciences to the study of the relationship between affect and cognition
Simone Cagnin*
Professora Assistente do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ - Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
Este artigo tem por objetivo fazer uma reflexão sobre algumas contribuições das chamadas Neurociências para o estudo da relação entre o afeto e a cognição. Buscou-se discutir a independência e/ou a integração dos sistemas cerebrais subjacentes a determinados processos afetivos e cognitivos, através da seleção de estudos clínicos e experimentais que abordam a relação cérebro/ mente, especialmente aqueles que apontam para algumas dissociações funcionais em pacientes com comprometimentos cerebrais, De modo complementar, foram apresentadas algumas investigações experimentais com animais, desenvolvidas no contexto das Neurociências. Os estudos aqui apresentados, apesar de sua diversidade teórica e metodológica, parecem apontar, em sua maioria, para o importante papel regulador do afeto na cognição humana.
Palavras-chave: Emoção, Afeto, Cognição, Neurociências, Relação cérebro-mente.
ABSTRACT
The objective of this article is to analyze pertinent contributions of the Neurosciences to the study of the relationship between affect and cognition. Through a selection of a few clinical and experimental studies that investigates the mind-brain relationship, especially those that point out to functional dissociations in patients with cerebral damages, we intend to discuss the brain systems that are involved with certain emotional and cognitive processes. In a complementary way, we also present a few animal experimental investigations that are developed in the field of the Neurosciences. The studies that we present here, in spite of their theoretical and methodological diversity, seem to emphasize the importance of the emotions and the affects to the regulation of the human cognition.
Keywords: Emotion, Affect, Cognition, Neurosciences, Brain-mind relationship.
Introdução
Inicialmente, cabe uma observação a respeito da opção pelo termo “Neurociências” no lugar de outros termos que talvez pudessem também se aplicar a esse contexto. O uso do termo “Neurociências” parece ser, na atualidade, bastante recorrente, talvez em função de ser um termo amplo que congrega uma gama de disciplinas, as quais estudam o cérebro. Porém, estas disciplinas não compartilham de uma homogeneidade de interesses, de enfoques e de métodos, apesar de terem como principal preocupação o estudo do “hardware” cerebral, pois desde disciplinas mais descritivas, como a neuroanatomia, até disciplinas mais integrativas que estudam a relação entre o cérebro e a mente, como a neuropsicologia, poderiam ser enquadradas nesta terminologia.
Tendo em vista essa heterogeneidade de disciplinas e de enfoques, faz-se necessária uma focalização das investigações que se preocupam mais diretamente com a relação entre o cérebro e a mente. Sendo assim, serão priorizados estudos mais integrativos de “dupla face” realizados com seres humanos, pois as contribuições desses estudos parecem ser mais importantes para a temática aqui proposta. Entretanto, alguns estudos experimentais realizados com animais serão brevemente abordados, quando os mesmos complementarem os estudos clínicos e experimentais realizados com seres humanos.
Considerações e Definições Iniciais
Cabe aqui um esclarecimento inicial sobre o uso do termo afeto dentre outros termos correlatos que poderiam ser utilizados nesse contexto. O termo afeto parece possuir, no contexto da Psicologia Cognitiva e das Neurociências, um sentido abrangente, inclusivo, na medida em que inclui, não só as emoções propriamente ditas, mas também os estados mais difusos de humor, os sentimentos ou qualquer outra manifestação de caráter afetivo. Desse modo uma definição mais precisa e excludente do termo afeto torna-se sobremodo difícil e pode não vir a refletir os diferentes estudos na área que utilizam esta terminologia.
Inclusive Laplanche e Pontalis (1983), a partir da concepção freudiana de afeto, destacam que esse termo exprime “qualquer estado afetivo, penoso ou agradável, vago ou qualificado, quer se apresente sob a forma de uma descarga maciça, quer como tonalidade geral” (p.34). Nessa perspectiva, percebe-se também uma conotação mais inclusiva do termo, na medida em que “qualquer” estado afetivo poderia ser qualificado como afeto.
Já a visão do senso comum do termo afeto parece enfatizar, por sua vez, os sentimentos, a amizade, a simpatia e a afeição por algo ou por alguém como formas de afeto - observa-se esta ênfase nas primeiras definições de afeto nos dicionários Houaiss (2001) e Novo Aurélio, (1999). Nesse sentido, parece haver, no senso comum, uma priorização dos sentimentos como sinônimo de afeto, especialmente os sentimentos direcionados a alguém ou a algum objeto ou animal.
Entretanto, autores como Dai e Sternberg (2004) destacaram o fato de que o termo afeto às vezes pode ser usado de modo intercambiável com o termo emoção, mas que, em se buscando uma definição mais excludente e estrita do termo, afeto seria mais indicado, na opinião dos autores, para definir os estados subjetivos mais difusos, não necessariamente acompanhados de uma alteração nítida na atividade visceral e autonômica, como os estados de humor. Já o termo emoção, por sua vez, seria mais indicado para definir os estados afetivos acompanhados por uma nítida alteração visceral e autonômica. Nessa perspectiva, o termo afeto estaria mais relacionado a estados subjetivos mais indefinidos em sua origem e intensidade, como os estados de humor, e o termo emoção, por sua vez, estaria mais relacionado a estados subjetivos que poderiam ser mais diferenciados em termos de sua origem, intensidade e duração temporal, como as emoções medo e raiva.
De modo complementar, Schwarz e Skurnik (2003) observaram que o termo emoção poderia estar mais relacionado a reações específicas frente a situações que envolvem desejos e necessidades individuais, enquanto o termo afeto, em contrapartida, poderia estar mais relacionado a experiências subjetivas difusas que não costumam ter uma qualificação nítida de sua causa ou um alvo definido.
Porém, a concepção de emoção pode ter um sentido também abrangente, como o destacado por Cacioppo e colaboradores (CACIOPPO; KLEIN; BERNTSON; HATFIELD, 1993). Para eles, as emoções humanas representam um fenômeno psicológico que engloba aspectos cognitivos, afetivos, viscerais, hormonais, reações imunológicas, expressões corporais e vocais, dentre outras manifestações fisiológicas e comportamentais. Nesse mesmo sentido, Marino (1975), no passado, já havia sinalizado para o conjunto de aspectos cognitivos, vivenciais e expressivos, bem como para o grau de excitação dos processos mentais, que estariam conformando aquilo que denominamos de “emoção”.
Para Damásio (2004), uma emoção propriamente dita seria um conjunto de respostas químicas e neurais que formam um padrão distinto e têm um papel regulador em relação à vida, sendo estas respostas produzidas quando o cérebro normal detecta um estímulo emocional competente (EEC), ou seja, o objeto ou evento cuja presença real (ou recordada) desencadeia a emoção. Por sua vez, o cérebro está preparado para responder a certos EEC com repertórios de ação especializados (alguns desses EEC foram adquiridos pela experiência, outros foram mais prescritos pela evolução). Por último, o resultado imediato dessas respostas é uma alteração temporária do estado do corpo e dos estados das estruturas cerebrais que mapeiam o corpo e dão suporte para o pensamento, sendo o resultado final desse processo a colocação do indivíduo em circunstâncias que, direta ou indiretamente, levam à sobrevivência e ao bem-estar do mesmo (DAMÁSIO, 2004, p. 61). Observa-se neste autor, uma abordagem evolucionista das emoções, abordagem compartilhada por muitos autores na área como LeDoux (1992; 1998), Osnstein (1991), entre outros.
Damásio (1996a, 2000, 2004) também parece utilizar de modo mais abrangente o termo emoção, na medida em que propõe uma hierarquia de emoções que, em sua base, congrega as emoções mais difusas, as chamadas emoções de fundo, seguidas pelas emoções primárias, de origem inata, como o medo e a raiva, por sua vez seguidas pelas emoções secundárias ou sociais, como a empatia. Inclusive, na concepção de Damásio (2000, p. 431),
o termo afeto costuma ser usado como sinônimo de emoção e de humor, embora tenha uma conotação mais geral e possa se referir às emoções, aos humores e aos sentimentos. Tudo aquilo que um indivíduo experimenta (sente) ou manifesta (exprime) em relação a um objeto ou uma situação poderia ser considerado afeto.
Porém, Damásio (1996a, 2000, 2004) fez pouca referência ao termo afeto per se, nesses estudos, sendo uma de suas principais diferenciações conceituais dirigidas para os conceitos de emoção e de sentimento.
Autores como Clore e Huntsinger (2007), diferentemente de Damásio, ao utilizarem o termo afeto de modo mais recorrente em suas investigações, parecem seguir o ponto de vista mais prevalente na área, pois destacam o caráter abrangente dos termos afeto e estado afetivo, incluindo os estados de humor e as emoções como sendo ambos “afetivos” em sua origem, na medida em que são representações de um valor pessoal, as quais se expressam do ponto de vista neurológico, fisiológico, experiencial, comportamental, cognitivo, dentre outras formas de expressão.
Não obstante as possíveis diferenciações entre os termos afeto e emoção propostas por Schwarz e Skurnik (2003) e Dai e Sternberg (2004), autores como Damásio (2000), Clore e Huntsinger (2007), entre outros, parecem destacar o caráter inclusivo do termo afeto, mas enquanto emoções específicas, como o medo e a raiva, e os estados de humor positivos ou negativos poderiam ser considerados como possuindo um caráter “afetivo”, nem tudo que é “afetivo” poderia ser considerado um estado de humor ou uma emoção. Um exemplo disso seria a valência afetiva positiva ou negativa de um determinado estímulo, como a de uma história ou de um filme, apresentado a um grupo de indivíduos em uma tarefa experimental.
Por último, pode-se observar certa prevalência, nas Neurociências, de estudos experimentais mais direcionados para a interface entre emoção e cognição e relativamente poucos estudos mais direcionados para a interface entre estado de humor e cognição ou mesmo para a interface entre sentimentos e cognição. Isso talvez se dê em função da dificuldade de uma qualificação mais nítida, em sua origem e intensidade, de estados afetivos difusos e menos conscientes como os estados de humor e muitos dos sentimentos vivenciados pelos indivíduos. Porém, em alguns estudos clínicos com pacientes neurológicos, encontram-se, normalmente, avaliações detalhadas não apenas de seus déficits e preservações cognitivas, mas também de suas alterações de humor e das emoções e sentimentos apresentados por estes pacientes.
Conclui-se assim que não há um total consenso na definição do termo afeto para muitas das abordagens situadas na interface proposta. Frente à diversidade de definições apresentadas, optou-se aqui pelo uso do termo afeto como uma terminologia mais ampla, que inclui os estados subjetivos mais difusos de humor, os sentimentos e as emoções mais específicas, com sua qualificação mais demarcada e precisa do ponto de vista fisiológico. Tendo isso em vista, uma conotação mais genérica e inclusiva dos termos “afeto” e “estado afetivo” será mantida ao longo do presente artigo.
Neurociências, Afeto e Cognição: Independência e/ou Integração entre Sistemas
Inicialmente, uma questão que merece ser destacada refere-se ao grau de independência entre os sistemas relacionados aos processos afetivos e aos processos cognitivos. Embora considerados por alguns autores, tais como Zajonc (2001), como compondo dois sistemas independentes, muitos achados empíricos oriundos de pesquisas desenvolvidas com animais (como os de SHADLEN; NEWSOME, 2001) e com pacientes humanos (como os de HEEKEREN; MARRETT; BANDETTINI; UNGERLEIDER, 2004; RORIE; NEWSOME, 2005, dentre outros) vêm apontando para uma maior comunicação e integração entre esses dois sistemas, especialmente em níveis corticais superiores. Esses achados parecem refutar a idéia de uma total independência e incomunicabilidade entre estes sistemas, pois, se por um lado, diferentes estruturas cerebrais estão envolvidas em computações afetivas e cognitivas específicas, ou seja, possuem certa modularidade inicial, por outro lado, parece haver uma integração funcional entre elas em níveis superiores, integração esta que dá suporte para a hipótese do papel regulatório e modulador dos afetos na cognição.
No que se refere ao uso do termo “modularidade” em um contexto como o das Neurociências, há que se destacar que este uso faz jus ao isomorfismo cérebro-mente, bastante utilizado como argumento explicativo por disciplinas que estudam o cérebro, especialmente, por aquelas disciplinas de interface como a Neuropsicologia Cognitiva, como Ellis e Young (1988) já haviam sinalizado. Inclusive, pode-se observar que o próprio termo “modularidade”, desenvolvido no âmbito da mente por Fodor (1983), por sua vez inspirado na frenologia de Gall, no século XIX, que também teve sua própria inspiração na teoria das “faculdades mentais”, parece ser um termo “híbrido”, aplicável tanto aos módulos cognitivos quanto às “estruturas” cerebrais. Sendo assim, a pressuposição de um modo análogo de organização para o funcionamento do cérebro e da mente, apesar de certa limitação no que diz respeito à aplicação de um “dialeto” comum para dois universos distintos, é ainda a tônica neste contexto.
Vale aqui destacar que as dissociações funcionais encontradas na clínica neuropsicológica, especialmente as chamadas “dissociações funcionais” em pacientes neurológicos, constituem um dos principais métodos utilizados na pesquisa neuropsicológica. Nesse sentido, as dissociações funcionais simples ou clássicas e, especialmente, as duplas dissociações funcionais encontradas nos pacientes investigados, são de importância fundamental não só para uma abordagem clínica e de reabilitação neuropsicológica, mas, principalmente, para o delineamento de linhas de pesquisas na área. Por exemplo, uma dupla dissociação entre as funções “reconhecer visualmente faces” e “reconhecer visualmente símbolos” traz importantes contribuições não só para que se postule certa independência nas computações das informações faciais e simbólicas, mas também para que se postule a existência de substratos neurais mais demarcados, associados a estes tipos de computações.
Em realidade, o isolamento de processos cognitivos “puros” e, de certo modo, de processos afetivos “puros” seria uma tarefa quase impossível quando se estuda a cognição normal com os métodos experimentais existentes na psicologia cognitiva e em áreas afins. Já os estudos clínicos e empíricos com pacientes neurológicos e suas dissociações funcionais simples e duplas vêm trazendo inúmeras contribuições não só para que se investigue o papel de áreas cerebrais específicas, subjacentes a processos afetivos e cognitivos mais “puros”, mas também para que se encontrem “contra-exemplos”, no sentido popperiano do termo, os quais sirvam para a elaboração e a refutação de modelos de funcionamento da cognição humana.
Observa-se, assim, nas Neurociências de um modo geral e, em particular, na Neuropsicologia Cognitiva, uma nítida ênfase em uma perspectiva modular dos processos cognitivos. Nessa direção, muitas lesões cerebrais poderiam afetar, seletivamente, a capacidade de processamento de alguns desses módulos mentais, o que, historicamente falando, tem suscitado a permanência de uma perspectiva “localizacionista” no âmbito das Neurociências. Em outras palavras, uma perspectiva que associa uma área cerebral específica a um determinado processamento cognitivo. Nesse contexto, as modernas técnicas atuais de neuroimagem cerebral costumam ser, inclusive, utilizadas em muitas pesquisas na área para corroborar uma abordagem “localizacionista” da relação cérebro/ mente, ainda que não se postule, necessariamente, hoje em dia, um “localizacionismo estreito”, como fizeram os frenologistas do século XIX.
Entretanto, no que se refere à Neuropsicologia Cognitiva contemporânea, pode-se observar que parece não haver um total consenso a respeito do “grau” da modularização dos processos cognitivos, pois são encontrados, na área, desde autores como Shallice (1988), com uma abordagem “semi-modular” de processos superiores como o pensamento, até autores como Ellis e Young (1988) que, por sua vez, pressupõem uma modularização mais “radical” de quase todos os processos cognitivos superiores como, por exemplo, aqueles envolvidos no processamento da linguagem, no processamento numérico, no processamento espacial e em inúmeros outros tipos de processamentos cognitivos.
Não obstante, podemos observar que, na contemporaneidade, o conceito de modularidade parece adquirir novos desdobramentos e significados que extrapolam a concepção inicial de Fodor (1983) com sua ênfase na origem inata, no automatismo, no isolamento e na especialização computacional dos módulos cognitivos.
Autores contemporâneos como Karmiloff-Smith (1995) supõem que as predisposições inatas envolveriam domínios específicos do conhecimento e não “módulos” encapsulados, bem como haveria uma gradual modularização ao longo do processo de ontogênese. Também Seidl de Moura (2005) e Seidl de Moura e colaboradores (OLIVA; OTTA; RIBEIRO; BUSSAB; LOPES; YAMAMOTO; SEIDL DE MOURA, 2006), ao focalizarem a relação entre o afeto e a cognição e o conceito de modularidade em uma abordagem evolucionista da mente, observaram que a plasticidade e a especificidade dos sistemas neurais poderiam ser entendidas como complementares, pois desempenham funções variadas na ontogênese e na filogênese.
Essa complementaridade de funções parece ter sido assim de fundamental importância para a evolução da espécie humana, sendo que a própria concepção de plasticidade poderia ser aqui considerada também do ponto de vista funcional. Em outros termos, além da existência de uma plasticidade neural dos sistemas cerebrais que parece ter sido uma das bases para a evolução, inclusive para o desenvolvimento cortical humano, acredita-se na possibilidade de que, em alguns casos, possa haver uma reorganização funcional entre estes sistemas. Esse tipo de plasticidade funcional poderia ser ilustrado quando, por exemplo, diante de uma lesão em uma área cerebral específica que desencadeia determinadas perdas cognitivas, outras áreas cerebrais se “reorganizam” para tentar, por outros meios, minimizar os efeitos da perda de uma determinada função.
Ainda no contexto de uma perspectiva evolucionista mais direcionada para a relação cérebro-mente, estudos como os de Damásio (1996a, 1996b, 2000, 2004), Adolphs e Damásio (2001), LeDoux (1998), Ornstein (1991), Gazzaniga e LeDoux (1981), poderiam ser também lembrados. Estes estudos trouxeram à tona inúmeros achados clínicos e experimentais, muitos deles com pacientes neurológicos, que corroboraram não só uma hipótese evolucionista de fundo, bem como apontaram para o impacto que as emoções e os sentimentos teriam na racionalidade e no ajuste do comportamento pessoal e social.
Apesar de compartilharem um enfoque evolucionista, os autores acima parecem divergir na ênfase dada ao grau de modularização dos processos cognitivos e emocionais. Em um extremo, Ornstein (1991) parece postular mais claramente uma modularização mais maciça dos processos emocionais, enquanto, em outro extremo, Damásio (1996a, 1996b, 2000, 2004) e Adolphs e Damásio (2001) parecem compatibilizar, por um lado, a idéia de modularidade inicial dos processos cognitivos e emocionais com a idéia de uma integração sistêmica entre esses mesmos processos.
Conclui-se assim que os sistemas neurais relacionados aos processos cognitivos e emocionais poderiam ser vistos como independentes em muitas das computações específicas, modulares, que provavelmente estão relacionadas a níveis mais elementares de processamento, como também poderiam ser vistos como complementares e integrados em níveis mais superiores ou “centrais” de processamento. Apesar de não haver um total consenso em relação ao “grau” de modularização dos processos cognitivos e dos processos emocionais, em muitas das abordagens científicas contemporâneas, tanto das chamadas Neurociências, como da Psicologia Cognitiva e mesmo da Psicologia Evolutiva, parece haver certo consenso de que estes processos se articulam e sofrem influência mútua de modo mais dinâmico do que se supunha no passado.
Correlatos Neurais, Aspectos Teóricos, Clínicos e Experimentais Envolvidos na Relação entre o Afeto e a Cognição. Uma Reflexão sobre a Contribuição de Alguns Estudos Clássicos e Contemporâneos
Entre os autores anteriormente citados, Damásio parece ter levado mais longe o projeto investigativo da interface entre o afeto e a cognição, em especial entre a emoção e a cognição. Com sua conhecida hipótese que postula a existência de marcadores somáticos, emocionais, Damásio (1996b) e Bechara e colaboradores (BECHARA; DAMÁSIO; TRANEL; DAMÁSIO, 2005) buscaram integrar de modo mais efetivo e empírico os processos afetivos e cognitivos. Tais marcadores teriam como principal função convergir a atenção, tal como um sinal de alerta automático, para as alternativas mais adequadas no processo de tomada de decisão, excluindo aquelas “emocionalmente” marcadas de modo negativo e ativando aquelas marcadas positivamente. Inclusive, os estudos de Damásio e de Damásio e colaboradores têm buscado fundamentar suas hipóteses com alguns achados clínicos da neuropsicologia, inclusive reinterpretando alguns casos clínicos “clássicos” como o conhecido caso Phineas Gage.
Com a utilização de modernas técnicas de neuroimagem cerebral, Damásio (1996a) buscou reinterpretar e de certo modo “recontar” a história de Phineas Gage e de outros pacientes, a partir de um “olhar narrativo” científico contemporâneo que busca integrar os achados neuroanatômicos mais precisos aos sintomas clínicos relatados pelos médicos que avaliaram estes mesmos pacientes no passado.
Phineas Gage foi um dos primeiros casos descritos na literatura que corroboraram a hipótese do papel fundamental das áreas pré-frontais na regulação e no controle das emoções, o que os levava a um grave desajuste em seu comportamento social. Tal desajuste era explicitado pela indiferença afetiva e pelo embotamento das emoções apresentadas por estes pacientes, o que acarretava um déficit na capacidade de planejamento e na tomada de decisão, bem como acarretava uma inadequação às convenções sociais e morais como um todo. Especialmente as lesões em regiões pré-frontais ventro-mediais parecem acarretar a perda da capacidade de “decodificação” das sinalizações e marcações somáticas, o que leva o indivíduo a agir de modo desvantajoso para si mesmo e para o seu meio social.
Nesse sentido, um objetivo prospectivo parece caracterizar essas marcações de estados somáticos/ emocionais, pois seria a “conseqüência” de uma determinada escolha (em termos dos aspectos vantajosos e desvantajosos da mesma) que iria orientar/marcar o processo de tomada de decisão, tendo sempre em vista um sentido adaptativo como princípio norteador.
Não obstante, cabe se fazer aqui uma ressalva a respeito da hipótese dos marcadores somáticos de Damásio (1996b) e de Damásio e colaboradores (BECHARA; DAMÁSIO; TRANEL; DAMÁSIO, 2005). Trabalhos atuais de Maia e Mc Clelland (2005) apontaram para algumas questões ainda não respondidas pelos estudos de Damásio e de Damásio e colaboradores e, especialmente, para problemas de interpretação de seus achados clínicos. Através do relato de pesquisas com pacientes com lesões no córtex pré-frontal ventro-medial, Maia e Mc Clelland assinalaram que a hipótese dos marcadores somáticos não seria suficiente para explicar os resultados encontrados em seus estudos, pois seus achados clínicos apontaram não só para duplas dissociações funcionais entre pacientes com lesões nas áreas pré-frontais ventro-mediais, mas também para a possibilidade de explicações alternativas, não necessariamente vinculadas à hipótese dos marcadores somáticos.
De modo complementar, estudos contemporâneos como os de Heekeren e colaboradores (HEEKEREN; MARRETT; BANDETTINI; UNDERLEIDER, 2004); Rorie e Newsome (2005); Moll e Oliveira-Souza (2007); Coricelli; Dolan e Sirigu (2007), com pacientes pré-frontais, vêm trazendo informações adjacentes para o entendimento do papel de diferentes subsistemas pré-frontais no processamento da informação e na regulação de diferentes tipos de emoções e comportamentais sociais complexos.
Heekeren e colaboradores (2004) sugeriram, em seus estudos, que o córtex pré-frontal dorsolateral continha uma região de integração de informações sensoriais que dariam suporte para as decisões perceptuais. Esses estudos, que se basearam na pesquisa de Shadlen e Newsome (2001), com macacos rhesus, objetivaram aplicar, a seres humanos, a mesma abordagem metodológica feita por estes últimos autores. As evidências neurofisiológicas trazidas pelo estudo com macacos forneceram, inclusive, uma base para que Heekeren e colaboradores postulassem um modelo integrativo para estas áreas.
Entretanto, Rorie e Newsome (2005), ao argüirem se realmente haveria a mesma rede de circuitos envolvida no processo de tomada de decisão perceptual em macacos e em seres humanos, identificaram dois problemas básicos na pesquisa de Heekeren e colaboradores. O primeiro diz respeito a problemas de resolução da técnica de neuroimagem utilizada (Ressonância Magnética Funcional) e que poderia suscitar, consequentemente, problemas de interpretação dos achados cerebrais. O segundo se refere ao tipo de tarefa utilizada em ambas as pesquisas que avaliava, no caso dos macacos, a movimentação dos olhos para inferir a respeito da tomada de decisão perceptual, e no caso dos humanos, o uso das mãos na tomada de decisão. Na hipótese de Rorie e Newsome (2005), os seres humanos teriam um “módulo” mais abstrato e flexível que estaria envolvido na tomada de decisão e que seria funcionalmente separado dos sistemas motores que preparam as respostas executivas. No caso dos macacos, em contrapartida, o processo de tomada de decisão é mais diretamente dependente do “ver e agir”, ou seja, seria um processo menos sofisticado e mais diretamente vinculado à ação motora.
Vale observar que trabalhos complementares com pacientes pré-frontais tais como os de Moll e Oliveira-Souza (2007a; 2007b), com ênfase no julgamento moral, e como os de Coricelli, Dolan e Sirigu (2007) sobre a tomada de decisão e sobre o papel do córtex órbito-frontal em emoções como “arrependimento”, também vêm trazendo informações adicionais para que se reforce, por um lado, o papel integrador da região pré-frontal como um todo e, por outro lado, o papel de cada subsistema que compõe tão importante região.
Como foi anteriormente exposto, as áreas pré-frontais, sendo áreas cerebrais associativas por excelência, que articulam diferentes informações provenientes de outras regiões cerebrais (sensoriais, associativas, tronco cerebral e sistema límbico), um comprometimento cerebral que as atinja pode levar a uma desorganização do comportamento, especialmente frente a tarefas cognitivas mais complexas. Sendo assim, as funções executivas, que normalmente exigem um planejamento da ação para o cumprimento de metas, um controle atencional e um monitoramento do comportamento, bem como as situações sociais que exigem umaavaliação e um julgamento, estariam privilegiadamente comprometidas no caso de injúrias nessas áreas.
Luria (1981) e Shallice (1988) também destacaram, no passado, o caráter integrador e de certo modo “controlador” das regiões pré-frontais, sendo que Luria inclusive considerava estas áreas como a “unidade de programação, verificação e controle das atividades cognitivas” e Shallice, por sua vez, concordando com Luria e complementando suas idéias, considerava que estas áreas cerebrais apresentariam uma organização semi-modular, do ponto de vista funcional, e que conformariam uma espécie de “Sistema de Atenção Supervisor” das atividades cognitivas.
Vale aqui uma menção à chamada “Síndrome Disexecutiva” ou também chamada “Síndrome do Lobo Frontal”, cujo nome remete originalmente a Baddeley (1986) e a seu modelo de Memória de Trabalho (MT), em especial a um dos seus componentes, o chamado “executivo central”. Nessa síndrome, as funções executivas costumam estar funcionalmente comprometidas, apesar da preservação da inteligência de um modo mais amplo. Em outras palavras, os processamentos cognitivos de domínio específico e os subsistemas neurais subjacentes a estas computações costumam estar preservados em contraposição à presença de déficits nas funções executivas e à perda de algumas habilidades sociais.
Ainda no que se refere à Síndrome Disexecutiva, pode-se destacar alguns estudos recentes de pesquisadores como Mattos, Saboya e Araújo (2002) e Koechlin e Summerfield (2007). Os três primeiros apresentaram, em seu estudo, um relato detalhado de um caso clínico de um paciente com um traumatismo crânio-encefálico na área pré-frontal dorso-lateral e que apresentava um significativo comprometimento das funções executivas, somado a déficits em habilidades sociais que exigiam o julgamento e a adequação das emoções às situações sociais. Os dois últimos autores apresentaram, por sua vez, uma significativa abordagem teórica para o entendimento das funções executivas do córtex pré-frontal lateral.
O caso clínico relatado por Mattos e colaboradores (2002) não só corrobora a importância do papel da região pré-frontal lateral para as funções executivas e para o controle e adequação de emoções sociais, como também aponta para importância do diagnóstico neuropsicológico na clínica e na pesquisa com pacientes neurológicos. Há que se destacar, ainda que brevemente, a fundamental importância da avaliação neuropsicológica, com o uso seletivo de diferentes testes (p.e. WAIS-R, Teste de Seleção de Cartões de Wisconsin, Teste Stroop, etc., só para citar alguns) para que se estudem mais detalhadamente as dissociações funcionais simples e duplas entre os pacientes pré-frontais. Nesse sentido, os diferentes processamentos cognitivos e afetivos correlacionados à ativação de determinados subsistemas neurais poderiam ser mais detalhadamente investigados.
No que se refere ao modelo teórico proposto por Koechlin e Summerfield (2007), o mesmo possui como principal argumento a pressuposição de que é a estrutura temporal dos eventos envolvidos na seleção da ação que vai determinar a organização funcional do córtex pré-frontal lateral, bem como vai determinar os “blocos de construção” envolvidos nas funções executivas. A partir de evidências clínicas e do uso de técnicas de neuroimagem, este modelo busca clarificar “como” as funções executivas podem operar como uma função unitária, na medida em que há o requisito da integração de muitas regiões pré-frontais distintas e especializadas.
Cabe assinalar que as técnicas de neuroimagem (especialmente a ressonância magnética funcional e a tomografia por emissão de pósitrons) vêm trazendo contribuições adicionais para uma melhor elucidação dos correlatos neurais de funções cognitivas mais complexas. Um exemplo disso seriam os estudos de Brass e colaboradores (BRASS; DERRFUSS; FORSTMANN; VON CRAMON, 2005), que utilizando a meta-análise, apontaram para evidências do papel das áreas frontais inferiores na coordenação executiva, no lugar das regiões frontais dorsolaterais mediais, as quais anteriormente tinham o crédito de estarem correlacionadas a esta coordenação.
De modo complementar, estudos citados por Damásio (1996a), em que se avaliava, experimentalmente, a condutividade dérmica em pacientes pré-frontais com lesões ventro-mediais, demonstraram que estes pacientes tendiam a ser manter impassíveis após a apresentação de estímulos que normalmente requeriam uma avaliação de seu conteúdo emocional. Porém, quando os estímulos apresentados evocavam respostas de sobressalto ou surpresa, estes mesmos pacientes apresentavam reações galvânicas nítidas. Nota-se aqui a preservação de emoções primárias, como a surpresa, em contraposição à perda da capacidade de julgamento do conteúdo emocional de um estímulo, que seria um requisito importante para as emoções secundárias como a empatia.
Vale ainda aqui uma reflexão sobre as bases evolutivas das regiões pré-frontais, pois o design do cérebro que provavelmente prevaleceu ao longo da seleção natural foi aquele onde os subsistemas relacionados à tomada de decisão e ao raciocínio em um contexto pessoal e social (por exemplo, as situações cotidianas) permaneceram ligados àqueles sistemas relacionados à regulação biológica/ homeostática, devido ao papel fundamental destes últimos na sobrevivência. Sendo assim, do ponto de vista evolutivo, a regulação biológica é essencial para a orientação do comportamento pessoal e social humano.
Pode-se então deduzir que durante o processo evolutivo parece ter havido uma interação entre o corpo, o cérebro e o desenvolvimento individual e o meio sócio-cultural, e se a mente não se ocupasse inicialmente do corpo e das emoções, níveis negligenciados como “inferiores” por uma perspectiva racionalista, a própria mente não teria existido enquanto tal.
Nesta perspectiva, podemos inferir que o princípio de conservação e de continuidade (além do princípio de modificação) darwiniano parece nortear também a evolução cerebral, pois a presença de estruturas consideradas “inferiores” do ponto de vista filogenético (arquicórtex) se soma à presença de estruturas filogeneticamente intermediárias, como as estruturas paleocorticais, bem como a estruturas cerebrais mais recentes (neocórtex). Aliás, Mac Lean (1973, 1993), com sua concepção de cérebro “triuno”, foi uns dos primeiros que destacaram, de um modo mais sistemático, essa “conservação” de estruturas cerebrais na espécie humana, bem como sinalizaram sua base evolutiva.
Inclusive, em função dessa continuidade (também genética), os estudos feitos com primatas têm trazido contribuições adicionais para que se estude o papel das regiões pré-frontais, bem como de outras regiões cerebrais, na regulação do comportamento individual e social destes animais. Neste sentido, algumas pesquisas experimentais com macacos com lesões pré-frontais, como as de Fulton e Jacobsen e de Myers (apud DAMÁSIO, 1996a), apontaram para um desajuste no comportamento social desses animais, bem como para uma alteração em suas emoções. Sendo assim, apesar das diferenças neurobiológicas entre as diferentes espécies primatas, há uma semelhança entre os achados experimentais destas pesquisas.
Entretanto, vale lembrar que o estudo crítico de Rorie e Newsome (2007), a respeito da pesquisa de Heekeren e colaboradores (2004), esta baseada, por sua vez, nos estudos de Shadlen e Newsome (2001) com macacos rhesus, parece sugerir certa parcimônia nas generalizações dos achados encontrados, mesmo em primatas, para a espécie humana. Não obstante as limitações nas generalizações, algumas evidências empíricas de pesquisas em animais foram inclusive precursoras de achados clínicos em pacientes humanos.
Como ilustração do que foi dito acima, seria interessante mencionar o caso de duas chimpanzés agressivas, Becky e Lucy, estudadas por Fulton e Jacobsen nos anos 30 (apud DAMÁSIO, 1996a), que sofreram uma leucotomia frontal e se tornaram extremamente dóceis após a lesão. O comportamento de docilidade associado a uma lesão pré-frontal (em uma área um pouco diferente daquela que causa o desajuste social supracitado), parece que inspirou a introdução da lobotomia, na espécie humana, pelo neurocirurgião E. Moniz, em suas pesquisas clínicas com pacientes com grave quadro psicótico. Inclusive, há uma correlata síndrome pré-frontal nos seres humanos, cujos principais sintomas são a apatia, a inércia motora e a indiferença afetiva (a chamada “Síndrome Pseudo-Depressiva”, como na acepção de Blumer e Benson, 1977).
No contexto das pesquisas animais, ainda se podem destacar os clássicos trabalhos experimentais de Klüver e Bucy (1939). Na chamada “Síndrome de Klüver-Bucy”, a lesão não é pré-frontal, mas sim na amígdala, estrutura límbica com um papel importante na expressão emocional. Os animais lesionados têm uma grande alteração em suas emoções primárias, tais como o medo e a raiva, perdendo a capacidade de senti-las. Um comportamento de docilidade exagerada, associado a um comportamento de não discriminação do predador nem de discriminação do alimento ou do parceiro sexual adequados, ou seja, uma cegueira psíquica, uma hiper-sexualidade sem discriminação do parceiro, uma oralidade alimentar sem discriminação de alimentos nocivos, como observou Marino (1975), acabam levando o animal à incapacidade de sobrevivência e de reprodução em um ambiente natural.
No que a isso diz respeito, podemos mencionar um caso clínico relatado por Damásio (2000), de uma jovem com calcificação nos dois lados da amígdala, o que ocasionou não só crises epilépticas recorrentes, como também uma alteração na capacidade de sentir e expressar emoções “negativas”, tais como medo e raiva. Entretanto, a ausência dessas emoções tão fundamentais para a detecção de sinais de perigo, bem como para a adequada resposta de evitação ou enfrentamento, fez com que essa jovem se tornasse muito vulnerável a riscos físicos e sociais. Neste sentido, ao perder a capacidade de sentir emoções primárias, como o medo e a raiva, essa jovem também perdeu a capacidade de sobreviver de modo autônomo.
Alguns estudos experimentais com animais, onde houve uma estimulação elétrica seletiva na amígdala (como citados por Marino, 1975) ou em outras regiões cerebrais tais como o hipotálamo lateral (como citados por Lent, 2001), também apontam evidências de que a estimulação nestas áreas costuma provocar um súbito aumento na agressividade desses animais. Em relação às estimulações hipotalâmicas, vale observar que muitos núcleos nesta região participam do controle neuroendócrino, o que reforça a idéia vigente de que a agressividade está submetida a um controle hormonal importante, sendo este controle mais visível nas diferenças no comportamento agressivo apresentado por machos e fêmeas de muitas espécies.
Pode-se aqui mencionar também um caso clínico relatado por Trevisol-Bittencourt e Troiano (2000), de um paciente com o diagnóstico de Síndrome de Geschwind-Waxman. Este paciente apresentava um quadro clínico quase oposto ao apresentado por animais com ablação bilateral da amígdala na clássica Síndrome de Klüver-Bucy, com a presença de hipossexualidade, alterações do humor, hipergrafia e uma intensificação cognitiva e emocional. Os exames clínicos apontaram para a presença de um foco irritativo-epiléptico na região temporal direita e seu quadro clínico pode também ser denominado de “Síndrome de Personalidade Interictal”. Este paciente poderia ilustrar, inclusive, um caso típico em que as funções cognitivas e afetivas estão concomitantemente comprometidas devido a uma hiperatividade disfuncional no lobo temporal direito, incluindo-se aqui a amígdala.
Com os exemplos acima, observamos que não são apenas as lesões frontais que causam alterações nos processos emocionais, mas que outras estruturas cerebrais estão envolvidas, cada qual com sua especificidade, na expressão e na regulação das emoções. A diferença entre o exemplo de lesões experimentais na amígdala e os exemplos anteriores (lesões pré-frontais) reside basicamente no fato de que nos pacientes e animais experimentais pré-frontais (com lesões ventro-mediais) as emoções secundárias ou sociais são as mais afetadas, em contraposição aos animais com lesões na amígdala cujas emoções primárias estão seriamente comprometidas.
Não obstante, apesar dos sintomas diferenciados apresentados por animais e pacientes neurológicos com lesões pré-frontais ventro-mediais e lesões na amígdala, vale observar, conjuntamente com Adolphs e Damásio (2001), que há entre as regiões pré-frontais ventro-mediais e a amígdala um extenso conjunto de conexões que permitem que a resposta emocional seja dada de um modo bastante rápido, automático, emergencial, pela mediação da amígdala (no caso das emoções primárias) ou após um processamento mais complexo que envolve julgamento e decisão, pela mediação das regiões pré-frontais (no caso das emoções secundárias).
LeDoux (1992), por sua vez, também realçou não só a rica conectividade neural entre a amígdala e outras estruturas cerebrais, mas aponta para o fato de que a ativação da amígdala por inputs vindos do neocórtex é consistente com a clássica noção de que o processamento emocional é pós-cognitivo, bem como a ativação da amígdala por inputs talâmicos é consistente com a noção de que o processamento emocional é pré-consciente e pré-cognitivo, como a hipótese de Zajonc (2001) parece sugerir.
Tendo isso em vista, talvez a questão inicial a respeito do grau de independência entre os sistemas subjacentes aos processamentos cognitivos e afetivos se torne ainda mais complexa se buscarmos achados neuroanatômicos que suportem uma hipótese mais integrativa ou uma hipótese mais dual entre estes sistemas. Provavelmente, as interpretações teóricas desses achados podem levar a diferentes hipóteses, dependendo da “lente” e do objetivo das investigações.
Uma outra questão que merece uma breve referência por trazer contribuições para a interface entre o afeto e a cognição diz respeito à perda parcial da consciência em alguns pacientes neurológicos, particularmente nos chamados pacientes com “cérebro dividido”, ou também chamados “comissurotomizados” (lesão no corpo caloso). Os achados clínicos destes pacientes foram bastante estudados por inúmeros autores, na tradição de Sperry, como, por exemplo, Gazzaniga e LeDoux (1981), trouxeram interessantes evidências a respeito do papel dos hemisférios cerebrais no contexto da desconexão inter-hemisférica.
A falta de comunicação entre os hemisférios cerebrais, freqüentemente vistos como dois “processadores” independentes (entretanto não há um consenso sobre o grau dessa independência), costuma acarretar diferentes problemas cognitivos, tais como: anomia tátil e visual esquerda, alexia visual esquerda, dentre inúmeros outros déficits, como sinalizaram autores como Barbizet e Duizabo ( 1985); Luria (1981); Mc Carthy e Warrington (1990). Estes déficits parecem ilustrar alguns dos efeitos do isolamento “lingüístico” sofrido pelo hemisfério direito (hemisfério não verbal), bem como apontam para o fato de que, mesmo não havendo uma consciência verbal, explícita, das informações processadas pelo hemisfério direito, estas informações são emocionalmente registradas e podem ser resgatadas posteriormente, em situações que não exijam uma introspecção consciente das mesmas. Novamente aqui nos deparamos com a dissociação entre os processos conscientes (racionais) e os processos emocionais, que, neste caso, estão preservados, mas não chegam ao nível consciente.
Ainda no que se refere ao hemisfério direito, pode-se fazer aqui uma breve menção à chamada “Síndrome do Hemisfério Direito”. Inúmeros déficits no processamento visuo-espacial e construtivo, com agnosias visuais e, em alguns casos prosopagnosias, acompanhados ou não de negligência espacial unilateral esquerda e às vezes de um quadro de apatia, dentre outros déficits que poderiam ocorrer em maior ou menos grau, costumam estar correlacionados com lesões em áreas associativas do hemisfério direito. E, apesar de ser considerado como tendo um papel secundário no processamento das funções lingüísticas, na maioria dos indivíduos, diferentes achados clínicos vêm apontando para a importância do hemisfério direito especialmente na prosódia e nos “conteúdos afetivos” da linguagem.
Um estudo clínico de Marchettti, Carey e Della Sala (2005) relata o caso de um paciente que apresentava alguns dos sintomas mais comuns da “Síndrome do Hemisfério Direito Cruzada”, em que os sintomas principais remeteram aos sintomas da “Síndrome do Hemisfério Direito”, mas o comprometimento cerebral ocorreu no hemisfério esquerdo. O caso clínico relatado apresentava, por um lado, déficits construtivos e visuo-espaciais e, por outro lado, alterações no humor (p. e. apatia) e nos aspectos afetivos da linguagem (p. e. na prosódia). Esse caso poderia ser mais um exemplo de perdas simultâneas de alguns processamentos cognitivos e afetivos a partir de um dado comprometimento cerebral.
O estudo de Samson, Connoly e Humphreys (2006), por sua vez, apresentou um caso clínico de um paciente com uma lesão na região pré-frontal direita que demonstrava uma diminuição no processamento semântico executivo em tarefas lingüísticas complexas. Os achados deste estudo parecem apontar também para a importância da cooperação inter-hemisférica frente a tarefas de maior sobrecarga atencional e cognitiva e soma-se assim a outros estudos como os de Cooney e Gazzaniga (2003), que destacam a importância da comunicação inter-hemisférica.
Ainda no que se refere à especialização hemisférica, Ornstein (1991) também enfatizou, em seus estudos, a especialização hemisférica e os “centros” especializados de ação, sendo que esta especialização cerebral de funções, ou seja, a assimetria funcional entre os hemisférios esquerdo e direito, a seu ver, foi fruto do processo evolutivo e seria bastante nítida na espécie humana (em contraposição a outras espécies, inclusive primatas). Provavelmente, a necessidade de “amplificar’ áreas funcionais especializadas que estivessem subjacentes a diferentes domínios cognitivos (e por que não dizer também, a domínios “emocionais”, como Ornstein, de certo modo, propôs) foi determinante nesse processo.
Gazzaniga e LeDoux (1981) também destacaram a hipótese de que a emergência filogenética do cérebro humano estava associada a uma radical reorganização da função cerebral, onde a simetria funcional bilateral deu lugar a uma homologia anatômica com uma assimetria inter-hemisférica, ou seja, a uma especialização cerebral de funções. Sendo assim, as forças adaptativas evolucionárias suportariam os distintos modos de funcionamento de ambos os hemisférios cerebrais.
Autores como Gazanniga e LeDoux (1981), e Cooney e Gazzaniga (2003), e LeDoux (1998) também sinalizaram que os sistemas relacionados a diferentes regiões do cérebro, no caso relacionadas aos dois hemisférios cerebrais, apesar de suas funções independentes, estariam conformando uma rede funcional articulada, sendo que, neste sentido, a visão tradicional, dualista, que supõe um total isolamento comunicativo dessas funções mais complexas não seria adequada.
Em suma, a partir dos inúmeros estudos teóricos, clínicos e experimentais apresentados nesta subseção, algumas considerações finais mais amplas poderiam ser esboçadas. As divergências teóricas e metodológicas de estudos que visam investigar as relações entre o afeto e a cognição não impedem que haja uma convergência de questões a serem respondidas pelos mesmos. Como observaram recentemente Ochsner e Phelps (2007), as perspectivas emergentes que se situam nesta interface vêm tentando responder a quatro grandes temas ou questões na área.
A primeira das questões destacadas por esses autores indaga “como” os processos considerados “cognitivos” são alterados pelos processos considerados “afetivos” e vice-versa. A segunda questão indaga, por sua vez, “como” os mecanismos neurais da emoção e da cognição interagem para darem suporte à aprendizagem adaptativa e as escolhas feitas pelos indivíduos. A terceira questão complementa as anteriores e destaca a importância da “validade ecológica” dos experimentos realizados em laboratório, ou seja, indaga se as pesquisas realizadas neste contexto poderiam explicar também as psicopatologias ou mesmo o comportamento normal dos indivíduos em situações cotidianas. Uma última e importante questão que se soma às anteriores argüi o que haveria “em comum” entre os processos emocionais e cognitivos, pois mesmo envolvendo sistemas neurais distintos em sua origem, estes sistemas se articulam e se integram especialmente frente a situações sociais e/ou tarefas cognitivas mais complexas que envolvem escolhas, julgamento e tomada de decisão.
Conclui-se assim que os estudos clínicos e experimentais aqui apresentados, no contexto das Neurociências e de áreas afins, vêm enfrentando o desafio de responder a estas e a outras indagações que se apresentam para quem aborda a interface entre o afeto e a cognição. Novos estudos na área poderiam, inclusive, tornar ainda mais multifacetado e complexo esse cenário cientifico, na medida em que possam vir a trazer novas questões e novos problemas para o estudo da relação entre o afeto e a cognição.
Afeto e Memória: A Contribuição de Alguns Estudos Teóricos, Clínicos e Experimentais
Os estudos sobre a influência do afeto nos processos de codificação, de armazenamento e de recuperação de informações, processos esses chamados genericamente de “memória” também se diversificam do ponto de vista teórico, metodológico e na ênfase atribuída aos aspectos da memória investigados. Estudos clínicos, alguns deles com ênfase psicopatológica e/ou terapêutica, outros com ênfase nos aspectos mais cognitivos das amnésias, passando por estudos realizados experimentalmente com animais, ou mesmo os estudos experimentais realizados com indivíduos sem comprometimentos cerebrais, têm contribuído para o entendimento do funcionamento da memória. Estes estudos são complementados por estudos científicos mais diretamente voltados para a investigação dos subsistemas neurais envolvidos nos processos de memória, bem como para o papel dos neurotransmissores neste contexto.
A diversidade de estudos que abordam o tema da memória levou à necessidade de uma seleção daqueles estudos considerados mais diretamente vinculados à discussão aqui proposta. Entretanto, estudos mais voltados para os aspectos neuroanatômicos, neurofisiológicos ou neuroquímicos envolvidos nos processos de memória e de aprendizagem não foram aqui priorizados.
Cabe aqui observar que serão apresentados inicialmente nessa subseção alguns estudos teóricos e clínicos que se mostraram de fundamental importância para o entendimento da memória humana. Essa abordagem teórica inicial visa apresentar alguns conceitos e questões mais recorrentes na área que, inclusive, servirão de apoio para uma abordagem mais dirigida para a influência do afeto na cognição.
Inúmeros pacientes neurológicos amnésicos, como aqueles estudados por Korsakoff no século XIX; o famoso paciente H.M., com lesões bilaterais no hipocampo, estudado por Milner e Scoville (1957); e outros pacientes mais recentes como o caso David (apud Damásio 1996a), apresentaram quadros clínicos onde a perda na capacidade de registro de novas informações era a tônica. Apesar de diferenças de “grau” nos déficits de registro e de diferenças nos “conteúdos” de suas lembranças, esses pacientes amnésicos “clássicos” trouxeram muitas contribuições para o entendimento do funcionamento da memória humana.
Aliás, os achados neuropsicológicos foram de fundamental importância para que se postulasse, teoricamente, a existência de sistemas múltiplos de memória. Inclusive vários modelos de memória, como o modelo dos “Múltiplos Armazenadores da Memória” de Atkison e Shiffrin (1968), o modelo de “Memória de Trabalho” de Baddeley e Hitch (1974), dentre outros modelos propostos, basearam-se nesses achados para corroborar suas hipóteses. Nessa direção, a pressuposição da existência de múltiplos sistemas cognitivos envolvidos na memória humana também pressupõe, de modo correlato, a existência de subsistemas neurais distintos que dêem suporte aos diferentes tipos de computações.
Encontram-se assim na área desde perspectivas teóricas com ênfase espacial e estrutural que visam compartimentar a memória em subsistemas “topológicos”, como a de Atkinson e Shiffrin e seu modelo de Armazenadores da Memória e, de certo modo, a do próprio Baddeley e seu modelo de Memória de Trabalho (MT), até perspectivas teóricas com ênfase nos “processos”, ou seja, nas transformações e atividades que ocorrem dentro e/ou entre esses subsistemas, como as clássicas perspectivas de Mandler (1992), Tulving (1979; 1989), Lockhart (1979), e as atuais perspectivas de Ashby e O’Brien (2005); dentre outros. Parece que se observa aqui, de certo modo, uma retomada de uma velha questão que costuma ser recorrente em muitas abordagens psicológicas que é aquela que contrapõe “estrutura” e “processo” e “forma” e “função”.
Inclusive, vale lembrar que a inflexibilidade da metáfora espacial do modelo de Atkinson Shiffrin acabou sendo questionada pelo modelo de Memória de Trabalho de Baddeley e Hitch (1974). Ao propor três componentes, dois de modalidade especifica (um fonológico, chamado de “circuito articulatório”; outro visuo-espacial, chamado de “tábua de rascunho visuo-espacial”) e um componente supervisor, supra-modal, chamado de “executivo central”, Baddeley e colaborador enfatizaram o caráter operacional da Memória a Curto-Prazo (MCP) e a diversidade de subsistemas que a compõem. Entretanto, achados clínicos posteriores de Shallice e colaboradores (Shallice e Warrington, 1974; Shallice e Butterworth, 1977) inspiraram Baddeley em sua construção de novas versões deste modelo, com a postulação de novos subsistemas, especialmente dentro do componente chamado “circuito articulatório” (Baddeley, 1986, 1990).
Baddeley (2000), em trabalhos mais atuais, chegou a propor um quarto componente da MT, o chamado “buffer” episódico que seria um componente que integraria as informações dos subsistemas modais subsidiários e da Memória a Longo-Prazo através de uma representação episódica. Com ênfase na integração temporária e no controle executivo e atencional das informações na MT, o novo modelo de Baddeley preocupa-se mais com os processos executivos de integração do que com o isolamento dos subsistemas. Inclusive, vale observar que estudos experimentais atuais, como os de Akyürek, Hommel, Jolicoeur (2007), vêm trazendo contribuições adicionais para o entendimento do papel da atenção seletiva na Memória de Trabalho.
Como foi visto na subseção anterior, as funções executivas teriam uma especial importância na resolução de problemas complexos que envolvem incerteza e tomada de decisão. Observou-se também o papel das regiões pré-frontais e a estreita relação entre os déficits nas funções executivas e as disfunções no comportamento social e no ajustamento emocional de pacientes com comprometimentos nessas áreas. Nessa direção, a MT poderia estar particularmente comprometida no caso de lesões pré-frontais e também no caso de lesões nos gânglios da base, como apontaram Ashby e O’Brien (2005).
Não obstante, os estudos mais tradicionais sobre a memória no contexto da Neuropsicologia parecem se dirigir para os quadros amnésicos mais diferenciados, onde, normalmente, há a preservação da MT, como é o caso do paciente HM e dos pacientes com Síndrome de Korsakoff, em contraposição aos comprometimentos nos processos de registro e de armazenamento de novas informações.
Essa clássica dissociação entre os sistemas de MCP ou MT e de MLP tem sido colocada em dúvida por Ranganath e Blumenfeld (2005) que, ao estudarem os mecanismos neurais envolvidos nesses sistemas, identificaram a ativação de redes neocorticais semelhantes. Na opinião desses autores, a diferença básica entre os sistemas da MCP e da MLP se daria no armazenamento do “tipo” de informação que é processada e não no “intervalo” de retenção da informação. Todavia esta questão permanece não conclusiva e merece, inclusive, novas investigações.
Hoje em dia a postulação de que a organização da Memória-a-Longo-Prazo (MLP) também não seria unitária (como apontaram os “clássicos” estudos de Tulving, 1979, 1989; Cohen e Squire (1980); Mandler 1980, dentre outros) exige uma melhor explicitação de que “tipo” de informação estaria mais comprometida em seus processos de registro ou de acesso. Por um lado, costuma-se observar dissociações entre os aspectos declarativos e procedimentais da memória e da aprendizagem e, por outro lado, costuma-se observar dissociações entre os aspectos semânticos e episódicos da memória declarativa. Sendo assim, quando se pensa na influência de aspectos afetivos nos processos de memória, uma complexidade de subsistemas qualitativamente diferentes poderiam estar envolvidos nesta interface.
Ashby e O’Brien (2005), em um estudo sobre a influência dos sistemas de memória em tarefas de categorização, além de destacarem os substratos neurais envolvidos em diferentes tarefas de categorização, também apontaram para a necessidade de integração funcional desses subsistemas na maioria das situações cotidianas que envolvem aprendizagens complexas.
No que diz respeito aos processos de registro, de armazenamento e de recuperação de informações, esses processos são fundamentais como ponto de partida para o entendimento de algumas dissociações nos achados da clínica neuropsicológica. A distinção comumente estabelecida entre as amnésias anterógrada e retrógrada também é um divisor de águas para a comparação dos déficits mais recorrentes na história das investigações na área.
Focalizando os clássicos casos do paciente HM, dos pacientes de Korsakoff e de outros pacientes com clara amnésia anterógrada, cabe observar que estes pacientes eram capazes de “sentir” e de manifestar um reconhecimento implícito do que havia acontecido, especialmente se a situação envolvesse uma forte emoção, não obstante os significativos déficits de registro consciente que apresentavam. Inclusive, esses achados clínicos, bem como outros achados experimentais, parecem ir ao encontro à idéia de Schacter (1986), da existência de uma memória implícita que, nestes casos, estaria razoavelmente preservada, apesar de uma não consciência dos eventos vividos.
Ainda no que se refere à questão da consciência há inúmeros relatos clínicos de pacientes amnésicos, com lesões no diencéfalo ou no hipocampo que, apesar apresentarem um grave déficit de registro consciente de informações após a lesão, possuíam uma relativa preservação do registro implícito, inconsciente. Uma das hipóteses possíveis para explicar essas dissociações funcionais em pacientes amnésicos que apresentam manifestações de uma preservação da memória implícita e pacientes que apresentam um quadro clínico oposto diz respeito à idéia de que isso se explica porque os efeitos da memória explicita e da memória implícita refletem operações de diferentes sistemas cerebrais.
Cabe uma observação de que as aprendizagens que envolvem conhecimentos procedimentais também costumam estar preservadas nesses amnésicos talvez pelo fato de envolverem habilidades motoras implícitas, não-declarativas. E, como observaram Ashby e O’Brien (2005) e Willingham (1998), estas aprendizagens parecem depender de sistemas neurais como os gânglios da base. Entretanto, em tarefas que exigem a aprendizagem de habilidades mais complexas, a memória declarativa, explícita, é também bastante requisitada. As memórias declarativa e procedimental parecem então se complementar quando os indivíduos estão frente a situações que envolvem aprendizagens complexas, como sugerem estudos como os de Ashby e O’Brien já referidos.
Especialmente a memória episódica (memória para eventos com caráter autobiográfico) para novos eventos costuma estar comprometida nos pacientes amnésicos de um modo geral. Já a memória semântica (memória para fatos), apesar de também poder estar comprometida, especialmente para fatos que ocorrem após a injúria, às vezes apresenta, em tarefas de reconhecimento, manifestações implícitas de aprendizado. Entretanto, quando se compara pacientes como HM a outros pacientes com lesões diencefálicas mais difusas e que apresentam um quadro de amnésia que envolve também aspectos psicopatológicos, como os pacientes de Korsakoff, pode-se observar que as confabulações apresentadas por esses últimos pacientes também envolvem déficits episódicos para eventos ocorridos “antes” dos comprometimentos cerebrais. Porém, como o início da doença costuma ser insidioso, devido ao alcoolismo crônico e a déficits vitamínicos, não fica muito nítido “quando” começou a ocorrer o processo de amnésia orgânica.
Cabe aqui a abertura de um parêntese para observar que os estudos clínicos que focalizam os déficits cognitivos, as disfunções afetivas e as alterações de personalidade nas psicopatologias como as psicoses, na doença de Alzheimer e nas demências de um modo geral possuem uma importância clínica que merece ser destacada nesse contexto. Porém, na medida em que investigam quadros clínicos bastante multifacetados e complexos em sua sintomatologia e que demandam, normalmente, um outro tipo de abordagem clínica, além de uma abordagem neuropsicológica, não serão aqui priorizados. Merecem, entretanto, uma menção devido às contribuições dos mesmos para o entendimento da relação entre a memória e o afeto em diferentes patologias.
Já alguns estudos experimentais desenvolvidos no âmbito da cognição normal, especialmente na Psicologia Cognitiva, serão brevemente mencionados devido à sua contribuição complementar para a influência do afeto no processamento cognitivo em especial na memória. Podem ser situados nesse contexto desde estudos “clássicos” como os de Loftus e Palmer (1974) e de Loftus (1975) e que realçaram o caráter “reconstrutivo” da memória em relatos de testemunhas oculares de acidentes, de situações de conflito, etc., até estudos mais contemporâneos como os de Forgas (2001); Schwarz e Skurnik (2003); Linnenbrink e Pintrinch (2004), que vêm buscando investigar “como” determinados tipos de processamento cognitivo são influenciados por estados afetivos como os humores negativo ou positivo.
Inúmeras evidências empíricas de estudos com ênfase cognitivista, vêm apontando para o fato de que a recuperação de conteúdos na MLP é melhor quando o material armazenado tem alto valor afetivo. Para alguns autores, isso de deve ao fato de este tipo de informação ser processado mais profundamente e de modo mais elaborado, como os estudos de Craik e Tulving (1975); Jacob e Craik (1979); Lockart (1979), no passado, já haviam sinalizado. Porém, além do valor afetivo de um dado estímulo, do seu grau de familiaridade (Mandler,1992), ou do fato de o mesmo ser único, inconfundível (Eysenck, 1979), pode haver pode haver também a influência dos estados afetivos, como os de humor, na recuperação, como sugerem as evidências de Bower e Forgas (2001), Eich e Macaulay (2001), Martin (2001), dentre outros autores. Também fatores, como o estado de consciência dos indivíduos, podem exercer uma nítida influência no processo de recuperação, como já sugeriu no passado (Eich, 1980), bem como sugerem inúmeros estudos experimentais e clínicos da psicologia, da neuropsicologia e da psiquiatria.
Cabe lembrar que uma das principais dissociações encontradas em pacientes com amnésias anterógradas severas como o paciente HM, diz respeito à relativa preservação do registro implícito, especialmente para informações de cunho afetivo, em contraposição à nítida perda de registro explícito. Não obstante, a mera contraposição entre as dissociações entre as memórias explícita e explícita como um todo não deixa muito claro qual seria o papel dos subsistemas que compõem a chamada memória implícita e dos subsistemas que compõem a chamada memória explícita. Nessa direção, dissociações funcionais encontradas “dentro” de cada um desses sistemas de memória poderiam contribuir para o entendimento, não só dos correlatos neurais desses subsistemas, mas principalmente para o entendimento do funcionamento de cada um desses “processadores” na memória. De modo correlato, nesse contexto, pode-se argüir aqui se alguns estados afetivos, positivos ou negativos, poderiam afetar mais um determinado tipo de processamento do que outro.
Inclusive, Adolphs e Damásio (2001), ao discutirem alguns achados neuroanatômicos correlacionados à memória explícita declarativa, apontaram para o fato de que lesões bilaterais na amígdala levam, por um lado, a um déficit seletivo de registro na memória declarativa de informações de cunho emocional e, por outro lado, a uma preservação da capacidade de registro declarativo de informações neutras. Esses déficits se contrapõem funcionalmente aos déficits apresentados por pacientes amnésicos com lesões bilaterais no hipocampo como, por exemplo, os do paciente HM, que, por sua vez, apresentava, por um lado, severos comprometimentos no registro de informações declarativas neutras e, por outro lado, apresentava uma relativa preservação do registro de informações com carga emocional forte, registro esse que se manifestava de modo implícito, não consciente.
Tobias, Kihlstrom e Schacter (1992), por sua vez, ao abordarem a relação entre a memória implícita e a emoção, sinalizaram que a experiência subjetiva da emoção teria, pelo menos, três componentes envolvidos que refletiriam, por um lado, a consciência do indivíduo a respeito do seu estado emocional, por outro lado, a percepção do estímulo eliciador e, por último, a recuperação na memória de situações onde este estímulo esteve presente. Para estes autores, poderia haver dissociações não só entre a memória implícita e a memória explícita, mas também entre os componentes envolvidos na própria situação emocional per se.
Estes autores também discutiram duas diferentes hipóteses relacionadas aos efeitos diferenciados do humor nas memórias implícita e explicita. A primeira dessas hipóteses pressupunha que os estados de humor afetariam mais a memória explicita do que a implícita, pois o afeto, incluindo-se aqui o humor, mudaria o significado dos eventos, mas não suas características perceptuais. Já a segunda hipótese sugeriu que os efeitos de contexto, incluindo-se aqui os efeitos do humor, seriam mais observados na memória implícita do que na explícita.
Cabe aqui uma observação, como bem sinalizaram Tobias, Kihlstrom e Schacter (1992), de que o humor não é meramente um “estado” como a hipnose ou o sono, mas é também uma espécie de “dica” contextual que é processada na memória, conjuntamente com outras “dicas” contextuais, e tem seu papel particular na recuperação da informação. Entretanto, por ser uma “dica” contextual nem sempre muito “forte” como outras dicas de contexto, o humor parece ter mais efeitos na memória implícita do que na explícita, como alguns achados na área parecem sugerir.
Um dos primeiros modelos que tentaram articular o afeto e a memória na Psicologia Cognitiva, o modelo de Bower (1981), também destacou o fato de que as emoções poderiam ser consideradas como um “contexto interno”, contexto este que teria um papel de extrema importância no registro e na recuperação de informações.
Também vale mencionar estudos como os de Nilsson e Archer (1992), que, ao abordarem os aspectos biológicos envolvidos na emoção e na memória, realçaram o grande hiato que há entre as pesquisas desenvolvidas no contexto animal, em laboratório, e as pesquisas com seres humanos. Porém, na concepção desses autores, um paralelo útil poderia ser feito entre essas pesquisas quando se parte de conceitos como os de memória explícita e memória implícita. Por exemplo, pesquisas que induzissem estados de ansiedade e de estresse em ratos, com a conseqüente avaliação das alterações na aprendizagem e nas memórias “explícita” e “implícita” desses animais poderiam trazer interessantes achados que poderiam ser comparados com aqueles encontrados na esfera humana. Inclusive, esses autores destacaram que a dificuldade inicial no uso de técnicas experimentais apropriadas para a medida desses dois tipos de memória em animais poderia ser minorada, tendo-se em mente tarefas que envolvem um conhecimento procedimental, “implícito”, e tarefas que envolvam um conhecimento “declarativo”, “explícito”, como na acepção de Cohen e Squire (1980).
Alguns estudos situados em outro contexto, como aqueles que se situam na interface entre a psicologia social e a cognitiva como, por exemplo, só para citar alguns, os de Murphy e Zajonc (1993), Wittenbrinck, Judd e Park (1997), sobre categorização social, apontaram para um processamento afetivo e avaliativo de modo automático, implícito, não passível de vir à consciência, em muitas das situações sociais por eles manipuladas. Também Ito e Cacioppo (2001), ao utilizarem técnicas cerebrais tais como a ERP (potencial evocado), apontam para diferenças de sensibilidade no ERP aos diferentes tipos de categorização, explícita, consciente e implícita, inconsciente. Estes últimos autores chegaram à conclusão de que mesmo mecanismos mais automáticos de avaliação processam a significância afetiva de um estímulo, ainda que a atenção esteja direcionada para outros eventos do ambiente.
Podemos lembrar aqui de autores como Jacoby e Craik (1979) e Lockart ( 1979); Mandler(1992); e mais recentemente, Bower e Forgas (2001); e Martin (2001), dentre outros, que, ao estudarem preferencialmente a memória explícita, já haviam sinalizado que a recuperação de informações da memória é melhor quando a informação a ser recuperada possui um “valor emocional”, ou seja, uma valência positiva ou negativa. Inclusive, na suposição destes autores, uma melhor recuperação de informações com tonalidade afetiva positiva ou negativa, em contraposição à recuperação de informações neutras, poderia ser vista como sendo devida a um processamento cognitivo mais profundo e elaborado que todo material com significado emocional costuma suscitar. Nesta direção, uma informação com uma conotação afetiva mais forte tenderia a ser mais recuperada na memória por ter, normalmente, um maior significado para os indivíduos.
Porém Ito e Cacioppo (2001) apresentaram, em seus estudos, achados interessantes, que se referem à descoberta de que estímulos de valência negativa são precocemente avaliados e mais profundamente processados pelos sujeitos quando comparados com os de valência positiva, tanto em situações que evocam uma avaliação mais automática, espontânea, como em situações que evocam uma avaliação mais intencional e consciente. Esses achados experimentais parecem reforçar as hipóteses de Forgas (2001); Schwarz e Clore (1983); Clore e Huntsinger (2007), de que diante de um estimulo negativo, ou mesmo de um estado de humor negativo, haveria um processamento mais sistemático, do tipo “bottom-up”, em contraposição ao processamento mais “top-down” e heurístico suscitado por estímulos ou estados de humor mais positivos.
Já no que se refere às áreas cerebrais subjacentes ao processamento de estados afetivos negativos e positivos, como sugeriram Adolphs e Damásio (2001), haveria certa lateralização do processamento de afetos negativos no hemisfério direito em contraposição ao processamento de afetos positivos no hemisfério esquerdo. Sendo assim, parece haver certa associação entre o processamento linguístico e a fluência verbal, funções dominantes do hemisfério esquerdo na maioria das pessoas, com o processamento de afetos positivos, bem como uma associação entre o processamento figural e facial, funções dominantes do hemisfério direito, com o processamento de afetos negativos.
Em suma, esta “dependência do estado afetivo” na cognição e sua correlação com estruturas cerebrais identificáveis parece prover não só a hipótese de uma certa independência de processamentos emocionais e cognitivos, mas também a hipótese de uma influência mútua e uma certa complementaridade entre os sistemas neurais subjacentes a estes processamentos. Isso fica bastante claro, inclusive, nas atividades cotidianas, onde o afeto nitidamente influencia a memória, a atenção, o julgamento e a tomada de decisão.
Conclui-se que os inúmeros estudos clínicos e experimentais aqui apresentados, que abordam direta ou indiretamente a influência do afeto na memória, com seus distintos enfoques teóricos e metodológicos, somam-se em suas contribuições para o entendimento do funcionamento da memória e do papel do afeto nos processos de registro e de recuperação. Os pacientes amnésicos, em especial, vêm ensejando não só a construção e a refutação de modelos de funcionamento da memória, mas, principalmente, vêm fornecendo uma “linha base” de dissociações funcionais que, inclusive, serve como referência para as pesquisas clínicas e experimentais mais diretamente voltadas para a influência do afeto na memória. Porém, nota-se a demanda de investigações clínicas e experimentais complementares que investiguem a contribuição de cada subsistema funcional (e neural) para o sistema de memória e, nesse contexto, como as influências do humor, das emoções e dos sentimentos poderiam interferir positiva ou negativamente na codificação, no armazenamento e na recuperação de informações.
Considerações Finais
Pode-se observar o crescente aumento do interesse pela relação entre o afeto e a cognição em diferentes estudos que investigam a relação cérebro-mente no âmbito das Neurociências. Também, nas últimas décadas, pode-se identificar um crescente interesse pelo estudo da relação entre o afeto e a cognição no âmbito da Psicologia Cognitiva, bem como em estudos realizados pela Psicologia Evolutiva. Sendo assim, parece haver uma tendência contemporânea em várias Ciências da Cognição, desde aquelas mais preocupadas em estudar o “hardware” cerebral, até aquelas mais preocupadas com a arquitetura cognitiva e com a construção de modelos de mente, em focalizar mais diretamente a interface entre afeto e cognição.
Conclui-se, a partir de diferentes achados clínicos, experimentais e neuro-anatômicos trazidos pelos estudos aqui abordados, que parece haver, por um lado, certa modularidade inicial nos processos emocionais, de modo correlato e paralelo aos processos cognitivos e, por outro lado, uma integração e uma interdependência entre os processos emocionais e cognitivos, especialmente frente a tarefas mais complexas e que envolvem conflito, escolhas e interações sociais.
Além de certa unificação da mente e do corpo, incluindo-se aí o cérebro, muitas pesquisas contemporâneas como as de Damásio e colaboradores, dentre inúmeras outras, têm trazido à tona idéias instigantes, sendo uma delas aquela que apregoa ser “a mente humana a idéia do corpo humano”. Com uma ênfase funcionalista que destaca que o processamento afetivo é representacional, na medida em que as emoções representam estados do corpo, muitos autores recolocam a mente “no” corpo e não em oposição e nem em um nível superior ao mesmo, como a perspectiva dualista cartesiana supunha. Sendo assim, vários caminhos investigativos contemporâneos retomam a suspeita de Espinosa de que a mente e o corpo eram manifestações de uma mesma substância.
Neste sentido, conclui-se que a ruptura com o dualismo cartesiano e a recusa de reducionismos simplistas acríticos parecem permitir uma abordagem da relação entre o afeto e a cognição, não mais como uma relação entre polaridades excludentes, mas sim como um continuum de determinações dialéticas, onde a evolução parece ter imprimido uma organização e uma complexidade desafiadoras.
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Endereço para correspondência
Simone Cagnin
E-mail: scagnin@oi.com.br
Recebido em: 12/06/2007
Aceito para publicação em: 08/10/2007
Acompanhamento do processo editorial: Ariane P. Ewald
Notas
* Doutoranda pela Universidade de São Paulo-USP.