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Estudos e Pesquisas em Psicologia
versão On-line ISSN 1808-4281
Estud. pesqui. psicol. vol.13 no.1 Rio de Janeiro abr. 2013
ARTIGOS
O brincar como modo de tratamento ao real da doença
Playing as a method of the real treatment of disease
Cássio Eduardo Soares Miranda *; Ruth Helena Pinto Cohen **
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO
Este artigo discute, a partir de uma perspectiva psicanalítica, como o brincar constitui-se como um modo de tratamento ao real da doença, em crianças acometidas de diversos tipos de câncer. Traça considerações sobre o brincar e o simbólico, a partir das idéias freudianas para, em seguida, discutir o modo como Lacan pensa o brincar e a sua função na clínica com crianças. A partir de um fragmento de caso clínico, este artigo tenta demonstrar o modo como os pressupostos teóricos assumidos servem de operadores lógicos, no que se refere aos casos de crianças em tratamento no Instituto de Pediatria e Puericultura Marzagão Gesteira.
Palavras-chave: Brincar, Psicanálise, Real, Doença.
ABSTRACT
This article discusses, from a psychoanalytic perspective, as the play is as a way of treating the actual disease in children suffered from various types of cancer. Moth considerations play and symbolic, from the Freudian ideas to then discuss how Lacan thinks the play and its role in clinical work with children. From a fragment of a clinical case, attempts to demonstrate how the theoretical assumptions made and logical operators are used to treat cases of children being treated at the Institute of Pediatrics and Child Care Marzagão Gesteira.
Keywords: Play, Psychoanalysys, Real, Disease.
1 Introdução
"Nós vos tocamos flauta, e não dançastes"
Mateus 11: 16-19
Toca-se uma música alegre, com ritmo contagiante, com uma "boa batida" e certamente as crianças dançarão. Pelo menos em algumas regiões do planeta, em que a música encontra-se presente no cotidiano das pessoas, como é o caso do Brasil. Fato que a nós parece natural, pois se trata de um movimento associado ao lazer, ao prazer e ao brincar.
Entretanto, isso nem sempre foi assim. A história revela-nos que pouco espaço era reservado às crianças para suas brincadeiras, danças e jogos, fatores preponderantes a um crescimento saudável da criança.
No mundo greco-romano, a título de ilustração, as crianças gozavam de pouquíssima estima e os filhos eram desejados visando uma carreira como futuros trabalhadores ou soldados. As crianças eram tidas como adultos em miniatura, e enquanto recém-nascidas eram enjeitadas e tidas como descartáveis.
Em um trabalho detalhado, Weber (1986) cita a carta de um trabalhador do ano 1 a.C., de nome Hilarion, egípcio, para sua mulher Alis, grávida, na qual o marido diz: "Saiba que ainda estamos em Alexandria. [...] Rogo e imploro que cuide bem do pequeno, e tão logo recebamos nosso pagamento, mandarei dinheiro para você. Se deres a luz a um menino, deixe-o viver; mas se for menina, enjeite-a [...]" (p. 11).
Se hoje as crianças possuem um certo espaço que lhes é garantido para o brincar, se teorizações são construídas em torno da brincadeira da criança, se há um estatuto que dá garantias legais ao infante, é porque um longo trajeto de conquistas sociais foi feito. O conceito de criança que se tem atualmente é um conceito construído socialmente e, paralelamente, bem diferente dos legados pela história1.
Com este trabalho, pretendemos lançar alguns pontos de discussão acerca do brincar da criança, tomando como referencial teórico um saber construído em torno da ideia, que considera a criança um sujeito desejante, sem deixar de levar em conta todas as suas especificidades.
Discutiremos, ainda, como o brincar pode ser tomado como um modo de tratamento frente ao real da dor, a partir do relato de fragmentos de casos de crianças participantes do projeto Brincante, da Universidade Federal do Rio de Janeiro2. Nosso suporte teórico advém da psicanálise de orientação lacaniana, para tratarmos do brincar próprio ao infantil, como uma possibilidade de acesso ao simbólico, tecido pelo imaginário como um modo de enfrentar o real da doença pensando, por fim, no "por que as crianças brincam?".
2 O brincar e o simbólico
De algum modo, o brincar atua como uma das formas de atenuar o sofrimento psíquico das crianças em uma situação dolorosa, como é o caso daquelas em tratamento hospitalar. De um lado, verifica-se como o brincar apresenta-se como um modo de diminuir a tensão gerada por uma série de situações difíceis vivenciadas pela criança; por outro, é possível pensar na importância da brincadeira na infância e como a fantasia comparece no brincar como forma de inscrição na ordem simbólica.
Ao examinar o jogo de uma criança de 18 meses de idade, Freud (1920) busca examinar uma experiência em que se pode observar a repetição de uma situação desagradável. Tal fato refere-se à brincadeira de seu neto, a qual o fundador da psicanálise denomina de jogo do fort-da. Esta brincadeira é um jogo da presença-ausência, no qual uma criança constrói as primeiras simbolizações. No jogo de desaparecimento e retorno há um alivio da angústia causada pelas saídas da mãe e, nele, encontramos, na perspectiva freudiana, a simbolização do aparecimento-desaparecimento da mesma, representando uma experiência dolorosa. Grossi (1993; p. 143), a partir de Freud, defende que "apesar de ser a repetição de uma situação dolorosa – a partida da mãe -, ele [o fort-da] é acompanhado de prazer". Neste caso, pode-se afirmar que o jogo simbólico se encarrega de imprimir prazer colocando a criança no lugar de agente e sujeito da ação. Nesta posição ativa e do domínio a criança encontra prazer pela via da simbolização. Neste sentido, a brincadeira é inerente à linguagem, na qual a palavra joga com a ausência da coisa.
Sendo assim, o citado jogo demonstra a relação do sujeito com a linguagem, onde algo se perde e, ao mesmo tempo, é recuperado de outra forma. Enquanto o jogo do fort-da se desenvolve, a criança cria um objeto que permite simbolizar a ausência da mãe e presentificar uma das primeiras experiências de perda: este objeto passa a ser construído no campo do Outro, campo da linguagem, visto que representa a emergência de um desejo.
Para Winnicott (1982), o brincar em uma sessão de psicanálise é um fazer, um ato, que tem lugar de ocupação do espaço intermediário entre a mãe e a criança e, por conseguinte, possui a função de dominar a angústia da criança:
A angústia é sempre um fator na brincadeira infantil e, frequentemente, um fato dominante. A ameaça de um excesso de angústia conduz à brincadeira repetida, ou uma busca exagerada dos prazeres que pertencem à brincadeira; e se a angústia for muito grande, a brincadeira redunda em pura exploração da gratificação sensual (WINNICOTT, 1982, p. 162).
Por outro lado, se pensarmos com Lacan (1953), o brincar é um ato, no entanto, um ato surgido como efeito da articulação de significantes do sujeito. O sujeito, enquanto tal, só é constituído a partir da fundação da experiência do inconsciente, que, por sua vez, neste momento da obra do autor, é definido como estruturado como uma linguagem.
Conforme dito, ao observar a brincadeira de seu neto, Freud (1920) constata que o ato de jogar o carretel vinha acompanhado dos fonemas fort e da. Para ele, o brincar sequenciado pela verbalização elevava aquele ser à posição de sujeito. Assim ele nos diz: "Ele se relacionava à grande realização cultural da criança, a renúncia pulsional (isto é, a renúncia à satisfação pulsional) que efetuara ao deixar a mãe ir embora sem protestar" (p. 25).
Poderíamos nos perguntar o "por que do brincar". A resposta a tal questão leva-nos a pontuar, pelos menos dois aspectos:
i) A criança brinca permanentemente, sendo uma forma privilegiada de expressão do infantil, material da fantasia.
ii) A existência da brincadeira implica a constituição do ser como sujeito, levando-o a inscrever-se na ordem simbólica e na cultura.
Ao se pensar na "expressão infantil", desde Freud (1907) o brincar das crianças é orientado pelos desejos, na realidade, por um único desejo: a criança sempre brinca para "ser grande". Assim, para Freud, a criança brinca por que ela deseja, mostrando que ela é um sujeito por inteiro. Nesse texto de 1907 intitulado Escritores criativos e devaneios, Freud afirma:
A ocupação preferida e a mais intensa da criança é o brincar. Talvez nós temos o direito de dizer que toda criança que brinca se comporta como um poeta, pois cria um mundo próprio, ou mais exatamente, transpõe as coisas do mundo onde ela vive numa nova ordem que lhe é conveniente (p. 107).
Se perguntarmos a Freud o que ele quer dizer com isso, talvez ele nos responda que a nova ordem, ou a necessidade se fundamenta no fato de que:
o brincar das crianças é orientado pelos desejos, propriamente falando, pelo desejo que ajuda a criança a crescer, que é o de tornar-se grande, adulto. A criança sempre brinca de 'ser grande', ela imita nos seus jogos o que ela pode conhecer da vida das pessoas grandes" (FREUD, 1907, p. 108).
Por esse caminho, Freud sustenta que a brincadeira de criança "é coisa séria", pois o infante cria um mundo de fantasia que leva muito a sério, investindo uma significativa energia pulsional. No decorrer de sua vida, a criança substitui formas anteriores de brincar até que, na vida adulta, o prazer proporcionado por essa ação é trocado por situações igualmente prazerosas, como o humor, por exemplo. Assim, a criança em crescimento, ao deixar as brincadeiras, as substitui por outras formas de fantasias, "construindo castelos no ar", denominadas por Freud de devaneios.
Ora, ao seguir tal perspectiva, pode-se inferir que a criança, ao brincar, cria um mundo de fantasia ao qual se submete, mas que também mantêm uma nítida separação entre ela e os fatos da vida. Se os conflitos, os traumas existem, a criança poderá, frente à insatisfação e ao mal estar, usar a fantasia como um modo saber-fazer com o real. Há um delicado limite que só pode ser sustentado por uma atividade simbólica veiculada pela realidade da fantasia. Portanto, vale lembrar que no brincar a criança sai da posição passiva e entra em uma posição ativa, de objeto manipulado a sujeito manipulador de seu próprio brincar, fazendo assim uma passagem do desprazer ao prazer.
3 Um fragmento de caso
Uma criança em longo tratamento contra um tipo especifico de câncer. É o caso de Beatriz. Uma menina assustada diante de tantos procedimentos médicos e que fica apreensiva somente com o fato de a enfermeira passar perto dela. O que Spitz (1945) descreveu como um conjunto de alterações físicas e psicológicas que surgem em crianças pequenas no decorrer de internações e tratamentos hospitalares prolongados, podemos nomear, a partir de Freud (1920), como uma vivência do desprazer causado pelos constantes procedimentos invasivos aos quais uma criança em tratamento de câncer é submetida. As recorrentes constatações dos oficineiros3 do Projeto Brincante, nos momentos em que Beatriz encontra-se na quimioterapia, demonstram que ela é uma menina muito assustada com "[...] esse desconhecido que para ela é o tratamento". Sempre que a enfermeira passa muito perto da menina ou encosta no aparelho de quimioterapia, ela começa a gritar dizendo que o medicamento esta queimando sua mão, "ela faz isso porque esta desesperada e com medo", relatam os oficineiros.
No entanto, se o susto, o medo e o desprazer encontram-se presentes em Beatriz, o brincar aparece como uma possibilidade do tratamento do real que se presentifica em crianças adoecidas. Diante da angústia e das constantes ameaças subjetivas de um Outro invasor encarnado nos procedimentos médicos e nos profissionais que trabalham no hospital, à Beatriz se oferece uma bandeja brincante4 e uma escuta diferenciada sobre sua fantasia, formas de acolhimento ao mal estar e de tratamento ao desprazer. Ao ser oferecida a bandeja para Beatriz, ela se interessa em desenhar seus familiares e também de uma bela casa. Seu breve momento de apaziguamento é interrompido pela equipe médica que chega para realizar o tratamento. Assustada, questiona se poderia continuar a desenhar após o procedimento e as oficineiras dizem que sim, o que faz com que ela aceite de modo mais tranquilo a ida para o procedimento médico. Sabe-se que tais intervenções brincantes não eliminam o real da dor presente no corpo, no entanto, tornam-se um modo de tratamento possível para o sofrimento psíquico causado pelos procedimentos médicos e pelas internações.
Esta afirmação se justifica pela análise dos relatórios feitos a cada sessão com a criança e pelo testemunho dos oficineiros que constatam como as mesmas dão um tratamento simbólico, pela via do imaginário, ao real que invade seus corpos.
4 Algumas considerações sobre o caso
Do fragmento de caso exposto acima, não podemos dizer que houve, necessariamente, um tratamento do real do sujeito, mas podemos apostar que houve um efeito de apaziguamento do sofrimento psíquico de Beatriz. A oferta da Bandeja Brincante à criança possibilitou, através do desenho e das estórias criadas por ela, um tempo de prazer diante do desprazer causado pela constante apreensão, expectativa e realização dos procedimentos médicos. O desenhar e criar um mundo mágico onde ela é o agente e sujeito da ação, então, apareceu como um importante recurso terapêutico para Beatriz. Mas, como diferenciar uma psicanálise de orientação lacaniana de demais práticas terapêuticas que também incluem o brincar como um modo de tratamento? Se a psicanálise não se constitui como uma máquina de produzir felicidades, de que se trata então, nesses casos em que o real da doença encontra-se encarnado nesses sujeitos?
De início, podemos dizer que a psicanálise também aposta nos efeitos terapêuticos rápidos sustentados pelo laço transferencial. Nunca é tarde demais recordarmos que a psicanálise é uma ciência do particular: cada paciente é único e não se pode generalizar o que se encontra nem usar-se procedimentos universalizados. Assim, o desenho realizado pelas crianças na clínica analítica passa a ser pensado como a produção de uma marca, podendo ter o estatuto de um sonho, uma espécie de inscrição do sujeito em sua tentativa de separação com o Outro, que pode ser encarnado por qualquer um. Os desenhos de Beatriz trazem temas familiares. Em um deles ela desenha uma bela casa, a mãe e um tio; uma espécie de paraíso, talvez inexistente. Ler o desenho? A nosso ver, tal leitura só é possível quando acompanhado da fala, o que coloca o desenho no mesmo nível da enunciação.
Além disso, um outro aspecto a ser considerado é que a psicanálise possui uma dimensão outra daquela apregoada pelas psicoterapias: o que fará a diferença fundamental entre as "máquinas produtoras da felicidade" e a psicanálise é o posicionamento ético desta última. Trata-se, então, de não necessariamente buscar a redução da tensão da criança, mas, antes, ali onde há um doente, fazer emergir um sujeito. Como insiste Lacan (1959; p. 376), a psicanálise não é uma ortopedia e sua ética não se baseia em uma promessa de felicidade e cura: "Ela implica, propriamente falando, a dimensão que se expressa no que se chama de experiência trágica da vida".
5 Brincadeira é coisa séria
Ao se situar no jogo do fort-da, o sujeito inscrito na ordem simbólica, que é a ordem da linguagem, opera não mais numa posição de objeto dependente, objeto de gozo da mãe, mas passa a se aventurar no domínio da perda do objeto e assim perceber o Outro materno e a si mesmo como faltante. Nesse momento, ocorre a apropriação do objeto metafórico no campo da linguagem. Há, assim, a instauração de uma falta no simbólico: "a palavra, o símbolo, nasce sobre o fundo da ausência: 'o símbolo se manifesta como morte da coisa', e essa morte constitui no sujeito a eternização de seu desejo" (VIDAL, s.d., p. 46).
Em Lacan, o Fort-da se configura como uma maneira de assegurar ao significante "sua liberdade em relação ao significado, e ao sujeito, pelo mesmo lance, sua função de senhor do significante", pondera Safouan (1988; p.25). É o nome representando a coisa, sendo que neste jogo, brincando de "jogar ao longe", a criança exerce sua função de "soberano" em relação ao significante entregando-se à substituição. A substituição permite, gradativamente, o acesso ao simbólico, conduzindo a criança à posição de sujeito. Surge assim o Sujeito da Fala, Sujeito que consegue realizar a conexão entre a representação e o significante. Além disso,
esse momento, que é também o momento da integração subjetiva da representação, é dificilmente concebível sem o significante, nem em outro lugar que não em um sujeito, no único sentido que damos a esse termo, de um sujeito que fala (SAFOUAN, 1988; p. 97).
Ora, Lacan (1964, p. 63) sustenta que no jogo do fort-da o carretel "é alguma coisinha do sujeito que se destaca embora sendo bem dele, que ele ainda segura" e tal situação a permite, de alguma forma, suportar a angústia do nada. No fort-da, a criança simboliza a ausência-presença da mãe, mas também permite a criança a passar de um brinquedo a outro como um recurso que a criança possui para enfrentar as perdas e a separação.
Em linhas gerais, o que se apreende de tais considerações é o fato de que o que importa para a criança não é necessariamente o brinquedo, mas o brincar, constituindo-se este, por sua vez, como uma atividade que incita a criança a saber alguma coisa sobre o outro; ou talvez a afirmar o que ela supõe do outro. A razão do brincar é a busca de uma conclusão. Em Lacan (1959), depreende-se que a brincadeira, o jogo da criança não possui uma significação a priori a ser definida. Antes, é preciso decifrar e fazer surgir um significante, uma palavra, pois o que importa, em última instância, é a significação que a criança constrói em seu jogo. Neste caso, o jogo, o brincar, surge como discurso. Brincar é discurso e, como tal, promove o enlace entre o brincar e a palavra e, por isso mesmo, na clínica, não se trata de dar um sentido ao brincar, não se trata de interpretá-lo. Assim como um sonho, o brincar já é uma interpretação. Nesse caso, por assumirmos o brincar como um modo de tratamento ao real da doença e do mal-estar que acomete as crianças em tratamento de câncer com suas consequências daí advindas, o brincar, a nosso ver, possibilita fazer emergir a enunciação que se encontra velada no enunciado sobre o brincar, conforme pode ser visto no fragmento de caso clínico apresentado.
6 Considerações finais
Conforme se argumentou, o que interessa no brincar é o modo como a criança constrói e/ou reconstrói a realidade. Associado a isso, é oportuno notar o que verbaliza enquanto brinca e qual o sentido daquele brincar para aquela criança. Se entre o mundo chamado de "realidade" e o mundo da fantasia, que para psicanálise é da mesma ordem, já que toda realidade é psíquica, para Freud, existe uma correspondência ou uma diferença qualquer, esta deve ser procurada no trajeto que vai do ato de brincar à palavra. O brincar, portanto, deve ser um espaço de circulação da palavra, ou seja, um lugar que vai promover a recriação pela palavra, mesmo que esta seja um grito, um choro ou um apelo.
Sabemos que uma certa representação que se teve da criança no decorrer do tempo, sobretudo, aquela de que a criança é um sujeito em desenvolvimento, um "sujeitinho", portanto incapaz de produzir um discurso que não seja seu, gerou uma série de equívocos relacionados à condução do tratamento e à posição ética que o sustenta. Se a criança não é vista como um "sujeito por inteiro", seu discurso passa a ser substituído pelo brinquedo, ou seja, se sua palavra não é tomada como um modo de dizer de si mesma, o brincar e o brinquedo passam a ser vistos como representação de seu mundo psíquico. O que a orientação lacaniana nos mostra, por outro lado, é que o brincar não possui uma significação localizada no brinquedo, ou ainda, no próprio brincar a ser decifrado pelo analista. Não há um sentido a priori. Antes, o que podemos extrair do ensino de Freud e de Lacan é que o que interessa é que do ato de brincar seja extraído um significante. Desse modo, ao brincar é dado um estatuto diferente em que não se trata de interpretar o brincar, mas daí possibilitar o surgimento de uma enunciação presente no enunciado do brincar.
No que diz respeito ao tratamento do real no sofrimento psíquico, o que se verifica, no caso discutido, é que a oferta do brincar associado à palavra que ele pode carrear coloca-se como uma possibilidade de enfrentamento e da invenção de uma resposta desses sujeitos à apresentação maciça do real sobre seus corpos e a consequente angústia daí advinda.
Referências
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Endereço para correspondência
Cássio Eduardo Soares Miranda
Rua Calunga, 30/403, Pampulha, CEP 31270-410, Belo Horizonte, MG, Brasil
Endereço eletrônico: cassio.edu2007@gmail.com
Ruth Helena Pinto Cohen
Av. Pasteur, 250 – Pavilhão Nilton Campos, CEP: 22290-902, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Endereço eletrônico: ruthcohen@uol.com.br
Recebido em: 29/11/2010
Aceito para publicação em: 21/05/2012
Acompanhamento do processo editorial: Deise Mancebo
Notas
* Doutorando em Psicologia (PPGP em Psicologia-Instituto de Psicologia/UFRJ). Bolsista CAPES. Professor Adjunto da Universidade Federal do Piauí.
** Psicanalista. Professora da Escola de Educação Física e Desportos-UFRJ e da Pós-Graduação em Psicologia-Instituto de Psicologia/UFRJ. Membro da EBP-AMP. Coordenadora do projeto Brincante IPPMG-UFRJ(FAPERJ). Supervisora clínica do SEPAI- Hospital São Zacharias. Membro do GT Psicanálise infância e educação da ANPEPP.
1 Cf. trabalhos de Ariés (1896) e Weber (1986), dentre outros.
2 O projeto Brincante, coordenado pela profa. Dra. Ruth Helena Pinto Cohen, é uma parceria entre o Instituto de Puericultura e pediatria Martagão Gesteira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com a Faculdade de Educação Física da mesma Universidade.
3 Oficineiro é o nome dado aos alunos da UFRJ, que no Projeto Brincante fazem intervenção com as crianças hospitalizadas, através do brincar.
4 A bandeja brincante é um projeto da designer de produto Aline Cohen, em parceria com a Escola de Educação Física e o Hospital Pediátrico IPPMG da UFRJ, cuja finalidade é auxiliar nas atividades dos oficineiros do projeto.