SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número3Subjetividade e experiência do corpo na BiodançaIdosos vítimas de violência: fatores sociodemográficos e subsídios para futuras intervenções índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.13 no.3 Rio de Janeiro dez. 2013

 

ARTIGOS

 

Grupos gestálticos: uma proposta fenomenológica de facilitação da cooperação

 

Gestalt approaches to groups: a phenomenolical proposal of cooperation's facilitation

 

 

Georges Daniel Janja Bloc Boris*

Universidade de Fortaleza - UNIFOR, Fortaleza, Ceará, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A abordagem gestáltica utiliza o método fenomenológico para a compreensão dos fenômenos que investiga, adotando a descrição dos fenômenos grupais como seu recurso principal no trabalho com grupos vivenciais. Este texto se propõe a apresentar uma proposta fenomenológica de facilitação da cooperação como uma das qualidades principais da utilização da gestalt-terapia em grupos vivenciais. Neste sentido, o texto descreve a evolução das práticas grupais até o desenvolvimento do grupo gestáltico, enfatizando suas fases, características, temas comumente emergentes e as funções do facilitador de grupos vivenciais. Finalmente, o texto destaca as condições essenciais para a facilitação dos processos cooperativos nos grupos gestálticos.

Palavras-chave: Grupos Gestálticos, Método Fenomenológico, Facilitação de Grupos, Cooperação.


ABSTRACT

Gestalt approach uses phenomenological method to understand the phenomena it investigates, adopting the description of the group occurrences as its main resource in its work with life experience groups. This text intends to present a phenomenological proposal of facilitating cooperation as one of the main qualities of the use of gestalt therapy in existential groups. In this sense, the text describes the evolution of group practices until the development of the gestalt approach to groups, emphasizing their phases, features, the commonly emerging themes and the functions of life experience group's facilitator. Finally, the text highlights the essential conditions for the facilitation of cooperative processes in gestalt approach to groups.

Keywords: Gestalt approach to groups, Phenomenological Method, Group Facilitation, Cooperation.


 

 

1 Introdução

A abordagem gestáltica utiliza o método fenomenológico para a compreensão dos fenômenos que investiga, adotando a descrição dos fenômenos grupais – no caso do estudo dos grupos vivenciais – como seu recurso principal. Para apresentar esta proposta fenomenológica de facilitação da cooperação como uma das qualidades principais da utilização da gestalt-terapia em grupos vivenciais, faz-se necessário descrever as transformações históricas sofridas pelas práticas grupais até o desenvolvimento do grupo gestáltico, enfatizando suas fases, características, temas comumente emergentes e as funções do facilitador de grupos vivenciais. Ao final, o texto destaca as condições essenciais para a facilitação dos processos cooperativos nos grupos gestálticos.

 

2 As transformações históricas da facilitação da cooperação na psicoterapia de grupo em gestalt-terapia

A gestalt-terapia, no período entre os meados dos anos 1970 e 1980, vivenciou uma crise:

embora a teoria básica da Gestalt Terapia enfatize o contato e o apoio, isto é, o auto­suporte para o contato e a retração interpes­soais, a falta de clareza e consistência da definição frequentemente conduziram à confu­são teórica e prática. O autosuporte era frequentemente discutido de uma maneira que o confundia com a autossuficiência e pregava-se uma atitude excessivamente negativa com rela­ção a qualquer indício de confluência. Isso obscureceu a importância da interdependência e cooperação no funcionamento sadio e normal. Essa confusão pode ter sido instigada pela negação de Fritz e de outros Gestalt terapeu­tas de sua interdependência (Yontef, 1987, p. 8).

Ao confrontar a postura de antagonismo de Perls nos seus relacionamentos terapêuticos, nos anos 1960, com uma real atitu­de psicoterápica de cooperação, constatamos que

a "awareness" cândida e ingênua do paciente e o comportamento resultante dessa "awareness" parcamente desenvol­vida eram frequentemente considerados com desrespeito e suspeita... A terapia era muitas vezes encarada não como uma aventura coo­perativa do terapeuta e do paciente, mas, sim, como uma aventura entre adversários (Yontef, 1987, p. 9).

Consequentemente,

a Gestalt Terapia foi muitas vezes erronea­mente igualada a um estilo e ponto de vista específicos sobre terapia de grupo. O estilo que Fritz usou nos últimos dez anos de sua vida era estritamente um modelo de trabalho de um-a-um com o terapeuta no grupo (modelo da "cadeira quente") com os outros partici­pantes como meros observadores. Os grupos co­meçavam com "turnos", todo "trabalho" começa­va com "eu quero trabalhar", e terminava em "há algum feedback?" Os modelos de relação com o grupo eram como os raios de uma roda com o terapeuta no centro e toda a interação passando por ele (Yontef, 1987, p. 12-13).

No entanto, a limitação do trabalho meramente indivi­dual dos últimos anos de Perls passou a ser cada vez mais reconhecida e seus seguidores foram propondo mudanças na abordagem dos grupos: "no grupo, o trabalho de um-a-um é crescentemente contrabalançado por uma ênfase nos relacionamentos no grupo ou ênfase no grupo como um todo, o trabalho de "awareness" se concentra no relacionamento no grupo..." (Kepner, 1980, p. 8). Assim, vai sendo configurado o "processo de grupo gestáltico",

uma integração dos princípios e práticas de Gestalt terapia e dinâmica de grupo. É um modelo no qual o líder usa lentes bifocais, dando atenção ao desenvolvimento dos indiví­duos no grupo ao desenvolvimento do grupo como um sistema social. A partir desta pers­pectiva, o grupo é considerado não apenas como uma coleção de indivíduos, mas como um importante meio psicossocial que afeta profunda­mente os sentimentos, atitudes e comportamen­tos dos indivíduos nesse sistema; e inversa­mente, é profundamente afetado pelos senti­mentos, atitudes e comportamentos dos indivíduos nesse sistema (Kepner, 1980, p. 1).

Este modelo é baseado em duas suposições: primeira, que o desenvolvimento do potencial criativo nos indivíduos é dependente e relacionado a um sistema social que funcione bem e saudável; e segunda, que grupos, como indi­víduos, atravessam estágios de desenvolvi­mento no processo de mudança, que podem ser grosseiramente caracterizados comportamentalmente como um movimento a partir da dependên­cia, através da contradependência, para a in­dependência (Kepner, 1980, p. 4).

As transformações do "processo de grupo gestáltico", no sen­tido de um "modelo orientado para o processo grupal", determinam mudanças nas intervenções do psicoterapeuta, que se dirigem para níveis diferentes de processo fenomenológico, como demonstrarei no próximo tópico.

Podemos inserir o processo de grupo gestáltico numa proposta que inclui cada vez mais questões relativas à aprendizagem de atitudes cooperativas, envolvendo os seguintes aspectos:

a) tarefas ou objetivos principais do grupo: estes são dispostos num "continuum" que se estende da aprendizagem (mudança cognitivo/perceptual), passando por um espaço de sistemas de duplas tarefas (tarefas de aprendizagem e mudança) e chegando à mudança psicológica (capacidade alterada de enfrentamento, estrutura de personalidade, ou repertório de reação);

b) níveis psicológicos envolvidos na tarefa (que são concomitantes em cada momento do grupo): processos intrapessoais, processos interpessoais e processos grupais, todos passíveis de reconhecimento nas vivências grupais (Singer et al., 1975 apud Kepner, 1980).

As transformações no enfoque da gestalt-terapia podem ser ilustradas pela evolução dos modelos grupais do "Instituto Gestáltico de Cleveland", cujos Professores foram trei­nados por Fritz e Laura Perls, Isadore From, Paul Goodman e Paul Weisz, do "Instituto Gestáltico de New York". Inicialmente, todos utilizavam o modelo de psicoterapia de grupo individualmente orientado. Com o tempo, este tipo de grupo revelou seus limites: era muito tensionante e extenso para que a experiência intrapessoal fosse assimilada e integrada; muitos participantes, mais do que a cura para suas neuroses, desejavam apenas conhecer algo sobre si mesmos e se relacionar melhor entre si. Assim, a equipe foi desenvolvendo um "modelo de crescimento pessoal", que inclui experiências com tarefas duplas de aprendizagem e mudança psicológica. Entretanto, muitos desses professores experimentaram uma dissonância entre seus valores e o que as pessoas recebiam como reforços durante um grupo de crescimento pessoal: "este tipo de processo de grupo, ... entre outras coisas, reforça o ‘culto do indivíduo', e cria no relacionamento entre mem­bros e líderes uma dependência do líder" (Kepner, 1980, p. 15). Consequentemente, chega-se ao "processo de grupo gestáltico", que

é uma tentativa de criar condições para a aprendizagem sobre o que significa ser um membro de um grupo... de forma que as polaridades e dilemas de separação e unidade pos­sam ser experienciados no contexto de cresci­mento pessoal (p. 16-17).

Este tipo de grupo enfatiza e trabalha tanto com o indivíduo quanto com as relações e com o grupo, e sofre influências de Bion (psicanálise), Berne (análise transacional), Whitaker e Lieberman, Yalom, Astrachan (psicoterapia de grupo e teoria dos sistemas), visando à integração da perspectiva de grupo-como-um sistema na prática de grupo gestáltico. O processo, no nível dos sistemas, é definido como

os padrões dinâmicos de interação que se desenvolvem entre as pessoas, ao longo do tempo, que criam um padrão de forma de estar juntas. Estes processos sistêmicos criam um "milieu" social que afeta a forma como as pessoas, nesse sistema, se sentem sobre si mesmas e umas com as outras, e a forma como elas se comportam nesse meio, e são processos sistêmicos que explicam que seja maior do que a soma das partes (p. 19).

Baseando-nos em Schutz (1974; 1978), podemos conceituar o grupo em termos de estágios de desenvolvimento. Assim, há três categorias de necessidades inter-relacionadas que as pessoas trazem para os grupos, tendendo a emergir numa ordem sequencial: necessidade de se afiliar ou de pertencer; necessidade de autonomia; e necessidade de afeição. No nível emocional, certos temas são vivenciados correspondentemente às necessidades citadas: identidade; poder e in­fluência; e intimidade. Estes temas e necessidades, por sua vez, estão associados a certos tipos de comportamento:

a necessidade de se afiliar e de pertencer e de estabelecer sua identidade produz compor­tamento dependente; a necessidade de autono­mia mobiliza o indivíduo a testar os limites de autoridade e controle, e produz comportamento contradependente; a necessidade de afeição e de intimidade motiva as pessoas a se relacionar efetivamente umas com as outras e a se comportar interdependentemente (Kepner, 1980, p. 23-24).

Estas necessidades básicas, temas e comportamentos ocorrem repetidamente em qualquer grupo, mas tendem a ocorrer em sequência.

No primeiro estágio, "a identidade de cada membro do grupo é dependente, em certo grau, da forma na qual eles são percebidos e respondidos por cada outro membro do grupo, incluindo o líder" (Kepner, 1980, p. 24). São frequentes os questionamentos dos membros grupais sobre si mesmos e sua identidade no grupo, a identidade dos de­mais, sobre o líder e o processo.

No estágio seguinte (influência e contradependência),

os temas principais que os indivíduos e grupo devem enfrentar... são aqueles que se relacionam a influência, autoridade e contro­le. Neste estágio, cada membra/o do grupo es­tá consciente de que ela/ele está sendo in­fluenciada/o pelo que está acontecendo no grupo e que certas normas implícitas ou explícitas estão operando, as quais tornam difícil se comportar de uma forma que difira de que pareça ser aceitável... Os membros podem começar a desafiar quaisquer normas que este­jam operando, interrompendo, expressando rea­ções negativas a uns e a outros, ou ao, que esteja ocorrendo, ou afrontando o líder e questionando sua autoridade e competência (Kepner, 1980, p. 28-29).

Finalmente, no terceiro e último estágio, de intimi­dade e interdependência, o contato real ocorre nos e entre os membros do grupo, contrastando "com a pseudo-intimidade que se desenvolve no primeiro estágio, quando cada um está desco­brindo que todos eles pertencem à raça humana e estão se sentindo cordiais e confortáveis uns com os outros" (Kepner, 1980, p. 33). O contato real requer estar frente-a-frente com o diferente e com o outro em relação ao próprio "self". Por sua vez, a intimidade real se refere aos relacionamentos nutritivos e apoiadores ao longo do tempo, que, por meio da diferenciação entre as pessoas, geral­mente, são forjados na provação da divergência e do confli­to entre elas. Nos grupos, como na vida em geral, o conflito, frequentemente, precede o amor. Trabalhando a partir dos temas característicos da segunda fase (influência, poder e autoridade) e vivenciando esta experiência, possibilita-se o apoio para assumir altos riscos num nível intra e interpessoal. Assim, no terceiro estágio, o comportamento dos membros grupais é interdependente - ou cooperativo, necessitando uns dos ou­tros em termos de compreensão, apoio e desafio, com relações recíprocas. Aqui, então, os membros do grupo se tornam, cada vez mais, importantes uns para os outros, e o grupo passa a configurar um espaço significativo, propor­cionando a nutrição e os recursos para o seu crescimento.

É importante advertir que

é necessário estar juntos por um longo tempo para um grupo ser capaz de sustentar o fun­cionamento neste terceiro estágio, e minha experiência tem sido de que a capacidade de um grupo de mantê-los neste estágio requer pelo menos um ou dois anos. Os grupos que se encontram por um tempo mais curto às vezes alcançam este estágio, mas é provável ser uma condição temporária (p. 34), [pois] um grupo é mais que a soma de suas partes, e o processo de grupo gestáltico é mais do que a soma dos princípios e elementos que revisei até aqui (Kepner, 1980, p. 37).

Kepner (1980) conclui, tratando da missão primária da psicoterapia e do crescimento pessoal:

a missão, como eu a vejo, é elevar a cons­ciência, e isso é diferente das metas geral­mente associadas à psicoterapia em geral, e à Gestalt terapia em particular. A meta preva­lecente da terapia como eu a vejo não1 é simplesmente curar pessoas (o que quer que "cura" possa significar), nem é ensinar os clientes como se tornarem mais hábeis em ma­nipular o meio do que a si mesmos. Nem é ha­bilitar as pessoas a desenvolver um "self" mais diferenciado e integrado. Pode ser todas acima, mas a meta essencial é auxiliar na evolução de um "self" que possa finalmente transcender o "self". Isto significa que a polaridade central, que é o âmago do crescimento pessoal, é a liberdade e liberação por um lado, e a disciplina pelo outro. É a tensão entre estes opostos que fazemos (p. 38).

Fonseca (1988) também analisa os grupos psicoterápicos de cunho humanista, entre os quais se inclui o processo de grupo gestáltico. Neste sentido, lembra que, "para o ser humano, o objeto maior de necessidade é a outra pessoa, o outro ser humano. No grupo, o participante encontra urna multiplicidade de ‘outros' seres humanos, de modos bastante próximos e imediatos" (p. 141). Destaca que os grupos vivenciais 2 "são um fenômeno característico da sociedade de consumo" (p. 147), e, ao mesmo tempo,

...parecem, numa certa perspectiva, surgi­rem e desenvolverem-se como contratendências e como formas e resistência, ou pelo menos heterogêneas, em relação às tendências de alienação e de manipulação dominante na sociedade de consumo (p. 150).

No entanto, nem sempre isto acontece, mas os grupos viven­ciais, os grupos de psicoterapia e a psicoterapia em geral representam uma virtual potencialidade nesse sentido, pois

o que de melhor se oferece neles é a disponibilidade, eventualmente farta, de objetos humanos de interação, sob a forma de pessoas concretas, sob a forma de interação imediata com essas pessoas concretas em múltiplos ní­veis, sob a forma da tomada de conhecimento de outras realidades existenciais, de dificuldades e crises, realizações e conquistas humanas, sob forma da alegria de estar junto, de se estar integrado dentro dos difusos limites de um coletivo, sob forma da, possibili­dade de objetivação e de criação da singularidade da subjetividade de si, através de vi­vências e interações com as outras pessoas, com o grupo e com os seus subgrupos, sob for­ma da possibilidade da afirmação do querer ­viver que anima e que é animado pelas múltiplas dimensões de nossas necessidades, de nosso ser (p. 150).

Isto justificaria a grande potencialidade "terapêutica" e de crescimento humano dos grupos vivenciais, já que

no grupo existem possibilidades para que a pessoa descole-se um pouco de sua particula­ridade própria e perceba-se e vivencie-se como ser humano genérico. Que assuma a univer­salidade em si do humano (p. 167).

Assim, o grupo constituiria um terreno potencialmente mani­festador e claro das necessidades básicas do contexto sócio-histórico especifico no qual se situa, expressando facilmen­te sua inserção na sociedade de consumo e, ao mesmo tempo, sua resistência à tendência destruidora dos objetos humanos desta mesma sociedade. Essa potencialidade dos grupos viven­ciais está intrinsecamente ligada à noção de "pessoa", "uma composição complexa e dinâmica, permanentemente relacional, de individualidade e de transindividualidade 3" (p. 171).

A psicologia humanista e a gestalt-terapia têm, muitas vezes, negligenciado a consideração com a pessoa, aniquilando a sua transindividualidade (cooperação), com a justificativa de valorizá-la. Esta desconsideração da transindividualidade, que já analisamos na prática de Perls, nos reporta à importância da cooperação nos grupos vivenciais, bem como do psicoterapeuta de grupo como facili­tador de atitudes cooperativas, questão que trataremos no próximo tópico.

O papel do grupo como instância humana, então, seria a mediação entre a particularidade individual e a totalidade social:

se parece evidente o processo de dissolução dos grupos na sociedade de consumo, não podemos negligenciar, por outro lado, o fato de que proliferam formas grupais de resistência, num espectro que abrange desde os sindicatos e suas organizações macro e microssociais, até microgrupos dos botecos; das mesas de sábado à noite, os grupos de amigos, religiosos, associações de bairro, grupos de estudante, alguns grupos formados no companheirismo do trabalho, associações de classe etc., onde se entrincheira a resistência, havendo uma conservação relativa das funções humanizantes do grupo e da comunidade (Fonseca, 1988, p. 175-176).

Portanto,

os grupos de Psicoterapia, ou os grupos me­nos específicos que se desenvolveram como prática corrente no âmbito da chamada Psico­logia Humanista, podem, ainda que não irrestritamente, ser situados nesse contexto par­ticular dos modos de resistência à dissolução das formas grupais na sociedade de consumo (Fonseca, 1988, p. 176).

Entretanto, deve-se advertir que "... até agora a maioria dos gestalt-terapeutas não têm dado muita atenção ao processo grupal" (Feder & Ronall [orgs.], 1980, ix). Simkin (1974 apud Feder & Ronall [orgs.], 1980), por exemplo, afirma: "em gestalt terapia, não é necessário enfatizar a dinâmica de grupo, embora alguns gestalt terapeutas enfatizem" (p. 4). Por outro lado, pode-se destacar que a totalidade grupal é uma força poderosa que, acreditamos,

se reconhecida e habilidosamente usada pelo líder, as forças inerentes no grupo tornam-se agentes do crescimento e da cura; se ignora­das, mal compreendidas ou mal utilizadas, es­tas forças podem evitar ou obstruir o cresci­mento e o movimento, e seu efeito pode ser tóxico (Feder & Ronall [orgs.], 1980, p. ix-x).

 

3 As fases do ciclo grupo gestáltico

Conforme Zinker (1980), Billl Warner e Miriam Polster, do Instituto Gestáltico de Cleveland, consideram que os eventos de um grupo gestáltico tendem a ocorrer em um ciclo, que se inicia no nível de sensação, passando por seu próprio senso de conscientização, seu grau característico de energia e seu sistema de ação dialética, criando um tipo peculiar de contato grupal, desenvolvendo soluções específicas para suas questões e, finalmente, chegando ao repouso ou recolhimento, conforme percebemos na Figura I, abaixo:

 


FIGURA 1: O CICLO DE GRUPO GESTÁLTICO 4

 

Mais detalhadamente, podemos descrever cada um destes níveis:

- Fase de sensação grupal

Os membros grupais buscam captar a situação do grupo e os demais membros através dos próprios sen­tidos, utilizando a comunicação verbal apenas para transmitir os conteúdos sensoriais: "você parece tenso"; "sua voz treme"; "minhas mãos estão frias";

- Fase de conscientização grupal

A partir das sensações experienciadas no aqui-e-ago­ra da vivência grupal, os participantes do grupo buscam conferir estas sensações em relação aos outros, visando à compreensão de suas vidas. Esta é, frequentemente, uma fase de trocas significativas e o interesse pelo outro cresce consideravelmente; surgem temas comuns que podem ser explorados;

- Fase de energia e de movimento de ação grupal

Consequentemente, a energia do grupo é crescente­mente mobilizada, tendendo à ação. Muitos gestalt­-terapeutas, nestas fases, geralmente, buscam criar um clima que propicie um meio seguro e confiável para a ação e o intercâmbio comum que possam su­gerir experimentos que desenvolvam a conscientiza­ção individual e/ou a cooperação entre os partici­pantes. Estes experimentos, apesar de permitirem certa estruturação prévia, sempre são utilizados na situação e no momento em que o grupo já se dirige a certa realização, facilitando a con­secução dos objetivos dos próprios participantes. Nunca são propostos de forma previamente pronta, sendo, na verdade, criados em conformidade com a vivência do grupo. Estes experimentos possibilitam a transformação das pessoas, permitindo novas apren­dizagens, e desenvolvem conteúdos temáticos e con­tatos significativos;

- Fase de contato grupal

É o momento em que o grupo passa a se perceber como comunidade, deixando de ser o que Lane (1987b) chama de "não grupo" para se tornar cada vez mais um "grupo-sujeito" 5 (Loureau, 1975);

- Fase de resolução grupal

São comuns os sentimentos de completude, integração e afeto mútuo. Os "problemas pessoais" deixam de ser meramente individuais para ser o "nosso proble­ma" e o grupo cada vez mais se mobiliza para resolver suas dificuldades, quer se manifestem em alguns de seus elementos, quer sejam obstáculos do grupo "­como-um-todo";

- Fase de silêncio, recolhimento e repouso grupal

O grupo parece "digerir" sua experiência vivida, revendo suas expectativas e ansiedades, seus dramas e conquistas, frequentemente assumindo uma postura reflexiva e serena.

Se há tempo disponível, um novo tema pode emergir, de forma que o ciclo grupal possa se desenvolver uma vez mais da sensação para a conscientização, a energia, a ação, a comple­tude e o repouso. Cada uma destas modalidades entra no espaço fenomenológico do grupo e en­tão retrocede - às vezes em ordem, em forma linear, e, às vezes, como os instrumentos de uma orquestra, colaborando simultaneamente no mesmo tema. Nos estágios iniciais de um gru­po, as transições de uma fase para outra po­dem ser desconexas e embaraçadas; o grupo po­de ficar fincado em sua conscientização, in­capaz de se mobilizar para a ação, ou incapaz de decidir a ação e o recolhimento. No curso do tempo, o grupo não se fixa em nenhuma modalidade, mas se move fluentemente de um ciclo para o seguinte, em uma espiral ascenden­te... (Zinker, 1980, p. 58-59).

 

4 Objetivos e estágios de desenvolvimento do grupo vivencial

A partir desta perspectiva, podemos descrever os objetivos individuais em um grupo gestáltico:

integrar polaridades intrapsíquicas 6 confli­tantes; tornar-se mais  conscientizados de sua vida sensorial; enriquecer e expandir a conscientização; estender a conscientização à excitação e à ação; obter contato consigo e com os outros; aprender uma forma confortável de recolhimento, de nutrição e de renovação de si mesmos; aprender a apoiar a si mesmos em seus seres totais; aprender a fluir suavemente ­do ciclo conscientização-excitação-contato ­sem bloqueio sério (p. 59).

Quanto aos objetivos grupais,

os membros aprendem como pedir a uns e a ou­tros o que querem ou necessitam - e a tratar tanto com os sins e os nãos que lhes retor­nam. Aprendem como tratar efetiva e criativa­mente com conflitos interpessoais... Também aprendem como energizar uns aos outros e como usar o grupo para obter um sentido de comuni­dade, apoio mútuo e respeito. Descobrem como aprender sobre suas próprias identidades a partir de outro e do líder grupal, também como ser inventivas e experimentais em resolver problemas como uma comunidade. Verificam como obter um sentido de confiança, lealdade e intimidade e, ao mesmo tempo, como respei­tar as necessidades de distância, as preferências pessoais, e os valores uns dos ou­tros. Aprendem como dar "feedback" uns aos outros, sem interpretar o que veem e sentem. Aprendem a trabalhar com e a ajudar cada um sem depender constantemente do líder grupal, e como usar o/a terapeuta não como um guru papai-mamãe projetado/a, mas como um/a companheiro/adulto/a habilitado/a que pode facilitar seu trabalho uns com os outros (Zinker, 1980, p. 59-60).

Da mesma forma, os grupos vivenciais tendem a seguir estágios de desenvolvimento, que começam com um contato su­perficial e, eventualmente, atingem níveis de coesão e coo­peração (Yalom, 1970):

- Contato e exploração superficiais

No início, a experiência do grupo é desconexa e embaraçada. Há frequentemente uma tendência à reprodução dos modos de ser e de comunicação a que os participantes estão acostumados fora do grupo. Muitas vezes, ocorre tensão e os silêncios são difíceis de suportar, sendo facilmente quebrados com risos e brincadeiras; geralmente, os membros grupais não olham para os rostos dos demais e a comunicação é dirigida para o espaço vazio: "não há nenhuma construção: os membros do grupo não respondem ao conteúdo das indagações uns dos outros. Melhor, cada um derrama seu seixo verbal no vácuo existencial de uma comunidade informe..." (Zinker, 1980, p. 62).

Nos grupos que conduzimos, eventualmente utilizamos experimentos que permitam aos participantes contatar e explorar a realidade física do meio em que estão inseridos, suas atualidades existenciais (como se sentem, suas expectativas e temores etc.) e o fato de estarem convivendo, naquele momento, com outras pessoas concretas. As reações a esta fase são variadas: alguns se mantêm calados até que o clima do grupo lhes pareça propício a que se expressem; outros falam constante e compulsivamente, mostrando-se sociáveis, mas in­capazes de ouvir os demais; outros, ainda, defendem-se de expressar sentimentos que pareçam deixá-los vulneráveis. Grande parte da atenção é dirigida ao(s) líder(es). Assim, podemos perceber que o grupo frequentemente cria suas 'regras do jogo' (geralmente implícitas), nesta fase. Muitas vezes, inicia-se um movimento de testagem (confrontação ou conformação) destas mesmas regras.

- Conflito e identidade

Esta testagem do outro e de suas afirmações, bem como os eventuais conflitos gerados pelas diferenças interpessoais, propiciam a evolução da identidade individual. Os lideres geralmente buscam criar um clima receptivo ao reconhecimento, explicitação e aceitação das diferenças interpessoais. Esta é uma fase muitas vezes difícil, pois frequentemente alguns participantes adotam uma postura que disfarça o conflito ou que o torna insuportável ou beligerante, levando-os a uma atitude de resistência persistente ou mesmo ao abandono do grupo. Contudo, se os conflitos são detectados, evidenciados e trabalhados no sentido de uma aceitação respeitosa mútua (que nem sempre significa concordância), o grupo evolui para uma vivência cada vez mais coesiva e cooperativa (Zinker, 1980).

- Confluência e isolamento

Esta fase parece ser, na verdade, uma modalidade da anterior, quando o grupo não consegue avançar da fase de conflito e identidade, assumindo uma perspectiva rígida e fixa, cristalizando as características pessoais dos participantes.

Cada pessoa é posta em um papel, apesar mesmo de ele ou ela ter mudado significativamente em sua vida privada. Outra forma disto é o apoio indiscriminado acompanhado de jocosidade e contato físico, ou ataques e desafios hostis indiscriminados que carecem de calor e entrega (Zinker, 1980, p. 67).

- Alta coesividade

O processo não conhece seu próprio final. Ele flui enquanto um grupo funciona e serve como um fórum para o desenvolvimento contínuo de seus membros. A alta coesividade em um processo grupal gestáltico é caracterizada pela confiança interpessoal, capacidade de cuidado e de confrontação, e um respeito pelos diferentes níveis de desenvolvimento individual dos participantes do grupo. Nenhuma pessoa é mais valorizada do que outra. Cada uma tem algo a dar e a receber do grupo. Dar e receber são fundidos em unidade funcional. Há um interesse contínuo em explorar uns aos outros com seriedade e com paciência. O processo é conduzido enquanto necessário para cada pessoa (dentro dos limites de tempo fixados). As pessoas são ca­pazes, com relativa facilidade, de compartilhar suas reações emocionais com o comportamento umas das outras, mais do que de aconselhar ou de pregar. O trabalho do grupo assume mais clareza, evidência temática e elegância na resolução (Zinker, 1980, p. 69).

Resumidamente, podemos integrar o ciclo dos eventos grupais de Zinker (1980) e os estágios de desenvolvimento de grupo conforme Yalom (1970): na fase de contato superficial, os níveis sensorial e cogni­tivo dos membros grupais são baixos, mas há uma grande disponibilidade de energia, vivida como ansiedade, o que proporcio­na pouco sentido de resolução; na fase de conflito e identidade, a atenção dos participantes do grupo se volta para as incongruências do comportamento alheio, expandindo a conscientização, e a energia é utilizada para buscar temas, o que propicia o uso de experimentos que intensifiquem o contato consigo mesmos e com os demais (geralmente, ocorrem a resolução e o repouso, com o consequente consumo da energia no processo); se o grupo se dirige a papéis confluentes e caricatos, há um alto nível de conscientização e de disposição para o desafio a estes mesmos papéis, sendo necessário um nível intenso de energia para isto e, geralmente, há uma renovação da proximidade e do contato (aqui também seguem a resolução e o recolhimento). Finalmente, no estágio de alta coesividade, a conscientização é enriquecida e variada e o grupo se dispõe a enfrentar riscos ao buscar novas aprendi­zagens; o experimento pode ser usado para esclarecer temas e para fazer descobertas significativas, sendo possível apenas com alto nível de energia e com disponibilidade para tolerar contatos conflituosos ou amorosos. Há alta conscientização e a energia é utilizada para a resolução dos assuntos grupais, proporcionando relaxamento e serenidade.

Podemos contrastar os modelos de Zinker (1980) e de Yalom (1970), conforme a Figura 2, abaixo:

 


S = Sensação; Ct = Contato; C = Conscientização; R = Resolução;
E = Energia; Rc = Recolhimento, Repouso, Silêncio.
(Zinker, 1980, p. 76)
FIGURA 2: PROCESSO DE GRUPO GESTÁLTICO

Desta forma,

a partir do começo, quando as pessoas estão conversando como se num coquetel, aos está­gios mais avançados de coesividade, o proces­so grupal tem uma estrutura interna, uma in­tegridade, uma validade de movimento. A trajetória e a qualidade deste movimento são sempre determinadas pela configuração especial, pela gestalt única que uma comunidade de pessoas é capaz de esculpir por si mesma. O potencial criativo de um grupo gestáltico emerge da amplitude de talentos, limitações e resistências ao contato de seus membros e de seus lideres (Zinker, 1980, p. 76-77).

Assim, definimos o processo de grupo gestáltico como um "processo autonomogênico",

um empreendimento que é organizado tanto para favorecer a conscientização de um potencial autônomo onde essa conscientização esteja faltando, quanto para encorajar um movi­mento em direção a essa porção de autonomia. Os gestalt-terapeuta planejam relevantes experimentos autonomogênicos tanto para os indivíduos quanto para o grupo-como-um-todo, os quais se delineiam sobre o fundo seguro do apoio grupal. O apoio em si mesmo tem que ser desenvolvido; proporciona uma condição ótima de experimentação autonomogênica. Num grupo de pessoas, no início relativamente estranhas, elas estarão mais desejosas de trabalhar juntas em direção a maior autonomia quando há confiança. Uma vez que um espírito de confiança no processo tenha sido estabelecido em geral, o movimento em direção ao auto-apoio individual e grupal pode ocupar o primeiro plano do processo terapêutico (Flynn, 1980, p. 134).

Portanto, trata-se de um movimento que visa à cooperação.

Podemos constatar uma relativa escassez de textos específicos sobre a cooperação nos grupos de psicoterapia gestáltica. Entretanto, é possível fazer inferências e tirar conclusões a partir das discussões de gestalt-terapeutas a este respeito. De qualquer forma, há de se pensar que a questão do processo de cooperação nos grupos de gestalt-terapia ainda não tem se configurado como uma preocupação básica de seus profissionais.

Neste contexto, Yontef (1987) nos dá uma grande contribuição, ao analisar o percurso e o estilo da prática de grupo de Perls e de outros gestalt-terapeutas entre meados dos anos 1960 e 1980, afirmando a consequente crise surgida desta prática. Critica este modelo (e podemos concordar com ele) menos por sua efetividade e mais por sua restrita abrangência: trata-se de uma perspectiva individualista centrada no psicoterapeuta. Entretanto, a crise, por ser conflituosa, é geradora de mudanças: os grupos vivenciais vão se concentrando nos relacionamentos interpessoais e, finalmente, no processo grupal como um todo. Esta última modificação se baseia não apenas na teorização da gestalt-terapia ("o todo é diferente da soma de seus elementos"), mas também na dinâmica de grupo (noção de "campo"), compreendendo o grupo como um meio psicossocial inserido em um sistema social mais amplo e determinante, sendo o grupo um mediador das relações indivíduo-sociedade.

Estas transformações geram também uma modificação no caráter dos grupos vivenciais. Kepner (1980) descreve esta nova proposta como incorporadora tanto de estratégias de mudança psicológica e de cresci­mento pessoal (psicoterapia) quanto de estratégias de aprendizagem (pedagogia).

Acreditamos que a inclusão deste enfoque pedagógico, ou relativo à aprendizagem de atitudes cooperativas, constitua a grande novidade quanto aos grupos de gestalt-terapia e à psicoterapia de grupo de modo geral. Já não se trata de "trabalhar" apenas a subjetividade ou as relações entre os participantes, mas de fundar as condições, a partir da disponibilidade cooperativa, para a aprendizagem destes participantes sobre seus processos intrapessoais, inter­pessoais e grupais.

Diferenciando-se da visão de grupo como massa, Schutz (1974; 1978) e Kepner (1980) destacam as regularidades grupais em termos de necessidades e estágios de desenvolvimento, que, se necessariamente não acontecem ordenadamente, permitem compreender o grupo como um sistema que apresenta fenômenos frequentes e que propicia teorização psicossociológica.

Seria maçante repetir a discussão destes autores so­bre as necessidades e estágios grupais. Salientamos o fato de que, apenas no terceiro estágio de interdependência, cuja necessidade mais marcante visa à intimidade, se constitui a verdadeira cooperação, já não um intercâmbio paralelo (mesmo com o objetivo comum de crescimento pessoal), mas mútuo, transformando o objetivo da psicoterapia de grupo, e, mais extensivamente, das comunidades (agora como comunidades de aprendizagem): tornar-se "grupo-sujeito" (Loureau, 1975; Lane, 1987b) e "trabalhar" conjunta e cooperativamente com o fim de vir a ser concretamente um grupo.

Fonseca (1988) demonstra a contradição dialética dos grupos vivenciais: o fato de serem fenômenos característicos da "sociedade de consumo" e, ao mesmo tempo, potencialidades de resistência à alienação e manipulação inerentes a tal modelo de sociedade. Esta contradição nos reporta à importância da cooperação e, inserido nesta questão, o papel sócio-pedagógico do psicoterapeuta de grupo como facilitador da explicitação das necessidades do contexto sócio-histórico em que estão inseridos os participantes do grupo e de sua oposição às tendências aniquiladoras desta sociedade.

Numa perspectiva microssociológica, Zinker (1980) detalha os diferentes momentos de um evento gestáltico de grupo, num ciclo que parte da sensação, levando à conscientização, energização e movimento, contato, resolução e, finalmente, ao silêncio, recolhimento ou repouso grupal. Para tanto, propõe experimentos que facilitem a realização dos objetivos individuais e grupais em cada uma das fases do ciclo. A utilização dos experimentos é uma questão que merece cuidado, pois requer habilidade do psicoterapeuta para que a evolução de uma fase à outra não se torne uma mera tecnologia mecânica. Da mesma forma que Schutz (1974; 1978) e Kepner (1980), e baseado em Yalom (1970), Zinker (1980) também descreve estágios de desenvolvimento dos grupos gestálticos: contato e exploração superficiais; conflito e identidade; confluência e isolamento; e alta coesividade. O estágio de alta coesividade, conforme podemos perceber, caracteriza o momento do grupo no qual a cooperação atinge um ápice, sendo uma fase difícil de alcançar e de manter, sendo fugaz, no sentido de que é um objetivo constantemente buscado e perdido, mas sempre desejável. Finalmente, Flynn (1980) define o processo de grupo gestáltico (aquele que leva em conta seus diferentes níveis psicológicos envolvidos na tarefa: intrapessoal, interpessoal e grupal) como gerador de autonomia, ou seja, da capacidade de autogestão. Portanto, o processo de grupo gestáltico parece ser uma situação constantemente mutável que visa à promoção da autonomia de seus participantes. Para que esta autonomia possa vir a ser construída, faz-se necessário que o grupo possa se constituir como um espaço continente de acolhimento e que se permita vivenciar o conflito e a diferença. A confiança mútua se constitui, assim, como pré-requisito da cooperação grupal, sendo esta última dependente da autonomia que se possa criar na vivência concreta do processo de grupo. Neste sentido, a criação de um clima propício à cooperação assume um papel fundamental no processo de grupo gestáltico, tendo como bases essenciais o trabalho com o grupo-como-um-todo (e não apenas com seus elementos individuais), o reconhecimento das diversas fases pelas quais passa um grupo (dependência, contradependência e interdependência, ou contato superficial, conflito e identidade, confluência e isolamento, e alta coesividade) e a aceitação das diferenças interpessoais. Neste contexto, o processo de um grupo gestáltico tem no psicoterapeuta de grupo um papel social destacado: facilitar a formação de atitudes cooperativas. É esta questão que desenvolveremos no próximo tópico.

 

5 O papel sociopedagógico do gestalt-terapeuta de grupos vivenciais em gestalt-terapia como facilitador de atitudes cooperativas

O líder é capaz de ver o grupo como um sistema mais do que um mero conglomerado de pessoas. Os indivíduos são vistos não apenas por sua singularidade, mas também pela maneira única que cooperam ou conspiram com outros na construção de uma comunidade. O compartilhar do líder de sua compreensão de um sistema grupal modifica seu processo de encontros individuais fragmentários, para a conscientização do grupo-como-um-todo. Esta é uma pré-condição para a ação cooperativa e uma valorização de um sentido de co­munidade (Zinker, 1980, p. 61).

5.1 Objetivos e tarefas do facilitador de grupo

No âmbito do grupo, deve-se advertir que

um importante risco, porém, consiste no terapeuta assumir demasiada responsabilidade pela orientação do grupo mediante uma atividade excessiva, assim favorecendo a passivi­dade do paciente e, portanto, frustrando o seu próprio objetivo de promover a independência do paciente. Neste caso, o grupo também responde passivamente, considerando o te­rapeuta um "expert" ou mágico e que eles, os membros do grupo, não dispondo dessas técnicas e recursos especiais, com muito pouco poderão contribuir (Shepherd, 1977, p. 307).

Aqui, o grande antídoto contra este tipo de procedimento parece ser a abertura de espaço, por parte do psicoterapeuta de grupo, para um psicoterapeuta maior e frequentemente mais sábio: a comunidade grupal, que se configura a partir da cooperação entre seus membros. Neste mesmo sentido, podemos reforçar a opinião acima, afirmando que, ao criar

um clima que permita diferenças dentro e fora, o grupo pode ser um meio nutritivo para cada membro - o líder incluído - e é, por sua vez apoiado e nutrido. Em tal grupo, os membros não apenas aprendem e crescem livremente, confrontando seu meio com entusiasmo, mas também vivem juntos em um clima no qual diferenças e conflitos não são nem obscurecidos nem apagados. Quando as fronteiras são reconhecidas, ali gradualmente emerge um sentido de pertinência, um sentido de comunidade (Ronall, 1980, p. 182).

Ainda quanto a esta questão, devemos esclarecer que, neste caso, "o grupo, num certo sentido, se torna o terapeuta" (Wood, 1983a, p. 27).

Confiar na intuição e ser sensível a um facilitador "emergente" são faculdades necessárias que um facilitador adquire trabalhando desta forma. Um perceptivo facilitador de grupo favorece um clima em que a pessoa certa, no momento certo, pode não apenas se beneficiar com a experiência de grupo, mas pode também se tornar facilitadora (p. 29).

Deste modo, fica claro que

a mudança gira em torno do sol solitário do líder; é forte a evidência de que as relações psicossociais no grupo desempenham um papel sumamente importante no processo de mudança (Lieberman, Yalom & Miles, 1973 apud Wood, 1983b, p. 70).

A partir da já descrita proposta acerca das fases grupais (inclusão, controle e afeição), podemos aplicá-la às relações entre o psicoterapeuta e os membros grupais (Schutz, 1978):

- Fase de inclusão:

O interesse dos membros grupais se concentra prioritariamente nos compromissos do psicoterapeuta, acima dos compromissos dos demais membros, observando e avaliando a frequência, o interesse, o preparo e, a pontualidade do líder;

- Fase de controle:

Ainda centrados no relacionamento com o psicoterapeuta, os membros grupais lutam entre si e com o líder pelo poder, influência, orientação e estrutura do grupo, com bastante determinação, numa situação de ambivalência de autoridade. Ao mesmo tempo em que buscam tomar o poder do psicoterapeuta de grupo, tentam fazê-lo assumir toda a responsabilidade pelas atividades e decisões do grupo;

- Fase de afeição:

Diferentes tipos de apegos pessoais entre os membros do grupo e com o psicoterapeuta são estabelecidos, predominando temas como o ciúme, o amor não correspondido, o intercâmbio afetivo e a atração sexual e, havendo maior sensibilidade, desenvolvem-se calor e intimidade entre os vários componentes grupais. É nesta fase que a cooperação pode ser plenamente percebida, caso o psicoterapeuta seja capaz de facilitar seu desenvolvimento, ensejando a passagem do contato superficial à explicitação das diferenças e o surgimento da colaboração mútua.

Numa concepção mais inserida na perspectiva gestáltica, podemos definir o papel do psicoterapeuta de grupo é detalhar uma série de possíveis atividades nas diferentes fases grupais. Assim, o psicoterapeuta de grupo é "... um professor de processo em um nível intrapessoal, interpessoal grupal" (Kepner, 1980, p. 3). Portanto, há, desde logo, a intrínseca necessidade de o psicoterapeuta gestáltico de grupo, afastando-se da perspectiva de Perls, "trabalhar" nestes três níveis de intervenção, que, como mostraremos, são componentes da cooperação. Então,

num certo sentido, um gestalt-terapeuta está sempre trabalhando a partir de uma pers­pectiva sistêmica, ... e considera a terapia como um processo que ocorre dentro das fronteiras de um sistema social. Como todos os sistemas sociais, a situação terapêutica con­siste de pessoas, uma tarefa comum e um méto­do para a realização desta tarefa (Kepner, 1980, p. 18).

Nesta concepção pós-Perls,

o terapeuta, agora, tem a opção de ser um ad­ministrador7 de um processo de aprendizagem, no qual as questões críticas se tornam: "Como eu posso criar as condições que capacitarão estas pessoas a recorrer umas às outras como recurso agora?", "Como eu posso ajudá-las a criar o tipo de relacionamento que proporcio­nará o meio de aprendizagem mais rico para todas?" e "Como eu posso ajudá-las a desenvolver a conscientização das polaridades e escolhas entre cuidar dos indivíduos e cuidar do grupo?" (Kepner, 1980, p. 20).

Assim, podemos perceber que o psicoterapeuta vivencial de grupo, desde o início, se depara com a inquietante questão da inserção de atitudes cooperativas no processo grupal:

o líder do processo de grupo gestáltico acrescenta a tarefa de aprendizagem da conscientização dos processos grupais à tarefa de conscientização intra e interpessoal. Esta nova tarefa requer uma mudança no papel e nas habilidades do líder... O líder tem três tipos disponíveis de escolhas de papéis que determinam o nível no qual a intervenção ocorrerá. Ele/ela pode funcionar como um terapeuta para um indivíduo, como um facilitador de processos interpessoais ou como um consultor para o grupo-como-um-sistema (Kepner, 1980, p. 20-21).

Podemos exemplificar os três níveis de intervenção por parte do líder de grupo vivencial descrevendo uma situação ocorrida num de nossos "workshops" que, apesar de não se constituir como grupo psicoterápico, inclui vivências pessoais, interpessoais e grupais, geralmente em fins-de-semana. Evidentemente, por motivos éticos, os nomes citados são fictícios. Num segundo encontro deste grupo, Laura acusa Vilma de assumir posturas autoritárias, no que é corroborada por Elsa, que diz que Vilma, por vezes, assume o papel de "dona da verdade". Se priorizássemos o nível de intervenção intrapessoal, poderíamos "trabalhar" com qualquer uma das três componentes do grupo no sentido de tratar da dificuldade (de Laura ou Elsa) de se relacionar com figuras de autoridade ou dos motivos (de Vilma) para transparecer posturas autoritárias. "Trabalhando" no nível interpessoal, poderíamos incentivar Laura, Elsa ou Vilma, ou as três, a expressar suas percepções, sentimentos e diferenças umas às outras, enfocando seus padrões de comunicação. Num nível grupal, poderíamos destacar os padrões de relacionamento no grupo com figuras de autoridade (os psicoterapeutas, por exemplo), envolvendo o grupo com questões comuns a todos; da mesma forma, poderíamos esclarecer ao grupo que a ocorrência dos fatos acima expressa um momento vivido pelo grupo: a manifestação de diferenças entre os seus participantes. Não se trata, na verdade, de "escolher" um destes níveis, mas de estar atentos à emergência das vivências de cada um deles.

Pretendemos, também, descrever as fases grupais sob a perspectiva do psicoterapeuta gestáltico de grupo; aqui, são abordados seus objetivos e suas tarefas principais (Kepner, 1980):

1. Estágio de identidade e dependência:

O objetivo principal do psicoterapeuta de grupo é estabelecer relações com e entre os membros grupais, obtendo dados acerca das questões vivenciadas por estes. Como atividades facilitadoras desta tarefa, destacam-se:

a. Fornecimento e constituição de fronteiras

Trata-se de esclarecer as tarefas do grupo e a função do psicoterapeuta de grupo quanto a estas tarefas. "Nesta fase, o líder está investido com tanto poder que tudo que ele/ela faz e diz é muito mais importante e impressionante do que o que qualquer outro no grupo diz e faz" (Kepner, 1980, p. 26). Por conta disto e devido ao fato de que, para muitos, a vivência de grupo como aprendizagem cooperativa e autônoma é inusitada, é extremamente importante que os membros do grupo sejam informados sobre o que podem esperar do psicoterapeuta de grupo e o que espera deles, evitando-se, assim, a sensação muitas vezes comum de estar "perdido no espaço". Pode-se optar por estruturar atividades estimulantes, dirigidas pelo psicoterapeuta, o que torna esta fase inicial mais dinâmica e interessante, mas que podem manter os participantes mais dependentes dos "truques" do líder, ou, por outro lado, escolher o difícil caminho do tédio de acompanhar o movimento natural do grupo. Em nossos grupos, temos escolhido um caminho intermediário, propondo atividades que propiciem um contato inicial e a conscientização acerca do ambiente físico e do clima psicológico do local, das sensações, percepções, sentimentos e fantasias pessoais e da presença dos outros, deixando, a seguir, que o grupo parta do que constatou, ou de qualquer outro fenômeno que esteja ocorrendo;

b. Encorajamento do contato interpessoal dos membros entre si

Este é um meio de os participantes explorarem o espaço interpessoal e descobrirem recursos presentes nos demais membros. Frequentemente, sugerimos a formação de díades entre os membros grupais, o que proporciona a criação de vínculos interpessoais e de novos intercâmbios, mais amplos do que a tradicional biunívoca entre psicoterapeuta e um dos clientes;

c. Dar algumas mensagens sobre quais são os métodos que estaremos usando

Este aspecto se insere no que foi dito no item "a", no que se refere ao psicoterapeuta como um modelo de atuação. Neste sentido, costumamos compartilhar com o grupo nossos sentimentos, observações e impressões, é o que fornece um incentivo aos membros do grupo para que assim procedam também;

d. Legitimar trabalho em todos os níveis sistêmicos

Kepner (1980) afirma que,

neste estágio, mais do que intervir num nível intrapessoal quando um indivíduo traz um assunto ou problema pessoal, trabalho a partir do pressuposto de que esta pessoa é um porta-voz para os outros e está verbalizando o que pode ser um assunto ou tema importante para alguns, se não para todos os membros do grupo... Neste sentido, o assunto individual é visto e tratado como um tema mais universal e um assunto do sistema como um todo (p. 28).

Portanto, é necessário fazer "pontes" entre os níveis intrapessoal, interpessoal e grupal, permitindo com que os membros grupais relacionem suas vivências individuais com as dos demais membros e a criação de um sentimento comunitário. Quando um dos participantes do grupo se expressa, costumamos pedir aos demais que expressem de volta não apenas suas impressões acerca do outro, mas como a expressão deste os toca, de forma a incluí-los mais integralmente nas vivências dos demais e do grupo como um todo.

2. Estágio de influência e contradependência:

"A tarefa prioritária para o líder, nesta fase é trabalhar pela ampliação da diferenciação, divergência e flexibilidade do papel dos membros" (Kepner, 1980, p. 29). As principais atividades facilitadoras do processo cooperativo por parte do psicoterapeuta gestáltico de grupo devem ser:

a. Aumento da conscientização das normas que estão operando no grupo

Como esta fase é caracterizada pela diferenciação, divergência e rigidez do papel dos membros grupais, muitas vezes, estes resistem a se desprender da fase anterior, evi­tando confrontar a semelhança e a diferença alheia e assu­mindo uma postura receptiva e polida, mas que escamoteia conflitos, desagrados e rejeições. Assim, o grupo pode ado­tar a norma implícita de que é inaceitável brigar, discutir ou se desagradar com o que o outro faz ou diz. Kepner (1980) sugere que o psicoterapeuta gestáltico de grupo transforme os pressupostos (nos quais se baseiam estas normas implícitas) em perguntas, confrontando e conscientizando os membros grupais sobre suas atitudes baseadas em suposições não testadas;

b. Encorajamento do desafio e da expressão aberta de diferença8 e de insatisfação

Pelo mesmo motivo referido no item anterior, esta é uma fase de tensão e de risco para os membros grupais e re­quer habilidade do psicoterapeuta para trilhar um caminho "minado" em direção à autenticidade e à cooperação, gerando dilemas quanto ao nível de intervenção:

quanto conflito um indivíduo pode tolerar é uma função dessa pessoa e da situação em que elas estão inseridas. Quanta divergência um grupo pode tolerar e ainda operar como um sistema é uma função da coesividade desse grupo. É neste estágio em particular que o líder é confrontado com algumas escolhas crí­ticas em torno do nível de intervenção (Kep­ner, 1980, p. 30).

Como já foram referidas anteriormente, as fases grupais nem sempre seguem a sequência de identidade e dependência, influência e contradependência, e intimidade e interdependência. Frequentemente, estas fases se misturam, se interpõem e variam conforme a situação. No exemplo citado anteriormente (Laura e Elsa x Vilma), acontecido no segundo encontro do grupo, era de se esperar que este grupo estivesse ainda vivenciando sua primeira fase (identidade e dependência), mas, como o exemplo demonstra, apresenta características da segunda (influência e contradependência). Assim, os facilitadores priorizaram o nível interpessoal, já que o grupo necessitava confrontar suas diferenças e papéis. Foi proposto um experimento no qual cada uma das três componentes do grupo deveriam tentar impor-se às outras duas, mostrando-se a "dona da verdade" e expressando suas diferenças, insatisfações e necessidades de desafio. Como forma de criar espaço para os demais membros do grupo, estes foram convidados a se incluir na vivência de Laura, Elsa e Vilma, possibilitando também um trabalho no nível grupal. Na verdade, aqui temos a manifestação de vários níveis sistêmicos. A vantagem do uso do experimento é que permite a expressão das projeções9 intrapessoais, envolvendo todo o grupo;

a. Diferenciação entre papéis e pessoas

"Num grupo, os membros frequentemente desempenham papéis que são uma função das necessidades de um grupo mais do que simplesmente uma função da personalidade ou caráter dessa pessoa" (Kepner in: Feder & Ronall [orgs.], 1980, p. 31). Entretanto, eventualmente, estes papéis se tornam rígidos e fixos, tornando-se estereótipos para um dado membro do grupo ou para o grupo como um todo, fazendo com que ocorram resis­tências quando se tenta mudar estes estereótipos, pois a mudança em um elemento do grupo afeta o funcionamento do sistema total.

O líder pode transformar este comportamento de assumir papéis em conscientização, comentando sobre os estereótipos quando ele/ela os vê operando e ajudar o grupo a se tornar conscientizado das consequências disto para o grupo como um sistema e para os membros individuais. Frequentemente, os papéis que são representados num grupo são projeções da parte rejeitada da personalidade dos membros. O "bode expiatório" é um exemplo disto (Kepner, 1980, p. 32).

Nestas situações, é importante que o facilitador faça intervenções no nível grupal, no sentido de que o grupo se conscientize do quê está evitando ao ter alguém que represente esta parte alienada e projetada pelos membros grupais. Num grupo de psicoterapia por nós conduzido, com frequência semanal e duração semestral, composto de membros de ambos os sexos, a maioria com nível de instrução superior e pertencente à classe média, Armando, um homem de cerca de 45 anos, se destacava por sua postura conservadora e rígida, com clara dificuldade de expressar emoções, apesar de seu evidente desejo de mudança. As mulheres do grupo frequentemente se sentiam chocadas ou revoltadas com as idéias e atitudes "machistas" de Armando para com sua esposa e as mulheres em geral. Para os homens, Armando poderia ser uma escapatória de eventuais acusações por parte das mulheres devido às suas posições conservadoras claramente diferenciadas. Ou seja: Armando poderia ser um "prato cheio" para as projeções do grupo, um sério candidato a 'bode 'expiatório'. Nosso papel, como psicoterapeutas gestálticos de grupo (trabalhávamos em dupla), era criar formas que o ajudassem a conscientizar-se e ao grupo de suas evitações de lidar com as pessoas reais, o que os levava a projetar suas dificuldades e preconceitos sobre as pessoas com as quais conviviam.

3. Estágio de intimidade e interdependência:

O psicoterapeuta gestáltico de grupo deixa de ser percebido como a autoridade máxima e passa a ser um recurso que o grupo pode utilizar devido à sua experiência. Seus exemplos de intervenções no nível grupal permitem ao grupo funcionar efetivamente como sistema, criando um clima favorável à cooperação entre os membros grupais. As funções do facilitador, neste estágio, passam a ser:

a. Manutenção de um papel consultivo

Nesta fase, as intervenções do psicoterapeuta grupal diminuem drasticamente, tornando-se um "fundo" para a "figura" central do grupo e seus membros, o que faz com que estes busquem seu próprio caminho;

b. Ajuda ao grupo a chegar a algum fechamento

"Grupos, qualquer que seja sua duração, são sistemas temporários, e devem atravessar um processo de fechamento que inclui uma reentrada em seu mundo ‘real'" (Kepner, 1980, p. 34-35). Grupos de psicoterapia e "workshops" são situações "artificiais", na medida em que são criadas com determinados objetivos e, por mais agradáveis que sejam, têm como perspectiva básica a sua vinculação com a "realidade" do cotidiano de seus participantes. É essencial que estes possam levar sua aprendizagem vivencial nestes grupos para suas vidas, descobrindo estratégias de aplicação e integração destas novas experiências;

c. Reconhecimento de assuntos inacabados que não puderam ser tratados neste grupo

Como as fases grupais tendem a ser cíclicas, nem to­dos os grupos atingem uniformemente o estágio de intimidade e interdependência.

Neste caso, o processo de fechamento necessita reconhecer tanto os aspectos negativos quanto os positivos da experiência - as necessidades que não foram satisfeitas e as expectativas que não foram cumpridas. Alguma avaliação deve ser feita sobre a discrepância entre o que era esperado e o que realmente aconteceu. È a partir deste processo de avaliação que as polaridades e os dilemas de mudança são aprendidos (Kepner, 1980, p. 35).

Em nosso caso específico, tanto no que se refere à psicoterapia individual quanto à psicoterapia gestáltica de grupo, a avaliação tem papel fundamental. Após um período de experiência (geralmente de quatro sessões), discutimos tanto a disponibilidade do(s) cliente(s) para investir nesta proposta (a psicoterapia) quanto para compartilhar este mesmo processo - frequentemente doloroso e difícil, com a(s) pessoa(s) do(s) psicoterapeuta(s) e seus coparticipantes (no caso da psicoterapia de grupo). Trata-se também de uma oportunidade para o(s) psicoterapeuta(s) avaliar(em) igualmente sua disponibilidade para acompanhar o processo deste(s) cliente(s). Da mesma forma, ao final da psicoterapia, a ava­liação (que, na verdade, é frequentemente retomada ao longo de seu processo), assume um caráter decisivo, pois todos têm a oportunidade de confrontar suas expectativas, frustrações e satisfações, e, no caso do(s) cliente(s), avaliar sua capacidade de "caminhar com suas próprias pernas" ("self-support" ou autonomia).

Neste sentido, devido ao não reconhecimento dos objetivos coletivos, nem sempre a "cultura" do grupo é propiciadora da realização do projeto comunitário, sendo papel regulador do gestalt-terapeuta de grupo reconhecer tais distorções e facilitar que o grupo delas se dê conta e as esclareça. O psicoterapeuta gestáltico de grupo tem uma função múltipla: além de sua automanutenção e do grupo nos limites impostos por sua tarefa, deve atentar aos fenômenos explícitos ou implícitos da dinâmica pessoal, das relações interpessoais e dos processos grupais, bem como às articulações, com o contexto social (Tellegen, 1984).

Os vários níveis não devem ser compreendidos de forma estanque ou hierarquizada, como pode sugerir a Figura 3, abaixo:


(Kernberg, 1975 apud Tellegen, 1984, p. 79)
FIGURA 3

Estes vários níveis requerem a atenção do psicoterapeuta de grupo e impõem um diagnóstico móvel das funções de intercâmbio predominantes e uma priorização da intervenção em um destes níveis sistêmicos. A Figura 4, em seguida, ilustra, aproximadamente, a perspectiva de Kernberg (1975):


(Kernberg, 1975 apud Tellegen, 1984, p. 80)
FIGURA 4

 

Assim, concordamos com Tellegen (1984) quanto à valorização da flexibilidade e da capacidade do psicoterapeuta de grupo de intervir nestes vários níveis, oportuna e adequadamente, buscando o máximo de clareza quanto à sua tarefa principal num dado momento. Nesta perspectiva, deve-se destacar o cuidado de evidenciar a relação entre o envolvimento afetivo e a produção grupal (tarefas), mantendo o espaço aberto para as diferenças pessoais. Pode-se concluir que o trabalho do psicoterapeuta gestáltico de grupo ocorre na fronteira de contato entre os vários níveis citados.

Podemos descrever o papel do psicoterapeuta de grupo em relação ao processo gestáltico de grupo, conforme Zinker (1977). São quatro os princípios básicos de sua proposta:

1) primazia, em cada momento, da experiência grupal em marcha; 2) processo de desenvolvimento da consciência grupal; 3) importância do contato ativo entre os participantes, e 4) emprego de experimentos de interação estimulados por um líder que intervém ativamente neles (Zinker, 1977, p. 133).

Assim,

no processo de grupo gestáltico, o terapeuta constitui inequivocamente uma autoridade, mas se move com fluidez no grupo. Pode decidir-se por ocupar o centro e estimular ativamente o trabalho individual com os membros do grupo, ou pode optar por se colocar de lado, retirar-se do centro e participar no grupo como um de seus integrantes. Sua presença sempre se sente e seu poder se experimenta com clareza (p. 135).

A Figura 5, apresentada em seguida, ilustra o processo de grupo gestáltico:


(Zinker, 1977, p. 135)
FIGURA 5

 

Nesta perspectiva, o psicoterapeuta gestáltico de grupo (marcado com um "X", na figura acima) se constitui como uma autoridade dotada de poder, não para ser imitado ou obedecido, mas no sentido de que é reconhecido como um modelo de "autor" de sua própria atuação, propiciando a experiência e a conscientização grupais, e, através do contato e da cooperação ativa dos membros do grupo, possibilitando que eles assumam sua autoridade sobre si mesmos, suas relações, o grupo em que convivem e a sociedade da qual participam.

 

6 Conclusão

Portanto, podemos concluir que o psicoterapeuta gestáltico de grupo é um catalisador que integra a energia dispersa dos participantes grupais num sistema comunitário organizado e criativo no sentido de um objetivo comum.

Tal esforço cooperativo exige, por parte do grupo, aceitação e respeito por seus membros individuais, assim como, por parte do que dirige, a especial capacidade necessária para converter os talentos e resistências do grupo em um sentimento de comunidade unificada (Zinker, 1977, p. 129).

Neste texto, destacamos que, desde a crise dos anos 1970 e 1980, referida por Yontef (1987), a gestalt-terapia vem sofrendo influên­cias tanto na sua proposta de atuação em grupos quanto na postura do psicoterapeuta. As maiores contribuições têm vindo principalmente da abordagem centrada na pessoa, que se tem configurado como uma das pioneiras do trabalho com grupos no referencial humanista, guardadas as restrições referidas por Zinker (1977) anteriormente. Particularmente, têm sido propostos, numa perspectiva gestáltica, os chamados "grupos de encontro" ou "grupos vivenciais". Estes grupos, geralmente residenciais (os participantes se deslocam para um local previamente preparado para tal, onde convivem, co­mem e dormem), duram de dois a vários dias e se caracterizam

por uma disposição dos organizadores-facilitadores do encontro de, com o exercício do poder de que dispõem, permitir ao sistema social que então se configura um desenvolvimento a partir das demandas de cada um de seus participantes, e do conjunto destes, sem que haja exigências limitativas ou normativas deliberadamente determinadas 'a priori', além das exigências culturais que espontaneamente se impõem" (Fonseca, 1983, p. 143-144).

Os grupos vivenciais - que já não se limitam à psicoterapia, mas têm fins de treinamento, aprendizagem, intercâmbio, lazer, criatividade, trabalho corporal e uma série de outras possibilidades, visam ao desenvolvimento da consciência coletiva e individual e à ação decorrente desta, propiciando um processo de grupo criativo a partir da construção da cultura do grupo, o que requer, da parte dos facilitadores, o desenvolvimento de suas próprias consciências e ações pessoais, de momento a momento. Para tanto, estes facilitadores renunciam ao controle institucionalizado sobre as coisas, processos e seres e se dispõem a vivenciar a incerteza da mudança e os impasses do crescimento e da vida (Fonseca, 1983).

Sobre o poder do psicoterapeuta de grupo, pode-se afirmar que

o facilitador não se obriga a limitar sua consciência simplesmente à consciência do "status" e papel que ocupa no seu desempenho; o poder de que está investido, por sua iniciativa, pela sociedade e pelo grupo passa a ser secundário, diante de seu poder pessoal para ser, para ser com, e para ser realisti­camente, advertindo que isto não significa, todavia, que sua atitude é uma atitude de "laissez-faire" ou uma atitude espontaneísta. Sua participação é ativa e plena, no fluxo da dialética entre sua subjetividade e a objeti­vidade da realidade em que está enredado. Apenas, não se vê como elemento de uma reali­dade que teria a função de controlar e modelar para um "bem" ideal. Vê-se, antes, como inteiramente imerso nela e no constante processo de sua transcendência (Fonseca, 1983, p. 148).

O facilitador de grupo, portanto, é um agente social em destacado e responsável pelo desempenho da instituição grupal perante a sociedade, sendo depositário parcial do pode institucional, definido por esta mesma sociedade, frente ao grupo e seus participantes. Distinguem-se dois níveis deste poder: o poder institucional objetivo, adquirido através de sua habilitação legal; reputação e iniciativa, que lhe imputa compromissos e privilégios, reconhecidos pela cultura comum e pelos participantes do grupo; e, ligado ao anterior, mas mais subjetivamente, temos o poder associado ao fato de o psicoterapeuta de grupo, pelo menos de início, ser o único ponto pré-definido, que determina a infraestrutura material, viabilizadora do grupo, e que afeta os membros grupais e o grupo em sua totalidade sistêmica. Assim,

o facilitador é um elo de articulação da configuração de poder do sistema social mais amplo com o grupo como sistema diferenciado. O grupo se funda e cresce sobre um ato de poder seu, é permitido graças à sua posição no sistema social mais amplo. De uma forma concreta, o facilitador cria um universo para o seu poder (Fonseca, 1983, p. 160).

Pode-se inferir da discussão acima a importância do modo como o psicoterapeuta de grupo exerce seu poder, que, como vimos, é, em grande parte, determinante da natureza, dos rumos e da qualidade do processo grupal. A questão passa a ser como deve o facilitador gerir o seu poder: usá-lo para influenciar o grupo a satisfazer suas próprias (do psicoterapeuta) necessidades de controle, reproduzindo a cultura comum, ou, por outro lado, para facilitar as buscas e a criações genuínas da coletividade grupal, apropriando-se (o grupo) destas e de seu poder de transformar esta cultura particular e vinculando-se ao todo social?

Parece importante que o promotor-facilitador seja o primeiro a estar consciente e a lidar com este dado da realidade. Na resposta que o seu desempenho concreto no grupo dá a essa questão parece residir muito da sua natureza facilitadora ou inibidora. O modo como lida com o paradoxo evidencia e operacionaliza, ou não, a sua arte como facilitador (Fonseca, 1983, p. 167).

Assim, investido de um poder institucional outorgado pela sociedade e reconhecido aprioristicamente pela cultura grupal, o psicoterapeuta de grupo deve renunciar a este poder e, ao mesmo tempo, conquistar uma nova autoridade constituída pela criação e busca de sua competência na coletividade grupal emergente. Este poder renunciado é reconquistado com o fim de servir cooperativamente com a totalidade do grupo.

Por outro lado, o facilitador de grupo é

uma presença que integra o recordar e o pla­nejar como dimensões espontâneas da realidade. Não possui, todavia, um caminho particu­lar que deseje levar o grupo a trilhar. En­tende que o grupo possui naturalmente um po­tencial de sabedoria para a construção de seu próprio caminho, um potencial superior à sabedoria de um único indivíduo ou subgrupo. E dispõe-se a participar na construção deste' caminho e da singular caminhada por ele. Tal realidade, entretanto, não é para ele algo a que observa como espectador e em que intervém, do "alto da sabedoria" que supostamente lhe conferiria o "status" de facilitador, ora para apontar (ao grupo ou aos indivíduos) direções, ora para determinar correção de rumos. A realidade grupal, de uma forma concreta, o envolve inteiramente como pessoa e entranha-se dentro dele (Fonseca, 1983, p. 178-179).

Uma das principais características dos grupos viven­ciais é a inexistência de um programa prévio, por parte da equipe de facilitação. Sua proposta é que as diferentes realidades existenciais dos participantes efetivamente se encontrem e se criem e recriem a partir de suas perspectivas pessoais e coletivas. É neste sentido que é investido o poder dos facilitadores gestálticos. Pelo menos de início,

na perspectiva do grupo como sistema global é importante ressaltar a sua intrínseca dependência para com o facilitador, ou para com a equipe de facilitação. Dependência que pode diluir-se, à medida do transcurso do processo grupal, mas que é fundamental nos primórdios deste (Fonseca, 1988, p. 23).

Assim, justifica-se o papel do facilitador de, partindo da dependência inicial (reprodução do "poder institucional" do psicoterapeuta de grupo, imposto socialmente), auxiliar o grupo a transpor os conflitos e impasses da contradependência, diferenciando-se do sistema social, e desenvolvendo uma interdependência cooperativa específica. Portanto, ao descentralizar seu poder e ao investi-lo a favor do grupo, o psicoterapeuta de grupo gestáltico propicia o desenvolvimento do poder do próprio grupo.

Para tanto,

pressupõe-se no facilitador um fascínio natural e entusiasmado pelas pessoas, pelos dinamismos e pela expressividade dos dinamismos de suas atualidades existenciais. Pressupõe-se igualmente um fascínio pela paulatina e complexa emergência e configuração da reali­dade grupal, nas articulações de seus vários níveis de sutileza ou de evidenciação de intensidade ou de diluição... De modo que o facilitador não está isento nem é exterior à realidade grupal, como um sujeito que manipu­la um objeto que lhe é independente (Fonseca, 1988, p. 28).

Tal disponibilidade para se envolver com a atualidade existencial do outro é um pré-requisito básico para o psicólogo de forma geral, para o psicoterapeuta mais especificamente e, para aqueles que se propõem a trabalhar com grupos, constitui uma característica essencial. Em termos de gestalt-terapia, esta disponibilidade é básica e constitui um dos seus pilares como abordagem humanista e humanizante.

Deve-se advertir que,

de um modo geral, não é com o facilitador que se desenvolvem as relações mais  importantes do participante no contexto do grupo, ainda que as relações com o facilitador tenham para este o seu lugar de relevância nas reuniões formais (Fonseca, 1988, p. 34).

Tal fato se evidencia particularmente nos grupos vivenciais, nos quais grande parte dos encontros interpesso­ais (destaque-se o seu caráter 'terapêutico') se dá fora das reuniões formais, nas quais, potencialmente, pela presença marcante do facilitador, ocorre a psicoterapia. Isto requer do psicoterapeuta de grupo modéstia, parcimônia e discernimento quanto à sua participação e especialmente quanto à sua intervenção, pois evidencia um outro poderoso e eventualmente mais próximo facilitador: os outros participantes e, particularmente, o grupo como comunidade.

O facilitador tem, para com o grupo, uma dupla relação: momentos "isomórficos", nos quais interpreta (teatralmente e não no sentido psicanalítico) e expressa a subjetividade do grupo que se constitui nele, tornando-se uma "voz" do grupo, e, em outros momentos, confronta-o com sua própria subjetividade, expressando a sua diferença pessoal em relação à coletividade ("tensão da diferença"). Neste sentido, a equipe de facilitação necessita desenvolver um caráter tanto "homogêneo" quanto "heterogêneo" entre seus elementos: deve haver uma coincidência entre os facilitadores quanto à concepção de sua proposta de grupo, ao papel e ao desempenho da equipe, sua prática e seus interesses, o que não significa unanimidade. Por outro lado, é importante resguardar suas diferenças subjetivas e comportamentais, sem com isto impedir a cooperação, entendimento e entrosamento pessoais, o que abalaria a estrutura grupal, na ausência de um modelo cooperativo básico (Wood, 1983a).

A constituição da equipe de facilitação pode ir de um a vários elementos, pois

nada impede que um pequeno grupo seja facilitado por um único facilitador, desde que ele esteja efetivamente habilitado para tal. Em geral, entretanto, é interessante e mesmo importante que os grupos sejam facilitados por pelo menos dois facilitadores. No caso dos pequenos grupos ou de grupos de tamanho médio, o segundo facilitador pode mesmo ser um treinando mais apto. Nos casos de grupos maiores (mais de vinte pessoas), é de fundamental importância que trabalhem dois ou três facilitadores (Fonseca, 1988, p. 38-39).

Em nossa experiência, principalmente nos grupos de psicoterapia, temos preferido trabalhar com dois facilitadores, de ambos os sexos – embora tal configuração não seja essencial -, pois parece facilitar a identificação dos clientes com as diversas subjetividades masculinas e femininas presentes, tanto as dos psicoterapeutas quanto as dos demais participantes. De qualquer forma, a composição da equipe de facilitação deve ser a mínima possível, evitando sua superposição institucional sobre o poder facilitador da comunidade, seguindo as prescrições acima. A presença de outro facilitador auxilia o trabalho da equipe tanto no sentido de poder compartilhar experiências comuns, semelhanças e diferenças, quanto permitir o relaxamento ou o retraimento de um deles, quando isto se fizer necessário.

As "coalizões", que, frequentemente, ocorrem através de díades, tríades ou de subgrupos, são definidas como o "processo no qual um certo conjunto de pessoas participantes, voluntária ou involuntariamente, conscientemente ou não, atuam de modo articulado e coordenado, no sentido de alcançar certos objetivos" (Fonseca, 1988, p. 86). Tais coalizões são inevitáveis e, muitas vezes, são irritantes, perturbadoras e desagradáveis quando buscam boicotar ou desviar os objetivos do processo de grupo. Portanto, não devem ser confundidas com o que chamamos de "cooperação", pois, apesar da existência de um objetivo comum (a sabotagem do grupo, de sua meta ou do poder do facilitador), tendem a dividir e a minar as aspirações mais amplas do coletivo grupal: sua constituição como grupo. É importante ter claro que as coalizões são desafiantes e devem ser consideradas como oportunidades de explicitação de interesses e objetivos diferenciados em relação ao psicoterapeuta gestáltico de grupo e de interação e confronto honestos com outras metas, o que propicia a revelação da proposta do grupo, ou seja, da criação e da descoberta da rea­lidade e da consciência grupais através da facilitação deste(s) psicoterapeuta(s). Esta postura facilitadora do psicoterapeuta gestáltico de grupo realça o fato de que não compete ao psicoterapeuta resolver os "problemas" do grupo, mas ao grupo como comunidade, ou seja, ele é a instância responsável tanto pelos modos de dificultar quanto de facilitar seu próprio processo (Fonseca, 1988).

Além das capacidades citadas acima,

... é imprescindível que o facilitador conheça de modo efetivo, ainda que não especializado, a realidade sócio-histórica em que se inserem ele próprio, o grupo que facilita e as pessoas que dele participam. Que ele conheça as lutas concretas - e esteja humanamente posicionado com relação a elas - do processo de humanização nesse contexto sócio-histórico particular, de modo que possa entender a forma como as ressonâncias das tensões dessas lutas se particularizam de modo especial na atualidade existencial e nas relações da atualidade existencial dos participantes do grupo (Fonseca, 1988, p. 177).

Assim, o psicoterapeuta gestáltico de grupo pode compreender as manifestações das atitudes impeditivas e facilitadoras da atualização da essência e do potencial humanos, evitando uma participação irracional e alienada de seu próprio poder.

 

Referências

 FEDER, B.; RONALL, R. Introduction. In: FEDER, B. & RONALL, R. (orgs.) Beyond the hot seat: gestalt approaches to group. New York: Brunner/Mazel, 1980, ix‑xii.         [ Links ]

FLYNN, J. D. Educating for autonomy: a gestalt approach to higher education. In: FEDER, B.; RONALL, R. (orgs.) Beyond the hot seat: gestalt approaches to group. New York: Brunner/Mazel, 1980, p. 133‑154.         [ Links ]

FONSECA, A. H. L. da. Instituição, poder e vida ou da transação fascinada com a vida. In: ROGERS, C. R.; WOOD, J. K.; O'HARA, M; FONSECA (eds.). Em busca de vida: da terapia centrada no cliente à abordagem centrada na pessoa. São Paulo: Summus, 1983, p. 139‑183.         [ Links ]

FONSECA, A. H. L. da. Grupo: fugacidade, ritmo e forma. Processo de grupo e facilitação na psicologia humanista. São Paulo: Ágora, 1988.         [ Links ]

KEPNER, E. Gestalt group process. In: FEDER, B.; RONALL, R. (orgs.) Beyond the hot seat: gestalt approaches to group. New York: Brunner/Mazel, 1980, p. 1‑39.         [ Links ]

KERNBERG, O. F. A system approach to priority setting of interventions in groups. The International Journal of Group Psychotherapy. [S.l.], v. 25, [s.n.], p. 251‑275, 1975.         [ Links ]

LANE, S. T. M. O processo grupal. In: LANE, S. T. M.; CODO. W. (orgs.) Psicologia social: o homem em movimento. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 78‑97.         [ Links ]

LIEBERMAN, M. A.; YALOM, I. D.; MILES, M. B. Encounter groups: first facts. New York: Basic Books, 1973.         [ Links ]

LOUREAU, R. A análise institucional. Petrópolis: Vozes, 1975.         [ Links ]

PERLS, F. S. Ego, fome e agressão: uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo: Summus, 2002. Originalmente publicada em 1947.         [ Links ]

RONALL, R. Intensive gestalt workshops: experiences in community. In: FEDER, B.; RONALL, R. (orgs.) Beyond the hot seat: gestalt approaches to group. New York: Brunner/Mazel, 1980, p. 179‑211.         [ Links ]

SCHUTZ, W. C. O prazer: expansão da consciência humana. Rio de Janeiro: Imago, 1974.         [ Links ]

SCHUTZ, W. C. Psicoterapia pelo encontro. São Paulo: Atlas, 1978.         [ Links ]

SHEPHERD, I. L. Limitações e cautelas na abordagem gestaltista. In: FAGAN, J.; SHEPHERD, I. L. (orgs.) Gestalt-terapia: teoria, técnicas e aplicações. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1977, p. 303-309.         [ Links ]

SIMKIN, J. S. Mini‑lectures in gestalt therapy. Albany, California: Wordpress, 1974.         [ Links ]

SINGER, D.; ASTRACHAN, B.; GOULD, L.; KLEIN, E. Boundary management in psychological work in groups. Journal of Applied Behavioral Science, New York, V. II, [s. n.], p. 137‑176, 1975.         [ Links ]

TELLEGEN, T. A. Gestalt e grupos: uma perspectiva sistêmica. São Paulo: Summus, 1984.         [ Links ]

WOOD, J. K. Sombras da entrega. In: ROGERS, C. R.; WOOD, J. K.; O'HARA, M; FONSECA (eds.). Em busca de vida: da terapia centrada no cliente à abordagem centrada na pessoa. São Paulo: Summus, 1983, p. 23‑44.         [ Links ]

YALOM, I. D. The theory and practice of group psychotherapy. New York: Basic Books, 1970.         [ Links ]

YONTEF, G. M. Gestalt terapia 1986: uma polêmica. The Gestalt Journal. [S.l.], v. X, n. 1, p. 1‑17, spring 1987 (texto datilografado).         [ Links ]

ZINKER, J. C. El proceso creativo en la terapia guestáltica. Buenos Aires: Paidos, 1977.         [ Links ]

ZINKER, J. C. The developmental process of a Gestalt therapy group. In: FEDER, B.; RONALL, R. (orgs.) Beyond the hot seat: gestalt approaches to group. New York: Brunner/Mazel, 1980, p. 55‑77.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Georges Daniel Janja Bloc Boris
Avenida Washington Soares, 1321 - Edson Queiroz - CEP 60811 - Fortaleza, Ceará, Brasil
Endereço eletrônico: geoboris@uol.com.br

Recebido em: 18/11/2011
Reformulado em: 10/09/2012
Aceito para publicação em: 09/05/2013
Acompanhamento do processo editorial: Ana Maria Lopes Calvo de Feijoo

 

* Doutor em Sociologia (Universidade Federal do Ceará)
1 Grifado, no original.
2 Apesar de terem objetivos diferentes, o "processo de grupo gestáltico" e o "grupo vivencial" apresentam uma qualidade em comum: ambos buscam utilizar os recursos disponíveis para o 'trabalho' nos três níveis sistêmicos. Assim, estas duas propostas vão "além da psicoterapia", pelo menos quanto ao modelo tradicional. Melhor dizendo, concebem a psicoterapia como uma das possibilidades das vivências do grupo. Portanto, a partir deste ponto, nossa discussão acerca de cada um destes modelos aplicar-se-á, em grande parte, ao outro. Na verdade, não se trata de 'ir além da psicoterapia propriamente dita', mas da inclusão, na perspectiva psicoterápica, do tratamento da consciência individual e coletiva, e da construção de um sentimento comunitário.
3 Entendo "transindividualidade" como a capacidade humana de transcender, ir além de sua fronteira individual, o que, inegavelmente, possibilita a construção de vínculos cooperativos.
4 A noção de um ciclo gestáltico de conscientização, como originalmente referido, foi formulada por Billl Warner e Miriam Polster, do Instituto Gestáltico de Cleveland (Zinker, 1980, p. 57).
5 Conforme Loureau (1975) e Lane (1987b), o "grupo-sujeito" é aquele capaz de captar, objetiva e conscientemente, a mediação da instituição e da sociedade em que está inserido.
6 Como se refere aos objetivos individuais no grupo gestáltico, o termo intrapsíquico, aqui, diz respeito ao contato consigo mesmo.
7 Grifado, no original.
8 Se pensarmos dialeticamente, o tratamento de nossas diferenças pres¬supõe o reconhecimento de identidades ou semelhanças, que, mais caracteristicamente, são expressas no primeiro estágio.
9 Em sua primeira obra, Perls (1947/2002) já tratava da projeção, definindo-a como "um fenômeno essencialmente inconsciente. A pessoa que está projetando não pode distinguir satisfatoriamente entre os mundos interior e exterior. Visualiza no mundo exterior aquelas partes de sua própria personalidade com as quais se recusa a se identificar. O organismo as experiência como exteriores às fronteiras egóicas e consequentemente reage com agressão" (p. 231).