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Estudos e Pesquisas em Psicologia
versão On-line ISSN 1808-4281
Estud. pesqui. psicol. vol.17 no.1 Rio de Janeiro jan./abr. 2017
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Conhecendo a imagem, o papel e a relação avó-neto: a perspectiva de avós maternas
Knowing the image, role and the relationship between grandmothers and their grandchildren: the perspective of maternal grandmothers
Conociendo la imagen, el papel y la relación abuelo-nieto: la perspectiva de los abuelos maternos
Edinara Zanatta*; Dorian Mônica Arpini**
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil
RESUMO
Considerando-se a importância que os avós têm para o contexto familiar, este estudo teve como objetivo investigar as "novas" configurações da imagem, do papel e da função das avós pertencentes a um contexto socioeconômico de baixa renda, residentes em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul, bem como apresentar alguns aspectos da relação avó-neto. Este é um estudo qualitativo em que participaram 10 avós cujas filhas estavam vivenciando a maternidade pela primeira vez e eram usuárias de um Programa Público de Saúde Materno-Infantil. Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se uma ficha de dados sociodemográficos e uma entrevista semidirigida. Os resultados foram analisados conforme o método de análise de conteúdo e apontaram que as avós são relativamente jovens e ativas. A relação avós-netos foi marcada por sentimentos de satisfação, afeto e zelo, não sendo observada disparidade nesta em decorrência da idade da filha ao se tornar mãe. Destaca-se, ainda, o papel de apoio desempenhado pelas avós, em decorrência do nascimento do neto, colocando-se como referência para as filhas. Por fim, salienta-se a importância de novos estudos envolvendo avós, considerando a importância e envolvimento das mesmas nos momentos de transição familiar, como é o nascimento de um neto.
Palavras-chave: avós, relações entre gerações, maternidade, relação avó-neto.
ABSTRACT
Considering the importance of grandparents in family contexts, this study aimed to investigate the ‘new' configurations of image, role and function of grandmothers who live in a city of the state of Rio Grande do Sul and experience a social-economic context of low income. We also intend to present some aspects of the relationship between grandmothers and their grandchildren. This is a qualitative study and the participants are 10 mothers whose adult daughters were living their first experiences of maternity and were attending a public health program for mothers and infants. As instruments for data collect we used a social-demographical form and a semi-directed interview. The results were analysed in accordance with the content analysis method, which indicated that grandmothers are relatively young women who perform an active role within the family and society. The participants described the relationship with their grandchildren as one characterized by feelings of satisfaction, affection and care, there were not found differences in the results according to the age of the mothers. It is important to emphasize the supportive role performed by grandmothers after the birth of a grandchild, when they become a reference for their daughters. Lastly, it is pointed out the importance of new studies involving grandmothers, considering their importance and implication on moments of family transitions, as it is for the birth of a grandchild.
Keywords: grandmothers, relationships between generations, maternity, relationship grandmother-grandchild.
RESUMEN
En vista de la importancia de los abuelos en los contextos familiares, el presente estudio ha tenido como objectivo investigar las "nuevas" configuraciones de la imagen, del rol y de la función de las abuelas pertenecientes a un entorno socioeconómico de un bajo nivel de ingresos, viviendo en una ciudad ubicada en la provincia de Rio Grande do Sul – Brasil, así como presentar algunos aspectos de la relación abuela-nieto. Este es un estudio cualitativo, con la participación de 10 madres, cuyas hijas estaban viviendo la maternidad por primera vez y eran usuarias de un Programa de Salud Pública a la población Materno-Infantil. Como instrumento de búsqueda de datos, se ha utilizado un registro sociodemográfico y una entrevista semidirigida. Los resultados han sido analizados según el método de análisis de contenido y han señalado que las abuelas son mujeres relativamente jóvenes y desempeñan un papel activo tanto en el contexto familiar como en el social. La relación abuela-nieto ha sido descrita por los participantes con sentimientos de satisfacción, afecto y cuidado, no han sido observadas diferencias en los resultados frente a las edades de las madres. Se evidencia, aún, el rol de apoyo que desempeña las abuelas, en recurrencia del nacimiento del nieto, que las pone como referencia para sus hijas. Por fin, se pone de relieve la importancia de nuevos estudios con las abuelas, considerando su importancia e implicación en los periodos de transición familiar.
Palabras-clave: abuelas, relaciones entre generaciones, maternidad, relación abuela-nieto.
Introdução
Ao se pensar sobre a família, é importante considerar o lugar ocupado pelos avós durante os processos de transformação familiar, como é o caso quando ocorre o nascimento dos netos. Nas últimas décadas, tem-se percebido que a idade na qual a pessoa se torna avô ou avó pode ser muito variada. Identificam-se avós mais jovens, como também aqueles que apresentam idades cada vez mais avançadas (Cardoso, 2011; Cardoso, & Brito, 2014). Nesse sentido, Edinara Zanatta, Dorian Mônica Arpini Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 343-363, 2017. 345 muitos avós que vivenciaram esta experiência ainda jovem, também se tornaram pais e mães cedo. Esse fenômeno tem sido observado com maior incidência nas classes socioeconômicas mais baixas, cuja ocorrência da gravidez na adolescência tem sido observada, com certa recorrência, nas gerações das avós e, após, com as filhas (Silva, & Salomão, 2003). Já aos avós com mais idades, estes são atores de um período revolucionário na segunda metade do século XX. Essa geração promoveu mudanças sociais importantes que influenciou no desenvolvimento e na constituição familiar (Cardoso, 2011), entre eles a entrada da mulher no mercado de trabalho e o adiamento da maternidade.
De acordo com Aratangy e Posternak (2010), o século XXI será considerado o século dos avós. Entre os americanos, mais de 50% tornam-se avós com idades entre 49 e 53 anos e passam nessa função de 30 a 40 anos. Na França, com idade em torno dos 65 anos, 80% são avós e, aproximadamente, metade dessa população será bisavó. Já na Inglaterra, por volta dos 54 anos, 50% das pessoas têm netos. Deste grupo, 25% dos avós são os principais responsáveis por cuidar dos netos e o fazem em torno de seis horas por dia. Nesse sentido, destaca-se também o Brasil, que de acordo com dados do último censo do IBGE, as famílias brasileiras, atualmente, passam a ter mais avós e netos em relação a tempos anteriores (IBGE, 2010), o que sinaliza o aumento na expectativa de vida da população brasileira.
De acordo com Dias (2002), dada à importância que os avós foram assumindo no contexto familiar é preciso considerar que alguns fatores fizeram com que eles se tornassem figuras significativas e participativas no cuidado com os netos. Dentre eles destaca-se: o aumento na expectativa de vida, o que por sua vez proporciona maior contato entre as gerações; a inserção da mulher no mercado de trabalho; as novas configurações familiares (as famílias monoparentais que são constituídas por apenas um membro parental cuidador; as famílias recasadas que se configuram por separações e novos casamentos, com ou sem filhos oriundos dessas relações e as divorciadas/separadas); a gravidez na adolescência, que segundo Silva e Salomão (2003), tal acontecimento faz com que muitas avós maternas assumam o papel de mães substitutas, sendo elas mães e avós ao mesmo tempo, entre outros. É inegável a importância que os avôs têm na transmissão dos conhecimentos e na história de uma geração para outra. Ao desempenharem a função de avós, eles podem se beneficiar da reaproximação com os filhos a partir do contato com os netos. Por outro lado, essa reaproximação também pode ocorrer a partir da perspectiva dos novos pais que podem voltar a se aproximar de seus pais e recuperar o sentimento de pertencimento que pode ter sido enfraquecido com a saída de casa, independência e casamento (Castellon, 2004).
É inegável a importância que os avôs têm na transmissão dos conhecimentos e na história de uma geração para outra. Ao desempenharem a função de avós, eles podem se beneficiar da reaproximação com os filhos a partir do contato com os netos. Por outro lado, essa reaproximação também pode ocorrer a partir da perspectiva dos novos pais que podem voltar a se aproximar de seus pais e recuperar o sentimento de pertencimento que pode ter sido enfraquecido com a saída de casa, independência e casamento (Castellon, 2004).
Nesse sentido, destaca-se, ainda, o papel que os avós desempenham, devido à sua experiência de vida, de agentes socializadores da maternidade e da paternidade para os seus filhos. Com o nascimento do neto, a presença dos avós junto aos pais não somente se modifica, como também se intensifica. Cabe a eles ajudar e orientar os novos pais a desempenharem suas funções e adaptarem-se às mudanças proporcionadas pela chegada do bebê (Barros, 1987).
Nessa perspectiva, a década de 2000 marca o aumento do número de famílias chefiadas e sustentadas pelos avós. Além disso, muitos deles passaram a exercer o papel de cuidadores dos netos e, muitas vezes, são os responsáveis por criá-los (Araújo, & Dias, 2010; Falcão, 2012).
No que diz respeito aos avós contemporâneos, estes são mais ativos e economicamente estáveis, mais liberais e atentos aos cuidados com a saúde, em comparação com avós de épocas passadas. Essas diferenças poderão repercutir em novas formas de interação com os netos. Desse modo, é comum hoje em dia que avós e netos realizem variadas atividades juntos (Aratangy & Posternak, 2010).
É preciso atentar para o fato de que a idade pode ser considerada uma variável importante na interação entre avós e netos. Em uma pesquisa realizada por Araújo e Dias (2002) que buscou conhecer o tipo de apoio oferecido aos netos pelos avós antes e depois do divórcio dos pais, foi constatado que os avós com 65 anos ou menos desempenhavam maior número de atividades com os netos, enquanto que no grupo dos que tinham mais de 65 anos, percebeu-se uma queda na visitação aos mesmos. Segundo Dutra (2008), é provável que os avós mais novos sintam-se mais dispostos a visitar os netos e desenvolver atividades, sejam elas emocionais ou instrumentais, visto que a condição de saúde destes pode favorecer a interação entre ambos.
Nesse sentido, o papel desempenhado pelos avós nas famílias brasileiras tem se mostrado fundamental, principalmente quando os pais estão inseridos no mercado de trabalho. A rotina de trabalho dos pais modernos pode acabar por favorecer a aproximação entre avós e netos (Pedrosa, 2006), especialmente quando os netos são pequenos, uma vez que o cuidado nessa etapa seria uma das principais funções desempenhadas pelos avós (Dias, 2002).
Em um estudo realizado por Cupolillo, Da Costa e De Paula (2001) acerca da família de baixa renda goianiense e os elos parentais, foi destacado o papel dos avós no suporte, na criação e educação dos netos. A maioria dos avós cuidadores apresentados pelo estudo eram do sexo feminino e exerciam a função materna. De acordo com Cardoso, (2011), Oliveira, Vianna e Cárdenas, (2010) e Silva, Magalhães e Cavalcante, (2014), frequentemente, identifica-se que as avós maternas se tornam as cuidadoras substitutas dos netos, assim ficam mais próximas da família, sendo as depositárias da confiança da filha para desempenhar tal função.
Em estudo realizado por Araújo e Dias (2010), cuja finalidade foi investigar as vivências e percepções de avós que criam os netos pertencentes ao nível socioeconômico baixo, foram destacadas as dificuldades financeiras na criação dos netos, assim como a dificuldade de colocar limites aos mesmos. No entanto, a proximidade e o amor recíproco entre avós e netos foram apontados como aspectos positivos, os quais foram associados a sentimentos de felicidade e satisfação, minimizando as dificuldades. Entretanto, alguns avós referiram sentirem-se culpados pela preferência em relação aos netos de que cuidam, em detrimento dos demais. De um modo geral, os avós que integraram esse estudo referiram não medir esforços para cuidar dos netos, pois os benefícios advindos desta convivência proporcionaria energia para continuar a viver.
Além de prestarem apoio, os avós também contribuem transmitindo valores, crenças e experiências, acumuladas ao longo da vida (Barros, 1987; Dessen & Braz, 2000). Ao se tornarem avós, esses podem não somente assumir os cuidados indiretos com os netos, mas envolvem-se com seus filhos, ensinando-os a serem pais. Não se tornam somente avós, mas continuam sendo pais desses novos pais (Aratangy & Posternak, 2010; Barros, 1987; Cupolillo et al., 2001). Um estudo realizado por Kipper e Lopes (2006) do qual participaram 11 avós maternas cujas filhas estavam tendo seu primeiro filho e elas o primeiro neto, e que teve como objetivo analisar o tornar-se avós e o processo de individuação evidenciou que, para a maioria das participantes, o nascimento do neto foi marcado como um momento no qual elas ajudaram suas filhas nos primeiros cuidados com o bebê e permaneceram na casa da filha por alguns dias, para proporcionar assistência em tempo integral à dupla mãe-bebê.
As avós também mencionaram diferenças no papel de avó em relação ao papel de mãe, pois na época dos filhos pequenos tinham uma rotina de trabalho intensa, o que reduzia o tempo disponível para os filhos, especialmente para brincadeiras. Com os netos, como elas dispõem de maior tempo livre, conseguem aproveitar mais, inclusive sentindo-se mais dispostas. Além disso, foi pontuado pelas participantes o sentimento de que seus avós eram distantes, rígidos e poucos carinhosos, comportamentos considerados diferentes dos que elas têm hoje em dia para com os netos (Kipper, & Lopes, 2006). Em outro estudo, realizado por Cardoso e Brito (2014), sobre avós que cuidam de netos, o papel de avós foi descrito pelas entrevistadas como de alguém que tem o compromisso de ajudar a cuidar dos netos, associando ao amor incondicional, satisfação, prazer e alegria que obtinham com eles.
Nesse sentido, os avós podem ser considerados importante rede de apoio para os familiares, proporcionando suporte emocional, instrumental e financeiro para filhos, netos, noras e genros (Dessen & Braz, 2000; Oliveira, 2007). Entretanto, quando os filhos não assumem os cuidados de seus próprios filhos, na maioria das vezes, os avós acabam por assumir esta responsabilidade e tornam-se os principais cuidadores substitutos nesta função (Cardoso, 2011).
Por outro lado, apesar dos avós dedicarem parte do seu tempo aos netos, mas sem as responsabilidades próprias das funções parentais, eles podem interferir na autonomia dos seus filhos no desempenho da função parental e até mesmo no relacionamento conjugal (Oliveira, 2007). Assim, eles podem influenciar positiva ou negativamente no contexto familiar. Como influência positiva, os avós podem atuar como mediadores dos conflitos entre pais e filhos, no suporte e enfrentamento de situações de crise, ser referência para os netos, além de ter uma nova chance de atuar de modo diferente de quando foram pais ou mães (Kipper, & Lopes, 2006). Como influência negativa, eles podem ser omissos, negligentes e/ou abusivos (Falcão, 2012). Além disso, pode haver conflitos entre os avós e os pais quando os primeiros assumem a criação dos netos, especialmente em situações de gravidez na adolescência, tendo em vista que, muitas vezes, eles assumem as responsabilidades inerentes aos pais e tomam para si todos os cuidados com as crianças (Cardoso, & Brito, 2014; Silva, & Salomão, 2003).
Sendo assim, é importante considerar que os papéis desempenhados pelos avós no relacionamento com filhos e netos são influenciados pelas transições do ciclo familiar, bem como por situações não previsíveis que possam ocorrer, como adoecimento e acidentes, refletindo em todos os membros do grupo familiar e acarretando em novas regras e adaptações no papel que cada sujeito desempenha na família. Desse modo, a forma como cada avô/avó se percebe nessa função e o significado desse papel em suas vidas irá influenciar no estilo das relações estabelecidas com os seus familiares (Falcão, 2012). Frente a isso, este estudo teve como objetivo investigar as “novas” configurações da imagem, do papel e da função das avós maternas pertencentes a uma comunidade de baixa renda, assim como apresentar alguns aspectos da relação avó-neto.
Método
Participantes
Levando-se em consideração o critério de saturação (Fontanella, Ricas, & Turato, 2008) participaram deste estudo dez avós, cujas filhas estavam vivenciando a maternidade pela primeira vez e eram usuárias de um Programa Público de Saúde Materno-Infantil. As entrevistadas pertenciam a um contexto socioeconômico de baixa renda, residindo em uma cidade de porte médio do interior do Rio Grande do Sul. À exceção da P5, as demais participantes não coabitavam a mesma unidade residencial da filha. Além disso, escolheu-se o referido Programa de Saúde Materno-Infantil em função de que ali se desenvolve um trabalho de atendimento a crianças desde o nascimento até, em média, o segundo ano de vida, cobrindo o período foco do estudo, que contemplou avós de bebês na faixa etária entre cinco e 28 meses. Dessa forma, através do contato com as mães primíparas que levavam seus bebês às consultas, foi possível acessar as avós participantes deste estudo. Destaca-se, ainda, que o envolvimento da maioria das avós com os netos dirigia-se mais para as atividades recreativas. No entanto, salienta-se que a P10 assumiu a criação das netas, apesar desta pesquisa não ter como foco essa perspectiva. Os dados relativos às características sociodemográficas das entrevistadas e suas filhas podem ser visualizados na Tabela 1.
Delineamento e Procedimentos
Com o intuito de atingir os objetivos propostos, realizou-se uma pesquisa qualitativa. Essa escolha se deu em razão da complexidade que envolve essa temática, a qual pode ser melhor compreendida e explorada por essa modalidade, uma vez que a pesquisa qualitativa busca identificar os significados presentes na vida individual e coletiva (Minayo, 2013).
Para a realização da pesquisa, inicialmente foi estabelecido o contato com a Secretaria Municipal de Saúde para a apresentação do projeto e solicitação da autorização institucional junto ao representante do Núcleo de Educação Permanente em Saúde - NEPS. Após a aprovação do projeto pelo comitê de ética em pesquisa, a pesquisadora entrou em contato com a professora de Enfermagem, vinculada à Instituição de Ensino Superior, que é a responsável pelo Programa de Saúde Materno-Infantil da referida unidade de saúde, com a finalidade de solicitar o consentimento para buscar nos prontuários das crianças atendidas no Programa os telefones das mães primíparas, e a partir da ligação para estas, solicitar o contato de suas mães (avós dos bebês) – as participantes do estudo.
Assim, chegou-se às avós através do contato telefônico e, no momento em que os convites eram aceitos, as entrevistas foram agendadas. As mesmas aconteceram de acordo com a disponibilidade das participantes, sendo oito realizadas na própria sala do Programa da Criança, a qual é adequada para a realização deste procedimento, e duas na residência das participantes, tendo em vista a incompatibilidade de horários para se dirigirem até a Unidade Básica de Saúde em decorrência do trabalho.
Instrumentos
Para a realização da coleta dos dados foi utilizado como instrumento uma ficha de dados sociodemográficos, com a qual se obteve informações das participantes e de suas filhas, tais como: idade, ocupação, estado civil e idade do neto. Tais dados contribuíram para contextualizar a realidade estudada. Além disso, foi realizada uma entrevista semidirigida de questões abertas. No que diz respeito à entrevista semidirigida, esta permite uma flexibilidade na direção da entrevista, facilitando a coleta de informações baseada no discurso livre do entrevistado, através da introdução de tópicos guia pelo entrevistador, que norteiam para questões mais específicas (Turato, 2003). Assim, no primeiro momento, foi preenchida a ficha de dados sociodemográficos e, na sequência, foi realizada a entrevista que teve como tópicos guia: a) Relação mãe-filha; b) Mudanças na relação mãe-filha com a maternidade desta; c) Papéis desempenhados pela avó nesse contexto.
Procedimento de Análise dos Dados
A análise dos dados deu-se através da técnica da análise de conteúdo. De acordo com Gomes (2012), as etapas para a realização desta análise compreendem os eixos: leitura, exploração do material e síntese interpretativa. Assim, no primeiro momento foi realizada uma leitura para a familiarização com o material e elaboração dos pressupostos iniciais de análise. No segundo momento, foi feita a classificação de trechos na busca pelos núcleos de sentido. Conforme enfatizado por Bardin (2010), para que os núcleos sejam encontrados é necessário que o texto das entrevistas seja analisado a partir do referencial teórico que abarca a temática. Para que fosse possível realizar a categorização, relacionou-se o material obtido pelas entrevistas com os pressupostos teóricos obtidos em momento anterior. Ao final, buscou-se a relação entre os temas classificados com os objetivos e pressupostos da pesquisa. Desse modo, deu-se origem a duas categorias: (1) Transição na imagem e no comportamento da avó na atualidade;(2) Os papéis desempenhados pelas avós no contexto da maternidade da filha. Na primeira categoria serão destacadas as mudanças percebidas na imagem e no comportamento das avós, o que sinaliza as transformações pelas quais elas estão passando, incluindo alguns aspectos da relação avó-neto. Esta categoria é composta por duas subcategorias: 1.1. A imagem e o comportamento das avós e1.2. A relação avó-neto. A segunda categoria, por sua vez, tem como destaque apresentar os papéis desempenhados pelas avós no contexto da maternidade da filha.
Procedimentos éticos
Destaca-se que o presente estudo atendeu a todas as exigências da ética em pesquisa segundo a resolução n.466/2012, do Conselho Nacional de Pesquisa, obtendo aprovação CAEE 37519914.8.0000.5346 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição na qual as pesquisadoras estão vinculadas. Além disso, todas as participantes ficaram cientes do objetivo do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Ressalta-se, ainda, que todos os nomes aqui apresentados são fictícios, buscando-se preservar a identidade das participantes.
Resultados e Discussão
1. Transição na imagem e no comportamento da avó na atualidade
1.1. A imagem e o comportamento das avós
Entre os principais pontos que diferenciam o modelo da avó tradicional para a avó dos tempos modernos está a entrada da mulher no mercado de trabalho (Dutra, 2008). Essa característica sinaliza uma avó ativa, como se pode observar na fala da P5: "Eu vou trabalhar, eu saio de manhã e volto de tardezinha [...]" (53 anos). No contexto em que esta pesquisa foi realizada, salienta-se que a faixa etária das entrevistadas variou entre 33 e 62 anos, sendo que apenas uma delas tinha mais de 60 anos, e seis desempenhavam uma atividade remunerada, fora do ambiente doméstico familiar. As participantes que não estavam inseridas no mercado de trabalho, contudo, eram as responsáveis pelos cuidados da casa, preparo da alimentação da família e cuidado dos netos, o que parece refletir um comportamento participativo. Assim, percebe-se que as entrevistadas são mulheres atuantes e relativamente jovens, o que corrobora com Aratangy e Posternak (2010).
Considerando-se a idade de algumas das participantes, é importante considerar o contexto socioeconômico em que a presente pesquisa foi realizada, a qual abarcou avós pertencentes a uma população de baixa renda em que algumas se tornaram mães ainda na adolescência. Esse fator pode ter contribuído para que elas se tornassem avós jovens. Desse modo, a percepção frente a essa experiência foi assim descrita:
Eu pensava [ser avó jovem] porque eu fui mãe muito jovem, muito novinha, então, pelo andar da carruagem se esperava que eu fosse ser avó nova também (P7, 43 anos); Tô' novinha ainda! [riso] foi novo [tornar-se avó], mas foi muito bom (P9, 34 anos); Eu tive ela com quinze anos. [...] no começo foi um choque né [quando soube que seria avó](P6, 33 anos).
De acordo com o estudo realizado por Silva e Salomão (2003) com mães adolescentes de baixa renda e suas mães, a gravidez na adolescência é um fato que parece fazer parte da história das mulheres pertencentes a este contexto socioeconômico. Sendo assim, observou-se uma incidência significativa de avós participantes do estudo que também foram mães na adolescência. Tal fato também pôde ser visualizado na presente pesquisa, o que parece assinalar uma repetição deste acontecimento nestas famílias.
Para a maioria das entrevistadas, a chegada do neto foi um acontecimento marcado pela alegria. No entanto, para P6 esse momento parece refletir a dificuldade em se perceber ocupando outro papel, o de avó: "Não é para me chamar de vó, é prima" (P6, 33 anos). Pode-se inferir que o comportamento desta participante esteja associado a pouca idade em que ela se tornou avó, aos 31 anos. Além disso, é importante destacar, neste caso, a relação conflituosa entre mãe e filha, agravada pela necessidade da avó assumir o papel materno em relação ao neto, devido à falta de cuidado e envolvimento da filha. Aspecto este que também pôde ser evidenciado no estudo Silva e Salomão (2003), cuja impaciência e imaturidade foram características apontadas pelas avós na vivência da maternidade de suas filhas jovens, em que a elas coube o papel, muitas vezes, de mães substitutas. Para Lima e Júnior (2014), ser avó ou avô implica para o indivíduo diversas mudanças e novas atribuições, as quais o sujeito pode não estar preparado para desempenhá-las.
Consequentemente, aliado à idade relativamente jovem que algumas participantes vivenciaram o nascimento do neto, percebe-se uma mudança na imagem dessas avós, diferente daquelas personagens de cabelos brancos, sentadas na cadeira de balanço, fazendo crochê (Aratangy, & Posternak, 2010; Dias, 2002; Dutra, 2008). Frente a isso, também é possível identificar um reconhecimento por essas mulheres nessa nova imagem, como apontado por uma participante:
Eu não acho que são mais aquelas avós das antigas, porque as avós participam de tudo. [...] eu vou para as excursões, eu vou pra tudo já com ele. Então não é mais aquela vozinha de bengala que antigamente era, porque a minha avó era bem velhinha e agora as avós são bem mais jovens [...] Eu estou trabalhando, estou na escola, participo das festas, é aquela ‘coisarada' né(P5, 53 anos).
Além da imagem, o comportamento de uma avó destacou-se, tendo em vista o modo como a mesma busca para se distrair e se divertir:
Eu sou assim, sou daquelas pessoas que eu, para me distrair eu tenho que estar curtindo uma música, entendeu... Essas músicas sabe, dessa época, de agora. Então eu canto, eu danço. Eu tenho o meu momento e o meu momento é esse, de me alegrar com os meus amigos. Então, é uma maneira que eu também tenho de aliviar, que é cantando, é dançando, mas ao mesmo tempo sendo responsável (P4, 43 anos).
A forma encontrada por essa participante para se descontrair sinaliza um comportamento que se assemelha ao visualizado nos jovens. Esse Edinara Zanatta, Dorian Mônica Arpini Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 343-363, 2017. 354 relato associado a outros aspectos apontados pelas participantes levam a pensar sobre a imagem das avós atuais e as mudanças pela quais elas vêm passando, em que, atualmente, se percebe mulheres na maturidade buscando a realização nos diversos âmbitos da vida, seja profissional ou pessoal, além de muitas apresentarem um comportamento jovial (Aratangy, & Posternak, 2010; Cardoso, 2011; Cardoso, & Brito, 2014; Dutra, 2008).
Observando-se as falas das participantes desta pesquisa, fica claro que associar "ser avó" com a imagem de pessoa idosa representa uma visão limitada e restrita deste papel. Nesse sentido, Lima e Júnior (2014) destacam que o tornar-se avó não apresenta uma ligação direta com o tornar-se idoso, visto que na nossa sociedade se encontram pessoas que vivem essa fase da vida relativamente jovens, como resultado de uma gravidez precoce de seus descendentes, como foi o caso de algumas das entrevistadas. Por outro lado, também é comum encontrar avós em plena maturidade, desfrutando de boas condições físicas, desenvolvendo seus projetos e envolvidas em seus interesses (Araújo, & Dias, 2010).
Considerando-se o comportamento das participantes com os netos, de um modo geral, elas se colocaram como alguém que está disponível para brincar e interagir com eles, sendo o momento em que estão juntos marcados pela alegria e satisfação. Além disso, pode-se pensar que o fato das filhas contarem com o apoio do pai da criança para o desempenho das funções parentais possibilitou liberar as avós para serem "apenas" avós, o que pode ter contribuído para o envolvimento afetivo, sem as responsabilidades que a maternidade impõe. Assim:
Eu sou louca pelos meus netos. Eu corro, brinco [...] Colocaram cama elástica, lá estava eu pulando na cama elástica. Colocaram os cavalinhos, eu estava andando nos cavalinhos. Ah, eu não tem, eu gosto de estar junto com os netos brincando. Mas, se tiver que brincar na terra, eu vou na terra brincar com eles (P2, 62 anos);
Nós fazemos folia, ela grita, ela é bem escandalosa, fala comigo, eu converso com ela. Ela me mostrou o que estava na parede, que a mãe dela fez, tirou um retrato dela, tudo o jeito que ela fazia. Ela fazia assim [gesticulando as caretas que a neta fazia]. Cada caretinha era uma foto, e ela fazendo biquinho. Daí eu digo ‘mas que coisa' – eu falando com ela – e eu e ela assim, né, e ela não tinha nem um aninho ainda (P3, 48 anos).
Através desses relatos, nota-se que as avós se veem participativas e disponíveis para interagirem com os netos, o que parece evidenciar sentimentos muito prazerosos. Além disso, a disposição para interagir com os netos também é um importante aspecto da relação avó-neto, que pode ser favorecido pelas boas condições físicas e de saúde da avó, como se percebe na fala da P2. Isso foi observado no estudo de Araújo e Dias (2002), em que os avós com 65 anos ou menos desempenhavam maior número de atividades com os netos, em relação aos avós com mais idade.
A partir dos pontos destacados sobre a imagem e o comportamento das avós, entende-se que a relação avós-netos também pode estar sendo modificada. No que segue, serão abordados alguns aspectos relatados pelas entrevistadas acerca da sua relação com os netos.
1.2. A relação avó-neto
Sabe-se da importância que tem o convívio entre pais e filhos para a construção dos vínculos. Nesse sentido, no presente estudo ressaltase que todas as avós possuíam um contato frequente com suas filhas primíparas e seus netos, o que certamente contribuiu para a relação de proximidade, cuidado e afeto. Assim, quanto maior for o contato entre avós e netos, maiores serão as chances de desenvolverem uma relação sólida (Oliveira et al., 2010) e de compartilharem momentos prazerosos.
Além disso, é na convivência diária que a experiência de vida é passada de uma geração para outra, através das trocas que ocorrem entre os membros da família. Dessa forma, a interação familiar é benéfica tanto para os avós quanto para os netos, conforme vão se desenvolvendo os laços afetivos (Mazutti & Scortegagna, 2006).
Ainda, para a P2, o nascimento dos netos possibilitou que ela desfrutasse desse momento com uma intensidade diferente do que foi com os filhos, cuja sensação é de estar se tornando criança novamente:
Eu acho que eu sou mais... como é que eu vou dizer... eu me tornei mais criança com os netos do que com os filhos. Com os filhos eu não brincava tanto quanto eu brinco com os netos (P2, 62 anos).
Isso leva-nos a inferir que neste momento a avó estaria vivenciando uma fase tranquila de sua vida, em que está aposentada e dispõe de mais tempo livre para aproveitar o convívio com os netos, diferente do que foi com os filhos, pois naquela época precisava dividir seu tempo entre o trabalho, a família e as atribuições domésticas. Isso também pôde ser evidenciado no estudo realizado por Kipper e Lopes (2006), em que a avó destacava as diferenças entre o papel de avó e o de mãe. Salienta-se também que a possibilidade da avó desfrutar com o neto de uma experiência prazerosa, pode estar relacionada a menor responsabilidade parental, tendo em vista que tal tarefa é realizada pelos pais. Além disso, a relação avó-neto foi destacada com sentimentos de cuidado e zelo, conforme o relato seguinte:
Eu dou a vida por eles. Eu podendo fazer, eu faço. Se tiver que sair daqui de madrugada para ir lá para o bairro onde ela mora, eu vou. Levanto de madrugada e vou tirar ficha se tiver que ir. Saio para cá, saio para lá se precisa ir, para qualquer um deles [netos] (P2, 62 anos); O João é esperto, conversa, é saudável, sabe, bom ele é o meu amor (P4, 43 anos).
Nas falas das entrevistadas, fica evidente o comprometimento que o ser avó implica nos cuidados com o neto, mesmo não sendo responsabilidade sua. Aliado a isso, tem o sentimento de "amor sem medidas" para com o neto, marca dessa relação. Esse aspecto foi ressaltado por Cardoso e Brito (2014), que afirmam que esses sentimentos parecem evidenciar a satisfação que as avós obtinham pela convivência com os netos. Além disso, a P4, ao apresentar o neto como sendo uma criança ‘esperta' e que ‘conversa', sinaliza o quanto para ela o neto é uma criança interessante, investida e amada, que ocupa um lugar especial na sua vida. Desse modo, a relação avó-neto parece ser marcada por intensos sentimentos afetuosos.
O carinho, o afeto e a satisfação também puderam ser observados através do relato da P10, em que ela mencionou com satisfação os registros do desenvolvimento do neto realizado pelos pais através de fotos, desde o nascimento do bebê:
Tem tudo, tudo! [registrado] Desde o nascimento, o primeiro choro... Ele [genro] dá banho, ele passa para o meu celular, passa para as gurias, é retrato na máquina... todas essas fotos que ela tem do guri que ela faz. Ela levou agora semana passada, para ele tirar foto, lá naquela casa de foto. Tem CD com dizer passando as fotos dele na televisão, tem da hora do banho, do choro, do primeiro choro ela gravou. A primeira risada foi ela que gravou no celular dela e ela passa para nós (P10, 52 anos).
Assim, percebe-se outro aspecto presente na vivência das avós que utilizam os meios tecnológicos para acompanhar diariamente o desenvolvimento dos netos. Isso as faz sentirem-se mais próximas deles. Ainda, pelo relato de P10, nota-se a valorização e a descoberta de cada passo do crescimento do neto, assim como é maior a manifestação espontânea dos sentimentos, sendo essas atitudes percebidas nos avós de hoje (Pedrosa, 2006).
Ainda, no que se refere à relação com o neto, as participantes mencionaram a permissividade como sendo característica das avós. A esse comportamento elas atribuíram a denominação de "estragar" os netos:
Tem muita avó que estraga a criança, que faz todas as vontades da criança (P8, 45 anos); "Quando precisa ele fica, mas a minha filha não gosta de deixar ele muito comigo porque eu estrago ele. Ela traz ele na rédea curta e eu quando ele chega lá em casa eu solto ele ‘vá brincá'. Ele chega lá, ele faz o que quer, eles vão e pronto (P2, 62 anos).
Nesse sentido, pode-se pensar que o ser avós, para as participantes, parece estar associado a uma vivência prazerosa e leve, em que as maiores responsabilidades pela criança estariam sendo assumidas pelos pais, liberando-as para aproveitar esse momento de um modo mais lúdico. Além disso, a casa dos avós pode ser um local de limites menos severos do que aqueles colocados pelos pais, como se pode notar na fala da P2. Assim, faz parte desta relação a aliança, em que é permitido ao neto fazer determinadas coisas que os pais não deixariam (Aratangy & Posternak, 2010). Por outro lado, pode-se pensar que esse comportamento permissivo das avós pode interferir na autonomia dos filhos em relação ao desempenho das funções parentais (Oliveira, 2007), e contribuir para o surgimento de conflitos entre pais e filhos, podendo chegar a uma atitude mais extrema de afastamento entre avós e netos (Aratangy & Posternak, 2010).
Ainda, é importante destacar que apesar de ser observada nesta pesquisa uma variação em relação à faixa etária das filhas das entrevistadas entre algumas que se tornaram mães no final da adolescência e outras que vivenciaram esta experiência com mais idade, isso parece não ser um aspecto que influenciou no tipo de relação estabelecida entre avós e netos de modo geral. Tal fato pode estar associado à maturidade e responsabilidade com que as filhas assumiram a maternidade e, também, a pouca idade dos bebês, o que pode sofrer alterações à medida que estes irão crescendo e agregando necessidades e mudanças na vida da mãe. Além disso, supõe-se que o apoio recebido do companheiro e com o qual elas puderam compartilhar responsabilidades acerca da parentalidade pode ter contribuído para esse desfecho.
Considerando-se a relação avó-neto e o vínculo entre eles, torna-se importante conhecer quais os papéis desempenhados por avós pertencentes ao contexto socioeconômico baixo, em relação à maternidade da filha primípara. Isso poderá proporcionar um melhor entendimento acerca dos papéis ocupados pela mesma e como isso vem refletindo nas relações familiares.
2. Os papéis desempenhados pelas avós no contexto da maternidade da filha
Atualmente, os avós têm desempenhados diversos papéis, tanto na sociedade quanto na família (Falcão, 2012; Oliveira & Karnikowski, 2012). Através do relato das participantes foi possível observar os papéis desempenhados por elas no contexto da maternidade da filha. Entre eles salienta-se o apoio prestado após o nascimento do neto, tendo em vista que a filha se encontrava em processo de recuperação do parto:
Ela ganhou nenê, ficou uns dois meses lá em casa, depois ela foi para a casa dela. Ela ficou até ela se recuperar, ela fez cesariana. Eu preparava a água do banho e cuidava dele. E cuidava das roupinhas, eu lavava, ela passava (P1, 54 anos); [...] quando ela veio do hospital, eu tomei conta da guria [neta]. Eu dei banho no início. Eu disse para ela que daria banho até ela completar um mezinho, ‘depois tu [filha] dá (P8, 45 anos).
Estar à disposição da filha no momento do nascimento dos netos, como foi apontado pela P1 e P8, é uma característica que parece demonstrar a preocupação e o envolvimento da mãe para com a filha. Assim, para as avós o nascimento do neto pode implicar não somente vivenciar o ser avó, mas também ensinar aos novos pais a serem pais (Aratangy & Posternak, 2010; Barros, 1987; Cupolillo et al., 2001), através transmissão do conhecimento adquirido com a experiência de vida (Dessen & Braz, 2000).
Para outras entrevistadas, o papel de apoio prestado à filha ocorreu em vários momentos, entre eles, quando as filhas necessitavam sair em decorrência de seus compromissos. Ainda, destaca-se que a avó pode ter papel de orientadora, tanto no auxílio da filha na educação do neto como na relação mãe-bebê:
Quando ela sai, quando ela vem no médico, ela deixa comigo (P8, 45 anos); As avós tem que ajudar, orientar, dar um puxão de orelha às vezes no neto, dizer alguma coisa. Tem que chamar atenção, ajudar ela [filha], orientar elas (P3, 48 anos); Daí eu expliquei para ela: "não Letícia, eles não conhecem a tua voz, não sabem o que tu está falando, inclusive quando ele nascer tu tens que falar para ele conhecer a tua voz para ele não se sentir sozinho" (P4, 43 anos).
Os avós desempenham um papel fundamental quando atuam como companheiros dos pais na missão de cuidar dos netos (Oliveira, 2007). Eles orientam os filhos, transmitindo o conhecimento adquirido em sua própria experiência enquanto pais. Assim, de acordo com Barros (1987), os avós podem ser considerados "socializadores" da maternidade e da paternidade, na medida em que auxiliam e orientam os novos pais a desempenharem as suas funções e adaptarem-se às mudanças proporcionadas pelo nascimento do neto.
Ainda, apesar deste estudo não ter como foco avós que criam os netos, é importante salientar este papel que tem sido desempenhado por muitos avós na atualidade (Araújo & Dias, 2010; Lopes, Neri, & Park, 2005), assim como pela participante P10. Para ela, o papel de avó guardiã das netas é visto como sendo:
É o papel de pai e mãe, como eu agora. Eu não sei o que seriam dos netos sem os avós porque na minha vila, o que tem de avó e avô que cuidam dos netos... Eu vejo levando para a creche, buscando [...] Uns se separam, ficam com a avó. Eu não sei nesse mundo o que seria dos netos sem os avós. Como eu... essas guriazinhas [netas] iriam para a adoção (P10, 52 anos).
Como apontado pela participante, muitos são os papéis ocupados pelos avós nos cuidados com os netos: alguns desempenham o papel de cuidadores por tempo determinado, especialmente como suporte para os filhos desempenharem suas atividades profissionais, provendo-lhes alimentação, atenção e cuidado durante todo o dia (Oliveira, 2007), outros desempenham todas as funções parentais (Araújo, & Dias, 2010), como no caso desta avó, em que ela e o esposo assumiram a criação das netas gêmeas que foram deixadas pela filha com um mês de vida, pois ela era dependente química.
Vale ressaltar que assumir a criação dos netos não é tarefa fácil (Oliveira, 2007). Essa função pode interferir na experiência dos avós de viverem a avosidade para vivenciarem a parentalidade (Dutra, 2008; Lima, & Júnior, 2014), podendo suscitar com essa função sentimentos de fracasso em relação aos filhos, raiva, medo, culpa, dificuldades financeiras, estresse, cansaço físico e mental (Lopes, Neri, & Park, 2005). Com a chegada das netas, ficando sob responsabilidade da P10, nota-se a preocupação da mesma: "Eu pensava: ‘Será que eu vou conseguir cuidar das duas? Dar banho, de noite, para cuidar, enquanto uma dorme e daqui a pouco a outra se acorda... Vai ser uma luta né [...]'"(P10, 52 anos). Além disso, houve o medo dessa situação interferir no relacionamento conjugal: "Eu fiquei com medo quando as guriazinhas foram lá para a casa, até dele [esposo] se retirar ou ir embora, sabe, porque eu não ia ter tempo para ele [...]." A presença de sentimentos como medo frente ao novo desafio, a possibilidade de perda - tanto da liberdade e da privacidade, quanto do esposo, são sentimentos passíveis de serem visualizados diante de situações novas, como esta que envolve a criação dos netos pelos avós (Araújo, & Dias 2010). Além disso, no caso desta entrevistada, juntamente com a responsabilidade de criar as netas impõe-se o desafio de dispor economicamente de poucos recursos para dar o suporte necessário que estes bebês necessitavam, como leite e fraldas. No entanto, a família e os vizinhos se uniram e mobilizaram recursos no auxílio aos avós nessa nova fase, refletindo na existência de uma rede de apoio que contribuiu para superar as dificuldades. Apesar das dificuldades, na entrevista com a avó P10, observou-se que o convívio com as netas foi marcado pelo carinho, zelo e amor. Assim, pode-se pensar nos benefícios (Lopes et al., 2005) e no sentimento de renovação que a criação e cuidado das netos estava proporcionando aos avós (Melca, 2013).
Considerações Finais
Levando-se em consideração a importância que os avós têm para as relações familiares, destaca-se que a realização desta pesquisa possibilitou conhecer um pouco acerca da imagem, do comportamento e dos papéis desempenhados por avós maternas oriundas de uma comunidade de baixa renda. Assim, observou-se que as avós são relativamente jovens, algumas mais que outras, tendo em vista que se tornaram mães novas, fato que se repetiu com algumas filhas também. De modo geral, todas as entrevistadas desempenhavam um papel ativo, tanto na esfera familiar quanto social.
No que diz respeito à relação avó-neto, esta foi marcada pelo afeto, satisfação e cuidado, sendo que as entrevistadas se demonstraram disponíveis para interagir com os netos, especialmente em atividades lúdicas, tendo em vista que as funções parentais foram assumidas pelos pais das crianças, a exceção de duas avós. Contudo, as avós desempenharam papéis importantes em relação à maternidade das filhas. Dentre eles salienta-se o papel participativo, em que as mesmas estiveram presentes fornecendo o apoio necessário, em decorrência do nascimento do neto. Além disso, salienta-se o papel de orientadora, tanto no auxílio da filha na educação do neto como na relação mãe-bebê e na transmissão do conhecimento.
Frente aos achados deste estudo e considerando a importância que os avós representam para o contexto familiar, sugere-se a realização de outros estudos, a fim de conhecer melhor as especificidades da vivência das avós no contexto atual. Além disso, e não menos relevante, seria conhecer, a partir da perspectiva dos filhos, como eles percebem o apoio prestado pelos seus pais nas situações que marcam os momentos de transição familiar, como pode ser o nascimento de um filho. Isso viria a enriquecer o entendimento acerca do papel da avó e do avô no contexto da maternidade/paternidade dos filhos.
Por fim, salientam-se as limitações deste estudo tendo em vista que o mesmo foi realizado com uma determinada população usuária de um serviço público de saúde, no qual as participantes compartilhavam realidades muito semelhantes. Desse modo, considerando-se a pluralidade presente no contexto brasileiro, sabe-se que diferenças podem ser encontradas em outros contextos socioculturais e econômicos. Além disso, levando-se em consideração o aumento na expectativa de vida, que tem possibilitado o maior contato entre as gerações, considera-se importante pensar em ações que possam tornar os avós mais inseridos, proporcionando espaços de trocas entre as diferentes gerações. Nesse sentido, proporcionar espaços nos próprios serviços de saúde, nos quais os avós possam participar, trocar experiências, tanto com profissionais quanto com outros avós, possivelmente seria uma experiência enriquecedora, pois pode-se identificar o interesse das avós em compartilhar suas histórias.
Referências
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Recebido em: 24/02/2016
Reformulado em: 25/09/2016
Aceito em: 05/11/2016
Notas
* Psicóloga, Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
** Psicóloga, Doutora em Psicologia Social PUC/SP; Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade de Lisboa (Bolsista CAPES). Docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tutora da Residência Multiprofissional em Sistema Público de Saúde/UFSM.