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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.18 no.1 Rio de Janeiro jan./abr. 2018

 

PSICOLOGIA SOCIAL

 

O trabalho de equipes interdisciplinares nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)

 

The work of interdisciplinary teams in Psychosocial Care Centers (CAPS)

 

El trabajo de los equipos interdisciplinarios en los centros de atención psíquico-social (CAPS)

 

Eduardo Breno Nascimento Bezerra*, I; Edil Ferreira da Silva**, II; Thaís Augusta Cunha de Oliveira Máximo***, III; Jéssika Sonaly Vasconcelos Barbosa de Melo****, III

I Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, Campina Grande, Paraíba, Brasil
II Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, Campina Grande, Paraíba, Brasil
III Universidade Federal da Paraíba – UFPB, João Pessoa, Paraíba, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo compreender a atividade de profissionais que compõem equipes interdisciplinares em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Especificamente, buscou-se evidenciar a dimensão coletiva que se consubstancia a partir do trabalho interdisciplinar realizado nessas instituições. Para tanto, os pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho e da Ergologia foram tomados como alicerce teórico dessa investigação. A pesquisa foi realizada com 19 profissionais que compõem equipes de três CAPS de um município de médio porte da Paraíba. Utilizou-se uma metodologia qualitativa com o uso das técnicas de observação e encontros coletivos de discussão sobre o trabalho. Os resultados apontaram que trabalhar em saúde mental na perspectiva psicossocial envolve situações diversas como as variabilidades da demanda, os tipos de usuários atendidos, os procedimentos realizados, o contato com as famílias e exigências como a necessidade de compartilhar atividades. Nesse sentido, a dimensão coletiva do trabalho interdisciplinar potencializa a gestão da atividade, entretanto parece ser fundamental o fortalecimento dos coletivos de trabalho com espaço grupal mais efetivo.

Palavras-chave: CAPS, profissionais, saúde mental, atividade.


ABSTRACT

This study aimed to understand the activity of the professionals of interdisciplinary teams in Psychosocial Care Centers (CAPS). Specifically, it was amied to highlight the collective dimension which the interdisciplinary work in these institutions consists. Therefore, the Psychodynamics of Work and Ergology were taken as the theoretical foundation of this research. The study was conducted with 19 professionals of three CAPS teams of a medium-sized municipality of Paraíba. A qualitative methodology was used through observation techniques and collective meetings discussion of the work activity. The results revealed that work in mental health and psychosocial perspective involves several situations such as variability of demand, different types of users, performed procedures, contact with families and requirements such as the need to share activities. In this sense, the collective dimension of interdisciplinary work strengthens the management of the activity, however it seems to be fundamental the empowerment of the work collective with a more effective group space.

Keywords: CAPS, professional, mental health, activity.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo comprender la actividad de profesionales que componen los equipos ínter-disciplinares en los Centros de Atención Psíquico-social (CAPS). Específicamente, se buscó evidenciar la dimensión colectiva que se consubstancia a partir del trabajo interdisciplinario en esas instituciones. Para tanto, los presupuestos de la psicodinámica del trabajo y de la ergología fueron usados como base teórica de esa investigación. La investigación fue realizada con 19 profesionales que componen los equipos de tres CAPS de un municipio de medio porte de Paraíba. Se utilizó una metodología cualitativa con el uso de técnicas de observación y encuentros colectivos de discusión sobre el trabajo. Los resultados señalan que trabajar en salud mental en la perspectiva psícosocial envuelve situaciones diversas como las variabilidades de demanda, los tipos de usuarios atendidos, los procedimientos realizados, el contacto con las familias y las exigencias como necesidad de compartir actividades. En ese sentido, la dimensión colectiva del trabajo ínter-disciplinar enfatiza la gestión de la actividad, sin embargo parece ser fundamental el fortalecimiento de los colectivos de trabajo con un espacio grupal más efectivo.

Palabras clave: CAPS, profissionales, salud mental, actividad.


 

 

1 Introdução

Representado pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o novo modelo de atenção em saúde mental está pautado no ideal da desinstitucionalização hospitalar e no fim da internação das pessoas que sofrem com transtorno mental e/ou dependência química. Desse modo, o CAPS se configura como um serviço aberto do Sistema Único de Saúde (SUS) que presta assistência aos portadores de transtornos mentais, oferecendo-lhes cuidados clínicos visando à reabilitação psicossocial (BRASIL, 2004).

A primeira legislação que buscava regulamentar o funcionamento e a forma de financiamento dos CAPS data de 1991 e 1992 (portarias 189/91 e 224/92), contudo esse novo fazer em saúde mental começa a disseminar-se efetivamente por todos os estados e municípios brasileiros, somente a partir do respaldo legal que a reforma psiquiátrica encontrou na Lei Nacional nº 10 216/2001, a qual estabelece diretrizes acerca da redução dos leitos em hospitais psiquiátricos e a consolidação da uma rede substitutiva composta pelos CAPS, residências terapêuticas, pelo Programa de Saúde da Família e pelos hospitais gerais.

Os diversos tipos de CAPS (I, II, III, Ad e o CAPSi) atendem a uma demanda bem diversificada e cheia de especificidades (BRASIL, 2004; Bernardi & Kanan, 2015). Em decorrência dessa característica exige um trabalho numa proposta interdisciplinar, onde seja possível a realização de um fazer integral, em que o homem seja compreendido como um ser biopsicossocial (Ramminger, 2005; Cirilo, 2006; Nardi & Ramminger, 2007).

Apesar de ser um serviço que já possui mais de 30 anos, considerando que o primeiro CAPS foi criado em 1986 em São Paulo/SP (Ribeiro, 2004), é ainda um serviço novo em outras regiões do país, e sua implementação têm repercutido na atividade de trabalho dos profissionais que atuam nesse modelo de atenção à saúde, visto que exigências nunca antes solicitadas modificaram o saber-fazer desses trabalhadores, estimulando um novo fazer em saúde mental (Martinhago & Oliveira, 2012; Zgiet, 2013).

Para dar conta das propostas desse MODELO os profissionais devem ter engendrado seus saberes/fazeres acumulados, bem como as normas coletivamente estabelecidas na profissão, enfrentado as exigências e variabilidades presentes nos CAPS. De tal modo, o cenário de trabalho atual se constitui como um desafio para esses profissionais da saúde (Zgiet, 2013).

Diante dessa complexidade e das novas exigências desse serviço substitutivo em saúde mental, compreender a forma como se estabelece o trabalho das equipes interdisciplinares que compõem os CAPS se torna fundamental, dado que os mesmos vêm se consolidando como dispositivos eficazes na diminuição de internações e na substituição do modelo hospitalocêntrico, anteriormente vigente (BRASIL, 2004; 2012).

Desse modo, o objetivo desse artigo é compreender a atividade de trabalho desenvolvida pelos diversos profissionais dos CAPS, evidenciando a dimensão coletiva que se consubstancia a partir das equipes interdisciplinares. Para tanto, os pressupostos da Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 2004a, 2012) e da Ergologia (Schwartz, 2010a, 2010b, 2011; Schwartz & Durrive, 2010) foram tomados como alicerce teórico dessa investigação, uma vez que essas abordagens, inseridas no campo das Clínicas do Trabalho, oferecem importantes elementos para a compressão das situações e dos coletivos de trabalho.

 

2 Atividade, cooperação e coletivos de trabalho

Para bem compreender o trabalho desenvolvido pelos diversos profissionais dos CAPS, buscou-se apreender o conceito de atividade, fundamental para se entender o agir humano no trabalho, assim como os conceitos de cooperação e dos coletivos de trabalho, uma vez que estamos tratando de equipes interdisciplinares.

Nesse sentido, Dejours (2012) entende que a atividade de trabalho ocorre entre as contradições do prescrito e do real. Para esse autor, "trabalhar é preencher essa lacuna, esse hiato existente entre o prescrito e o real" (p.25). Desse modo, a mobilização subjetiva, a engenhosidade e a cooperação se configuram como aspectos imprescindíveis na atividade.

Dejours (2004a) define a mobilização subjetiva como um processo caracterizado pelo uso dos recursos psicológicos do trabalhador e pelo espaço público de discussões sobre o trabalho. Assim, a mobilização subjetiva relaciona-se com as contribuições dos trabalhadores para o trabalho, uma vez que se entende que o profissional é um ser ativo, e que apesar das normas e das prescrições, existe sempre um espaço de ação singular do sujeito.

Assim, ao trabalhar o trabalhador mobiliza uma inteligência da prática (Dejours, 2012). Enraizada no corpo, nas percepções e na intuição, essa inteligência encontra-se em constante ruptura com as normas e regras e é mobilizada pelo sofrimento, quando, por exemplo, diante de uma situação de frustração os trabalhadores buscam transformá-las em experiências de prazer, sobretudo a partir do uso da iniciativa, criatividade e inventividade.

Schwartz (2011) amplia a noção da atividade de trabalho ao introduzir o conceito de normas antecedentes, as quais mesclam os saberes técnicos, científicos e culturais com os códigos organizacionais ligados à divisão do trabalho. Com esse conceito, o mencionado autor afirma que jamais teremos a antecipação total da atividade, propondo a noção de "vazio de normas" para se referir aquilo que não foi bem previsto ou não teve como ser previsto.

A partir desses conceitos, Schwartz (2011) ainda destaca que nas situações de trabalho os trabalhadores sempre serão confrontados com normas e buscarão reinterpretá-las, o que ele define como renormatizações. Desse modo, na perspectiva ergológica o conceito de atividade se apresenta como a relação entre as normas antecedentes e as renormatizações feitas por cada um sobre o meio, havendo um debate de valores que envolvem escolhas a todo instante.

A Ergologia ainda destaca que trabalhar é sempre um drama, visto que envolve o sujeito por inteiro, assim, gerir as infidelidades do meio se constitui como mais uma atribuição do trabalhador, que, diante do vazio de normas, necessita fazer uso de si, por si e por outrem, para lidar com as variabilidades. O uso de si por si consiste, pois, no uso de seu corpo, sua história, seus desejos, de suas próprias normas morais, do seu intelectual, vivências e experiências pessoais e profissionais (Schwartz, 2010b; 2011).

Entretanto, o uso de si também ocorre pelos outros, sobretudo pelo fato da atividade ter um caráter social e coletivo. Assim, o uso de si por outrem relaciona-se ao fato de que todo universo de atividade de trabalho é um lugar onde nunca se trabalha sozinho. Nesse sentido, é preciso articular permanentemente o uso de si "pelos outros que cruzam toda atividade de trabalho, e por si, pois há sempre um destino a ser vivido" (Schwartz, 2010b, p. 197).

Como o modelo da saúde mental introduzido nos CAPS engendra ao trabalho interdisciplinar, outro elemento importante a se compreender é como se efetiva o trabalho do ponto de vista do coletivo de profissionais. Para Dejours (2012), a vontade das pessoas trabalharem juntas e de superarem em coletivo as contradições que emanam da própria natureza ou da essência da organização do trabalho depende de cooperação. A cooperação supõe o estabelecimento de acordos normativos entre os trabalhadores o que permite a criação de novas normas do trabalho, regras de trabalho (ou de ofício), que estão pautadas na confiança entre os trabalhadores (Dejours, 2004b).

A Ergologia, por outro lado, destaca que os coletivos não se estabelecem apenas em decorrência da estrutura organizacional. Schwartz (2010a) utiliza o conceito de Entidades Coletivas Relativamente Pertinentes (ECRP) a fim de abarcar o fenômeno da reunião de trabalhadores que em determinados momentos se unem para dar consecução à atividade de forma coletiva. Mais do que relações entre cargos, nas ECRP criam-se laços informais entre as pessoas que estão envolvidas no cumprimento de determinada tarefa.

Schwartz (2010a) destaca que as ECRP fogem das prescrições, têm contornos fluidos, variando de acordo com os momentos da jornada e das atividades. E segue apontando que as mesmas ocorrem tanto em função dos valores que fundamentam o viver comum, como em função das necessidades de eficácia coletiva.

Na atividade o outro é indispensável e está presente tanto externamente como também em cada um, através dos saberes e valores sociais. Assim, trabalhar em equipe consiste em compreender que cada pessoa é única, com a sua história de vida, experiências e habilidades, que lhe fará destacar em alguma área ou função (Schwartz, 2010a).

Desse modo, este artigo pretende assim apresentar os engendramentos das atividades dos profissionais dos CAPS captando neste movimento a dimensão do trabalho coletivo configurado nas equipes e no trabalho interdisciplinar.

 

3 Método

3.1 Participantes

Participaram deste estudo, 19 trabalhadores que fazem parte de equipes de três diferentes CAPS (CAPSad, CAPSi e CAPS III) de um munícipio de médio porte do estado da Paraíba. Os participantes ocupavam as funções de psicólogo (5), enfermeira (3), técnica de enfermagem (2), assistente social (3), pedagoga (2), fisioterapeuta (2), assistente administrativo (1) e recepcionista (1). A participação dos profissionais teve caráter voluntário, sendo exigido apenas tempo de trabalho na instituição igual ou superior a seis meses.

3.2 Instrumentos e técnicas

Esta pesquisa foi realizada entre os anos de 2012 e 2015. Para levantamento dos dados foi utilizado como técnicas de pesquisa: a observação e encontros de discussão sobre o trabalho. As observações foram realizadas com o intuito de se aproximar do trabalho dos profissionais, conhecendo as especificidades, atividades e procedimentos desenvolvidos nesse serviço. Em cada CAPS foram realizadas cinco observações, as quais foram registradas em diários de campo, considerados por Minayo (2006) como um instrumento que possibilita uma aproximação mais verdadeira com a realidade, por meio do registro das impressões pessoais do pesquisador, de conversas informais e de comportamentos contraditórios com as falas.

Além das observações, foram realizados ‘encontros sobre o trabalho' com as equipes de saúde mental de cada CAPS. Para Schwartz (2010), os encontros sobre o trabalho buscam permitir um debate e uma reflexão sobre o trabalho em nível coletivo. Esses encontros funcionam como um espaço de diálogo com foco na atividade na qual estão envolvidos os participantes, e como destaca Trinquet (2010), o objetivo desses encontros não é colocar todos os participantes de acordo em relação a tudo, mas colocá-los de acordo em relação às soluções práticas de um problema em que todos estejam implicados.

3.3 Procedimento de coleta e análise dos dados

No decorrer das observações realizadas em cada CAPS, foram formados os grupos de profissionais que participaram dos encontros sobre o trabalho. O número de encontros em cada instituição variou de acordo com a disponibilidade de participação da equipe, sendo realizados cinco encontros com o grupo de profissionais do CAPSad, quatro com a equipe do CAPSi e também quatro com os profissionais CAPS III. Cada encontro teve duração média de 45 minutos, sendo realizados todos em ambientes disponíveis nas próprias instituições.

A frequência dos encontros foi quinzenal, contudo em alguns casos houve um espaço de tempo maior entre eles tendo em vista o cronograma de atividades de cada CAPS. Cabe ainda ressaltar que também a frequência dos participantes em cada encontro não se manteve constante, pois às vezes as demandas de trabalho impediam os trabalhadores de participarem dos encontros. Todos os encontros foram gravados e posteriormente transcritos para análise.

Os dados coletados nas observações e, sobretudo, nos encontros sobre o trabalho foram analisados por meio da análise de conteúdo temática proposta por Laville e Dionne (1999). Foi possível realizar a validação dos dados levantados em um dos CAPS e as análises também foram baseadas nesta apreciação coletiva dos resultados pelos trabalhadores. Cabe ressaltar que todos os preceitos éticos foram observados durante a pesquisa, cumprindo todos os passos determinados pela Resolução Nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado em Comitê de Ética da UEPB sob número CAAE 0391.0.133.000-11.

 

4 Resultados e discussão

A partir da coleta de dados foi possível verificar que as três modalidades investigadas (CAPSad, CAPSi e CAPS III) se encontram instaladas em residências, que foram alugadas pela prefeitura do município e tiveram suas dependências adaptadas para os serviços. Com exceção do CAPS III, que funciona 24 horas, também nos feriados e fins de semana, os demais CAPS investigados possuem funcionamento de segunda à sexta das 08h às 18h.

Verificou-se que as atividades e procedimentos realizadas em cada modalidade de CAPS investigado estão de acordo com as determinações da Portaria GM 336/02 do Ministério da Saúde, sendo percebido que as três modalidades oferecem atividades individuais, atendimento em grupo, atendimento para a família, atividades comunitárias (em conjunto com outras instituições, como universidades, entidades religiosas e, no caso do CAPS Ad, com o Alcoólicos Anônimos), e a realização de assembleias ou reuniões da equipe.

Nesse sentido, os resultados a seguir serão apresentados a partir de três categorias: Dramáticas da atividade no CAPS; O acolhimento dos usuários: do individual ao coletivo; As oficinas terapêuticas: a necessidade do outro do planejamento à execução.

4.1 Dramáticas da atividade no CAPS

De acordo com os dados coletados, percebeu-se que para a realização das atividades nos CAPS, os profissionais contam com a existência de normas e procedimentos, sobretudo aquelas dispostas em manuais e portarias do Ministério da Saúde. Entretanto, o que está geralmente descrito é "o que fazer", o "como fazer" é justamente a defasagem que esses profissionais encontram quando entram em contato com o trabalho vivo. Dado que aponta para a existência de um vazio de normas (Schwartz & Durrive, 2010), sendo necessário que os profissionais façam uso de suas próprias capacidades para gerir essa lacuna.

Apesar do vazio de normas, verificou-se que os profissionais têm buscado uma atuação em consonância com o proposto pela Reforma Psiquiátrica. Os trabalhadores dão destaque à necessidade que se consolide uma atuação interdisciplinar, de modo que, em algumas situações, um profissional possa intervir na área do outro. Os participantes afirmam que cada um tem seu papel, mas isso não significa que esses papéis sejam rígidos ou estáticos. É preciso ultrapassar as fronteiras de sua especialidade para dar conta das demandas. A atividade não se prende ao normativo, por isso, os profissionais renormatizam (Schwartz, 2011) as fronteiras das disciplinas em que foram formados, como se verifica na fala a seguir:

Como a gente trabalha essa questão da interdisciplinaridade, o profissional tem essa liberdade de entrar na área de atuação de outro profissional, sabe? Na área de psicologia, nós já fizemos oficinas informativas, sobre DSTs e de certa forma a gente entra na área de enfermagem, que é quem faz esse tipo de trabalho (Psicólogo).

A mobilização subjetiva desenvolvida pelos e entre os profissionais para transpor as funções prescritas por suas especialidades é um aspecto importante da organização do trabalho. Como afirma Dejours (2004a) a "elaboração da organização do trabalho real implica, no afastamento das prescrições para dar início à atividade de interpretação" (p. 63).

O trabalhar envolve, pois, um fazer interdisciplinar que vai se efetivando com as demandas e as variabilidades do trabalho. Para tanto, fazem "uso de si por si", já que o exercício da interdisciplinaridade requer um modo singular de desenvolver a atividade, e também do "uso de si pelos outros", na medida em que precisam se apropriar de conhecimento de outras disciplinas e normas da área (Schwartz, 2010a).

Apesar dessa liberdade que os profissionais encontram de ultrapassar as fronteiras, foi possível verificar também a necessidade de que o espaço do outro seja respeitado, de modo que a especificidade do trabalho de cada profissional também seja preservada. "Precisa-se existir essa coisa de você se entrosar com a equipe, mas aí você precisa também estar com ética para que você não venha invadir o espaço do outro, e (...) criar esse vínculo com a equipe e com o usuário, mas sem perder a sua especificidade (Enfermeira).

Em suas mobilizações subjetivas os profissionais realizam um trabalho coletivo que ultrapassa as fronteiras das normas de cada área, entretanto, conservam os aspectos inerentes a cada ofício. Portanto, um exercício de obediência das normas onde são necessárias renormatizações para dar conta do que escapa no engendramento do trabalho interdisciplinar.

Outra característica desse novo modelo de atenção é a necessidade de participação da família no projeto terapêutico dos usuários, conforme destaca a seguinte participante: "a gente só atende com o familiar, porque a família precisa acompanhar esse processo desde o início, então marcou o acolhimento, a gente pede que venha com a família" (Pedagoga).

A relação com a família dos usuários foi colocada pelos profissionais, como um elemento importante para o trabalho no CAPS. A partir da troca de informações com a família, é possível direcionar o tratamento dos usuários, corroborando com o estudo desenvolvido por Uchida, Sznelwar, Barros e Lancman (2011), que apontou que a família se constitui como um eixo na proposta do atendimento oferecido no CAPS na medida em que possibilita ao usuário reconstruir sua vida para além do circuito saúde-doença.

Nessa perspectiva, ao se analisar o trabalho dos profissionais do CAPS não se pode fazê-lo de modo individual, deve-se incluir a família. Gerir a atividade no CAPS solicita dos profissionais abordagens específicas e direcionadas ao usuário e aos familiares. O que torna o trabalho desses profissionais mais complexo e pleno de possibilidades de agir, requerendo um articular permanente entre o ‘uso de si por si', pois há sempre um destino a ser vivido, e ‘uso de si pelos outros' que cruzam a atividade de trabalho (Schwartz, 2011).

4.2 O acolhimento dos usuários: do individual ao coletivo

O processo de atendimento daqueles que acessam os CAPS enseja o acolhimento que envolve o acolher de forma adequada os usuários fazendo com que sejam tomados em consideração seus motivos de procura do serviço (BRASIL, 2015). De tal modo, o acolhimento pode ser definido como uma estratégia para a reorganização do serviço de saúde que garante o acesso universal, a resolutividade e o atendimento humanizado (Coimbra & Kantorski, 2005), se constituindo como uma proposta que estabelece relação qualificada entre trabalhador-usuário (Franco, Bueno & Merhy, 2007).

Embora seja uma norma de trabalho que deve ser praticada em todos os CAPS, na atividade o acolhimento toma conformações diversas em face das nuances e demandas dos usuários e das especificidades de cada tipo de CAPS. Pela fala dos participantes, percebe-se que o acolhimento é uma atividade com caráter enigmático, uma prescrição re-significada na prática, no qual outros elementos e situações devem ser considerados, principalmente no que concerne ao estabelecimento do vínculo, como se verifica na fala da assistente social a seguir:

Eu acho o acolhimento imprescindível. Eu já percebi que tem muitos usuários que vêm aqui só no acolhimento e não voltam mais. Ontem mesmo eu fui visitar um usuário (...) e ele disse que não gostou do profissional [que realizou o acolhimento]. A gente também não pode dizer que a culpa foi do profissional que fez o acolhimento, mas ele deixou bem claro que não veio mais porque não gostou do acolhimento, por causa da forma como a pessoa, de certa forma, o abordou no momento (Ass. Social).

A contribuição de cada profissional no acolhimento é reconhecida quando o vínculo é constituído, ou seja, quando o usuário adere ao tratamento, frequenta todas as atividades propostas, toma as medicações recomendadas, etc. O não retorno do usuário demonstra que a atividade do acolhimento não foi bem conduzida ou as nuances do atendimento, o uso de si que cada profissional imprime em seu fazer, não foram bem entendidas pelo usuário.

No acolhimento também ocorre a escolha do Técnico de Referência (TR) de cada novo usuário, ou seja, a escolha do profissional que será o responsável pelo projeto terapêutico do indivíduo que acabou de ser acolhido (BRASIL, 2004). Miranda e Onocko-Campos (2010) designam o técnico de referência como o "pivô", a "chave", o "coração" do CAPS, dado que ele tem a função de articulação do tratamento junto ao paciente, identificando as necessidades, desejos, limites e possibilidades deste, em diversos âmbitos.

Nos CAPS investigados, verificou-se que normalmente o TR é aquele profissional que realiza o acolhimento, contudo devido a uma série de aspectos (entre eles a quantidade de usuários que cada técnico já possui e a incompatibilidade de horários entre o profissional e o usuário), algumas vezes se faz necessária a escolha de outro profissional para ser o TR.

Neste sentido, apesar do acolhimento ser uma atividade individual, em determinados momentos os profissionais se reúnem para decidir quem poderia ser o TR do usuário atendido, o que pode ser feito nas reuniões de equipe ou em momentos esporádicos. Desse modo, o acolhimento envolve uma dramática que convoca o profissional de modo individual, mas congrega também os demais profissionais em ‘Entidade Coletivas Relativamente Pertinentes' (Schwartz & Durrive, 2010), dado que os profissionais se agrupam e cooperam para tomadas de decisões e realização de atividades e logo depois esse coletivo se desfaz.

O acolhimento requer um nível de atenção, dedicação e comprometimento de cada profissional que o realiza. Dadas essas características cruciais desse procedimento para o tratamento dos usuários, foi verificado que alguns profissionais preferem não realizar esse tipo de atendimento, mesmo este sendo um procedimento que deve ser realizado por todos os TR dos CAPS, como destaca uma participante: "tem profissional que chega a pedir para não fazer acolhimento porque não consegue, absorve demais o que a pessoa fala, não gosta, não se identifica com aquilo, só numa necessidade muita extrema" (Pedagoga).

Desse modo, verifica-se que as variabilidades que constituem esta atividade trazem um conjunto de dificuldades para sua realização. A mobilização subjetiva necessária para efetivar esta atividade faz com que alguns técnicos entrem em acordos com seus colegas e coordenação para que deixem de realiza-la. Vê-se, assim, se constituindo no coletivo uma estratégia de defesa que permite aos profissionais que não se adéquam com a atividade de acolhimento deixarem de desempenhar esta tarefa.

Por outro lado, o acolhimento permite a outros profissionais o exercício da inteligência da prática, de sua engenhosidade, para poder realizar a atividade de modo mais ágil e eficaz (Dejours, 2004a). Devido ao grande número de informações que precisa colher do usuário na anamnese realizada no acolhimento, alguns profissionais utilizam a estratégia de fazer apenas um rascunho rápido dos dados e somente depois registrar as informações no prontuário do usuário. Ao utilizar desse artifício, os profissionais podem deter-se com mais afinco à prática do acolhimento, o que repercutirá também no sucesso do tratamento.

4.3 As oficinas terapêuticas: a necessidade do outro do planejamento à execução

As oficinas terapêuticas têm sido bastante usadas no âmbito dos CAPS já que passaram a exercer um papel fundamental no processo de trabalho dos profissionais buscando quebrar com a lógica médica do atendimento e do usuário como sujeito passivo. Os estatutos que regulamentam as oficinas terapêuticas mostram que elas são a estratégia por meio da qual a reabilitação psicossocial deve se realizar (Cedraz & Dimenstein, 2005). De acordo com os documentos do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004; 2015) as oficinas podem ser organizadas dividindo-se em três tipos: expressivas, geradoras de renda ou alfabetização. Neste contexto, se constituem como uma tecnologia valiosa, já que possibilitam espaços de socialização, interação, (re)construção e (re)inserção social (Ribeiro, Sala e Oliveira, 2008; Guerra, 2004).

Nesta investigação, foi possível perceber que as oficinas se configuram como uma das principais atividades do processo terapêutico oferecido pelos CAPS pesquisados. A sua realização faz parte das atribuições dos profissionais, que as desenvolvem visando, entre outros objetivos, construir um espaço terapêutico, fortalecer laços e debater informações.

Apesar das publicações recentes sobre CAPS apontarem que as oficinas terapêuticas tem se configurado como um espaço fortemente interdisciplinar (Guerra, 2004, Miranda & Onocko-Campos, 2010; Silva e Silva & Knobloch; 2016), nos CAPS investigados, foi percebido que as oficinas são preparadas de modo individual, não sendo oferecidas de forma sistematizada ou organizadas com temáticas já pré-estabelecidas pela equipe. Desse modo, para que as oficinas ocorram os trabalhadores efetivam individualmente o seu planejamento, selecionam o tema a ser abordado e os instrumentos a serem utilizados, levando em consideração o tempo, a quantidade e a problemática dos usuários que estarão presentes.

Pelo fato das oficinas serem planejadas individualmente, isso leva esses profissionais a sempre preparar mais de uma oficina, pois pode ocorrer que os usuários já tenham discutido recentemente o tema da primeira, ou ocorra algum imprevisto. Assim, quando colocada em prática, a atividade exige muito mais do profissional, como destaca uma participante: "a gente elabora a proposta e lógico que sempre tem que ter um plano B, se essa não der certo (...) então a gente tem que ter o joguinho de cintura e isso vai ser principalmente com a experiência, digamos assim, implantar o plano B". (Psicóloga)

Até fazer a leitura da reação dos usuários, o profissional fica em um estado de tensão permanente para saber se vai continuar com o tema iniciado ou vai ter que mudar. Na dramática desta atividade da oficina se verifica então uma dupla antecipação: a gestão da tarefa deve conter a normatização, isto é, o planejamento individual da oficina, e a renormatização, o planejamento individual de um plano B, que será usado caso o que foi pensado não se efetive.

Os trabalhadores ainda afirmaram que durante a realização da oficina se faz também imprescindível observar todos os usuários, e buscar perceber o estado de ânimo dos mesmos, suas vulnerabilidades e as demandas trazidas, o que ocorre através dos sentidos dos profissionais. Verifica-se assim, mais uma vez, a uso da inteligência da prática desses profissionais, a qual se encontra enraizada no corpo e faz com que o sujeito mobilize todo o corpo subjetivo e seus sentidos para dar conta das demandas do trabalho (Dejours, 2012).

Apesar da preocupação constante dos profissionais quanto a não repetição de temas e oficinas, existe um consenso entre eles em afirmar que algumas temáticas precisam ser retrabalhadas, para fortalecer o caráter e o comportamento dos usuários, o que deve ser bem planejado. Contudo, a necessidade de repetição ou reforço de alguns assuntos, não está prescrita nos manuais. Essa norma foi construída na própria atividade, por meio das observações dos próprios trabalhadores acerca dos casos e situação de cada usuário.

São normas construídas pelo coletivo, regras de ofício (Dejours, 2004a; 2012) não prescritas, mas elaboradas e remanejadas no dia a dia pelo coletivo de trabalho. O desafio de abordar os mesmos temas para o mesmo público exige muito mais dos profissionais, que precisam usar da astúcia para prender a atenção dos usuários abordando um tema já visto. A experiência é um fator preponderante no enfrentamento desta dramática.

Dado essas complexidades, os profissionais reconhecem a necessidade das oficinas serem planejadas em equipe e realizadas por pelo menos uma dupla de trabalhadores, visto que em dois dos três CAPS investigados (CAPSad e CAPSIII) elas são realizadas apenas por um profissional. Tal necessidade se constitui frente à sobrecarga e todas as demandas de trabalho que a realização de uma oficina acarreta, como se pode verificar na fala a seguir.

Eu achava interessante duas pessoas na oficina, eu sempre achei, né, porque às vezes a sala tá lotada de usuários. Essa semana eu peguei 28 usuários na segunda-feira, e por setor fica melhor de você observar, tá entendendo? Porque às vezes eu estou à frente e outra pessoa pode ficar mais prestando atenção, naquele que tá dormindo ou naquele que tá ligando o celular pra perturbar... (Ass. Social).

A partir das falas dos profissionais é possível compreender que o planejamento em equipe permitiria que as oficinas fossem construídas com melhor qualidade, evitaria a repetição de temas e faria com que os trabalhadores não precisassem construir uma oficina extra para cada encontro, evitando o retrabalho e a sobrecarga mental dos profissionais.

Contudo, faz-se necessário destacar que em um dos CAPS investigados (CAPSi) se verificou que existem oficinas que são realizadas em duplas por alguns profissionais, entretanto percebeu-se que mesmo que as atividades sejam "compartilhadas" entre dois profissionais, não existe um planejamento em conjunto para o desenvolvimento da mesma.

Além da falta de planejamento coletivo, o trabalho nos CAPS fica prejudicado tendo em vista a inadequação da implicação de determinados profissionais, como destaca uma participante: "(...) algumas pessoas não se implicam, não se colocam, algumas pessoas se ausentam até quando estão presentes" (Psicóloga). O fato de algumas pessoas não desempenharem adequadamente seu trabalho faz com que haja uma sobrecarga de trabalho aos demais, seja para realizar as oficinas ou outras atividades na instituição.

Fatos dessa natureza presente no trabalho em equipe, também são apontados em pesquisa realizada por Anjos Filho e Souza (2017), os quais observaram que a lógica interdisciplinar presente nesse modelo de atenção ainda encontra entraves para sua efetivação, entre elas, devido à falta de comunicação eficaz entre a equipe e por parte de profissionais que não compartilham totalmente o cuidado em saúde mental.

Apesar das dificuldades que emergem da atividade em equipe e do não cumprimento das tarefas por parte de alguns, ao longo dos encontros os trabalhadores reafirmam a todo tempo a necessidade e importância do trabalho coletivo. A cooperação no trabalho permite ainda a superação das contradições que surgem da própria natureza ou da essência da organização do trabalho (Dejours, 2012). Dessa forma, buscando superar as dificuldades no planejamento coletivo e a complexidade que é gerir vários casos diferentes nas oficinas, os trabalhadores terminam por criar estratégias informais de comunicação, seja para diminuir as chances de serem surpreendidos no momento da oficina com a notícia que aquela temática já havia sido trabalhada recentemente, ou ainda para identificar possíveis temas e/ou formas de abordagem que contribuem para o interesse dos usuários em participarem das atividades.

Para dar conta deste vazio de normas, nas observações realizadas em cada CAPS percebeu-se que os profissionais utilizam a estratégia de fazer consulta aos colegas através de grupos informais e de conversas nos corredores ou no ambiente conhecido como sala dos técnicos (espaço físico disponível em cada CAPS reservado para os profissionais). Dejours (2012) salienta que os espaços informais de comunicação são ferramentas essenciais para a troca de saberes, proporcionando um ambiente de deliberação coletiva e cooperação.

Esse aspecto também foi apontado nos encontros sobre o trabalho, como destacado na fala a seguir, a qual demonstra que também a hora do lanche da tarde funciona como um espaço para a comunicação sobre aspectos ligados tanto à atividade de trabalho quanto a questões pessoais, o que pode favorecer as relações interpessoais entre a equipe de trabalho.

E após isso [a oficina] é a parada pra o lanche, onde a gente conversa, troca o que aconteceu, alguma coisa da oficina delas, alguma coisa extra que aconteceu com alguma mãe, particularidades nossas né, um momento que a gente para também pra descansar, pra conversar besteira (Fisioterapeuta).

Além das estratégias informais, também se verificou no âmbito da organização do trabalho alguns elementos que facilitam a comunicação e o trabalho coletivo entre os profissionais, como, por exemplo, a atualização constante dos prontuários de cada usuário. Realizar as evoluções de cada usuário após o término de cada oficina facilita a atividade dos demais profissionais, pois caso aconteça algum imprevisto, urgência ou alguma informação sobre determinado usuário necessite ser acessada e o TR que o acompanha não esteja presente, os prontuários são consultados pelos profissionais para a tomada de decisão.

Além da atualização constante dos prontuários, o livro (ou ata) de ocorrências e as reuniões de equipe (momento de socialização das informações e de discussão dos casos) também se constituem como mecanismos de comunicação entre as equipes dos CAPS, tendo em vista as dificuldades de encontro de toda equipe durante a semana.

Observa-se, portanto, que há estratégias de trocas de informações e comunicações, mesmo quando não há os encontros presenciais entre os trabalhadores, de tal modo que a comunicação entre eles funciona como um elemento de enfrentamento das variabilidades e de viabilização das atividades. O coletivo atua, então, promovendo o preenchimento das lacunas entre o trabalho prescrito e o trabalho real possibilitando a criação de estratégias que permita ao trabalhador desenvolver seu trabalho. Percebe-se, mais uma vez, a articulação das Entidades Coletivas Relativamente Pertinentes (ECRP), já que existe a criação de laços informais para o cumprimento de uma determinada tarefa, evidenciando que o outro é inevitável na atividade e estar presente não apenas externamente, mas também em cada um, por meio de saberes, referências e valores (Schwartz & Durrive, 2010).

 

5 Considerações finais

Ao analisar a atividade de trabalho dos profissionais que atuam em CAPS, verificou-se que eles têm buscado uma atuação calcada na nova ótica da atenção psicossocial, sobretudo devido à ênfase dada pelos profissionais à participação da família e a realização de uma escuta ampliada dos usuários. Contudo, dentro desse contexto, percebeu-se uma ausência de normas quanto aos modos de fazer dos trabalhadores, pois embora as portarias do Ministério da Saúde elenquem as atividades a serem realizadas nas diversas modalidades de CAPS, não existem determinações de como realizar tais atividades. Dessa forma, as normas, estratégias e os valores são construídos nas instituições e pautados na prática da atividade dos trabalhadores.

Além deste contexto de ausência de normas, o trabalhar em CAPS envolve as variabilidades (das situações de trabalho e humanas), as nuances das demandas dos usuários, os valores sem dimensão que o objeto da saúde faz emergir e os agrupamentos coletivos e interdisciplinares, que se tecem no meio. Desse modo, a inteligência da prática é fundamental para encontrar caminhos para o desenvolvimento do trabalho como um todo nos CAPS.

No que concerne à atuação interdisciplinar, observou-se que na dinâmica de trabalho dos CAPS analisados, as fronteiras disciplinares são flexíveis permitindo que os profissionais solicitem a atuação do colega frente a uma demanda encontrada e, dessa forma, que o trabalho seja desenvolvido. Entretanto, existe uma carência do trabalhar junto no que se refere ao planejamento de atividades, sobretudo nas oficinas terapêuticas.

Apesar das dificuldades que emergem dessa atividade em equipe e do não cumprimento das tarefas por parte de alguns profissionais, os trabalhadores reafirmam a necessidade e importância do trabalho coletivo e para tanto criam estratégias que facilitam o funcionamento do trabalho. O coletivo atua, então, preenchendo as lacunas entre o trabalho prescrito e o trabalho real possibilitando o desenvolvimento do trabalho nos CAPS.

O trabalho desenvolvido nessas instituições não é um trabalho isolado, e quando se busca avaliar a efetividade e eficácia do trabalho desses profissionais é necessário também um olhar ao nível macro, que nesse caso comporta o apoio das famílias (nem sempre presentes) e o apoio da rede de cuidados em saúde mental.

Além disso, uma vez que se entende que cada CAPS é carregado de especificidades uma vez que atendem diferentes tipos de demandas, o trabalho desenvolvido em cada modalidade de CAPS apresenta aspectos que não foram aqui ressaltadas.

Por fim, acredita-se que a dimensão coletiva do trabalho interdisciplinar potencializa a gestão da atividade, entretanto parece ser fundamental o fortalecimento dos coletivos de trabalho com espaços de deliberação grupal mais efetivo, seja formal ou informal. A constituição da ECRP mostra que as atividades são enigmáticas e que os profissionais aprenderam a cooperar no enfrentamento das situações de maior exigência e variáveis do trabalho. A dimensão coletiva do trabalho é, pois, elemento fundamental da atividade e da mobilização da subjetividade (individual e grupal), implicando um caminho para uma vida mais saudável frente a uma atividade tão desafiadora e com um papel social tão importante.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Eduardo Breno Nascimento Bezerra
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Recebido em: 04/09/2016
Reformulado em: 23/06/2017
Aceito em: 18/07/2017

 

 

Notas

* Mestre em Psicologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, UFPB.
** Doutor em Saúde Pública/ Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Saúde.
*** Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba.
**** Mestra em Psicologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, UFPB.

 

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