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Estudos e Pesquisas em Psicologia

 ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.22 no.1 Rio de Janeiro jan./abr. 2022   17--2024

https://doi.org/10.12957/epp.2022.66483 

PSICOLOGIA SOCIAL

A Atuação dos Multiplicadores Ambientais em Saneamento Compreendida à Luz da Educação Ambiental Emancipatória

The Performance of Environmental Multipliers in Sanitation Understood in the Light of Emancipatory Environmental Education

El Desempeño de los Multiplicadores Ambientales en el Saneamiento Entendido a la Luz de la Educación Ambiental Emancipadora

Igor Schutz dos Santos1 

Psicólogo. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina.


http://orcid.org/0000-0001-9000-4934

Ariane Kuhnen1 

Psicóloga e docente. Mestre em Sociologia Política, Doutora em Ciências Humanas, Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.


http://orcid.org/0000-0001-9635-9306

1Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Florianópolis, SC, Brasil


RESUMO

As políticas de saneamento têm como objetivo a melhoria e manutenção do bem-estar na sociedade. No Brasil, o trabalho em empresas deste contexto pode incluir a educação ambiental, oportunidade para sensibilização da população quanto à preservação dos recursos hídricos. O presente estudo teve por objetivo caracterizar a educação ambiental para o saneamento e compreender a atuação dos educadores à luz do modelo emancipatório. Trata-se de um estudo exploratório e qualitativo. Realizou-se o acompanhamento de atividades de educação ambiental realizadas na Companhia Catarinense de Águas e Saneamento e entrevistas com 19 trabalhadores denominados multiplicadores ambientais. As características das atividades foram registradas através de diário de campo e analisadas por meio de estatística descritiva. As entrevistas foram gravadas e os dados submetidos à análise de conteúdo através do software Atlas.ti, versão 7.5.7. Os resultados permitiram conhecer as características das atividades de educação ambiental realizadas, dos visitantes e dos participantes. As categorias identificadas demonstraram que a atuação dos multiplicadores ambientais é compreendida por seu desenvolvimento, relação com atividades principais, competências, impactos aos visitantes e avaliação da educação ambiental realizada. Tal atuação é parcialmente congruente com a educação ambiental crítica e emancipatória. Identificaram-se oportunidades para o engajamento de trabalhadores em atividades ambientalmente responsáveis.

Palavras-chave: educação ambiental; saneamento; trabalhadores.

ABSTRACT

Sanitation policies aim to improve and maintain well-being in society. In Brazil, work in companies within this context may include environmental education as an opportunity to raise populational awareness about the preservation of water resources. Thus, this research aimed to characterize environmental education for sanitation and to understand the role of educators in the light of the emancipatory model. It is an exploratory and qualitative study performed at Santa Catarina’s Water and Sanitation State Company. Environmental education activities were accompanied and interviews were carried with 19 workers responsible for these activities, called environmental multipliers. The characteristics of the activities were recorded through a field diary and analyzed using descriptive statistics. The interviews were recorded and the data were submitted to content analysis through the Atlas.ti software, version 7.5.7. Results led to identify characteristics from activities, visitors and participants. The identified categories demonstrated that the performance of environmental multipliers is understood by their development, relationship with main activities, competences, impacts on visitors and evaluation of the environmental education carried out. Such performance is partially congruent with critical and emancipatory environmental education. Opportunities were identified for the engagement of workers in environmentally responsible activities.

Keywords: environmental education; sanitation; workers.

RESUMEN

Las políticas de saneamiento tienen como objetivo mejorar y mantener el bienestar de la sociedad. En Brasil, el trabajo en empresas en este contexto puede incluir la educación ambiental, una oportunidad para sensibilizar a la población sobre la preservación de los recursos hídricos. Este estudio tuvo como objetivo caracterizar la educación ambiental para el saneamiento y comprender el rol de los educadores a la luz del modelo emancipatorio. Este es un estudio exploratorio y cualitativo. Se monitorearon actividades de educación ambiental en la Compañía Estatal de Agua y Saneamiento de Santa Catarina, Brasil, y se realizaron entrevistas con 19 trabajadores denominados multiplicadores ambientales. Las características de las actividades se registraron a través de un diario de campo y se analizaron mediante estadística descriptiva. Las entrevistas fueron grabadas y los datos sometidos a análisis de contenido utilizando el software Atlas.ti, versión 7.5.7. Los resultados permitieron conocer las características de las actividades de educación ambiental realizadas, por los visitantes y los participantes. Las categorías identificadas demostraron que el desempeño de los multiplicadores ambientales se entiende por su desarrollo, relación con las principales actividades, competencias, impactos en los visitantes y evaluación de la educación ambiental realizada. Tal desempeño es parcialmente congruente con la educación ambiental crítica y emancipadora. Se identificaron oportunidades para la participación de los trabajadores en actividades ambientalmente responsables.

Palabras clave: educación ambiental; saneamiento; trabajadores.

O saneamento está intimamente ligado à importância da manutenção da saúde na sociedade. A Organização Mundial da Saúde define essa política a partir do acesso e uso de equipamentos que garantam a disposição adequada de potenciais patógenos. Além de um caráter preventivo, o saneamento seguro tem como objetivo melhorar e manter o bem-estar mental e social (World Health Organization, 2018). No Brasil, o acesso a água potável e tratamento de esgotos teve considerável elevação com o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) nos anos 1970, a partir da criação das empresas públicas de saneamento. A execução desses serviços continua majoritariamente sob responsabilidade de companhias estaduais, bem como da administração direta e autarquias em nível municipal, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS (Ministério do Desenvolvimento Regional, 2018).

O marco regulatório do saneamento, que estabelece as diretrizes dos titulares dos serviços, incluindo a atuação com água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem pluvial foi atualizado através da lei federal nº 14.026, de 2020. As alterações e vetos presidenciais da nova lei objetivam, por um lado, ampliar investimentos em um setor historicamente deficitário, pelo aumento da concorrência e incentivo a empresas privadas gerirem os serviços nos municípios. Entretanto, amplia-se o risco de desmonte das empresas públicas estaduais e municipais atuantes há décadas, aumento substancial das tarifas, além do abandono de implantação de cobertura em regiões periféricas por razões puramente financeiras.

A gestão pública do saneamento possibilita a transformação do que Leff (2002) caracteriza ser uma racionalidade produtiva degradante. Ou seja, a criação de uma nova lógica de produção que concilie economia e ecologia, frente às impossibilidades do desenvolvimento sustentável. É o poder público quem zela pela execução de serviços em saneamento de maneira planejada e não pautada pela primazia da lucratividade, preservando os recursos hídricos sob a perspectiva de bem comum. O cuidado ambiental pode se materializar a partir de sujeitos que, por meio de suas atividades laborais, são adeptos a uma nova sensibilidade em seus processos de aprendizado, incluindo o aprendizado no trabalho.

Configuram-se novas possibilidades de relação entre trabalhadores de saneamento e os destinatários dos serviços que executam, em uma implicação ecológica e coletiva perante a água. Esse caminho é possível através da educação ambiental, considerando os aspectos subjetivos, atitudinais e comportamentais das pessoas no dia-a-dia de uso da água. Assim, torna-se relevante conhecer as condições em que são desenvolvidas ações de educação ambiental fora do contexto escolar, voltadas a um bem comum tão necessário quanto à água.

A educação ambiental é uma importante ferramenta de sensibilização da população acerca dos principais problemas que atingem a sociedade. As ações empreendidas sob este domínio transcendem antigos paradigmas de educação. Como destaca Carvalho (2006), o desafio da educação ambiental está em promover não a mera aprendizagem comportamental, mas o engajamento de cultura cidadã e formação de atitudes ecológicas. Aliado a este último conceito, Milfont (2007) define as atitudes ambientais como a avaliação ou crença sobre o ambiental natural e os fatores que afetam sua qualidade, em graus de favor ou desfavor. Tratase de constructo psicológico determinante do comportamento pró-ambiental (Gifford & Sussman, 2012), ou seja, de ações direcionadas à preservação do meio ambiente.

Em um exercício de cidadania, compete ao educador ambiental preparo e visão crítica da realidade. O compromisso com a causa ambiental aliado a conhecimentos, habilidades e atitudes ambientais possibilita práticas pedagógicas voltadas à compreensão e superação de problemas ambientais. Tal ação, coletiva e organizada, é caracterizada como educação ambiental emancipatória (Quintas, 2006). Neste modelo é indispensável a) a construção e reconstrução do conhecimento da realidade de modo dialógico; b) a catalisação dos processos educativos em respeito à diversidade cultural; c) a ação conjunta com sociedade civil organizada e movimentos sociais; e d) o diálogo interdisciplinar e com os atores envolvidos na gestão ambiental. Através da mudança de valores, a educação ambiental crítica forma sujeitos ecológicos atentos à identificação e problematização das questões ambientais e às formas de atuar sobre elas (Carvalho, 2006). O atributo de crítica na educação ambiental é ressaltado por Loureiro (2000), que afirma que sem este elemento ela estaria reduzida a uma lógica instrumental, focada apenas em aspectos gestionários e comportamentais.

A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) enfatiza a construção individual e coletiva de “valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (Lei n. 9.795, 1999). Nela se distingue a educação ambiental formal, desenvolvida em instituições de ensino público e privado, daquela nãoformal, fora de ambientes tradicionais e destinada à coletividade, incluindo como atores o poder público nos três níveis de governo. Na esfera pública pode se tornar parte da gestão ambiental, a exemplo do que ocorre em órgãos públicos de fiscalização ambiental (Loureiro & Saisse, 2014). Em instituições com gestão ambiental (Campos & Pol, 2009) podem ser viabilizadas condições para que trabalhadores atuem exclusivamente - ou em boa parte de seu trabalho - a este fim. Contudo, não raro é que esse envolvimento de trabalhadores seja espontâneo, não induzido pela instituição no trabalho e em contraponto ao trabalho prescrito.

No segmento de saneamento a educação ambiental pode estar coordenada com as ações socioeconômicas voltadas ao alcance da salubridade ambiental. Inicialmente o cuidado com a água invoca o ciclo hidrológico, na forma natural em que se verifica na natureza. Contudo, o conjunto de obras de abastecimento e tratamento de água se relaciona a novos ciclos internos em que ela permanece na forma líquida, porém é alterada por conta de sua utilização, fazendo existir o ciclo de uso da água. Nele há uma série de transformações que permitem dispor água tratada à população, seguindo-se a coleta e tratamento dos esgotos decorrentes, cujo efluente retorna a um corpo receptor (von Sperling, 1995).

Diante desse cenário, a educação ambiental realizada em visitação a Estações de Tratamento de Água (ETA) e Esgoto (ETE) envolve os trabalhadores no enfrentamento dos conflitos relacionados ao uso da água, através da abordagem do ciclo hidrológico como e de uso. Identificar essas atividades pressupõe que nem todas enquadram-se, necessariamente, na normatização institucional do trabalho técnico essencial ao tratamento de água e esgoto.

Cabe, portanto, considerar as relações recíprocas entre fenômenos psicológicos - comportamentos e estados subjetivos - e variáveis ambientais físicas (Günther, 2005), partindo do ponto de vista do educador. O presente estudo abrangeu as atividades não formais de educação ambiental realizadas por educadores chamados de multiplicadores ambientais, vinculados à Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN, concessionária na prestação de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no estado de Santa Catarina, sul do Brasil. Objetivou-se caracterizar as atividades de educação ambiental e compreender a atuação dos multiplicadores ambientais à luz da educação ambiental emancipatória (Layrargues, 2006; Quintas, 2006).

Método

Trata-se de uma pesquisa de delineamento qualitativo e exploratória (Gil, 2008), que possibilitou maior familiaridade acerca das atividades em caráter não formal de educação ambiental em saneamento. Com base também em dados sociofuncionais, caracterizou-se como uma pesquisa descritiva, uma vez que descreveu as características de uma determinada população (Gil, 2008), os multiplicadores ambientais.

Participantes

Participaram da pesquisa 19 multiplicadores ambientais que atuam diretamente ou em suporte às Estações de Tratamento de Água (ETA) e Esgoto (ETE) e barragem de captação de água. A educação ambiental é constituída de dois conjuntos de ações: quando representantes vão a instituições para palestras e apresentações, mais próximo de atividades formais; e quando visitantes vão às unidades operacionais guiados por um representante da companhia. O foco da presente pesquisa se deu com os multiplicadores ambientais que realizam o segundo conjunto de atividades, com características de educação ambiental não formal.

Instrumentos

No acompanhamento das atividades foi utilizado diário de campo, que serviu como um meio de registro em forma de notas escritas em formulário específico, desenvolvido pelo autor. Foram registradas as informações do multiplicador responsável, dados sobre os visitantes, horário de início e de fim da atividade. As etapas da visita foram descritas conforme o local visitado na unidade e o método utilizado pelo participante. Um campo específico foi disponibilizado para o destaque de eventuais questões relevantes observadas na visita. Por fim, o registro abrangeu as interações estabelecidas entre participantes e visitantes; as interações com o ambiente, para cada etapa identificada anteriormente; as interações com os recursos presentes, em especial a água e/ou esgoto; e as impressões e reflexões do pesquisador, em formato de notas analíticas (Laville & Dionne, 1999).

Utilizou-se roteiro previamente estabelecido para realização das entrevistas com os participantes, tendo como base os estudos citados na fundamentação teórica do presente estudo. O roteiro iniciou com perguntas gerais do vínculo de trabalho dos participantes, com resgate da carreira, impressões e preferências no trabalho, bem como a formação acadêmica e continuada. Em seguida, perguntas específicas sobre a execução de educação ambiental, incluindo questões sobre impressões, sentimentos, valores e avaliação das atividades, entre outros aspectos. As perguntas consideraram especialmente as indicações de Gifford e Sussman (2012) sobre a educação ambiental e o potencial impacto nas atitudes ambientais dos envolvidos. O roteiro foi submetido previamente a entrevista piloto, a partir da qual adequações foram realizadas.

Procedimentos (Coleta de Dados e Cuidados Éticos)

A partir da anuência dos representantes da Companhia e da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o parecer nº 3.101.525, iniciou-se a coleta de dados. Essa etapa ocorreu entre março e julho de 2019. Os participantes receberam o convite para participar da pesquisa junto ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ao qual declararam o aceite.

Em 30 municípios foi registrada educação ambiental nas unidades operacionais, entre os quais 12 foram incluídos na pesquisa: Antônio Carlos, Biguaçu, Canoinhas, Chapecó, Criciúma, Curitibanos, Dionísio Cerqueira, Florianópolis, Laguna, Palhoça, São Joaquim e Siderópolis. Foi realizado o acompanhamento de 16 atividades conduzidas pelos participantes, conforme o agendamento espontâneo dentro do período estabelecido para coleta de dados.

Foi utilizada a técnica de observação simples (Gil, 2008) no acompanhamento das atividades e registro de diário de campo, evitando-se ao máximo interferir na interação estabelecida entre os participantes e visitantes. Logo após cada visita foi realizada entrevista semiestruturada com os participantes com base no roteiro desenvolvido.

Análise de Dados

Os dados de diário de campo e entrevistas foram transcritos para meio eletrônico na íntegra. Registrou-se em planilhas do Microsoft Excel os dados sociofuncionais, os quais foram analisados por meio de estatística descritiva, incluindo frequência, média e desvio padrão. A organização e análise dos dados extraídos da entrevista semiestruturada foi baseada no método de análise de conteúdo (Bardin, 2011), contemplando 1) a pré-análise, 2) a exploração do material e 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. Para a organização, categorização e tratamento dos dados foi utilizado o software Atlas.ti, versão 7.5.7.

Resultados e Discussão

Os arranjos das visitas variaram, sendo o principal aquele em que um participante conduziu a visita a uma unidade operacional, ETA ou ETE. Na visita, houve a demonstração dos processos de funcionamento da estação de tratamento e a importância para o abastecimento de água ou tratamento de esgoto da região. Foram visitados mananciais de captação de água e os locais de destinação do efluente de esgoto tratado para demonstrar o impacto que essas atividades de saneamento têm diretamente no meio ambiente. Algumas atividades foram realizadas por mais de um multiplicador ambiental, enquanto em outras houve a inclusão de mais de uma unidade operacional na mesma visita.

Enquanto na CASAN as ETEs são apenas 10% do total de unidades em operação no estado, para a educação ambiental elas representam 29% das unidades em que se realizam visitas. Na presente pesquisa 44% das atividades acompanhadas ocorreu em ETEs, demonstrando crescente interesse da sociedade em conhecer esse tipo de processo. Todas as atividades foram demandas pelos visitantes, em nenhuma delas a própria CASAN realizou um chamamento ativo como parte de programa ou estratégia de educação ambiental.

Os visitantes foram oriundos majoritariamente de instituições de ensino e de caráter público (ver Tabela 1), em sua maioria crianças (47%) estudantes do ensino fundamental. A quantidade média por grupo foi de 16 visitantes (DP = 8,63), sendo o mínimo de três e máximo de 30 pessoas. As atividades ocorreram em horário comercial e tiveram duração média de uma hora e 22 minutos. As atividades para visitantes de perfil etário mais elevado, oriundos de instituições de ensino técnico e superior de áreas de conhecimento relacionadas ao saneamento tiveram foco em aspectos mais técnicos do tratamento de água ou esgoto.

Tabela 1 Caracterização dos participantes e visitantes 

Multiplicadores ambientais Visitantes
Px Cargo. Função Idade1 Carreira.1 Unidade (Município) n Perfil
1 Técnico em 34 7 ETA Cubatão (Palhoça) 8 Crianças
saneamento
2 Técnico de 43 9 Idem
labotatório
3 Técnico em 44 5 ETA Lago a do Peri 9 Adolescente:
saneamento (Florianópolis) Adultos
4 Técnico em 42 9 ETA São Miguel (Biguaçu) 13 Adolescente;
saneamento Adultos
5 Chefe 53 35 ETA ETE (São Joaquim} 28 Adolescentes
6 Engenheiro 36 12 Idem
sanitarista
7 Técnico em 27 3 meses ETA São Cristóvão (Chapecó) 21 Crianças
saneamento
8 Técnico em 32 6 ETE (Dionísio Cerqueira) 14 Crianças
saneamento
9 Assistente 30 6 ETA (Canoinhas) 16 Crianças
administrativo
10 Técnico em 40 1 ETE (Canoinhas) Pesquisador
saneamento
11 Técnico em 32 6 ETA (Curitibanos) 22 Crianças
saneamento
12 Técnico em 34 4 Idem
saneamento
13 Técnico em 37 5 ETE Canasvieiras (Florianópolis) 7 -Adultos
saneamento
14 Técnico em 37 4 ETA/ETE (Laguna) 30 Adolescentes
saneamento
15 Técnico em 36 8 ETE Lagoa (Florianópolis) 3 Adultos
saneamento
16 Técnico em 38 7 ETE Santa Luzia (Criciúma) 7 Adultos
saneamento
17 Biólogo 40 12 ETA(Antônio Carlos) 28 Crianças
18 Engenheiro 40 11 URA Beira-mar (Florianópolis) 11 Adultos
químico
19 Eletrotécnico 34 9 Barragem do Rio São Bento (Siderópolis) 20 Crianças

Nota:1 Em anos completos

Entre as características sociofuncionais dos participantes (Ps) se identificou que a idade variou entre 27 e 53 (M = 37,72, DP = 5,87) anos completos. A maior parte ocupa cargos de técnico em saneamento (n = 12), cuja escolaridade exigida é de curso técnico de nível médio nessa área. Entre os participantes com cargos de nível superior, encontra-se um engenheiro sanitarista, um engenheiro químico e um biólogo. O tempo de carreira apresentou variação entre 3 meses e 35 anos completos na Companhia.

Sob a perspectiva do nível de escolaridade, a maior parte dos participantes (n = 15) possuía formação em grau superior ao exigido pelo cargo, ou seja, buscou ampliar conhecimentos em diferentes cursos. Considerando as áreas de formação, para os cursos técnicos a predominância é de técnico em saneamento (n = 11). Os cursos de graduação variam predominantemente em áreas relacionadas às atividades de operacionalização do saneamento.

A partir da análise de conteúdo das entrevistas com os participantes, realizada pela codificação aberta, axial e seletiva dos dados, foram estabelecidas as seguintes categorias: desenvolvimento, relação com a atividade principal, competências, impactos para os visitantes e avaliação a educação ambiental realizada. Cada categoria contou com subcategorias específicas, conforme a Tabela 2. Os elementos de análise obtidos permitiram caracterizar os participantes como multiplicadores ambientais e compreender as atividades realizadas à luz da discussão sobre o modelo de educação ambiental emancipatória, bem como as relações com os locais e pessoas envolvidas com as atividades. A seguir as categorias são discutidas.

Tabela 2 Categorias e subcategorias obtidas na análise de conteúdo das entrevistas 

Categorias Subcategorias
1. Desenvolvimento 1.1. Inicio do envolvimento
2. Relação coma atividade principal 1.2. Incentivar colegas a fazer educação ambiental
Qualificar-se
Receber feedbacks
2.1. Alinhada
3. Competências 2.2. Conflitante
2.3. Relação com a identidade de trabalha dor da CASAN
3.1. Identidade de multiplicador ambiental
4. Impactos para os visitantes 3.2. Habilida des interpessoais
3.3. Aprendizados
4.1. Conhecimentos
5. Avaliação da educação ambiental 4.2. Emoções/sentimentos
43. Valores
4.4. Mudanças de atitudes
5.1. Formas de fazer
realizada 5.2. Diferenciais da visita
53. Apoios
Dificuldades pessoais
Dificuldades de método
5.(5. Dificuldades de estrutura
5.7. Importância para a CASAN

Desenvolvimento

O desenvolvimento do multiplicador ambiental parte do “início do envolvimento” com a educação ambiental. Os relatos dos participantes indicam a primeira grande característica da educação ambiental, que é ser voluntária, do ponto de vista de quem realiza. Ao se colocar à disposição o trabalhador oriundo de diferentes áreas da Companhia realiza a educação ambiental sem visar nem receber incentivos financeiros ou adicionais por este trabalho.

O início se deu frequentemente a partir das demandas que chegaram, sem necessariamente haver planejamento para atendê-las. A resposta de se voluntariar a acompanhar as visitas indica a segunda característica da educação ambiental: uma atividade não hierárquica, não determinada por superior hierárquico. Todos os participantes relataram que não houve determinação ou obrigação em realizar as atividades. Os relatos apresentados se aproximam ao que Castro (2002) identificou em estudos sobre o voluntariado ambiental. Além da motivação individual, há semelhança entre os impactos causados: sobre o entorno, sobre si mesmos e para outras pessoas. O autor acredita que tal voluntariado é equivalente à educação ambiental. Nenhum dos participantes deste estudo se dedica exclusivamente à educação ambiental, o que indica mais uma característica fundamental, a de ser complementar às atividades precípuas.

A subcategoria “incentivar colegas a fazer educação ambiental” indicou que a educação ambiental pesquisada possui uma quarta característica fundamental: é descentralizada. Não sendo imposta por relações hierárquicas de trabalho e sendo realizada voluntariamente, o envolvimento dos trabalhadores ocorre em redes de relações laborais, multiplicado por fatores como o nível de liberdade do trabalhador e as possibilidades que possui de realizar educação ambiental paralelamente a seu trabalho precípuo. Verificou-se ainda pluralidade, pois em cada região se estabeleceram atuações próprias originadas da rede de relações locais. A denominação de multiplicadores ambientais se torna apropriada, alinhada à recomendação de Quintas (2006) para uma proposta pedagógica emancipatória para que educadores ambientais coloquem em prática o diálogo com diferentes atores sociais envolvidos na gestão ambiental.

Ao incorporar a educação ambiental em sua prática rotineira, os participantes sentiram a necessidade de repassar informações mais qualificadas e com embasamento científico. Reúnem-se assim, sob a subcategoria “qualificar-se”, os cursos complementares, de graduação e pós-graduação, em áreas como gestão ambiental, desenvolvimento sustentável e educação ambiental. Alguns multiplicadores ambientais buscaram se qualificar participando como ouvintes em outras atividades de educação ambiental. Observar a atividade de outro educador ambiental contribuiu para o surgimento de ideias à condução da própria atividade.

Na subcategoria “receber feedbacks” se identificaram as impressões sobre o recebimento de retorno em formatos diversos. O feedback é realizado mais frequentemente de forma verbal e imediata na atividade. Tratam-se de elogios, de reconhecimento da importância do trabalho em saneamento e do agradecimento pela linguagem utilizada permitir a compreensão dos participantes. Os docentes relatam posteriormente que a pertinência dos assuntos abordados decorre da continuidade do trabalho na escola, conectando o aprendizado teórico sobre o meio ambiente com o aprendizado em campo.

Relação com a Atividade Principal

Nos elementos abordados nesta categoria os participantes avaliaram de que forma fazer educação ambiental guarda relação com essas atividades e como influencia na construção da identidade geral de trabalhador. Identificou-se como primeira subcategoria que cada visita é “alinhada” à atividade principal, reforçando a característica complementar da educação ambiental realizada e demonstrando que ela não gera conflitos. Isso qualifica os trabalhos realizados e dá a chance de frequentar espaços das unidades que, pela rotina de trabalho, acabam sendo deixadas de lado. Ao mesmo tempo em que surgem oportunidades para intervenções de educação ambiental, ela permite que o trabalho na estação seja aprimorado.

Nos casos em que o participante avaliou como impossível tal conciliação, os relatos demonstraram prejuízos potenciais ou reais à atividade principal, reunidos sob à subcategoria de relação “conflitante”. Alguns participantes aliaram a isso sentimentos opostos, pois mesmo que se identifiquem com o fazer da educação ambiental, a impossibilidade de uma conciliação adequada é estressante, já que e-mails e compromissos continuam chegando. Se continua atuando mesmo assim, pode ocorrer de o multiplicador ambiental ter que interromper a atividade para realizar ação prioritária na atividade principal.

É a partir do alinhamento e dos conflitos entre a realização de atividades de educação ambiental e as atividades principais que os trabalhadores constroem a “relação de identidade de trabalhador na CASAN”. Nessa subcategoria foram identificadas as formas como o trabalhador se sente representante de um sistema complexo e estruturado para a garantia de saneamento à sociedade, valorizando-o e zelando por seu bom funcionamento.

Alguns participantes relataram que por meio da educação ambiental se descobriram parte de um trabalho amplo e complexo. Como a identidade inclui o fato de se realizar um serviço público, considerando que alguns setores da sociedade ainda nutrem a ideia de que trabalhadores do setor público atuam de forma burocrática ou ineficiente, a educação ambiental auxilia o trabalhador a romper com essa visão e realizar algo que transcenda o trabalho prescrito. No relato de um dos participantes: “[...] quando o teu trabalho vai além daquilo que eles consideram como um simples trabalho de um funcionário público, quando vai além daquilo ali eu acho que é positivo (P3)”.

Identificou-se que a atuação dos participantes inclui comportamentos de civismo nas organizações. Conforme Porto e Tamayo (2005) esse tipo de comportamento se refere aos atos espontâneos de trabalhadores que geram benefícios à organização. Serve ao equilíbrio entre os valores da organização e os valores individuais dos trabalhadores.

Competências

As competências desenvolvidas no trabalho incluem como primeira subcategoria a “identidade de multiplicador ambiental”. As atividades foram descritas entre as que mais gostam de fazer, junto a sentimentos como satisfação, felicidade, orgulho, realização e gratificação. A utilização frequente de aspectos emocionais em ações educativas é recomendada a educadores para que desenvolvam comportamentos congruentes com a preservação do ambiente (Gondim, Loiola, & Loiola, 2015). Ainda que não haja menção à Companhia possuir um sistema de gestão ambiental (SGA) padronizado, aspectos desenvolvidos nesse contexto contribuem para a criação de valor ambiental. Como destacam Campos e Pol (2009), não apenas pela SGA que esse valor é criado, a educação ambiental também é um instrumento disponível. Essa criação não depende apenas de estratégias individuais, as empresas assumem um papel relevante no engajamento ambiental de seus trabalhadores, ainda que não percebam.

Segunda subcategoria de competência, nas “habilidades interpessoais” foram relatadas a comunicação e relacionamentos interpessoais, geralmente interligados. Alguns participantes identificaram que possuem poucas habilidades comunicacionais e a educação ambiental auxilia a desenvolvê-las. Foi relatado o aumento das redes de convivência social, fazendo-os observar a natureza de forma integrada às formas de vida das pessoas, de usufruto dos bens comuns.

Diferente do processo de se qualificar analisado anteriormente, a subcategoria “aprendizados” trata da relação de ensino-aprendizado que se dá no ato de educação ambiental. Alguns participantes descobriram o próprio nível de conhecimento ao estarem diante de uma situação de repassá-lo. Boa parte afirmou que se aprende muito com os grupos recebidos, até mais que se ensina. Resultam daí sentimentos de satisfação com o trabalho realizado.

Impactos para os Visitantes

Nessa categoria se incluíram aspectos citados no modelo de Gouveia, Milfont, Coelho e Filho (2015), em que a combinação de valores e emoções fornecem explicações satisfatórias para as atitudes ambientais (Milfont, 2007) e comportamentos pró-ambientais, especificamente a habilidade de conservação da água. Os impactos aos visitantes podem ser tanto esperados ou de fato identificados. O impacto mais frequentemente citado foi reunido na subcategoria “conhecimentos”, incluindo percepções de impacto nos visitantes quanto à natureza em geral, ciclo da água, saneamento básico, aspectos financeiros sobre consumo de água e outros componentes do saneamento (resíduos sólidos).

A água foi abordada tanto nos processos de tratamento quanto de construção de uma visão de saneamento a partir das relações cotidianas. Destaca-se que muitos multiplicadores têm o objetivo de avançar o entendimento da água a partir da lógica do ciclo hidrológico, incluindo conhecimentos sobre o ciclo de uso da água (von Sperling, 1995). Essa ampliação de visão faz com que haja uma abordagem mais palpável desse elemento, de forma desfragmentada. Uma vez que identificaram uma certa invisibilidade e espontaneidade na relação das pessoas com a água, evidenciada por comportamentos de rotina, os participantes passaram a trazer à consciência dos visitantes a preservação em suas rotinas de uso. Trata-se de um processo dialógico de construção e reconstrução do conhecimento da própria realidade dos sujeitos envolvidos, conforme preconiza Quintas (2006). Mitos e desconhecimento sobre a água foram frequentemente abordados, como as informações sobre a dosagem de cloro para desinfecção, a falta de água, propriedades organolépticas, lavação da caixa d’água e água de reuso na lógica do ciclo de uso.

A segunda subcategoria de impactos se refere às “emoções/sentimentos”. A principal reação emocional identificada nos visitantes foi a surpresa. Visitantes de instituições escolares se surpreendem com os processos de tratamento de água e esgoto, não só os alunos, mas também os professores acompanhantes. Nas ETEs a surpresa de conhecer o processo é muito frequente, visto que boa parte dos visitantes já chega com a expectativa de que sentirá nojo e que a estação é um lugar impossível de se permanecer.

A terceira subcategoria se refere aos “valores” mediadores da relação com a natureza e ligados à educação ambiental. Em uma abordagem funcionalista, os valores guiam as ações humanas e expressam suas necessidades (Gouveia et al., 2015). O valor atribuído à água integra pessoas e as reconecta com a natureza, um desejo expresso pelos participantes para que os destinatários de suas atividades educacionais entendam verdadeiramente que a água e o esgoto estão na vida todos, não apenas dos trabalhadores que tratam desses elementos.

Na quarta subcategoria foram reunidos os impactos em “mudanças de atitudes”, incluindo as ambientais. O reconhecimento do valor do trabalho realizado indicou mudanças por parte dos visitantes frente aos trabalhadores e à empresa. Como alvo das ações voltadas à geração de comportamentos pró-ambientais, a promoção de mudança de atitudes nos visitantes também foi almejada, congruente com a concepção de Milfont (2007) e a proposta de Gouveia et al. (2015). Relatos da educação ambiental realizada indicam que ela contribuiu para assegurar que a água pode ser consumida sem prejuízo às pessoas. Práticas simples e cotidianas, como tomar banho, tendem a ser revistas por parte dos visitantes, segundos seus feedbacks. Na abordagem quanto ao esgoto a explanação do que o constitui foi realizada em face da frequente confusão do “esgoto com água da chuva, com drenagem. Então é bom para esclarecer, eles ficam com muitas dúvidas, e também para criar novos hábitos” (P15). Este mecanismo de mudança de hábitos indica a determinação das atitudes ambientais no comportamento cotidiano ligado ao saneamento.

Avaliação da Educação Ambiental Realizada

A última categoria considerou que ser educador ambiental inclui avaliar a educação ambiental realizada. Trata-se de um processo de reflexão dos entrevistados sobre as contingências desse formato de educação ambiental, incluindo fatores individuais e estruturais. A primeira subcategoria indicou as “formas de fazer”, preferências sobre a maneira como cada participante realiza sua atividade. Estão alinhadas à sugestão de Gondim et al. (2015) acerca do que definem como aulas passeio, saídas de campo que se constituem como um bom recurso pedagógico para a geração de impacto nas atitudes de estudantes.

A abordagem ambiental mais complexa ligada às técnicas de tratamento de água e esgoto variou de acordo com o manejo do multiplicador ambiental. Alguns permitiram que o professor acompanhante da turma guiasse a atenção na visita de acordo com os conteúdos de sala de aula. Ainda que tal estratégia modifique o caráter educativo das atividades, centrandoas nas técnicas de tratamento, verificou-se um alinhamento a uma prática pedagógica emancipatória (Quintas, 2006) ao permitir o diálogo com diferentes áreas disciplinares.

Alguns participantes consideraram que a visita em ETE limita o público atendido por conta do esgoto e risco de acidentes, ainda que medidas de segurança sejam tomadas para evitá-los. Tal fator justifica que em ETEs o público de idades inferiores participou com menos frequência. De fato, com base em preferências individuais a maioria dos participantes relatou a opção por trabalho junto a crianças e adolescentes.

Na subcategoria “diferenciais da visita” se avaliou a estrutura das unidades e as interações estabelecidas. Aprender em um local que permite a visualização clara dos processos foi o principal diferencial, pois é a água de consumo dos visitantes. Destacou-se que há diferenças entre abordar o tratamento in loco se comparado à apresentação teórica dos elementos e processos de tratamento fora de seus contextos.

As atividades foram avaliadas como viáveis porque se pode contar com “apoios”. Nessa subcategoria foram citados o fornecimento de materiais institucionais, apoio com a estrutura de apresentação e para agendamento de visitas via portal on-line específico. Ainda assim, segundo metade dos participantes nenhum apoio é oferecido. Isso se deve ao caráter voluntário e descentralizado das atividades, junto da definição institucional de autonomia dos participantes. Ainda que esse modelo de atividade, ligado ao civismo na organização (Porto & Tamayo, 2005), permita o trabalho dessa forma, se ele está ligado à missão institucional é de se esperar que existam apoios mais frequentes ou que eles sejam mais claros e intencionais.

Dificuldades como essa foram reunidas sob diferentes subcategorias. Sobre as “dificuldades pessoais” foi mencionado, principalmente, a falta de conhecimento para repassar na visita, visto que não há uma preparação específica vigente no contexto laboral pesquisado para ser multiplicador ambiental. Nas “dificuldades de método” foram citados problemas de falta de definição sobre como executar as atividades e no agendamento em cada município e unidade operacional. Resolvê-los depende da ação individual do multiplicador ambiental. Em razão disso, alguns participantes consideraram que deveria existir um setor responsável exclusivamente pela educação ambiental na Companhia.

Os participantes ainda citaram as “dificuldades de estrutura”, ressaltando que as unidades operacionais não são ambientes concebidos originalmente para educação ambiental. Citou-se que as ETAs e ETEs não apresentam níveis satisfatórios de beleza e segurança e os processos principais de tratamento inviabilizaram visitas em determinados horários do dia. Como solução, optou-se por limitar o número de visitantes simultâneos e a divisão em grupos. Atributo inerente à ETE, o cheiro do esgoto inevitavelmente se torna uma dificuldade estrutural da visita em alguns casos. A repulsa ao cheiro foi agravada pela degradação visual de algumas unidades. Apesar de ser um atributo comum ao cotidiano de trabalhadores do saneamento, já houve casos em que ele foi razão suficiente para cancelar a visita subitamente.

Por fim, na avaliação da educação ambiental realizada incluiu a subcategoria “importância para a CASAN”. Por envolver a apresentação a membros da sociedade, os trabalhadores acabam se sentindo orgulhosos da própria Companhia e, com isso, passam a se preocupar com a condição do ambiente quando há atividade. A partir daí outros trabalhadores acabam desenvolvendo o desejo de envolvimento em atividades educativas.

Segundo relataram, a ganho para a instituição se dá essencialmente em gerar uma imagem positiva. É uma oportunidade de mostrar o serviço realizado e sua qualidade, o que contrapõe críticas veiculadas na mídia. Essa divulgação pode demonstrar a real importância dos serviços executados e dos princípios adotados para o bom atendimento da população. A educação ambiental é de tal importância para esse fim que, conforme um dos participantes ressaltou, “[...] nem o valor, por exemplo, nem uma informação do tipo lucro contábil da empresa, ele não tem sentido se aquilo não tiver um viés de educação ambiental”. (P18)

Avalia-se pelas categorias apresentadas que a atuação de multiplicadores ambientais inclui aspectos da educação ambiental crítica e emancipatória conforme definido por Layrargues (2006). Houve abordagem dos problemas locais de abastecimento e tratamento de água e esgoto que afetam a vida dos visitantes, sendo que o público-alvo inclui comunidade e trabalhadores. A abordagem educacional utilizada incluiu a problemática socioambiental em contexto que se aproxima da educação popular, fora dos domínios escolares tradicionais. Seguindo a recomendação de Quintas (2006), dois aspectos da abordagem emancipatória foram identificados: a construção e reconstrução do conhecimento da realidade de modo dialógico e o diálogo interdisciplinar e com os atores envolvidos na gestão ambiental.

Por outro lado, identifica-se que a educação ambiental realizada está parcialmente inserida nesse modelo. Entre os aspectos abordados pelos multiplicadores ambientais não fez parte a discussão crítica dos sistemas sociais e econômicos que sustentam conflitos específicos de uso da água. Igualmente, não se identificou que os multiplicadores ambientais aprofundam questões políticas como determinantes da problemática ambiental tratada, sendo que algumas de suas dificuldades em atuar advém de decisões políticas na gestão da empresa para esse tipo de atividade. Exemplo disso é o fato de que nenhuma das atividades foi promovida pela empresa, mas sim demandadas pelas instituições.

É preciso reconhecer que a sociedade beneficiada pelo saneamento e partícipe das atividades descritas é permeada de conflitos e confrontos (Quintas, 2006). A ação dos multiplicadores ambientais ainda necessita avançar como prática emancipatória na gestão ambiental, especialmente em dois aspectos: a promoção de engajamento dos visitantes em ações organizadas e de controle social; e a abordagem da pluralidade de conhecimentos que encarem a problemática ambiental em sua complexidade. Significa reconhecer o acesso ao saneamento como um dos principais déficits da sociedade brasileira, o que envolve a água como elemento de possíveis disputas. Possíveis soluções incluem ações técnicas e educacionais, especialmente a transmissão dialógica de valores ambientalmente sustentáveis entre cidadãos e trabalhadores.

Considerações Finais

No presente estudo foi possível caracterizar a educação ambiental para o saneamento realizado na CASAN. São ações voluntárias, complementares às atividades principais, nãohierárquicas e descentralizadas. A compreensão das atividades sob a perspectiva emancipatória indica que são oportunidades para a sensibilização quanto ao cuidado com a água e esgoto, especialmente para crianças e adolescentes, unindo o conhecimento do ciclo hidrológico com o ciclo cotidiano de uso da água. Como representantes de uma organização de trabalho, aos multiplicadores ambientais é oportunizado sensibilizar diferentes representantes da sociedade quanto às possibilidades de conciliação entre antropocentrismo - função inerente ao saneamento como política focada na intervenção de recursos naturais para fins humanos - e o valor ecocêntrico de preservação da natureza. Para isso, é imprescindível o investimento contínuo nas bases da educação ambiental emancipatória, ou seja, o enfrentamento ao desequilíbrio entre o trabalho da empresa pesquisada e o cuidado com o meio ambiente, em busca de uma sociedade mais sustentável.

Frente aos resultados obtidos, conclui-se que as empresas públicas que atuam em algum segmento ambiental podem também incluir atividades educacionais em seu escopo de atuação. No caso de uma empresa atuante no segmento de saneamento, as atividades não formais agregam a possibilidade de aproximação dos usuários com a complexidade do funcionamento dos serviços. Para tanto, é fundamental promover condições estruturais e de políticas humanas. O contexto atual de atualização do marco regulatório do saneamento indica redução da participação de empresas públicas na execução dos serviços, prejudicando diretamente a realização das atividades educativas. Com novas demandas de preocupação ambiental endereçadas pela sociedade, como exemplificado no presente estudo pelo crescente interesse de visitantes em conhecer o tratamento de esgoto, as ações de trabalhadores podem contribuir para a complexa relação de sensibilização ambiental. O presente estudo contribuiu, portanto, para compreender o funcionamento de um modelo de educação ambiental e os mecanismos de envolvimento dos trabalhadores responsáveis por sua execução.

Destaca-se que a pesquisa possui limitações. O saneamento foi abordado a partir de apenas dois de seus componentes, a água e o esgoto. Uma vez que o marco legal nacional inclui também a drenagem pluvial e os resíduos sólidos, os resultados podem apresentar diferenças significativas quando referentes ao trabalho de educação ambiental em organizações que atuam nesses contextos. Estudos futuros podem caracterizar a educação ambiental realizada nestes locais, avaliando as concepções de saneamento subjacentes e abordagens dos conflitos locais. Uma vez que na empresa pesquisada não se aprofundou o conhecimento da política de gestão ambiental, o que não fez parte do método adotado, novos estudos podem identificar tais políticas e avaliar em que nível são congruentes com a realização de ações educativas.

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Recebido: 19 de Outubro de 2020; Revisado: 03 de Março de 2021; Aceito: 11 de Abril de 2021

Igor Schutz dos Santos Campus Universitário, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Psicologia, Laboratório de Psicologia Ambiental, sala 11B, Trindade, Florianópolis - SC, Brasil. CEP 88040-970, Endereço eletrônico: igorschutz@gmail.com

Ariane Kuhnen Campus Universitário, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Psicologia, Laboratório de Psicologia Ambiental, sala 11B, Trindade, Florianópolis - SC, Brasil. CEP 88040-970 Endereço eletrônico: arianekuhnen@gmail.com

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