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Estudos e Pesquisas em Psicologia

 ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.22 no.1 Rio de Janeiro jan./abr. 2022   17--2024

https://doi.org/10.12957/epp.2022.66491 

PSICOLOGIA CLÍNICA E PSICANÁLISE

Passagens pela História da Gestalt: de Mach/Ehrenfels a Wertheimer, Koffka e Köhler

Passages through Gestalt History: from Mach/Ehrenfels to Wertheimer/Koffka/Köhler

Pasajes por la Historia de la Gestalt: de Mach/Ehrenfels a Wertheimer, Koffka y Köhler

Jorge Américo Vargas Freitas1 

Mestrando em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação em Lógica e Metafísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


http://orcid.org/0000-0002-9099-7507

1Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil


RESUMO

O artigo pretende fazer a leitura de textos que marcaram a história da teoria da Gestalt nas suas fases iniciais de desenvolvimento. Assim, procura redescobrir as origens do termo a partir de conceitos como Tongestalt, de Ernst Mach, e Gestaltqualitäten, de Christian von Ehrenfels, para alcançar as raízes filosóficas da psicologia da Gestalt. Em seguida, focando sobre a base da psicologia da Gestalt, a pesquisa se dedica aos fatores da Gestalt descritos por Max Wertheimer como leis gerais da teoria da Gestalt, à introdução da Gestalt theory nos Estados Unidos por Kurt Koffka a partir da apresentação do ponto de vista da Gestalt sobre a teoria da percepção e ao esclarecimento sobre o conceito de insight por Wolfgang Köhler por meio da abordagem exaustiva da perspectiva do leigo. Logo, o texto tenta ser capaz de dar mostras da evolução do conceito de Gestalt ao longo do tempo e ao mesmo tempo conectar uma variedade de definições e facetas da Gestalt.

Palavras-chave: fatores da gestalt; gestaltqualitäten; gestalt theory; insight; tongestalt.

ABSTRACT

The article intends to read texts that marked the history of Gestalt theory in its early stages of development. Thus, it seeks to rediscover the origins of the term from concepts such as Ernst Mach's Tongestalt and Christian von Ehrenfels's Gestaltqualitäten in order to reach the philosophical roots of Gestalt psychology. Next, focusing on the basis of Gestalt psychology, the research focuses on the Gestalt factors described by Max Wertheimer as general laws of the Gestalt theory, the introduction of Gestalt theory into the United States by Kurt Koffka from the presentation of the point of view of Gestalt over the theory of perception, and the clarification on the concept of insight by Wolfgang Köhler by the means of an exhaustive approach in layman’s terms. So the text tries to be able to show off the evolution of the concept of Gestalt over time and at the same time to connect a variety of definitions and facets of Gestalt.

Keywords: gestalt factors; gestaltqualitäten; gestalt-theorie; insight; tongestalt.

RESUMEN

El artículo pretende leer textos que marcaron la historia de la teoría de la Gestalt en sus primeras etapas de desarrollo. Así, busca redescubrir los orígenes del término a partir de conceptos como Tongestalt de Ernst Mach y Gestaltqualitäten de Christian von Ehrenfels para llegar a las raíces filosóficas de la psicología de la Gestalt. A continuación, centrándose en la psicología de la Gestalt, la investigación se concentra en los factores de la Gestalt descritos por Max Wertheimer como leyes generales de la teoría de la Gestalt, la introducción de la Gestalt-theorie en Estados Unidos por Kurt Koffka a partir de la presentación del punto de vista de la Gestalt sobre la teoría de la percepción y la clarificación acerca del concepto de insight por Wolfgang Köhler por medio de un enfoque exhaustivo en términos legos. Por lo que el texto trata de poder dar muestras de la evolución del concepto de Gestalt a lo largo del tiempo y al mismo tiempo conectar una variedad de definiciones y facetas de Gestalt.

Palabras clave: factores de la gestalt; gestaltqualitäten; gestalt-theorie; insight; tongestalt.

O objetivo desta pesquisa é organizar material suficiente para a compreensão da base histórica da teoria da Gestalt. Por isso, os estudos do físico e filósofo Ernst Mach bem como do filósofo Christian von Ehrenfels interessam a este trabalho, ainda que haja uma diferença considerável entre o que examinavam e o que os psicólogos e teóricos da Gestalt Max Wertheimer, Kurt Koffka e Wolfgang Köhler investigaram posteriormente.

A trilha parte de trechos de Contributions to the analysis of the sensations (Beiträge zur Analyse der Empfindungen) de Mach indicados por Ehrenfels em Ueber “Gestaltqualitäten”, por sua vez, indicado por Wertheimer na introdução dos fatores da Gestalt em Laws of organization in perceptual forms (Untersuchungen zur Lehre von der Gestalt). Então segue pela apresentação da teoria da Gestalt em Perception: an introduction to the Gestalt-theorie de Koffka para alcançar o insight em Psicologia da Gestalt (Gestalt psychology: an introduction to new concepts in modern psychology) de Köhler.

O interesse é reportar trechos que contenham conceitos de importância histórica e metodológica para teoria da Gestalt direto de fontes originárias. O artigo se divide por títulos dedicados à leitura dos textos selecionados, que se subdividem por tópicos em alguns casos e tenta descrever o modo como cada um desses autores desenvolveram os textos nos quais tais conceitos se encontram. Logo, assim que a importância de cada conceito para a teoria da Gestalt é esclarecida, a leitura prossegue para outro ponto no progresso da teoria com o intuito de costurar trechos dessa história na medida do possível e emendar os contextos.

Mach: Tongestalt

Assim, Mach (1897) inicia o terceiro capítulo da tradução em inglês de Beiträge zur Analyse der Empfindungen, a saber, Contributions to the analysis of the sensations.:

“A árvore, com o seu tronco cinza, áspero e duro, seus inúmeros galhos balançados pelo vento, suas folhas macias, suaves e brilhantes, parece-nos primeiramente um todo único e indivisível” (Mach, 1897, p. 40, tradução nossa).

Em seguida, nota que, de olhos fechados, é possível continuar sentindo a mesma árvore sem enxergá-la de modo que o visível se difere do tangível (Mach, 1897). Declara: “assim, a coisa aparentemente indivisível é separada em partes, que não estão apenas conectadas umas às outras, mas também ligadas a outras condições” (Mach, 1897, p. 40, tradução nossa). E reforça: “o visível também parece, à primeira vista, ser uma coisa única” (Mach, 1897, p. 40-41, tradução nossa). Entretanto, o colorido variado dos frutos indica a separação entre sensações espaciais e sensações de cores, já que as coisas podem ser iguais em forma, mas diferentes em termos de coloração e vice-versa (Mach, 1897).

Da breve leitura do primeiro número desse capítulo, o estudo vai ao sétimo onde a sensação tonal é examinada. Importa o décimo primeiro ponto onde logo aparece uma comparação sensorial da melodia:

[...] Se duas séries de tons forem iniciadas em dois pontos diferentes da escala, mas forem feitas para se manterem pelas mesmas proporções de vibração, devemos reconhecer em ambas a mesma melodia, por um mero ato de sensação, tão prontamente quanto imediatamente como reconhecemos em duas figuras geometricamente similares, situadas similarmente, a mesma forma. (Mach, 1897, pp. 135-136, tradução nossa)

Neste mesmo parágrafo, encontra-se um termo curioso - “Tongestalt” (Mach, 1886, p. 128) em alemão traduzido como “like tonal form” (Mach, 1897, p. 136) no inglês -, na seguinte sentença: “como melodias, situadas diferentemente na escala, podem ser denominadas construções tonais de forma tonal semelhante ou podem ser denominadas construções tonais similares a partir dos seus análogos espaciais” (Mach, 1897, p. 136).

A seguir, considera um exemplo trazido pelo amigo e crítico musical Eduard Kulke (1884) em Ueber die Umbildung der Melodie: Ein Beitrag zur Entwicklungslehre sobre um método original de instrução do compositor Peter Cornelius. Completando o texto com a descrição oral do amigo, redescreve:

De acordo com Cornelius, é uma ajuda maravilhosa, no reconhecimento de intervalos, tomar nota de determinados pedaços de músicas, canções folclóricas etc, que comecem com esses intervalos. A Abertura de Tannhäuser, por exemplo, começa com uma quarta. Ao ouvir uma quarta, noto imediatamente que a série de tons é a mesma daquela que inicia a Abertura de Tannhäuser e, por esse meio, reconheço o intervalo. Da mesma maneira, a Abertura de Fidelio pode ser utilizada como uma representante da terceira; e assim por diante. [...] Alguém suporia naturalmente que seria mais fácil notar um intervalo do que uma melodia. Ainda assim, uma melodia oferece uma maior retenção na memória do que um intervalo, tal qual um semblante individual é mais facilmente notado e associado a um nome do que certo ângulo facial ou um nariz. [...] (Mach, 1897, pp. 136-137, tradução nossa)

Logo adiante, nota que, na acústica, tons se relacionam entre si numa relação de contraste de maneira parecida com o que ocorre no campo cromático na relação entre as cores (Mach, 1897). Definindo: “tanto nas combinações melódicas quanto nas harmônicas, notas cujas taxas de vibrações mantém, entre umas e outras, uma proporção simples, são distinguidas (1) por sua afabilidade e (2) por uma sensação característica dessa proporção” (Mach, 1897, p. 138, tradução nossa).

Ehrenfels: Gestaltqualitäten

Em Ueber “Gestaltqualitäten”, Ehrenfels (1890) procura tratar cientificamente de um fato físico que reconhece já ser de conhecimento da filosofia. Por se tratar de uma noção implícita, recorre a um novo termo e encontra “Gestaltqualitäten” (Ehrenfels, 1890, p. 249). E indica ter começado a pensar no assunto inspirado por Mach (1896) (Ehrenfels, 1890).

O filósofo austríaco chama atenção para termos curiosos utilizados pelo compatriota como a sensação de formas espaciais e formas sonoras ou melodias (Ehrenfels, 1890). Nota como parecem paradoxais e absurdos de modo que não se relacionam com o sentido ordinário da percepção. Apesar da terminologia, tais noções possuem alguma razão, no sentido de que a ideia de forma espacial e de melodia não são recebidas prontas de fora para dentro senão produzidas pela combinação de sensações particulares (Ehrenfels, 1890).

O dilema é saber se são concebidos como conjunção de elementos ou como algo novo e diferente dessa conjunção dos elementos em si (Ehrenfels, 1890). Especula sobre a possibilidade de Mach (1896) tratar de meras sensações, o que seria trivial, ou, diferentemente, de modelos especiais, de forma que não se tratam apenas da soma de elementos de um conjunto qualquer.

Sobre a melodia, a percepção sonora não lhe parece capaz de depender apenas de sons particulares, mas pelo menos de sons precedentes, pois, de outra forma, melodias terminadas com a mesma nota sempre soariam parecidas (Ehrenfels, 1890). Avançando nesse sentido, pontua ainda que, de melodias com mais notas, não adiantaria guardar apenas trechos.

Parte então para uma questão mais adiante que tem a ver com compreender a diferença entre uma melodia e cada nota musical isolada na imaginação (Ehrenfels, 1890). Traz à tona a questão das figuras espaciais por considerar um conceito mais apropriado para lidar com a matéria justamente pela simultaneidade das formas ao se revelarem. Julga indubitável o fato de partes diferentes de uma imagem representarem sensações diferentes (Ehrenfels, 1890).

O autor pondera, então, sobre a plausibilidade de um terceiro fator resultar da junção de dois elementos, concordando com a complicação física que a situação acarreta no campo material em relação à preservação da matéria, mas discorda que condições materiais devam ser transpostas para limitar o âmbito do mental, sem que haja evidências de tal relação por causa da independência do fluxo das ideias em relação à realidade física (Ehrenfels, 1890).

Acerca da viabilidade da sua teoria, ele procura justificá-la negativamente. Logo, supõe que a derivação de um terceiro elemento de cada par de elementos conceituais poderia levar ao absurdo por tender ao infinito, enquanto as restrições da finitude não permitiriam tal façanha (Ehrenfels, 1890). Entretanto, defende a teoria embrionária da Gestalt, alegando que essa relação de derivação não é elementar, individualizada, arbitrária, senão adequada à característica da relação particular entre cada conjunto com seus elementos (Ehrenfels, 1890). Credita a confiabilidade na existência de Gestaltqualitäten à semelhança entre melodias e figuras consideravelmente diferentes desdobrando sua teoria pela definição da natureza do fenômeno, pelo esclarecimento da singularidade, indo um pouco além da noção mais simplista da soma das partes (Ehrenfels, 1890).

Usando o exemplo de uma canção popular executada de duas formas, demonstra como de dois conjuntos sonoros formados de elementos distintos podem resultar melodias parecidas, ao mesmo tempo em que de dois conjuntos formados por elementos tonais semelhantes podem resultar melodias diferentes, o que deixaria claro que uma melodia é algo além do somatório de tons individuais e que a semelhança entre duas melodias independe da similaridade entre elementos (Ehrenfels, 1890).

Wertheimer: Faktoren

Em Gestalt theory, Wertheimer (1950b) aborda o exemplo de Ehrenfels para discutir as bases da sua teoria. Assim se encontra a explicação de Ehrenfels em suas palavras:

[...] A posição de Ehrenfels era esta: toco uma melodia familiar de seis tons e emprego seis novos tons e você ainda reconhece a melodia apesar da mudança. Deve haver algo além da soma dos seis tons, a saber, alguma sétima coisa que é a qualidade da forma, a Gestaltqualität, das seis originais. É o sétimo fator ou elemento que lhe permite reconhecer a melodia apesar da sua transposição. (Wertheimer, 1950b, pp. 4, tradução nossa)

Também identifica a fórmula geral da Gestalt, que se expressa de seguinte maneira:

[...] Há todos cujo comportamento não é determinado pelo mesmo dos seus elementos individuais, mas nos quais os processos das partes são eles mesmos determinados pela natureza intrínseca do todo. [...] (Wertheimer, 1950b, pp. 2, tradução nossa)

E estabelece a questão fundamental: “As partes de um dado todo são determinadas pela estrutura interna desse todo ou, os eventos são tais que, como independentes, fragmentados, fortuitos e cegos, a atividade total é uma soma das atividades das partes?” (Wertheimer, 1950b, p. 2, tradução nossa)

Em The general theorical situation estão as hipóteses do mosaico e da associação:

  1. O mosaico da hipótese do ‘feixe’ - Todo ‘complexo’ consiste de uma soma de conteúdos ou peças elementares (isto é, sensações). [...] Estamos lidando essencialmente com uma multiplicidade somatória de componentes constituídos variadamente (um ‘feixe’) e todo o resto é erguido de alguma forma sobre este somatório-e. Assim, à sensação são adicionados ‘resíduos’ de percepções, sentimentos, atenção, compreensão e vontades anteriores. Além disso, a memória unese à soma dos conteúdos.

  2. A hipótese da associação. - Se um certo conteúdo A tem ocorrido frequentemente com B (‘em contiguidade espaço-temporal’), então há uma tendência para A invocar B. (Caso típico: sílabas sem sentido.) Este é o plano básico do associacionismo. O princípio aqui é o de uma conexão meramente existencial, uma união somente no que diz respeito à aparência desses ou daqueles conteúdos, uma concatenação essencialmente extrínseca em caráter. [...] (Wertheimer, 1950c, pp. 12-13, tradução nossa)

E, no trecho a seguir, começa a falar mais claramente em leis da Gestalt:

Combinação, integrações, preenchimento, longe de serem resultados adventícios de fatores extrínsecos cegos [...] são determinados pelas leis concretas da Gestalt. ‘Elementos’, portanto, não devem ser colocados juntos como fundamentos em somatório-e e sob condições que envolvem combinações extrínsecas. Ao invés disso, são determinados como partes pelas condições intrínsecas dos seus todos e devem ser entendidos ‘como partes’ relativas a tais todos. Nem são ‘Gestalten’ as somas de conteúdos agregados erguidas subjetivamente sobre pedaços fornecidos primariamente: estruturas adventícias, determinadas subjetivamente, contingentes. Não são simplesmente ‘Qualitäten’ cegas e adicionais, essencialmente como pedaços e intratáveis como ‘elementos’’; não são meramente algo adicionado ao material já dado, meramente ‘formal’. Em vez disso, estamos lidando aqui com todos ou processos de todo, possuídos de leis intrínsecas, especificamente internas; estamos considerando estruturas com seus princípios estruturais concretos. (Wertheimer, 1950c, pp. 14-15, tradução nossa)

Então, em Laws of organization in perceptual forms,Wertheimer (1950a) começa por uma questão colocada por Mach (1897), ao descrever a situação de um observador olhando pela janela tendo em vista uma casa, árvores e o céu (Wertheimer, 1950a). A consideração que é feita é que, por mais que haja à vista, como coloca, 327 nuances de cor, esse número lhe é de todo indiferente: mais do que se relacionar pelo que há de absoluto, é a relação entre o céu, a casa e as árvores que faz relevo em sua consciência e essa divisão não é feita por critérios relacionados ao próprio observador; o arranjo está dado (Wertheimer, 1950a).

Mais uma vez, um exemplo de melodia é abordado. Uma melodia integrada por 49 tons é subdividida por 17 tons, seguidos por outros 32 e destaca que essa subdivisão é percebida em sua exatidão e não pode ser confundida com outra subdivida entre 20 e 29 tons (Wertheimer, 1950a). Sublinha com esses raciocínios que os estímulos não são percebidos individualmente; conjuntos inteiros isolados e interconectados estão presentes na experiência e composições e divisões não são por acaso (Wertheimer, 1950a). Isso se sintetiza nesta fala:

Quando somos apresentados a uma série de estímulos, não experimentamos, via de regra, “um número” de coisas individuais, esta, aquela e aquela. Ao invés disso, totalidades maiores separadas e relativas umas às outras são dadas na experiência; seu arranjo e divisão são concretos e definidos. (Wertheimer, 1950a, pp. 72, tradução nossa)

Logo, entender quais características determinam tal relação, torna-se uma questão objetiva trabalhada em nove números. Neles, utiliza-se de diferentes sequências de pontos, letras, números, pontilhados, linhas e figuras geométricas regulares e irregulares. Apresentaremos, a seguir, os fatores de organização da percepção postuladas por esse autor gestaltista.

Proximidade

O fator da proximidade se revela numa sequência de pontos uniformes separados por intervalos alternados, numa arrumação de pares de pontos, separados por um espaço maior do que aquele que separa cada par (Wertheimer, 1950a). A questão aí refere-se ao fato de ser mais evidente a série de pares do que o conjunto completo à primeira vista.

Em outra sequência, em que pares estão ajustados de forma bastante semelhante com exceção do fato de estarem, neste caso, inclinados com o primeiro ponto à esquerda e abaixo do seu par que se encontra à direita e acima (Wertheimer, 1950a), o que chama atenção é a arrumação dos pares ainda com uma configuração menos exata.

Uma sequência similar à anterior, com exceção de que os pares estão transformados em trios de pontos; e outra configuração dessa mesma sequência, com letras. A facilidade de lidar com subdivisões dos trios do que com outra ordem aleatória é o caso (Wertheimer, 1950a).

Outros exemplos para demonstrar arranjos espontâneos são uma sequência crescente de quantidades ímpares em formato de arco pontiagudo, formada tanto por pontos quanto por letras (Wertheimer, 1950a). O agrupamento se forma naturalmente. Uma cópia do primeiro exemplo, porém com trios em vez de pares, evidencia o mesmo efeito, com três pontos mais próximos em vez de dois desta vez (Wertheimer, 1950a).

Outras sequências com subgrupos um tanto distanciados entre si, cada qual com quintetos mais aproximados, uma vez no sentido vertical e outra no horizontal, confirma mais uma vez o que procura evidenciar (Wertheimer, 1950a).

Noutros exames de sequências semelhantes à do primeiro, do segundo e do terceiro exemplos, no entanto, com menos repetições, nota que quanto maior a quantidade mais imperativa é configuração natural e, ao contrário, se torna mais fácil lidar com ordens aleatórias (Wertheimer, 1950a). E não pode ser apenas por haver menor quantidade, porque isso se basearia numa proposição absurda de que seria mais difícil agrupar números grandes (Wertheimer, 1950ª). O caso não é maiores ou menores quantidades de pontos, porque é o fator de proximidade que parece imperar, já que são critérios de naturalidade/artificialidade que facilitam ou dificultam notar subdivisões naturais, como pode ser observado pela substituição dos pontos por toques numa superfície (Wertheimer, 1950a).

Similaridade

O fator de similaridade aparece num exemplo parecido com o primeiro do fator de proximidade, o psicólogo preenche, porém, os intervalos entre os pares de pontos por outros pares de pontos, só que vazados (Wertheimer, 1950a). Adiante, numa série intercalada na horizontal por colunas alternadas de pontos e pontos vazados, e noutra série intercalada na vertical com linhas alternadas de pontos e pontos vazados também (Wertheimer, 1950a). E noutro modelo do quinto exemplo do fator de proximidade, mas também com intervalos preenchidos por outros trios de pontos, mas vazados (Wertheimer, 1950a). O que se apresenta aqui é outra tendência, a de partes parecidas se agruparem naturalmente (Wertheimer, 1950a). Testa também sequências em ordem invertida - da direita para a esquerda - e, com isso, intenciona deixar claro que o fator de similaridade atua tanto conforme a qualidade da similaridade quanto de acordo com a quantidade de dissimilaridade; tonalidades de cores e notas musicais são utilizadas para exemplificar o que diz (Wertheimer, 1950a).

Cooperação/Oposição

Um fator inominado ocupa o terceiro número. Apesar de não carregar um nome consigo, este fator define a concorrência entre outros fatores e considera as possibilidades tanto de cooperação como de oposição num caso assim (Wertheimer, 1950a). Por exemplo, entre pares de pontos e pontos vazados separados por um intervalo maior do que o intervalo entre eles e alternados entre si numa sequência horizontal, e os mesmos pares, só que dispostos diagonais, inclinados do canto superior esquerdo para o inferior direito, a diferença é a gravidade da variação, que faz com que a balança penda para um lado - cooperação entre similaridade e proximidade - ou para o outro - oposição por similaridade -, respectivamente; num caso semelhante ao último, porém, formado por trios alternados entre si e entre subgrupos, oposição por similaridade novamente, mas menos grave (Wertheimer, 1950a).

Em colunas alternadas entre pontos e pontos vazados separados por intervalos maiores entre as colunas do que entre as linhas, ambos os fatores potencializam suas características e evidenciam a separação natural entre os subgrupos (Wertheimer, 1950a).

Destino Uniforme (ou “Destino Comum”)

O fator de destino uniforme ou “destino comum” é apresentado por Wertheimer por meio de uma linha de pontos separados em subgrupos, formados por trios, divididos entre si por intervalos menores do que os que separam os subgrupos. O objetivo é distinguir os cursos que são a favor daqueles que são contrários à disposição da estrutura (Wertheimer, 1950a).

Prägnanzstufen

O fator Prägnanzstufen é apresentado de forma semelhante ao anterior, mas numa sequência menor, em virtude da substituição dos trios por duplas de pontos. Determina-se a distância entre os elementos pareados em 2 mm, enquanto há 20 mm entre cada par; considera-se os primeiros elementos pareados de cada par da esquerda para a direita como constantes, com seus respectivos pares variando, respectivamente, de 3 mm em 3 mm de 2 mm a 20 mm e vice-versa; logo, três grupos preponderantes são suscitados, no começo e no fim da sequência, com a regularidade presente na parte central entre esses extremos, formando subconjuntos diferenciados (Wertheimer, 1950a). Um exemplo mais simples de ser vislumbrado é o respeitante a um ângulo; ângulo que de um lado se estende horizontalmente e do outro faz um arco entre 30° e 150°; em vez de haver um valor psicológico para cada grau, haveria três níveis bem determinados separados no espectro do agudo, do reto e do obtuso; mesmo uma angulação irregular estaria dentro do espectro com características mais apropriadas ao estágio em que se encontra e encontra maior adequação (Wertheimer, 1950a).

Ajuste Objetivo

O fator de ajuste objetivo tem a ver com o modo pelo qual um conjunto se autopreenche quando partes irrelevantes para o reconhecimento da sua forma completa estão obscurecidas. O exemplo dado é o do desaparecimento das letras alfabéticas entre A e G; partindo de A em direção a G ou opostamente, há uma tendência de organização dos elementos ocultados em direção ao extremo a que se remete, de modo que um ponto médio entre os dois extremos varia conforme alcançado por um lado ou pelo outro na sequência; isso se deve a ser parte num conjunto e se ajustar ao feitio do contexto (Wertheimer, 1950a). O que está em jogo, de maneira quase literal, é que a ordem dos fatores altera o resultado no caso de um conjunto ambíguo. Na ausência de certos elementos num conjunto, faz diferença quando um ponto médio é apresentado antes ou depois de um elemento que está mais próximo de uma ou de outra extremidade da sequência (Wertheimer, 1950a). Isso se mostra por meio de linhas pontilhadas entre dois extremos ligados na horizontal com um pontilhado concernente ao ponto médio partindo do meio da linha sendo traçado verticalmente.

Direção (e Fechamento e “Boa Curva”)

O fator de direção funciona na configuração de um conjunto de maneira semelhante ao fator de proximidade e ambos concorrem no cumprimento dessa função (Wertheimer, 1950a). Normalmente, numa sequência, dois elementos subsequentes são mais próximos entre si do que em relação a um elemento ordinalmente mais distante; contudo, num caso em que a figura se dispõe tendendo a certa direção, é possível que o elemento intermediário do exemplo do fator de ajuste objetivo seja mais próximo dos polos do que entre si; e ainda assim, a relação entre os polos se faz mais predominante do que a relação de cada extremo com o ponto médio mais próximo, justamente porque a perpendicularidade da linha pontilhada onde se encontra o ponto médio diferencia objetivamente a sua relação com cada qual dos eixos, mesmo que seja mais próxima ordinal e posicionalmente; noutro exemplo, mesmo com a linha pontilhada do ponto médio imaginário pendendo obliquamente mais para um lado do que para o outro, dá igual; outros exemplos revelam ainda mais o fator de direção em casos com linhas curvadas presentes na equação; este fator reafirma valores de Prägnanzstufen sobre tipos de configurações poderem ser mais fortes do que outros e predominar (Wertheimer, 1950a).

Consequências mais avançadas são propostas às suas teorias. É o caso da intuição sobre os passos a serem seguidos na elaboração de um desenho, por exemplo, que funciona no sentido de dar o devido prosseguimento à sequência no melhor sentido do que se costuma chamar “boa continuação” que tende à unidade como se fosse um requisito lógico (Wertheimer, 1950a). É daí que o fator de fechamento emerge em meio ao exame do fator de direção e é apresentado com as graças de figuras geométricas parelhas. E, de pronto, também aparece o fator da “boa curva”, que tem a ver com a viabilidade de duas figuras entrelaçadas permanecerem independentes ou derivar delas um terceiro elemento como fruto do encaixe; isso pode ser visto, por meio de um objeto geométrico bem formado a partir da união de duas figuras, outras figuras geométricas de modo a permitir o vislumbre de uma terceira figura virtual (Wertheimer, 1950a). Com um deltoide oblíquo inserido num retângulo; isolando um canto ou outro, é possível enxergar um hexágono em cada um dos dois lados, de modo que o deltoide é decomposto em busca de reconfigurar o melhor encaixe em ambas as direções (Wertheimer, 1950a). Ainda, questionando a hipótese de uma adição ser capaz de desconfigurar o formato original da figura, tenta desregular as bases do objeto agindo contra sua estrutura e encontra a possibilidade de intervenções de sentido completamente neutro (Wertheimer, 1950a).

Experiência Passada ou Hábito

O fator de experiência passada ou hábito é como um tipo de expectativa natural proveniente de laços mantidos entre elementos decorrentes do costume, que fazem com que, da constante relação entre os mesmos elementos, configure-se uma tendência (Wertheimer, 1950a). Ele simplifica o tema, explicando que se trata basicamente de uma questão material de repetição e habituação (Wertheimer, 1950a). A dificuldade está na própria aceitação deste fator como um princípio relevante. Então os requisitos que impõe ao devido cumprimento de sua função fenomenológica são os seguintes:

[...] (1) que a apreensão dominante fosse devida à experiência anterior (e a nada mais); (2) que as apreensões não dominantes em cada instância não tenham sido experimentadas previamente; e, em geral, (3) que, no acúmulo de experiências, nada além de fatores adventícios necessitem estar envolvidos. (Wertheimer, 1950a, pp. 86, tradução nossa)

Num exemplo da combinação da letra W e da letra M, pela experiência, quem está familiarizado com esses caracteres é capaz de discerni-los ainda que combinados, porém, quem não está familiarizado com o alfabeto latino, mas tem conhecimento sobre formas pode focar em outros setores da figura, justamente por causa do fator de experiência passada ou hábito (Wertheimer, 1950a). A objeção que ele mesmo coloca é a possibilidade de, apesar daquele que conhece as letras W e M estar familiarizado com elas, não estar familiarizado com tal configuração em que elas aparecem combinadas e descaracterizadas, e por isso, as abordagens tenderiam a favorecer determinado padrão de apreensão, mas não considera isso uma explicação suficiente de toda forma (Wertheimer, 1950a).

Inhomogenitäten

O último fator, outro inominado, pode ser tratado pelo termo empregado pelo psicólogo da República Checa que, no original, em alemão é: “Inhomogenitäten” (Wertheimer, 1923, p. 348); e na tradução em inglês é: “inhomogeneity” (Wertheimer, 1950a, p. 88). Este conceito define que: “um campo perfeitamente homogêneo parece um campo total [Ganzfield] opondo subdivisão, desintegração, etc” (Wertheimer, 1950a, p. 88, tradução nossa). Explica que é necessária uma grande diferenciação entre o objeto e o fundo a fim de se realizar segregação dentro deste ambiente e o mesmo acontece no caso de distribuição simétrica de brilho ou quando a homogeneidade é produto de mancha; a maneira que enxerga como possibilidade para segregação de um espaço capaz de formar uma figura nesse campo é a diferenciação cromática da área total de uma superfície fechada em relação ao restante da área (Wertheimer, 1950).

Koffka: Gestalt-Theorie

Em 1922, Koffka (1922) lançava Perception: an introduction to the Gestalt-theorie, como declarou na introdução do texto, com a finalidade de apresentar ao público americano a teoria que se desenvolvia nos últimos dez anos na Alemanha; reconhecia ainda a dificuldade de obter o pleno reconhecimento da teoria em seu país natal e justificava a situação pelo distanciamento da maioria de seus colegas conterrâneos do debate (Koffka, 1922). Interessava falar de trabalhos feitos por outros estudiosos com repercussão na teoria, bem como de psicólogos da Gestalt, para destacar a flexibilidade da teoria (Koffka, 1922).

O psicólogo alemão procura mostrar a abrangência da Gestalt além dos ramos da teoria da percepção e da psicologia neste texto em inglês; certo de que a teoria da percepção é a base experimental das investigações teóricas da nascente corrente psicológica, pretende demonstrar a validade da Gestalt por meio do exame da percepção (Koffka, 1922). A intenção é fazer esboços dos principais conceitos da teoria, tentando demonstrar sua capacidade de resolver questões clássicas de psicologia em contraste com a doutrina tradicional (Koffka, 1922).

A primeira questão a ser esclarecida por Koffka é a definição de percepção numa terminologia neutra com o fito de evitar o preconceito teórico. Ele deixa claro que não deve ser confundida com uma função física especial e define como: “o reino das experiências que não são meramente ‘imaginadas’, ‘representadas’ ou ‘pensadas’ (Koffka, 1922, p. 532, tradução nossa). Os exemplos que ele dá do que chama de percepção são a mesa onde escrevia o texto em revista, o sabor do tabaco que fumava no cachimbo e o barulho do tráfego na rua que ouvia pela janela. A diferença entre a sua definição e a tradicional é que o termo percepção costuma ser usado em sentido mais estrito como algo mais complexo do que sensação; aí encontra três princípios fundamentais da psicologia tradicional: sensação, associação e atenção (Koffka, 1922), que serão discutidos a seguir.

Sensação

Assim o autor define sensação: “Toda consciência presente ou existencial consiste num número finito de elementos reais e separáveis (embora não necessariamente separados), cada elemento correspondendo a um estímulo definido ou a um resíduo especial de memória [...]” (Koffka, 1922, p. 533, tradução nossa). Em seguida, ele faz referência à hipótese do mosaico de Wertheimer (1950), entendendo que esses elementos percebidos como sensações também podem ser experimentados na forma de imagens (Koffka, 1922). As imagens são diferentes das sensações, ainda que também concebidas como elementos e apesar de dependerem das sensações (Koffka, 1922). E isso é o que faz com que imagens se diferenciem de sensações. O estímulo é para a sensação o que o resíduo é para a imagem; algo como registros separados que ficam na memória e permitem a independência em relação ao elemento da experiência original (Koffka, 1922).

Associação

A memória já deu as caras na própria definição de sensação e sua principal função é tradicionalmente a associação, ainda que isso possa ser objeto de debate entre associacionistas puristas (Koffka, 1922). A natureza estatística é outro fundamento da associação. Essa noção é exemplificada supondo que a cada momento inúmeras associações estão em operação se justapondo e contrapondo; como não seria possível fazer uma varredura completa sobre todas as probabilidades, é impossível prever dado caso; e, se leis especiais da associação só podem ser descobertas estatisticamente, todas as previsões dependem de estatísticas (Koffka, 1922).

Atenção

Outro conceito obscuro sobre o qual se esforça para jogar luz é o sentido da atenção. Como conta, sempre que efeitos não podem ser explicados como causas de sensações ou associações, há a atenção a tiracolo como bode expiatório (Koffka, 1922). Segundo ele, a atenção ocupa uma função ambígua considerando as tentativas da psicologia moderna de fundamentar fisiologicamente seus conceitos, já que a sensação se localizaria numa determinada área do córtex, enquanto a associação tem a ver com a conexão neural; alguns a consideram como facilitadora, outros como inibidora de processos nervosos (Koffka, 1922). E, num momento interessante em que resolve estudar a relação entre psicologia e fisiologia e notar o que considera como três princípios descartáveis, cita o conceito de Gestalt-Qualität de Ehrenfels (1890) - sobre o qual adverte para não confundir com Gestalt como empregado por seus contemporâneos (Koffka, 1922). Por fim, aponta que o behaviorismo na psicologia americana, ao tirar a consciência do seu lugar, nega estritamente o uso desses, sendo que termos como atenção e sensação já não aparecem, e mesmo associação recebe outro sentido na literatura behaviorista (Koffka, 1922). Isso não quer dizer que considere o behaviorismo liberto dos mesmos fundamentos da psicologia tradicional (Koffka, 1922).

Köhler: Insight

Köhler (1992) inicia o décimo capítulo de Gestalt psychology: an introduction to new concepts in modern psychology (Psicologia da Gestalt) com um elogio à convicção do leigo, que acredita compreender a razão de seus desejos e provém da experiência cotidiana (Köhler, 1992). Mesmo sem caráter científico, é preferível a este psicólogo da Estônia em relação ao mecanicismo que afetou a teoria sensorial e ainda em relação ao campo total. Mais absurdo ainda, para ele, é o atomismo com o seu formalismo que destoa da realidade (Köhler, 1992). O leigo lida com o ambiente além do empirismo ao mesmo tempo em que sente a adequação dentro do campo; e seu ponto de vista sempre foi ignorado pela ciência (Köhler, 1992).

Com isso, o autor assume o compromisso de quebrar essa barreira e tratar de assuntos corriqueiros neste capítulo e culpa o desenvolvimento da psicologia por tal empreendimento parecer novidade em mais uma crítica. A partir de uma situação hipotética, começa propondo o seguinte questionamento, em que se coloca como sujeito a admirar uma pessoa cantando: “será que quer dizer com isto que a admiração simplesmente se estende a tal pessoa e ali se detém, como se fosse comparável a uma comprida bengala, que se estendesse entre mim e aquele lugar?” (Köhler, 1980, p. 185). Sendo assim, a admiração seria uma terceira coisa além das duas outras; isso até poderia ser examinado, mas jamais experimentado; o sujeito experimenta diretamente a admiração e tem certeza de que se relaciona certeiramente com o objeto admirado, sem precisar de nenhum método científico para certificá-lo (Köhler, 1992).

Noutro exemplo particular, compartilha a experiência de ter visto uma criança pequena sorrir pela primeira vez e se questiona novamente: “como soube que meu sentimento dizia respeito ao sorriso?” (Köhler, 1980, p. 185) Tratando suas experiências como um conjunto de sentimentos e acontecimentos derivados da experiência, observa que só poderia considerar hipóteses possíveis dentro desse conjunto e variações em que um ponto afetaria consequentemente outro ponto, diretamente relacionado àquele. A única maneira viável de descobrir as respectivas conexões funcionais seria a partir da variação controlada de elementos para filtrar possibilidades estatisticamente verificáveis. Bastou a reiteração de sorrisos por parte da criança e a sensação de conforto para assegurar a certeza a respeito da ligação entre ambos. Entretanto, ele afirma não poder ter certeza antes de verificar algumas circunstâncias da situação, pois uma sombra pode obscurecer o rosto da criança e dificultar a confirmação e até mesmo colocar em dúvida um observador incauto (Köhler, 1992).

Em outro exemplo, vislumbra-se bebendo cerveja gelada num dia quente de verão após caminhar; enquanto bebe, experimenta uma sensação gelada e um sabor marcante na boca; a isso se soma a sensação de prazer (Köhler, 1992) e as questões que faz aqui são: “Será necessário para mim ficar sabendo, pouco a pouco, que tal prazer provém da frialidade e do gosto? Que ele nada tem a ver com a aranha que estou vendo na parede ou com o tamanho da cadeira que se encontra diante de mim?” (Köhler, 1980, p. 186) Não considera que se conecte mais a sensações diretas do que à certeza de que o prazer se relaciona a elas porque sua reação é adequada à situação no caso concreto (Köhler, 1992). Assim, ele define essa relação entre o prazer e sua base sensorial utilizando um termo alemão - “verständlicher Zusammenhang” - que consta como “relação compreensível” na versão traduzida para o português (Köhler, 1980, p. 186) - e “understandable relationship” em inglês (Köhler, 1992, p. 326).

O autor recorda, ainda, um fato do seu passado recente quando se ocupava por semanas a arrumar suas ferramentas de trabalho: numa manhã, encontra tudo bagunçado e se irrita, colocando a si mesmo uma questão: “[...] ‘Aqui está a janela, ali a mesa, em um canto os instrumentos, em um outro uma cadeira e perto da porta eu mesmo, furioso’ constituiria esta enumeração uma descrição adequada da situação?” (Köhler, 1980, p. 186) Novamente, a resposta é negativa pelo simples fato de uma coisa não ter nada a ver com a outra, ou seja, pela própria certeza natural que tem de que nenhum desses objetos em si tem a ver com o seu sentimento; no fundo, sabe que se irritou porque encontrou a bagunça e é a isso que sua reação se adéqua (Köhler, 1992).

Relembra de uma noite numa cidade espanhola enquanto trabalhava na mesa e sentiu um temor repentino que nunca havia experimentado; a casa começa a balançar por consequência da sua primeira experiência com um terremoto e a pergunta que se faz é: “Poderia haver a menor dúvida de que foi o súbito tremor que me assustou e não qualquer outra coisa?” (Köhler, 1980, pp. 186-187) A resposta é negativa; a emoção é novamente sentida como causa de uma experiência determinada e não é preciso estudar para saber disso, afinal se sente temor sempre a partir de uma circunstância concreta (Köhler, 1992).

Encontra-se sentado por meia hora num restaurante cheio de fumaça e falatório e se sente incomodado e pronto para sair; reconhece que o incômodo se vincula à situação em que está e isso aprendeu pelo hábito, pela reiteração dessa sensação associada a tais condições no passado e o incômodo é algo presente na situação de forma que parece causal (Köhler, 1992).

Numa memória sobre dois dias atrás, lembra que estava se sentindo deprimido porque não conseguiria se satisfazer com este próprio capítulo em revista e se questiona: “Havia nestas circunstâncias, dois fatos separados, o estado de depressão em si mesmo e, além disso, certa situação intelectual? E entre as duas poderia ser presumida uma possível conexão somente com base na prova estatística?” (Köhler, 1980, p. 187) A negativa vem em tom de crítica aos próprios questionamentos; e ele não duvida de ter sentido o desânimo atrelado à dificuldade de forma que estavam adequados entre si (Köhler, 1992).

A conclusão que tira de seus exemplos particulares é que: “em todos estes exemplos, minhas reações internas são experimentadas como derivadas da natureza de determinadas situações e, em certos outros casos, os acontecimentos ocorridos no ambiente são sentidos como derivados de minhas atitudes” (Köhler, 1980, p. 187). Para explicar melhor o sentido do que disse, lança mão de outros exemplos como o caso da transformação de uma figura geométrica que observa conforme imagina determinadas coisas e como alguém procede para se lembrar de um nome de uma cidade. Partindo da busca pelo nome de uma cidade e alcançando resposta súbita, percebe que quando está procurando por um nome, essa operação não ocorre de forma independente nem há um lugar onde o nome se encontre em sua memória. O foco se destina diretamente ao nome até que apareça após algum esforço que não depende de aprendizado (Köhler, 1992).

O autor exemplifica uma situação em que mantém o braço levantado por um momento e sente que logo precisará fazer esforço para continuar enquanto vê o céu, ouve uma canção, sente o cheiro da umidade do solo e sente o peso do próprio braço levantado. A sensação no braço é especial e se intensifica com o tempo: o que parece natural (Köhler, 1992). Além das leis da Gestalt, identifica a relação dinâmica entre as partes como um fator preponderante (Köhler, 1992).

Considera a objeção sobre a sensação de adequação causal na experiência não ser capaz de comprovar as relações dinâmicas entre elementos envolvidos. Para contornar esse obstáculo, usa como exemplo a comparação entre seu entusiasmo no passado e seu desinteresse por uma ópera sem que nada tenha mudado na música e diferencia melodias entre fatos físicos e experiências auditivas (Köhler, 1992). Outro fator que não passa despercebido é o fato de mudanças ocorrerem, se não no objeto, no indivíduo (Köhler, 1992). Busca por casos em que isso não se aplica como no fenômeno Phi que, por mais familiarizado o sujeito possa estar, não sofre alterações observáveis no seu efeito ao longo do tempo (Köhler, 1992).

Aponta, também, a possibilidade de alterações repentinas de humor, algo bastante comum. Segundo ele, essas mudanças ocorrem silenciosamente e costumam encontrar alguma brecha para se manifestarem e, sobretudo, são sintomas de algo que passa completamente ignorado (Köhler, 1992). Disso, tira duas lições: o efeito pode ser notado mesmo quando se ignora a causa e um evento pode ter mais de uma causa (Köhler, 1992, pp. 334-335). Pondera sobre o fato de a psicanálise considerar que, nas palavras do gestaltista, “as pessoas muitas vezes não têm o menor conhecimento do motivo de se comportarem de uma ou de outra maneira” (Köhler, 1980, p. 191) e podem agir por motivos diferentes do que pensam - com o que concorda, apesar de discordar da abordagem psicanalítica que considera pessimista (Köhler, 1992).

Comenta sobre como, por exemplo, uma grafia diferente em sua correspondência é capaz de fazê-lo feliz ou triste e tenta entender o que poderia causar isso sabendo que jamais aprendeu nada a respeito disso. É possível que o afeto seja causado por experiências amigáveis ou desagradáveis no passado e o interessante é que sensações equivalentes se repetiriam no caso de um encontro com cada um desses remetentes. Por isso seria até um equívoco acreditar que as emoções estão associadas a uma grafia, senão com cargas de emoções positivas ou negativas e a grafia serve apenas como meio adequado (Köhler, 1992).

Ele cita, ainda, a relação comum entre a sede e a vontade de beber e considera que, apesar de utilizar da evocação - “recall” (Köhler, 1992, p. 337) - para pensar numa bebida refrescante quando está com sede, ela pode ser causada por ter visto a bebida, ser considerada a causa adequada para então desejar esse objeto; o tipo de processo - evocação, aprendizagem, hábito - é irrelevante (Köhler, 1992).

O ponto de vista do homem leigo, que parece ter utilizado até aqui ao tratar das questões abordadas em primeira pessoa, como alguém comum, da forma mais simples possível e na qualidade de experiências subjetivas - o que não lhe impediu de tocar em diversas questões importantes para a Gestalt de forma bastante razoável, utilizando-se bastante de um mero bom senso ao propor soluções -, volta a ter destaque. Neste momento, atua como injustiçado e culpa o falso empirismo de Hume que acabou dominado por premissas e ideais, “reduzindo o mundo a pedaços” (Köhler, 1980, p. 193) e os desserviços prestados por William James por criar obstáculos doutrinários além de atacar indevidamente o atomismo como explorado no quinto capítulo do livro em revista (Köhler, 1992).

Então suspende a crítica para focar na própria teoria novamente. O psicólogo alemão pretende cobrir uma lacuna deixada nos estudos da organização sensorial que se trata do conceito de determinação experimentada por causa de efeitos mais simples que não apresentam causas aparentes - o que não significa que não haja (Köhler, 1992). Sobretudo: “isto, porém, não impede que as mais intensas experiências dessa espécie ocorram no campo total e digam respeito entre o ‘eu’ e certos objetos” (Köhler, 1980, p. 1994).

E aqui aparece a consciência determinada, que foi tratada até então de modo tácito, denominada como “insight” (Köhler, 1992, p. 341) e traduzida como “discernimento” (Köhler, 1980, p. 195). Rememora o uso dessa expressão em The mentality of apes (1931) para explicar o comportamento inteligente dos macacos e este capítulo serviria para esclarecer equívocos causados por essa expressão na época, já que leitores interpretaram como se significasse um elemento mental misterioso responsável pelo comportamento dos macacos, em vez de entenderem o que tentou expressar ao notar que, muitas vezes, os animais pareciam agir como humanos numa abordagem que envolvia este conceito (Köhler, 1992). E agora ele revela também a metodologia do leigo e a seguinte definição para o termo “insight”: “Procurei, também, deixar perfeitamente claro que, tomado em seu sentido básico, o termo discernimento (insight) refere-se à dinâmica experimentada nos campos emocional e de motivação não menos que à determinação experimentada em situações intelectuais.” (Köhler, 1980, p. 195).

Considerações Finais

A dificuldade de encontrar definições sintéticas para tais termos se faz implícita na própria organização do trabalho que procura por definições originais para conceitos que são traduzidos como neologismos em vários idiomas. Conceitos esses que foram esboçados por Mach e percebidos por Ehrenfels para então serem redefinidos por Wertheimer, divulgados por Koffka, desdobrados por Köhler e examinados por uma série de pesquisadores.

O trabalho fez esforço para retornar, até onde foi possível, seguindo a trilha em direção ao passado deixada pelos fundadores da Gestalt em suas obras; contudo, não ficou tão claro o que dizia Kulke literalmente além do reportado por Mach e eis uma boa alternativa para quem quiser dar continuidade a essa trajetória em busca da ideia de Gestalt no passado. Na segunda parte do artigo, quando o exame das obras filosóficas é substituído pelo das psicológicas, ainda seria possível ligar outros pontos entre os escritos de Wertheimer, Koffka e Köhler ou a partir deles em diante e encontrar outros nomes de extrema relevância para o desenvolvimento da teoria da Gestalt. Isso precisa ser dito, ainda que não haja dúvida, para deixar claro que esse conjunto não é taxativo nem essa história está completa.

E o mesmo vale para conceitos e textos em revista que, apesar de serem fontes reputáveis, não são os únicos com importância para a teoria da Gestalt senão os considerados apropriados para contar uma história segundo um ponto de vista. Sobretudo, crê-se, que não há dúvidas de que são, pelo menos, bons exemplos para mostrar as origens, o desenvolvimento, os contornos e o impacto da teoria da Gestalt na história da psicologia.

Referências

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Koffka, K. (1922). Perception: An introduction to the Gestalt-theorie. The Psychological Bulletin, 19(10), 531-585. doi: 10.1037/h0072422 [ Links ]

Köhler, W. (1931). The mentality of apes. Nova Iorque: Harcourt, Brace And Company. [ Links ]

Köhler, W. (1980). Psicologia da Gestalt. Belo Horizonte: Itatiaia. [ Links ]

Köhler, W. (1992). Gestalt psychology: An introduction to new concepts in modern psychology. Nova Iorque: Liveright. [ Links ]

Kulke, E. (1884). Ueber die Umbildung der Melodie: Ein Beitrag zur Entwickelungslehre. Praga: J.G. Calve. [ Links ]

Mach, E. (1886). Beiträge zur Analyse der Empfindungen. Jena: Gustav Fischer. [ Links ]

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Wertheimer, M. (1923). Untersuchungen zur Lehre von der Gestalt. Psychologische Forschung: Zeitschrift für Psychologie und ihre Grenzwissenschaften. 4, 301-350. [ Links ]

Wertheimer, M. (1950). Laws of organization in perceptual forms. In W. D. Ellis (Org.), A source book of Gestalt psychology (pp. 71-88). Londres: Routledge & Kegan Paul LTD. [ Links ]

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Recebido: 23 de Setembro de 2019; Revisado: 29 de Maio de 2021; Aceito: 22 de Novembro de 2021

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