A prematuridade, definida como o nascimento antes da 37ª semana de gestação, é vista como situação de risco no desenvolvimento humano. De acordo com o estudo populacional nacional de Leal et al. (2016), a taxa desses nascimentos é de 11,5%, demonstrando a grande relevância desse assunto, tanto teórica quanto empírica.
Em termos neuropsicológicos, existem evidências de alterações estruturais e funcionais encefálicas em prematuros, que por sua vez podem afetar o comportamento (Alexander et al., 2019). De fato, a fase intrauterina é considerada um período crítico, que influenciará todo o desenvolvimento após o nascimento. Há uma maior plasticidade dos circuitos cerebrais no desenvolvimento inicial, quando há maior sensibilidade do bebê a mudanças ambientais. A plasticidade é maior no início da vida, e na medida em que o indivíduo envelhece vai diminuindo. Nos primeiros anos, as estruturas nervosas estão amadurecendo, as sinapses estão se estabelecendo, desenvolvendo árvores dendríticas, a mielinização aumentando e diversas redes neuronais sendo estabelecidas (Rueda & Posner, 2013). É importante considerar também a interação com seus aspectos inatos, transmitidos geneticamente e a influência da filogênese (Bjorklund, 2015). Todos esses fatos reforçam a necessidade de uma maior atenção em relação aos nascimentos prematuros.
Ultimamente, mesmo com muitos comprometimentos do neurodesenvolvimento (You et al., 2019), vem sendo observada uma maior taxa de sobrevivência de bebês prematuros (Younge et al., 2017). Sabe-se que o comprometimento inicial do desenvolvimento pode predizer alterações atencionais (Walczak-Kozłowska et al., 2020) e de funções executivas (Houdt et al., 2019). Também se observam dificuldades de aprendizagem (Heitzer et al., 2020), além de problemas psiquiátricos como Transtorno do Espectro Autista e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (Ochiai et al., 2015). A literatura tem apontado características de diversas habilidades em bebês prematuros, utilizando instrumentos distintos, indicando que eles podem apresentar maior risco de comprometimentos conforme o tempo gestacional.
Comprometimentos cognitivos foram encontrados aos 12 meses (Valeri et al., 2015) utilizando a Bayley Scales of Infant and Toddler Development - Bayley-II (Silveira & Enumo, 2012); e em relação à linguagem (Reis et al., 2012), utilizando a Bayley-III (Greene et al., 2013) e o Ages and Stages Questionnaire (Ballantyne et al., 2016). Alterações motoras foram verificadas (Valeri et al., 2015) com esse mesmo questionário (Ballantyne et al., 2016) e com a Bayley-III (Greene et al., 2012). No estudo brasileiro de Silveira e Enumo (2012), a linguagem expressiva, avaliada pela Bayley-III, aparece comprometida aos 12 meses. Há ainda estudo identificando déficit no engajamento social, com o emprego do Behavioral Responsiveness Paradigm (Geva et al., 2013).
Nesse contexto, consideramos que um olhar focalizado nessa fase se faz necessário, uma vez que já é esperado que os bebês, em geral, apresentem inúmeras capacidades - ainda que rudimentares - que os ajudarão a se adaptar aos seus contextos socioculturais. De fato, apesar de nascerem com um encéfalo ainda em desenvolvimento, o bebê já é capaz de imitar o outro (Marshall & Meltzoff, 2014) e aprender (Cuevas et al., 2016). Assim, vão desenvolvendo a habilidade de referência social (Leventon & Bauer, 2013).
Mesmo com a imaturidade inicial, sua sobrevivência é garantida pela ligação com seus cuidadores (Seidl-de-Moura & Mendes, 2012), o que, por sua vez, alimenta e retroalimenta suas próprias transformações neurológicas (Shallice & Cooper, 2012). As mudanças têm maiores influências da nutrição e da sensibilidade a momentos influenciados por experiências negativas ou por ausência de estimulação apropriada, na qual são importantes os cuidados e responsividade por parte dos cuidadores. Parece, ainda, que os aspectos cognitivos e socioemocionais do bebê prematuro podem ter comprometimento no primeiro ano de vida. Sendo assim, o objetivo dessa revisão foi investigar as características neuropsicológicas no primeiro ano do desenvolvimento de bebês prematuros comparados com bebês a termo.
Método
Os critérios de inclusão adotados nessa revisão foram: (1) amostras com bebês prematuros comparados com bebês a termo de até um ano de idade; (2) estudos com, no mínimo, uma testagem cognitiva ou de linguagem ou motora ou socioemocional. A busca foi feita nas seguintes bases de dados: MEDLINE, APAPsycNet, Science Direct e SciELO, para publicações realizadas no período de 01 janeiro de 2004 a 06 de março de 2021. Utilizou-se, como termos de busca, a palavra “neuropsychology” combinada com as expressões “infant premature” e “premature birth”, e utilizando-se os termos em português, quando necessário. Na MEDLINE, a estratégia decidida foi a utilização da frase de busca (“Infants, Premature” OR “Premature Infant” OR “Preterm Infants” OR “Infant, Preterm” OR “Infants, Preterm” OR “Preterm Infant” OR “Premature Infants” OR “Neonatal Prematurity” OR “Prematurity, Neonatal” OR “Birth, Premature” OR “Births, Premature” OR “Premature Births” OR “Preterm Birth” OR “Birth, Preterm” OR “Births, Preterm” OR “Preterm Births” AND “neuropsychology” OR “neuropsychologies”). Não houve qualquer restrição de idioma. Também foram verificados os estudos referenciados pelos estudos selecionados.
Seguiu-se o anagrama PICO (Center for Reviews and Dissemination, 2009), sendo: P = bebês com nascimento prematuro (abaixo de 37 semanas e abaixo de 2500g) até um ano; I = avaliação neuropsicológica padronizada com escalas ou instrumentos validados, aferindo características comportamentais indicativas de capacidades cognitivas, de comunicação, motoras, sociais e emocionais; C = bebês a termo; O = capacidades cognitivas, de comunicação, motoras e socioemocionais. A avaliação de títulos e resumos, bem como a de textos completos, foi realizada de forma independente pela primeira autora e por um segundo avaliador (D.R.). As discordâncias foram examinadas e resolvidas com um terceiro avaliador (E.R.), e foi adotada para a versão final a avaliação que estivesse em consenso com o terceiro avaliador. O software EndNote, versão X7 (Thomson Research Soft., Carlsbad, Estados Unidos) foi utilizado para gerenciar as referências bibliográficas.
Avaliação de Qualidade Metodológica
A qualidade metodológica dos estudos selecionados foi avaliada por meio da Newcastle-Ottawa Scale (NOS) (Wells et al., 2000). Foi utilizada a versão da escala que avalia os estudos longitudinais, na qual se verificou: seleção (representatividade da coorte exposta, seleção da coorte não exposta, aferição da exposição, aferição da ausência do desfecho no início do tempo de seguimento); comparabilidade e aferição dos resultados.
Extração de Dados
Foram considerados os seguintes desfechos de interesse: desenvolvimento cognitivo, da linguagem, da motricidade e de habilidades socioemocionais que tivessem relação com prematuridade. A extração de dados foi realizada utilizando-se o Excel, definindo-se diferentes campos para registro das características de identificação e desenho dos estudos, das características de prematuridade, da idade na avaliação, das características da amostra, dos testes utilizados, dos desfechos, do contexto e época da coleta, além dos resultados.
Resultados
Foram encontrados 577 estudos, sendo 96 provenientes da MEDLINE, 106 da APAPsycNet, 106 do Science Direct e 269 na SciELO. Foram excluídos 573 por serem repetidos ou por não se adequarem aos critérios de inclusão adotados após serem avaliados por títulos e resumos. Isso ocorreu pelo fato de não apresentarem dados de avaliação de algum dos constructos estudados, idades acima de um ano, ausência de grupo controle e por serem artigos de revisão. Ao final, quatro estudos foram selecionados, uma vez que preencheram todos os critérios de seleção do anagrama PICO, com a presença de avaliações do desempenho de pelo menos um dos aspectos do desenvolvimento (cognitivo, da linguagem, da motricidade ou de habilidades sociais e emocionais). A partir da verificação de suas referências bibliográficas, encontraram-se artigos de possível interesse, mas nenhum deles atendeu plenamente aos critérios de inclusão. As características dos estudos estão apresentadas na Tabela 1, e os resultados comparativos na Tabela 2.
Autores (ano) | Prematuridade | Idade | Amostra | Contexto | Período da coleta |
---|---|---|---|---|---|
Langerock et al. (2013) |
Muito extremo (<29,926.12g= 211.16) |
11,24-13, 15 meses |
Pré-termo: 41 x a termo: 22 |
Pré-termo: Hospitais da Universidade de Genebra e de Lausanne x A termo: crechese amostra de conveniência. Suíça |
09/2007-09/2009 |
Guimarães et al. (2011) |
Extremo 28-33, 1424g±321.1 |
38 a 40 semanas | Pré-termo: 46x a termo: 46 |
Instituto de Medicina Integral Prof Fernando Figueira, Recife - PE, Brasil. |
12/2008-04/2009 |
Romeo et al. (2010) |
Tardio (33-36.9, 2370g±484) |
12 e 18 meses (cronológica) |
Pré-termo: 62 x a termo: 60 |
Unida de Neonatal da Universidade da Catania,Itália. |
01/2005-01/2006 |
Ortiz-Mantilla et ai. (2008) |
Extremo (< 32, 976g±245.5) |
6,9, 12 meses |
Pré-termo: 32x a termo 32 |
Pré-termo. High Risk Follow-Up at St. Bamabas Medical Center. Livingston, NJ x a termo: outro estudo e indicaçào por pediatras |
1996-1999 |
Autores (ano) | Variável | Instrumentos | Resultados |
---|---|---|---|
Langerock et al. (2013) | Reatividade emocional: alegria, raiva e medo: atenção sustentada | LAB-TAB, IBQ. TAS. PTQ/IBQ | Pré-termo: maior reatividade negativa raiva. menor medo, maiorresposta motora positiva em alegria; maior atençào portrès minutos. |
Guimarães et al. (2011) | motor | TIMP | Pré-termo: menor escore bruto, maior escore com desenvolvimento motor atípico. |
Romeo et al. (2010) | MDI | HINE, BSID-II | MDI- (idade não corrigida) pré-termo' mais baixa;MDIx sexo. pré-termo - a t ermo. Prétermo: meninasx meninos meninas com melhor desemp enho |
Ortiz-Mantilla et al. (2008) | Processamento da informação. cognição e linguagem | IIPM,VH/RM, AVH/RM- BSID-II. CDI | Seis meses, pté-termo = a termo VH/RM e AVH/RM; nove meses: pré-termo < a termo VH/RM e AVH/RM; 12 meses; pré-termo < a termo desenvolvimento de gestos. |
Notas: LAB-TAB: Laboratory Temperament Assessment Battery, IBQ: Infant Behavior Questionnaire. TAS: temperamento assessment batrery. PTQ/IBQ. parental temperamento questionnaire French version of the Infant Behavior Questionnaire. TIMP: Test of Infant Motor Performance. HINE: Hammersmith Infant Neurological Examination. BSID-II' Mental Scale da Bayley Scales Of Infant Development Second Edition, IIPM: Infant Information Processing Measures, Scale VH/RM -Tarefas de avaliação de habituação visual e memória de reconhecimento. AVH/RM- Tarefas de habituação audiovisual e memória de reconhecimento. CDI: The Mac Arthur Communicative Development Inventories, MDI: indice de desenvolvimento mental
Os estudos passaram pela avaliação de qualidade seguindo-se os critérios da escala NOS (Tabela 3). Apenas os estudos de Ortiz-Mantilla et al. (2008) e Langerock et al. (2013) falharam em atender a um dos quatro critérios de seleção (seleção, item 2a), uma vez que o grupo controle não era do mesmo local que o grupo dos prematuros. Porém, atenderam aos outros três critérios. Em relação à comparabilidade entre bebês pré-termo e a termo, a maioria dos estudos não atendeu aos critérios, exceto os de Romeo et al. (2010) e Ortiz-Mantilla et al. (2008) que cumpriram um dos itens (1a). No que diz respeito aos resultados, os estudos de Langerock et al. (2013), Guimarães et al. (2011) e Romeo et al. (2010) não atenderam ao critério de aferição dos resultados, pois a avaliação não foi às cegas ou gravada. O estudo de Ortiz-Mantilla et al. (2008) além de não cumprir esse item, também não seguiu a adequação do tempo de acompanhamento.
Autores (ano) | Seleção | Comparabilida de | Resultados |
---|---|---|---|
Langerock et al. (2013) | não | nào | nào |
Guimarães et al. (2011) | sim | nào | não |
Romeo et al. (2010) | sim | não | não |
Ortiz-Mantilla et al. (2008) | não | não | não |
Notas: item 1: Sim: atendeu aos critérios, não: não atendeu aos critérios.
Discussão
A hipótese do déficit global impactando as áreas de funcionamento cognitivo foi confirmada a partir dos estudos de Romeo et al. (2010) e Ortiz-Mantilla et al. (2008). No estudo de Romeo et al. (2010), o índice de desenvolvimento mental dos bebês prematuros não apresentou diferença com a idade corrigida, mas sim considerando-se a idade cronológica. Os autores não encontraram diferenças significativas entre sexo nos bebês a termo, apenas no grupo pré-termo, no qual os meninos apresentaram média menor nesse índice aos 12 meses, justificado por possíveis diferenças biológicas. Macedo et al. (2019) apresentam três hipóteses para essas diferenças em prematuros: pior resposta adaptativa ao estresse pré-natal; estado pró-oxidativo da placenta; e algumas características morfológicas específicas do cérebro.
Já Ortiz-Mantilla et al. (2008) encontraram diferenças significativas na habituação - tanto visual quanto auditiva - aos nove meses, e cognitivas após os seis meses. A habituação é uma medida clássica de investigação sobre características em bebês, e as informações obtidas com tais medidas podem proporcionar um melhor prognóstico sobre desenvolvimento mental em bebês prematuros (Weber et al., 2016).
É esperado que o desenvolvimento atencional e de controle inibitório aconteça ao longo do primeiro ano. Holmbo e et al. (2018) investigaram o desenvolvimento da atenção aos quatro meses, e controle inibitório aos seis e nove meses, apontando seu aparecimento aos seis meses e estabilidades aos nove meses. A atenção é uma habilidade relacionada ao desenvolvimento da linguagem e quanto melhor for a estimulação da atenção, melhor será o desenvolvimento da comunicação (Macroy-Higgins, & Montemarano, 2016). A atenção pode ainda se diferenciar na interação social com seus cuidadores (Mason et al., 2019). A linguagem também costuma se apresentar deficitária em prematuros, o que se encontra em consonância com o estudo de Ortiz-Mantilla et al. (2008). Os aspectos de linguagem podem se relacionar com características motoras, influenciando em seu desenvolvimento (Mason et al., 2019).
O estudo de Guimarães et al. (2011) abordou o desenvolvimento motor, sendo encontrados prejuízos no desenvolvimento motor dos bebês pré-termo, avaliados com idade corrigida de 38 a 40 semanas. Foram avaliadas variáveis sociodemográficas em relação ao nascimento prematuro; os autores encontraram diferença entre os grupos em relação ao número de consultas pré-natais. No primeiro ano há um rápido desenvolvimento motor, mas o atraso nos prematuros nem sempre é consenso na literatura. No entanto, Valentini et al. (2019) encontraram diferenças em relação aos bebês a termo na postura sentada: os prematuros desenvolviam durante um período mais curto, após os três meses, enquanto os a termo já iniciavam a postura com dias após o nascimento.
Dentre os estudos selecionados, o de Langerock et al. (2013) é o mais recente e o único que considera o desenvolvimento socioemocional. Os autores mediram reatividade emocional considerando a interação com o brinquedo, demonstração de raiva e medo, além de competência atencional através da atenção sustentada em situações eliciadas. Foram encontradas diferenças entre os dois grupos nessa área. Os autores verificaram que os bebês pré-termo apresentavam uma maior reatividade em situações que supostamente provocavam raiva, comparados ao grupo a termo, assim como menor reatividade ao medo e a brincadeiras. É possível que haja uma diminuição de volume da amígdala em prematuros, o que justificaria essa forma diferenciada de lidar com o medo, uma vez que essa área cerebral está associada com tal habilidade (Cismaru et al., 2016). Não houve diferença significativa no que se refere à expressão da alegria. Em todas as reatividades, os bebês pré-termo reagiram com maior nível de atividade motora. Em relação à atenção, eles iniciavam como os a termo, mas rapidamente havia um declínio em sua sustentação.
Poucos são os estudos voltados para a habilidade socioemocional nessa faixa etária. O estudo longitudinal de Geva et al. (2013) considerou o engajamento social - verificando a interação através do olhar - e reportou comprometimento no nascimento prematuro associado com a integridade do tronco encefálico. Acredita-se que a interação social favorecerá a adaptação aos seus contextos socioculturais e o desenvolvimento de referências sociais (Leventon & Bauer, 2013) a partir de suas capacidades de imitação (Marshall & Meltzoff, 2014), memória e aprendizagem (Cuevas et al., 2016). A musicoterapia também tem se mostrado eficiente para promover melhor reatividade ao medo, quando comparada com os bebês a termo (Lejeune et al., 2019).
É possível que bebês prematuros apresentem dificuldade na preferência por faces, justamente por terem nascido num momento no qual essa característica ainda estaria sendo desenvolvida na gestação (Pereira et al., 2017). Esse comprometimento é preocupante devido a um possível viés atencional a ameaças, associado com ansiedade e risco temperamental. Nesse intuito, Pérez-Edgar et al. (2017) apresentaram dados de bebês que passaram mais tempo olhando para faces ameaçadoras. Esse achado apareceu ao estudarem as relações entre diferenças individuais na atenção a emoções em rostos e temperamento de afeto negativo nos dois primeiros anos, usando tarefas com eye-tracking. O impacto do processamento da ameaça na orientação subsequente pode moldar a forma como reagem a seus ambientes (Pérez-Edgar et al., 2017).
Ainda que sejam poucos, os estudos selecionados são considerados de boa qualidade metodológica, de acordo com os critérios da escala utilizada para tal avaliação. Todos apresentaram método adequado, assim como análises estatísticas que contemplam as questões pesquisadas. Um ponto forte entre eles foi o tamanho da amostra, que pareceu suficiente em seu número de sujeitos, em cada grupo, trazendo achados relevantes e respondendo ao objetivo dessa revisão. Nesse caso, os estudos foram realizados em distintos países: Suíça, Itália, Brasil e Estados Unidos, com contextos socioculturais diferenciados, que podem impactar nos resultados. A prematuridade pode ser agravada por efeito de outras variáveis de risco, que podem ser distintas, devido a realidades socio-econômicas diferentes em cada país (Leal et al., 2016). De fato, quando se discutiram os resultados, o nível socioeconômico não foi ajustado, o que pode ser um problema.
Muitos estudos mostraram o impacto do status socioeconômico no desenvolvimento de habilidades. No estudo de Langerock et al. (2013), o grupo dos pré-termo apresentou menor nível socioeconômico em relação aos a termo. Tal fato pode influenciar diferenças no desempenho na avaliação do desenvolvimento, como em linguagem e memória (Noble et al., 2015), porém não desde o nascimento (Brito et al., 2016). Nesses achados, o único que considerou outras variáveis sociodemográficas foi o realizado na população brasileira (Reis et al., 2012). Há possibilidade de que o nível socioeconômico seja diverso entre os distintos contextos, ocasionando diferenças no desenvolvimento.
Observou-se que o tempo de prematuridade abordada nos estudos foi distinto em todos, aparecendotrês subgrupos. Há controvérsias sobre diferenças de desempenhos entre os tipos de prematuridade no primeiro ano. Seethapathy et al. (2018) estudaram a resposta auditiva do tronco encefálico em prematuros extremos, moderados e tardios, e não encontraram diferenças em sua maturação. Em termos de cognição, Reuner et al. (2013) também não apresentam diferenças, mas sim em relação à atenção concentrada. Já Putnick et al. (2017) apontam que, apesar de haver uma estabilidade em termos linguísticos, ao se controlar inteligência não verbal e status socioeconômico, os prematuros extremos apresentam um desempenho mais prejudicado. Esse dado ressalta ainda mais a influência de variáveis contextuais no desempenho do bebê.
Outro ponto é que apenas dois estudos avaliaram o bebê ao longo dos meses, apesar de todos serem longitudinais. O de Romeo et al. (2010) usou apenas dois momentos de avaliação. O de Ortiz-Mantilla et al. (2008) foi o de maior duração, levando o acompanhamento dos participantes até os sete anos de idade. A falta dessa característica pode ser entendida como uma limitação dos outros estudos. Estudos longitudinais permitem um melhor entendimento das alterações ao longo do tempo, para se acompanhar as trocas que vão acontecendo entre o contexto ambiental e o encéfalo, cuja influência é reconhecida (Shallice & Cooper, 2012).
Percebe-se que cada estudo tem suas particularidades. Os instrumentos de aferição das habilidades também se diferenciaram, já que cada um estava direcionado a uma variável em questão: motora, cognição e emocional. Em comum nos estudos apenas o desenvolvimento cognitivo como alvo. Sendo assim, apesar de não considerarem todos os critérios de qualidade, os resultados dos estudos encontrados trazem evidências relevantes para o conhecimento do desenvolvimento de um bebê pré-termo diferentemente de um bebê a termo. Romeo et al. (2010) ratificam a posição de comprometimento cognitivo de Ortiz-Mantilla et al. (2008) que também foi abordado na pesquisa brasileira de Reis et al. (2012). A habilidade cognitiva parece ser o domínio mais comprometido no primeiro ano de vida em casos de prematuridade. A habilidade motora alterada foi verificada no estudo de Guimarães et al. (2011) e relatada por Formiga e Linhares (2011).
Assim, foram encontradas evidências de que os bebês prematuros podem apresentar comprometimentos de ordem tanto mental quanto motores e emocionais. Tais comprometimentos podem se justificar pelo fato desses bebês terem nascido em momento em que muitas redes neuronais já estariam formadas (Rueda & Posner, 2013), apesar de ainda estarem amadurecendo. Dessa forma, verifica-se a preocupação com esse período crítico, pois parece haver uma imaturidade além daquela inicial esperada, que poderia ser mais bem estudada combinando com medidas fisiológicas. No entanto, um fato verificado é que são poucos os artigos que integram avaliações comportamentais com funcionamento do sistema nervoso.
Algumas limitações devem ser mencionadas, como a existência de poucos estudos longitudinais, que auxiliariam muito a compreensão sobre as mudanças ao longo do tempo. Ainda, os achados vêm de distintos países, que podem ter realidades socio-econômicas diferentes, como já mencionado. O tempo de prematuridade pode interferir nas conclusões, pois cada trabalho pesquisou momentos distintos. Os instrumentos utilizados são diferentes, aferindo variáveis de formas diversas. Há poucas variáveis investigadas, o que compromete um conhecimento abrangente sobre o desenvolvimento integral dos bebês. Finalmente, a ausência de correlações de medidas comportamentais com marcadores fisiológicos impede conclusões mais robustas sobre o desenvolvimento desses sujeitos.
Tais informações podem auxiliar no conhecimento sobre desenvolvimento inicial para futuras tomadas de decisão na prática clínica. Deve-se considerar a possibilidade de implantação de medidas mais específicas no atendimento dessa população, como por exemplo, a orientação adequada de estimulação das habilidades que podem estar comprometidas. Esses fatores podem contribuir para a prevenção de comprometimentos e dificuldades futuras, tanto acadêmicas quanto pessoais.
Considerações Finais
Os resultados do presente trabalho confirmam que o nascimento prematuro é um fator de risco para o desenvolvimento dos bebês. No entanto, a revisão evidenciou uma lacuna na literatura sobre desenvolvimento integral no primeiro ano de bebês prematuros. Dessa forma, baseando-se nos estudos analisados, observa-se comprometimentos de ordem diversas no desenvolvimento a partir de um nascimento prematuro. Entretanto, ainda são necessários estudos originais longitudinais comparativos, com períodos de seguimentos mais longos, para melhor compreensão dessa temática. Assim, seria possível identificar estratégias para serem utilizadas em intervenções precoces.