A discussão acerca da formação em Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) está intimamente ligada à constituição histórica dos cursos de graduação em Psicologia e nos elementos que a determinam. Para compreender o desenvolvimento do processo formativo do psicólogo em POT atualmente, nas mais de 1640 Instituições de Ensino Superior (IES) que possuem o curso de Psicologia no país (Ministério da Educação [MEC], 2019), faz-se necessário revisitar a história do mesmo.
Apesar de já existirem sinais escassos de serviços profissionais focados no comportamento humano ainda no final do século XIX, somente nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, mais especificamente em 1919, que a Psicologia apareceu notoriamente configurada no repertório de atividades ocupacionais sob o formato de profissão institucionalizada. Inicialmente, foi incorporada como um elemento complementar à formação de outros profissionais, sendo disciplina optativa na formação de outras profissões. No ano de 1946, por meio da Portaria n. 272, Decreto-Lei n. 9.092 (1946), institucionalizou-se a formação do psicólogo brasileiro. À época, o profissional que desejava ser habilitado na área deveria cursar os três primeiros anos de Biologia, Antropologia, Filosofia, Estatística ou Fisiologia, e posteriormente fazer os cursos especializados em Psicologia. Em outras palavras, esse momento ainda não representou a regulamentação da Psicologia enquanto profissão no país (Malvezzi, 2010).
Ao final da década de 1940, a Psicologia Industrial já estava consolidada no Brasil, com atuação profissional relacionada à seleção de pessoal. A década de 1950 foi marcada pelos constantes esforços rumo à regulamentação da formação e atuação dos psicólogos e, no ano de 1953, iniciou-se o primeiro curso superior autônomo de Psicologia, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Desde o surgimento desses primeiros cursos poucas alterações foram feitas no processo de formativo da profissão (Zanelli & Bastos, 2004). Tal movimento, em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1961, impulsionaram a criação do documento que definiu e regularizou a profissão e a formação em Psicologia, sob a Lei n. 4.119 de 27 de agosto de 1962.
Com a regulamentação da profissão em 1962 foram estabelecidas três modalidades de formação: o bacharelado, a licenciatura e a formação de psicólogo (Lei n. 4.119, 1962). A matriz curricular foi padronizada com formação em cinco anos, implementou-se disciplinas específicas que deveriam compor a grade de todos os cursos e foi instituído um currículo mínimo obrigatório, em que poderiam existir dois modelos: um em que os quatro primeiros anos teriam um ciclo de disciplinas comuns e o quinto ano seria dedicado à formação do psicólogo; e o outro que seria um ciclo comum nos três primeiros anos e nos dois anos restantes o curso especificaria a formação para o bacharelado, licenciatura ou formação do psicólogo (Coelho-Lima et al., 2014).
Uma década após essa regulamentação já haviam críticas em relação a ambos os modelos deste currículo mínimo. Foi apontada uma concentração excessiva de disciplinas clínicas em detrimento das outras áreas, a falta de preparo ético, ausência de articulação com outras disciplinas e a disparidade com os problemas da realidade brasileira. Nesse mesmo período houve a criação de cursos universitários particulares e a profissão do psicólogo experienciou um forte crescimento, evidenciado pelo número de profissionais inscritos no Ministério de Educação e nos Conselhos Regionais e Federal de Psicologia (Gondim et al., 2010).
Em 20 de dezembro de 1996 foi sancionada a Lei n. 9.394 (1996) apelidada de “Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação”, por meio da qual foram estabelecidas as diretrizes e bases da educação nacional em todas as suas dimensões, e que teve um grande impacto na estruturação do ensino superior. A partir da promulgação da LDB iniciou-se, em 1998, o processo de criação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de Psicologia. Em 1999, após muitos debates entre instituições de ensino superior e entidades profissionais, a Comissão de Especialistas em Ensino de Psicologia apresentou uma minuta de resolução com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Psicologia, que permanece na versão definitiva homologada em 2004 (Conselho Nacional de Educação [CNE], 2004), reeditada em 2011 (CNE, 2011) e estão, atualmente, novamente sob revisão por parte do Conselho Federal de Psicologia (CFP), da Associação Brasileira de Ensino em Psicologia (ABEP) e da Federação Nacional dos Psicólogos (FENAPSI).
As DCN de 2004 passaram a descrever a demanda de ensino das disciplinas tomando como base o perfil do profissional que se pretende formar. Resumidamente as DCN trouxeram mudanças no que tange ao: 1) Eixos Estruturantes - Seis eixos temáticos no total; 2) Núcleo comum - regido por conhecimentos, habilidades e competências necessários para lidar com os conteúdos da Psicologia; 3) Competências e Habilidades Gerais - Atenção à saúde, Tomada de decisões, Comunicação, Liderança, Administração e gerenciamento e Educação permanente; 4) Ênfases Curriculares - Concentração de estudos e estágios em algum dos domínios de atuação profissional. O curso deve ofertar no mínimo duas ênfases assegurando ao aluno a possibilidade de escolha; 5) Estágios Supervisionados - distribuídos ao longo do curso podendo ser divididos em nível básico e específico, cada um com a sua carga horária própria perfazendo juntos pelo menos 15% da carga horária total do curso; 6) Serviço de Psicologia - Prestação de serviço para atender tanto às exigências para a formação de psicólogo quanto às demandas da comunidade (CNE, 2004).
Há uma nova proposta, elaborada pelo Conselho Federal de Psicologia, Associação Brasileira de Ensino em Psicologia e Federação Nacional dos Psicólogos (2018), que sugere a inclusão de um novo eixo estruturante sobre políticas públicas, o eixo VII, garantindo nos currículos os conhecimentos nas áreas de assistência social, educação, saúde, trabalho, segurança pública, entre outras. Também inclui seis novas competências a serem desenvolvidas ao longo da graduação. As ênfases curriculares passam a ser encaradas como processos de trabalho tais como: processos de acolhimento; acompanhamento; avaliação; comunicação; culturais; educativos; formativos; grupais; de mobilização social; orientação e aconselhamento; planejamento e gestão pública; psicoterapêuticos; investigativos (pesquisa, trabalhos teóricos e empíricos). A proposta estabelece uma carga horária total mínima de 4000 horas, com possibilidade de ter no máximo 20% de ensino a distância, projetos de extensão não se sobrepõem aos estágios e passam a ser obrigatórios, ocupando 10% da carga horária total do curso. Os estágios de núcleo comum e os específicos devem perfazer, ao todo, no mínimo 20% e no máximo 25% da carga horária total do curso.
Entretanto, essa estratégia generalista estabelecida pela reformulação das DCN também tem suas desvantagens. A formação básica oferecida pelos cursos geralmente não é suficiente frente às necessidades de especialização da profissão. A principal consequência desse tipo de situação é a informação e o conhecimento transmitidos de forma bastante restrita ao discente sobre as diversas áreas de atuação profissional, como a Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT). Cada vez mais, os estudiosos da Psicologia vêm se dando conta de que não é possível reproduzir, no campo científico e profissional, a separação entre a esfera do trabalho e as demais esferas da vida pessoal (Antunes et al., 2018; Porto et al., 2019; Ribeiro, 2020). Para compreender integralmente o ser humano, é preciso entender sua inserção no mundo do trabalho e as relações que são criadas dentro das organizações em que estão inseridos. Nesse sentido, a POT tem por objetivos explorar, analisar e compreender como interagem as múltiplas dimensões que caracterizam a vida das pessoas, dos grupos e das organizações pensando em estratégias para preservar o bem-estar e a qualidade de vida, sem deixar de lado a produtividade da qual depende o atendimento das necessidades dos indivíduos e dos grupos sociais (Zanelli et al., 2014).
Para compreender a POT é importante fazer um resgate histórico da área atentando-se para como as demandas sociais foram, com o decorrer do tempo, transformando as formas de estudar e intervir sobre os problemas humanos dentro das organizações. As mudanças nos sistemas produtivos e nas formas de organização do trabalho ao longo dos tempos resultaram em diversas ramificações do que se entende hoje como a POT (Gondim et al., 2018).
No Brasil, essa área de conhecimento se desenvolveu em três fases diferentes. A primeira, Psicologia Industrial (por volta da década de 1930), teve grande associação com a prática da avaliação psicotécnica, em que o objetivo dos psicólogos era selecionar as melhores pessoas para ter maior produtividade nas indústrias. A segunda fase, Psicologia Organizacional (a partir da década de 1950), em que se deu espaço a novos ambientes possíveis de atuação, e a principal mudança foi uma visão mais sistêmica das organizações, com enfoque no coletivo e nas relações humanas. Tornaram-se parte importante da área o estudo de temas como liderança, relações interpessoais, cognição, emoções, afetos e aprendizagens e teorias de dinâmica de grupos e motivação. Já a terceira fase, Psicologia do Trabalho (meados de 1980), trouxe reflexões sobre a saúde mental, adotando-se um enfoque mais político e preocupado com a constituição histórica e social da concepção de trabalho e suas influências sobre o trabalhador (Sampaio, 1998).
A diferenciação entre essas fases não indica que elas tenham sido completamente distintas entre si, mas que cada fase incorporou a fase anterior e a superou, adotando novas convenções e ampliando o foco sob novas formas de pensar o trabalho e novas técnicas de intervenção. Além disso, para compreender os problemas organizacionais e do trabalho, o psicólogo precisa se aproximar de outras áreas de conhecimento e atuação profissional como a Administração, Sociologia, Antropologia, as Ciências Políticas, Educação, Economia, Direito, Engenharia, Medicina e até mesmo de outros domínios da própria Psicologia, como a psicometria, a psicologia social, a psicologia experimental, a psicologia da personalidade, a psicologia da saúde, a psicologia educacional, a psicobiologia e a psicologia do desenvolvimento, entre outras. Nesse sentido, entende-se como a área que atua tanto no que tange aos contextos organizacionais, quanto em relação ao mundo do trabalho, ou seja, a Psicologia Organizacional e do Trabalho (Gondim et al., 2018).
Como o presente estudo está associado ao entendimento sobre o processo formativo em POT nos cursos de graduação em Psicologia brasileiros, foi feita uma busca de artigos publicados entre 1998 e 2018 que tratassem sobre essa temática. As buscas foram realizadas no segundo semestre de 2019, nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO Brasil), Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC) e Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), fazendo uso dos seguintes conjuntos de palavras para a busca: “Formação” e “Psicologia Organizacional”; “Processo Formativo” e “Psicologia Organizacional”; “Grade curricular” e “Psicologia Organizacional”; “Matriz Curricular” e “Psicologia Organizacional”; “Ementa” e “Psicologia Organizacional”.
Foram considerados apenas artigos de autores nacionais, uma vez que o objetivo foi verificar a composição dos cursos de Psicologia, em específico nas disciplinas de POT, no contexto nacional. Inicialmente, a busca resultou em um total de 57 artigos, sendo que após a leitura e análise dos mesmos, 54 não apresentaram compatibilidade com a temática de interesse do presente artigo (análise das grades curriculares e processo formativo em POT). Dos três artigos que apresentaram aproximação com a temática, dois, realizados no início da década de 2000, (Botelho, 2003; Morello Filho, 2004) estavam indisponíveis para consulta do texto completo, porém, a partir de seus resumos, foi possível identificar informações importantes para efeito de comparação ao presente estudo.
Botelho (2003) analisou as ementas, os planos de ensino e as bibliografias utilizadas em cursos de Psicologia de 45 IES do Brasil. Os resultados apontaram média de 4,3 disciplinas de POT por curso, com predominância de conteúdos voltados a técnicas de dinâmica de grupos e uma presença reduzida de temas como o mundo do trabalho, saúde mental e qualidade de vida. Já Morello Filho (2004) analisou a estrutura curricular de cinco cursos de graduação em Psicologia na cidade de São Paulo. Dos cursos analisados a média de horas dedicadas à POT na matriz curricular foi entre 6,8 a 13,8% do total de horas do curso (média de 10%).
O único artigo disponibilizado na íntegra e que teve associação com a temática da presente pesquisa foi o de Coelho-Lima et al. (2014). Tais autores realizaram uma análise documental dos projetos pedagógicos dos cursos (PPC) de Psicologia em 43 IES de diferentes regiões do Brasil e analisaram os conteúdos de POT na formação do psicólogo após a implementação das DCN, no ano de 2004. Quando analisadas as matrizes curriculares, a POT ocupou um espaço relevante na formação do psicólogo visto que todos os cursos possuíam pelo menos uma disciplina da área, sendo que 30,2% deles possuíam de 1 a 3 disciplinas, 37,2% 4 a 6 disciplinas, 20,9% de 7 a 9 disciplinas e 11,7% com mais de 10 disciplinas. Quanto à carga horária disponibilizada para as disciplinas a média foi de 10%.
A partir dos estudos supracitados foi percebido que há muito pouco documentado (ao menos na forma de artigos científicos) em termos de pesquisas que buscaram analisar as grades curriculares dos cursos de Psicologia, em especial com um destaque para a POT. Dos três artigos que apresentaram tal proposta, dois não estão disponíveis para o acesso digital. Ao se analisar essa produção pode-se perceber algumas lacunas, como em relação ao tamanho da amostra (já que o número de IES analisadas é pequeno quando comparada ao número de IES com o curso de Psicologia, seja no Brasil ou por estados). Outra lacuna diz respeito à inexistência de análise em relação às ementas das disciplinas em POT, por meio das quais é possível se verificar os conteúdos a serem ministrados.
Com base no exposto, e visando ampliar tal conhecimento, o presente estudo pretende identificar o espaço ocupado pela POT nas grades curriculares de IES que possuem o curso de Psicologia no estado de São Paulo. De forma adicional, verificar a quantidade de disciplinas de POT ofertadas, a nomenclatura dessas, em que momento do curso elas são ofertadas, a carga horária destinada à POT em comparação com as horas totais do curso, a existência de estágio supervisionado em POT e as palavras mais utilizadas nas ementas das disciplinas de POT.
Método
Procedimento de Coleta de Dados
O procedimento de coleta de dados consistiu em uma pesquisa documental realizada na plataforma E-MEC, base de dados única e oficial de informações relativas às IES e cursos de graduação do Sistema Federal de Ensino. A busca foi feita por intermédio do atalho “Consulta Avançada” disponível no site e foram marcadas as opções “Curso de Graduação” ( “Psicologia” ( “Estado de São Paulo” ( “Em atividade”. Os resultados apresentados no dia 10 de maio de 2019 apontaram a existência de 180 IES ativas.
Dessas 180, foram consideradas apenas aquelas que disponibilizavam cursos de Bacharelado, sendo excluídos os cursos de Licenciatura e Formação de Psicólogo, uma vez que os cursos de Licenciatura não eram o foco da pesquisa e os cursos de Formação de Psicólogo apresentaram a mesma configuração curricular dos cursos de Bacharelado.
A partir da lista formada com os nomes das IES, foi procurado o site de cada uma delas para verificar a disponibilização da grade curricular e das ementas das disciplinas do curso de Psicologia, a fim de se analisar como é estruturado o ensino em POT nestes cursos. Foram excluídos também os cursos que apareceram na lista do E-MEC, mas que não apresentaram a existência de site.
Considerou-se disciplinas de POT aquelas que continham na nomenclatura as palavras “organizacional”, “trabalho”, “organizações”, “recursos humanos”, “seleção”, “desenvolvimento de pessoal”, “gestão de pessoas”, “trabalhador”, “relações trabalhistas”, “processos laborais”, “ergonomia”, “gestão de talentos”, “saúde ocupacional”, “recrutamento”, “processos de gestão”, “acompanhamento de carreira” e “gestão de equipes”. As disciplinas que geraram dúvidas sobre o pertencimento ou não à categoria de POT tiveram suas ementas consultadas e, em caso de não disponibilidade da ementa, foram descartadas. Por meio da Figura 1 é possível compreender o caminho metodológico empregado, assim como a quantidade de IES excluídas da análise.
Após as exclusões restaram 162 IES a serem analisadas. Dessas, 56 estavam localizadas na Grande São Paulo, 101 no interior do estado e 5 no litoral.
Procedimento de Análise de Dados
Com relação aos procedimentos de análise dos dados, os mesmos foram investigados no que tange à estatística descritiva (frequências e porcentagens), bem como medidas de tendência central e de dispersão (média, desvio-padrão, mediana, moda e pontuações, mínima e máxima). As variáveis analisadas foram as informações contidas nos sites das IES, tais como a “Presença de grade curricular”; “Carga horária total do curso de Psicologia”; “Carga horária das disciplinas de POT”; “Ementas das disciplinas de POT”; “Se possui estágio em POT”; “Carga horária dos estágios em POT”; “Quantidade de disciplinas em POT”; “Momento do curso em que ocorrem as disciplinas de POT”.
Para se comparar possíveis diferenças de médias de respostas nas variáveis “Quantas disciplinas em POT” e “Carga horária POT” em relação a dois grupos (IES privadas e públicas) foi utilizado o teste t de Student. O conteúdo das ementas também foi analisado por frequências e nuvem de palavras utilizando-se um software de análise de dados qualitativos, chamado NVIVO.
Resultados
Ao acessar os sites das 162 IES que compuseram a fonte análise desta pesquisa, constatou-se que a maioria disponibilizava informações sobre grade curricular (n=118), bem como a carga horária do curso como um todo (n=82) e das disciplinas (n=94). Entretanto, ao se buscar informações sobre outras variáveis, os dados se inverteram, já que a maioria não disponibilizava informações das ementas das disciplinas (n=146) acerca do oferecimento de estágios profissionalizantes em POT (n=99) e carga horária dos mesmos (n=123).
Acerca desses dados, algumas reflexões podem ser feitas. Uma hipótese para a falta desses dados talvez seja em virtude de uma percepção, por parte dos representantes das IES, de que os discentes de seus cursos, ou possíveis discentes, não busquem por tais informações ao longo da formação ou no processo de escolha para o ingresso no curso de Psicologia. Por sua vez, nos casos de discentes e/ou futuros discentes que buscam as informações sobre o curso no site, a falta dessas informações pode gerar descontentamentos. Em outras palavras, IES que disponibilizam tais conteúdos nos sites podem transmitir para esse público interessado um senso de transparência quanto ao curso oferecido. No que tange à presente pesquisa, os dados a serem apresentados a seguir foram analisados levando-se em consideração apenas as IES que disponibilizaram as informações em seus sites.
Por meio da estatística descritiva, foram analisadas as seguintes variáveis: carga horária total do curso; quantas disciplinas e horas são oferecidas na área de POT; quantas horas de estágio são oferecidas na área de POT; e o momento do curso em que são ministradas as disciplinas de POT. Os resultados estão dispostos na Tabela 1.
CH total do curso | CH disciplinas de POT | Quantas disciplinas de POT | CH estágio POT | A partir de qual ano há POT | |
---|---|---|---|---|---|
Média | 4164,73 | 162,49 | 2,81 | 181,31 | 3,09 |
Mediana | 4020,00 | 114,00 | 2,00 | 120,00 | 3,00 |
Moda | 4000 | 60 | 2 | 0 | 3 |
DP | 300,18 | 178,84 | 2,62 | 195,68 | 0,87 |
Mínimo | 3465 | 0 | 0 | 0 | 1 |
Máximo | 5120 | 1404 | 24 | 960 | 5 |
DP: Desvio-padrão
Quando se analisa as variáveis “carga horária” há um cuidado que se deve ter. Algumas IES disponibilizam sua grade curricular no formato de horas-aula, enquanto outras disponibilizam no formato horas-relógio. Uma possibilidade seria converter todas no mesmo formato para padronizar a análise, no entanto isso não foi realizado, pois em alguns sites as IES não especificaram qual o formato adotado pelo curso (horas-aula ou horas-relógio). Dessa forma optou-se por não fazer nenhuma conversão nos números e usá-los como apareceram nos sites.
A carga horária destinada às disciplinas de POT teve média de 162,49 horas o que representa 3,9% da média de horas totais oferecidas pelos cursos. Das 63 IES que disponibilizaram informações sobre os estágios, 53 possuíam estágio em POT, enquanto apenas 10 não possuíam. Ao se avaliar a carga horária destinada aos estágios em POT é possível constatar uma média de 181,31 horas, o que representa 4,3% da média de horas totais oferecidas pelos cursos. Dessa forma, somadas as cargas horárias das disciplinas e dos estágios de POT tem-se 8,2% da grade curricular total voltada para o ensino de POT. É importante ressaltar que o desvio padrão desses indicadores é alto, pois há uma variação muito grande entre as IES.
Essa variação também pode ser notada quando se analisa a quantidade de disciplinas de POT ofertadas na graduação. A média foi em torno de 2,81 disciplinas ao longo do curso, mas esse número varia de 0 a 24 disciplinas, sendo o desvio padrão de 2,62. De forma mais específica, a análise da quantidade de disciplinas ofertadas em POT pelas IES resultou em 42,4% das que disponibilizavam duas disciplinas para POT; 17,8% apresentavam uma; 16,9% continham três disciplinas; 8,5% disponibilizam quatro; 6,8% com cinco; 2,5% seis; 1,7% oito; 1,7% não disponibilizam nenhuma. Além disso, há as exceções como em duas IES que dispunham de 13 e 24 disciplinas.
Ao se comparar possíveis diferenças de médias (por meio do teste t de Student) de respostas entre as variáveis “quantas disciplinas em POT” e “carga horária POT”, nas IES públicas e privadas, foi possível constatar que não houve diferenças consideradas estatisticamente significativas.
Quando se analisa a partir de qual ano essas disciplinas são ofertadas, o desvio padrão fica baixo (0,876). Isso porque, apesar das disciplinas estarem presentes entre o primeiro e quinto ano, a maioria das universidades as oferece a partir do terceiro ano, com pouca variação desse resultado. Metade das IES oferecem as disciplinas no terceiro ano, 30,9% no quarto, 10,3% no segundo, 7,4% no primeiro e apenas 1,5% no quinto ano. Quanto ao conteúdo a ser ministrado nas disciplinas, por meio das ementas (16) disponibilizadas nos sites das IES foram verificadas as palavras com maiores frequências (Figura 2).
Ao se analisar as 16 ementas das disciplinas de POT disponibilizadas nos sites das IES foi possível gerar uma figura com as 80 palavras mais utilizadas (Figura 2). Cabe destacar que as 20 palavras que apareceram de forma mais frequente foram “trabalho” (por 115 vezes), “organizações” (36), “organizacional” (35), “processos” (27), “Psicologia” (23); “psicólogo” (21); “saúde” (21); “contextos (17); “práticas” (15); “relações” (15); “humanos” (14); “desenvolvimento” (14); “gestão” (14); “intervenção” (13); “treinamento” (13); “atuação” (12); “pessoas” (12); “avaliação” (11); “técnicas” (11) e “comportamento” (por 10 vezes).
Discussão
A investigação acerca do espaço ocupado pela POT no processo formativo em Psicologia tem sido gradativamente foco de pesquisas por parte de autores brasileiros (Gondim et al., 2018; Nóbrega & Rodrigues, 2019; Peixoto, 2014; Ramos et al., 2017). Entretanto, ainda é pouco documentado sobre a estrutura curricular da POT em cursos de Psicologia nas IES, seja no contexto nacional, regional ou Estado brasileiro. Poucas iniciativas foram encontradas na forma de artigo científico (Botelho, 2003; Coelho-Lima et al., 2014; Morello Filho, 2004), e a partir da análise dessa literatura, algumas lacunas foram observadas, como amostras restritas de pesquisa e a falta de averiguação das ementas.
Quanto aos dados encontrados acerca da carga horária dos cursos de Psicologia nas IES analisadas, é importante destacar que de acordo com o artigo 52 das Diretrizes Nacionais Curriculares para o Curso de Psicologia (CNE, 2004), o perfil de formação do Bacharel requer uma carga mínima de 2900 horas, incluindo o núcleo comum e o estágio profissionalizante básico acrescido de 300 horas de estágio supervisionado. O resultado obtido das 82 IES que disponibilizaram a carga horária total do curso estão dentro deste mínimo e apresentaram variação entre 3465 horas a 5120 com uma média de 4164,73 horas.
A média de disciplinas na área da POT foi de 2,81 (o que representou 3,9% da carga horária total dos cursos) e com o acréscimo dos estágios na mesma área, esse valor chega a 8,2%. Desde a década de 1980 pode ser percebido o distanciamento entre a formação em POT e outras áreas de atuação, como a clínica, por exemplo. Com base nos resultados encontrados pela Comissão de Ensino do Conselho Regional de Psicologia - 6ª Região, em estudo de análise dos cursos de Psicologia executado em 1982, apontou para uma marcada desproporção, não favorável à POT, entre a quantidade de disciplinas voltadas para a preparação dos alunos ao exercício profissional nas organizações e as disciplinas dirigidas para a psicologia clínica (Zanelli, 1986). Além disso, Zanelli (1995) há tempos já havia tecido críticas em relação à formação com caráter tecnicista oferecida pelos cursos de Psicologia, que não considerava o contexto e priorizava aspectos segmentários da realidade.
Ao se comparar os 8,2% encontrados no presente estudo com os dados obtidos por estudos de análise das grades curriculares em POT produzidos neste século, eles se mostram inferiores aos dados encontrados pelos demais (Botelho, 2003; Coelho-Lima et al., 2014; Morello Filho, 2004). Apesar do resultado ser similar, há uma quantidade reduzida de espaço na grade curricular dos cursos de Psicologia para o ensino de POT. O que pode explicar essa diminuição? Uma hipótese para esse resultado pode ser a de que dois, dos três estudos analisados, foram feitos antes da reformulação das DCN.
Em 2004 (CNE, 2004) substituíram o método tradicional de ensino baseado na distribuição de disciplinas em relação a conteúdos e conhecimentos por um método que estabeleceu princípios, fundamentos, conhecimentos, competências e habilidades a serem desenvolvidos. A partir de 2004, ao invés de prescrever disciplinas específicas para compor os cursos, a matriz curricular passou a ser dividida em seis eixos temáticos e os estágios passaram a ganhar mais destaque devendo ser realizados em no mínimo 15% da carga horária total do curso. A partir dessa mudança, houve diversas reformulações das grades curriculares dos cursos que resultaram em um aumento de disciplinas voltadas para áreas emergentes, como também verificado por Vieira-Santos (2016), como Psicologia Hospitalar, Psicologia do Esporte, Psicologia Jurídica, entre outras que se diluíram na grade e acabaram diminuindo a CH disponível para o ensino da POT. Vale ressaltar que isso é apenas uma hipótese que não pôde ser confirmada por meio dos dados analisados.
A variação encontrada na análise da quantidade de disciplinas de POT ofertadas na graduação foi grande. Desde cursos que ofereceram zero até outros que ofereceram 24 disciplinas, com um desvio padrão de 2,62. O estudo de Coelho-Lima et al. (2014) encontrou três IES que ofereceram de 13 a 15 disciplinas, enquanto o estudo atual encontrou duas IES que oferecem 13 e 24 disciplinas. Isso demonstra uma mudança ocorrida após a reformulação das DCN em 2004, em que os cursos foram obrigados, em determinado período da grade curricular, a concentrar estudos e estágios em algum dos domínios de atuação profissional ofertando no mínimo duas ênfases e assegurando ao aluno a possibilidade de escolha. Dessa forma, os cursos passaram a ofertar a ênfase curricular em POT e disponibilizaram um número maior de disciplinas nessa área (CNE, 2004).
Ao se analisar possíveis diferenças de médias de respostas quanto à quantidade de disciplinas em POT e carga horária em POT, entre IES públicas e privadas, não foram encontradas diferenças significativas. Isso quer dizer que, ao menos no universo analisado (IES de Psicologia do estado de São Paulo), não é possível afirmar que a POT possui um espaço de maior ou menor destaque em IES com base na referida característica, ou seja, se pública ou privada.
De acordo com o que foi estabelecido pelas DCN (CNE, 2004), a formação em Psicologia deve abarcar um núcleo comum que estabeleça uma capacitação básica e generalista para lidar com os conteúdos da Psicologia seguido de ênfases curriculares de aprofundamento. As ênfases curriculares constituem oportunidade de articulação de diferentes áreas do conhecimento e atuação profissional em interface com a Psicologia, favorecendo a atuação em equipes multiprofissionais. Embora o documento não especifique em que momento da formação essas ênfases curriculares devem ser apresentadas, parece que há uma configuração semelhante entre os cursos verificada no resultado da pesquisa que aponta que as disciplinas de POT são ofertadas com maior frequência a partir do terceiro ano. É possível verificar a partir disso que, os dois primeiros anos vêm sendo utilizados para o ensino das disciplinas básicas e generalistas e a POT vêm sendo integrada como ênfase curricular.
Quanto à análise das ementas das disciplinas, pode ser constatado que termos como “trabalho”, “organizações” e “organizacional” foram os que apresentaram maiores frequências. Entretanto, algumas palavras que também apareceram com grande frequência foram “saúde”, “relações”, “desenvolvimento”, “gestão”, “treinamento” e “intervenção”, e podem demonstrar um encaminhamento para o ensino de POT atrelado a um enfoque mais sistêmico e político e menos individualista. A presença dessas palavras nas ementas, nos mostra uma preocupação dos cursos em ampliar o debate sobre a POT para além das técnicas utilizadas pela fase da Psicologia Industrial, como a psicometria e a psicotécnica, que se resumiam, primordialmente, à seleção e à colocação profissional no ambiente de indústrias (Leão, 2012).
As palavras “relações”, “gestão”, “treinamento” e “desenvolvimento” estão mais próximas da segunda fase da POT denominada Psicologia Organizacional, em que houve uma transferência de preocupação com o individual, para uma preocupação com o coletivo. Os problemas tradicionais estudados, como aplicação de testes, treinamento, incentivos, recrutamento e seleção passaram a ser vistos como interrelacionados e componentes de um sistema social complexo e dinâmico da organização, o que gerou atenção fundamental às relações humanas (Sampaio, 1998).
Já as palavras “saúde” e “intervenção” nos remete à última fase da POT que correspondeu à Psicologia do Trabalho, a qual trouxe críticas ao papel da Psicologia Organizacional enquanto reprodutora e mantenedora de relações de dominação, desigualdade, opressão e injustiça, mudando o enfoque sistêmico para um enfoque mais político e assumindo como aspecto central a concepção de trabalho como uma construção histórica e social, com influências significativas sobre a subjetividade e saúde do trabalhador (Sampaio, 1998). Esse resultado vai ao encontro do estudo de Coelho-Lima et al. (2014) que demonstrou que as três fases foram contempladas na maioria dos cursos e que houve uma predominância nas discussões relacionadas à Psicologia do Trabalho.
Por fim, de maneira geral, o modo como os cursos vem disponibilizando a POT na formação do psicólogo demonstra as intenções de viabilizar o preparo mínimo para o psicólogo atuar no campo, a capacitação em analisar o seu contexto de trabalho e a compreensão diferenciada do ser humano e da sociedade atual, levando-se em consideração a saúde do trabalhador. Esta pesquisa ampliou o universo da amostra de outros estudos similares e atualizou dados que foram coletados há mais de 15 anos. Ainda há muito que se investigar no que tange ao processo formativo em POT nos cursos de Psicologia. Embora a presente pesquisa tenha avançado em alguns aspectos, é recomendado que estudos futuros sejam realizados, visando ampliar o universo investigado para outras regiões brasileiras e até mesmo para todo o país. Para estudos similares, seria interessante realizar um contato com os coordenadores de curso das instituições que não disponibilizaram as informações nos sites de forma a adquirir os documentos das matrizes curriculares e ementas das disciplinas.