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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.22 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2022  Epub 06-Maio-2024

https://doi.org/10.12957/epp.2022.70269 

PSICOLOGIA SOCIAL

Relato de Experiência de Grupo Terapêutico com Universitários Concluintes em Tempos de Pandemia da COVID-19

Experience Report of a Therapeutic Group with University Graduates in Times of the COVID-19 Pandemic

Informe de Experiencia de un Grupo Terapéutico con Graduados Universitarios en Tiempos de Pandemia del COVID-19

Gabriella de Carvalho Siqueira* 

Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Catalão.


http://orcid.org/0000-0001-7393-1592

Ana Paula Dias Pires** 

Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Catalão.


http://orcid.org/0000-0002-1281-2562

Janaina Cassiano Silva*** 

Doutora em Educação. Docente no curso de Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGEDUC da Universidade Federal de Catalão.


http://orcid.org/0000-0003-1145-5820

*Universidade Federal de Catalão - UFCAT, Catalão, GO, Brasil

**Universidade Federal de Catalão - UFCAT, Catalão, GO, Brasil

***Universidade Federal de Catalão - UFCAT, Catalão, GO, Brasil


RESUMO

Este artigo propõe traçar diálogos a partir do relato de experiência da formação de um grupo terapêutico chamado Travessia. A formação do grupo se deu na inserção de estagiárias de Psicologia no Núcleo de Apoio Pedagógico da Universidade Federal de Catalão e teve como participantes estudantes concluintes dos variados cursos da instituição. O Travessia foi organizado com o objetivo de promover um espaço de acolhimento, interação, reflexão e apoio pedagógico para estes estudantes. Orientados pela Psicologia Histórico-Cultural, foi possível considerar as dificuldades, expectativas e desencontros que são vivenciados durante a trajetória na universidade, além de contribuir para o processo formativo da autonomia enquanto discente de graduação. O ensino emergencial remoto, a insegurança quanto ao futuro, seja ele profissional ou acadêmico, a independência financeira e trabalho profissional, e as frustrações relacionadas ao curso escolhido foram algumas das afetações que emergiram durante os encontros semanais. Além disso, pode-se perceber que o formato remoto estabelecido para o grupo trouxe alguns desafios referentes à sua funcionalidade.

Palavras-chave: psicologia histórico-cultural; núcleo de apoio pedagógico; grupo terapêutico

ABSTRACT

This article proposes dialogues based on the experience report of the formation of a therapeutic group called Traverse. The formation of the group took place in the insertion of Psychology interns in the Pedagogical Support Center of the Federal University of Catalão and had as participants students concluding the various courses of the institution. The Traverse was organized with the aim of promoting a space of welcome, interaction, reflection and pedagogical support. Guided by Historical-Cultural Psychology, it was possible to consider the difficulties, expectations and disagreements experienced during the journey in university, as well as contributing to the formative process of autonomy as a graduate student. Remote emergency education, insecurity about the future, whether professional or academic, financial independence and work, and frustrations about the chosen course were some of the affects that emerged during the weekly meetings. In addition, it can be seen that the remote format established for the group brought some challenges regarding its functionality.

Keywords: cultural-historical psychology; pedagogical support center; therapeutic group

RESUMEN

Este artículo propone diálogos a partir del informe de experiencia de la formación de un grupo terapéutico, llamado Travesía. La formación del grupo se dio en la inserción de pasantes de Psicología en el Núcleo de Apoyo Pedagógico de la Universidad Federal de Catalão y tuvo como participantes estudiantes concluidos de los variados cursos de la institución. El Travesía fue organizado con el objetivo de promover un espacio de acogida, interacción, reflexión y apoyo pedagógico. Orientados por la Psicología Histórico-Cultural fue posible considerar las dificultades, expectativas y desencuentros que son vivenciados durante la trayectoria en la universidad además de contribuir para el proceso formativo de su autonomía como discente de graduación. La enseñanza de emergencia remoto, inseguridad en cuanto al futuro, ya sea profesional o académico, independencia financiera y trabajo, frustraciones en cuanto al curso elegido fueron algunas de las afectaciones que surgieron a través de los encuentros semanales. Además, se observa que el formato a distancia establecido para el grupo supuso algunos retos en cuanto a su funcionalidad.

Palabras clave: Psicología Histórico-Cultural; Núcleo de Apoyo Pedagógico; Grupo Terapéutico

Este texto possui como objetivo discorrer sobre a experiência de Estágio em Processos Psicossociais, realizado remotamente a partir da formação de um grupo terapêutico e de acolhimento, que recebeu o nome de Travessia, a partir da inserção de estagiárias em Psicologia no Núcleo de Apoio Pedagógico da Universidade Federal de Catalão (NAP/UFCAT). O grupo em questão foi formado por estudantes concluintes de cursos universitários. Em meio ao acolhimento, novos desafios são impostos com a COVID-19. As medidas de contenção da pandemia incluem, dentre muitos protocolos de saúde, o distanciamento social. Essa medida exigiu que fossem pensadas novas formas de continuarmos nossas atividades sem o contato presencial com o outro, assim, as atividades presenciais da Universidade Federal de Catalão - UFCAT foram suspensas em março de 2020. Nesse cenário, a internet e todos os equipamentos tecnológicos que permitem comunicação à distância passaram a ser usados em grande escala, a fim de cumprir o distanciamento social e, ao mesmo tempo, não estagnar totalmente a vida profissional e educacional. Em outros termos, as atividades laborais passaram a ser pensadas e praticadas de modo remoto.

A proposta e a realização de grupos de acolhimento surgiram a partir das demandas de estudantes universitários que ocupam papéis de liderança - representantes de Centros Acadêmicos, membros de atléticas - juntos aos demais alunos de seus respectivos cursos de graduação da UFCAT. Estas demandas foram apresentadas em reuniões convocadas pela coordenação do NAP/UFCAT em parceria com as estagiárias do curso de Psicologia e referiam-se, em grande parte, às dificuldades enfrentadas desde a entrada do aluno na universidade, abrangendo o período todo ao longo do curso.

Precisamos considerar que o Ensino Superior federal brasileiro passou - e vem passando - por intensas transformações acompanhadas por sua expansão pelo interior do país, havendo, assim, a descentralização da oferta de vagas, haja vista a criação de instituições no interior dos estados de todo o país, bem como o aumento do número de ingressantes, fato que aponta a uma maior democratização do saber (Dias et al., 2020). É nesse sentido que as políticas de assistência e permanência estudantis ganham especial destaque, pois só a partir de seu advento, pela Portaria Normativa 39/2007 - que criou o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) - é que a Universidade Federal brasileira começou, muito timidamente ainda, a mudar sua cor, etnia e gênero. Juntamente com a mudança dos estudantes, também houve a inserção de novos profissionais com variadas demandas de atuação no âmbito acadêmico, pois,

[...] com o advento dos sistemas de massa em boa parte do mundo, o público estudantil se diversificou, passando a ser constituído por jovens com perfis muito distintos que, em sua maioria, são a primeira geração de suas famílias a atingir o nível superior. (Dias & Sampaio, 2020, p. 36)

É nesse contexto que se começa a delimitar a atuação de profissionais no apoio pedagógico. Assim, o NAP da recém-criada UFCAT possui como fundamento “[...] assessorar a prática educativa com base em concepções pedagógicas, contribuindo para a qualidade do ensino da instituição e da formação dos discentes e assim garantir o compromisso social e político da universidade” (Pró-Reitoria de Graduação [Prograd/UFCAT, n.d). Junto aos cursos de graduação e à comunidade acadêmica, os estudos e ações do NAP direcionam o olhar para a melhoria do aspecto pedagógico. Compreendemos, então, a permanência estudantil e o apoio pedagógico alicerçados no tripé permanência material, permanência pedagógica e permanência simbólica, proporcionando a formação de uma rede interna de suporte acadêmico, cultural e social, tal como aponta Dias et al. (2020).

Assim, a partir das atividades desenvolvidas no NAP, foi possível debater questões sobre a maneira como se dá o acesso às informações acerca do funcionamento de setores da instituição, do curso e do lugar ocupado pelo universitário, chegando, ademais, a questões como a sensação de desencontro e não pertencimento à universidade; insegurança quanto ao futuro, seja ele profissional ou acadêmico, fatores ligados à preocupação com a independência financeira e as frustrações em relação ao curso escolhido. Para fins de delimitação do funcionamento do estágio, foram escalados grupos com estudantes concluintes, constando, também, a realização de reuniões semanais com a coordenação do Núcleo de Apoio Pedagógico.

Apesar de o NAP se ocupar das questões didático-pedagógicas dos cursos de graduação da universidade e a Psicologia ser, por vezes, reduzida à perspectiva clínica e individualista, entendemos que esta última oferece aporte teórico e prático para a compreensão dos processos psicológicos que “[...] constituem o sujeito do processo educativo e são necessários para a efetivação da ação pedagógica” (Antunes, 2008, p. 474). Portanto, destacamos que esta visão individualista e unicamente clínica da Psicologia merece uma análise histórica do surgimento da prática e seus limites, embora este texto não se proponha a tal tarefa. A Psicologia sócio-histórica é uma importante ferramenta da crítica à visão individualista, na medida em que fundamenta uma concepção de ser humano associada ao materialismo dialético, à historicidade e à transformação social.

O Grupo de Acolhimento Travessia

As vivências e implementação de atendimentos grupais por profissionais de Psicologia podem ser sistematizadas em diferentes contextos e com diversos objetivos. O ambiente universitário pode vir a ser um desses contextos, pois, ao que tudo indica, carece de ações voltadas ao diálogo, às discussões e reflexões. Os grupos podem ter muitas configurações, temas e tarefas, propósitos e objetivos. Mas, de quais grupos falamos? À luz da perspectiva psicossocial, o termo “grupo” não pode ser reduzido à mera pluralidade de indivíduos. O grupo é, antes disso, uma estrutura social de vínculos e relações entre sujeitos, se constituindo a partir de uma necessidade ou interesse em comum, sejam eles pessoais ou coletivos. Portanto, a formação grupal sobre a qual nos referimos possui caráter concreto e histórico (Martín-Baró, 1989).

Propomos sustentar o grupo em uma perspectiva materialista-dialética, ao defendermos o processo grupal não como um ser em si, mas visando a compreensão ampla do contexto social, dos atravessamentos institucionais e das forças internas e externas nas quais os sujeitos do grupo atuam como corpos em relação, isto é, que se constroem mutuamente no coletivo (Pereira & Sawaia, 2020; Lane, 1981). Nesse sentido, o atravessamento da pandemia COVID-19 e a formação do grupo de maneira remota são fatores importantes para entendermos o processo grupal do Travessia, pois incidem diretamente nas relações e dinâmicas dos sujeitos inseridos no grupo. O distanciamento social e o uso de telas de computador ou celulares implicam maneiras outras de compreender o corpo social.

Com o objetivo de promovermos um espaço de acolhimento, o grupo Travessia buscou a emergência de processos reflexivos e de produção de sentidos do estar na universidade, considerando as dificuldades, expectativas e desencontros que são vivenciados durante as trajetórias dos estudantes. Pereira e Sawaia (2020) nos oferecem algumas pistas aliadas a autores consagrados da Psicologia Histórico-Cultural para compreendermos o processo grupal como um espaço privilegiado de bons encontros, enquanto prática munida de intencionalidade direcionada ao cuidado e à potencialização da vida. Quando dizemos sobre processos reflexivos ou produção de sentidos, defendemos lugares de diálogos para além da conscientização, mas espaços que permitem “[...] fortalecer a potência de vida, individual e coletiva, por meio da criação de bons encontros que façam a ação emergir” (Pereira & Sawaia, 2020, p. 26).

A construção do grupo se deu a partir de reuniões entre as estagiárias e a coordenação do NAP. Primeiramente, fizemos um formulário de inscrição no Google Forms e o disponibilizamos via e-mail e divulgação nas redes sociais. Este formulário solicitava informações dos interessados a respeito de dados pessoais, tais como nome, idade, curso e período que estavam cursando, assim como questões relacionadas aos principais desafios enfrentados na universidade, bem como a abertura para sugestões de temáticas a serem trabalhadas posteriormente nos encontros do grupo. A divulgação da formação do Travessia se deu por meio de canais de comunicação da universidade, pelos sites oficiais da instituição, além de mídias sociais, como o Instagram do curso de Psicologia/UFCAT. O grupo não determinou um limite ao número de participantes, logo, a participação dos estudantes variava em cada encontro. Vale destacar que o formulário ficou disponível para o recebimento de inscrições durante todo o período de funcionamento do grupo, obtendo 68 respostas, como mostra a Figura 1. Após o recebimento das respostas ao formulário, entramos em contato com os estudantes interessados. Os encontros foram realizados por meio da plataforma do Google Meet com uma hora, aproximadamente, de duração cada, totalizando 13 encontros que serão descritos posteriormente.

Nota. Gráfico que mostra o número de estudantes que responderam ao formulário durante o período de duração do Grupo Travessia de acordo com o curso de graduação.

Figura 1 Quantitativo de respostas obtidas no formulário 

Pensando em um melhor desenvolvimento das demandas a serem trabalhadas, as respostas foram divididas em dois grandes grupos, a saber: alunos ingressantes e alunos concluintes. No que tange ao grupo de alunos ingressantes, foram consideradas as respostas marcadas com a opção de 1° a 5° período, independente do curso, enquanto em relação aos alunos considerados concluintes, foram considerados aqueles cursando do 6° ao 10° período, também independente do curso. Conforme já mencionado anteriormente, neste trabalho falaremos do segundo grupo.

O Grupo Travessia para alunos concluintes teve a coordenação de duas estagiárias do curso de Psicologia e aconteceu durante o período de março a julho de 2021, contabilizando 13 encontros. Nestes encontros, tivemos a presença de 10 alunos/as dos cursos de Engenharia de Produção (Jaime), Pedagogia (Andrea), Química (Amélia e Vanessa), Psicologia (Deise), Ciências Sociais (Celso e Teresa), Ciências da Computação (Cecília), Enfermagem (Joana) e Educação do Campo (Marta). Por razões éticas, todos os nomes mencionados no percurso deste relato são fictícios. A presença dos participantes no grupo não se deu de maneira contínua, sendo que alguns participaram uma vez. Apenas uma participante esteve presente do primeiro ao último encontro.

O acolhimento, nesse sentido, enreda as práticas de cuidado no entremeio do estar na universidade. É a partir dele que vislumbramos a possibilidade de construção de um espaço para suporte mútuo e dedicado à interação, reflexão e informação sobre a vivência universitária.

“Preso em Si Mesmo”

O primeiro encontro com os/as estudantes concluintes aconteceu no dia 23 de março de 2021 e teve início às 18h. As coordenadoras se apresentaram aos participantes e falaram sobre o surgimento do grupo e quais eram seus objetivos. Para que os participantes se apresentassem de forma mais interativa foi orientado que escrevessem ao menos cinco coisas sobre si e depois falassem sobre elas para o grupo. Insegurança e ansiedade foram algumas das palavras que surgiram em meio às apresentações e que se relacionavam, de acordo com os participantes, com a universidade.

Cecília escreveu: ansiosa, nervosa, forte e perseverante. Era quase uma cientista da computação, se vê forte e perseverante diante das frustrações ligadas ao curso, pois esperava que a vida mudasse financeiramente. Ansiosa e nervosa, ela disse que não conseguia falar muito em público. Deise, aluna da Psicologia, escreveu acerca de suas transformações, destacando que: “não é a mesma de 10 anos atrás, 5 ou 1 ano”. Ela disse, ainda, que aprendeu a cuidar de si. Já Andrea se descreveu como ansiosa, esforçada, solitária e cheia de desafios. Ela mencionou que estes desafios dizem respeito às dificuldades que a pandemia só agravou, tais como: se cobrar muito, se comparar, além da desmotivação para realizar as atividades da universidade. O último participante, Celso, escreveu que tem sede de saber, é respeitável, amante da música e da natureza, cursa Sociologia e se sente inseguro quanto ao mercado de trabalho.

Este primeiro encontro também possibilitou discussões acerca dos desafios vivenciados na universidade. Cecília contou que é importante fazer o curso que se deseja, ir pelas afinidades, afirmando que a universidade teria muito a oferecer, mas que era preciso não desistir, apesar das dificuldades. Ela também disse que a pesquisa seria uma parte fundamental, assim como a assistência estudantil e as relações sociais dentro da universidade. Celso ressaltou o despreparo de alguns professores, situação esta que gera comentários de concordância dos outros estudantes presentes. Além disso, o estudante destacou a confusão em relação à disponibilidade de informações vinculadas aos programas da universidade, além de o problema da escassez de bolsas de assistência estudantil.

O segundo encontro ocorreu no dia 30 de março, às 18h. Além da Cecília e Andrea, participantes do primeiro encontro, estavam presentes Amélia e Jaime. Utilizamos como disparadores da discussão duas imagens do artista Correia (2021). Apesar de, em um primeiro momento, as discussões acerca das imagens se darem entorno do ser artista e da importância de se ter algo que ajude a expressar aquilo que se sente - escrever, dançar ou desenhar -, aos poucos, as conversas caminharam para a sensação de cansaço e esgotamento diante da realidade de ter que trabalhar o tempo todo isolado, vide a conjuntura da pandemia e a exigência do distanciamento social. Nesse sentido, Cecília e Andrea ressaltaram que a solidão “é como estar preso em si mesmo e esta dói”. Amélia disse que morar só é bom, mas também é necessário que se tenha com quem compartilhar as vivências. Esta angústia se estendia à incerteza frente ao futuro e ao mercado de trabalho, bem como à procura de estágios remunerados e à tão sonhada independência, questões que mesmo antes da pandemia já surgiam. Jaime manifestou que o sentido de independência está vinculado ao financeiro. Toda a discussão foi então direcionada a essas dificuldades ligadas à carreira e à frustração diante de uma carreira que, talvez, não fosse o esperado ou desejado. Durante o encontro, silêncios e algumas câmeras desligadas fizeram parte do momento. Alguns alunos/as, inclusive, saíram da sala virtual. Encerramos as discussões propondo que os próximos encontros fossem voltados para a orientação de carreira.

É importante destacarmos que a COVID-19 se impôs ao nosso tempo feito um espelho, tal como o filósofo sul-coreano Han (2021) anuncia. Um espelho, pois faz com que os sintomas de uma sociedade neoliberalista, que já existiam antes da pandemia, se intensifiquem. Um desses sintomas é o cansaço que nos acompanha até mesmo na suposta inatividade que o distanciamento social nos obriga. Nos tempos de pandemia, nos sentimos mais cansados do que de costume. Nesse viés, o que é peculiar na análise do autor, e que aparece com tamanha nitidez nos encontros do grupo, é: não uma coerção externa, mas um imperativo interno do “dever de produzir” cada vez mais. “Nós nos matamos para nos realizarmos e nos otimizarmos, nos esmagamos à base de ter um bom desempenho e fazer uma boa imagem” (Han, 2021).

Nesses campos de trabalho residenciais o sujeito é seu próprio algoz, ao mesmo tempo prisioneiro e sentinela. Quem fracassa nessa busca interminável de rendimento, o faz por sua própria conta. No grupo, parece imperar a ilusão de que a vida está estagnada e, apesar de haver tantas atividades infindáveis ainda para serem realizadas, não há forças para tal. Todos esses fatos causam esgotamento, afinal, carecemos de rituais com os quais construímos o cotidiano, sendo que apontamos mais a uma desorganização da rotina, esta que não parece existir mais. Daí a importância de se construir outros rituais de trabalho ou estudo, mas também perceber que o tempo digital é outro.

Trabalho e Carreira Profissional

O terceiro encontro do Grupo Travessia foi realizado no dia 06 de abril, às 18h30 e teve a presença de Cecília. A conversa perpassou temas relacionados ao futuro e ao planejamento de carreira. Utilizamos, como instrumento inicial, uma tirinha da Mafalda (Quino, 1993) que evidenciava o planejamento de vida da personagem.

Figura 2 Tirinha da Mafalda retirada do livro Toda Mafalda (Quino, 1993). 

Esta tirinha foi apresentada com o objetivo de gerar uma discussão inicial e para que a participante conseguisse relacionar o tema do encontro com sua vida. Cecília falou que, assim como a personagem da tirinha, tem o hábito de se planejar e, quando as coisas não saem como esperado, há uma tendência a se frustrar. No entanto, as frustrações, de acordo com a participante, ganham uma proporção descabida em sua vida e geram sofrimento. Tal relato abriu espaço para que discutíssemos sobre a forma que esse sofrimento se apresentava e as maneiras buscadas para lidar com ele. A discussão ampliou-se ainda para o trabalhar e estudar simultaneamente, abrangendo as dificuldades decorrentes dessa dupla jornada, bem como o sentido do trabalho na vida da participante e suas escolhas profissionais. Cecília nos relatou que há uma área dentro de sua profissão que mais a agrada, sendo a que almeja, mas que, mesmo com a preferência, enquanto profissional se encontra disposta a trabalhar de acordo com as oportunidades do mercado. Seu interesse pela área vem de experiências pessoais e da forma como se organiza em seu cotidiano, especialmente no que se refere à facilidade em delegar tarefas e resolução de conflitos. Encerramos o encontro discutindo, então, sobre como às vezes se pode reivindicar para si um excesso de responsabilidade acerca das atividades.

Teixeira e Gomes (2004) discutem que as demandas do mercado exigem a responsabilidade, por parte do indivíduo, de desenvolver competências que as atenda, ou seja, o indivíduo é responsável tanto pelo seu sucesso quanto pelo seu fracasso. E assim como discutido por Melo e Borges (2007), tais acontecimentos e exigências podem causar sentimentos de impotência, insegurança e desorganização, evoluindo para um adoecimento, quando não há nenhum tipo de preparo ou apoio ao estudante.

Em vários momentos da trajetória universitária, os jovens reavaliam suas expectativas, reestabelecem objetivos e (alguns sim, outros não) planejam a sua transição. O que está implicado nessa transição, contudo, não é apenas a formação profissional ou a colocação no mercado de trabalho. Trata-se, para muitos, de um movimento mais amplo de independência defronte ao meio familiar e de estabelecimento da vida adulta, movimento este que, para a maioria dos estudantes, iniciou-se na adolescência. Deste modo, eles tiveram, a partir da escolha profissional e da experiência universitária, momentos significativos (Teixeira & Gomes, 2004, p. 48).

Duayer (2012), por meio de um estudo sobre a crítica marxista à ontologia capitalista, nos alerta para a centralidade que o trabalho ganha, traçando características específicas da nossa sociedade. É somente com o advento do capitalismo que o indivíduo se destitui de outras relações sociais, sob a ideia de que ele só pode efetivamente experimentar se for, antes, trabalhador. Somente “nessa sociedade, a existência objetiva dos indivíduos tem por pressuposto a sua existência como trabalhadores” (Duayer, 2012, p. 43).

De forma alienada, os indivíduos se relacionam com o trabalho indiferentemente à sua especificidade enquanto atividade que caracteriza a experiência humana. “E, por isso, racionalmente encaram o seu trabalho e o respectivo produto como pura quantidade” (Duayer, 2012, p. 43). Como meio de subsistência, frente à escolha da carreira, sentem que não podem experimentá-la como manifestação da própria existência. Então, a vida só se inicia onde o trabalho termina.

A partir dos instrumentos dialógicos (Pereira & Sawaia, 2020), em sua maioria, obras de arte e charges, foi possível que os encontros do grupo também se convertessem em um espaço para se problematizar noções alienantes do trabalho, da carreira, da escolha profissional e das possibilidades que daí podem surgir. Brasil et al. (2012) apontam o despreparo e a falta de crítica dos estudantes durante a transição entre o Ensino Superior e o mercado de trabalho. Em suma, uma parcela significativa dos jovens afirmou que suas escolhas sobre carreiras são realizadas sem conhecimento sobre o curso, tornando mais evidentes os ditos "caí de paraquedas no curso”, além de os sentimentos de não pertencimento ao curso e frustração, pois “a vida não mudou nada financeiramente”. Vista como uma sequência linear, a carreira se configura como desconectada das informações que incidem na profissão e nos anseios pessoais.

Longe de estabelecer regras e normas a serem cumpridas e que, assim, poderiam milagrosamente trazer satisfação e a independência desejada, o grupo se propôs a questionar a própria noção de carreira, assim como as possibilidades futuras e os riscos das escolhas. Como nos mostra Soares e Lima-Dias (2012), o planejamento de carreira foi tratado em articulação entre vida pessoal e profissional, para que os participantes do grupo fossem capazes de identificar seus gostos, competências, habilidades e valores.

A realização do grupo no dia 13 de abril de 2021 marcou o último encontro antes do recesso acadêmico da universidade. Neste, estava presente Andrea. Visto que nos encontros anteriores, questões institucionais emergiram nas discussões, a conversa com Andrea caminhou para as possibilidades que permitem o movimento dentro da instituição. De modo mais claro, dialogamos acerca das relações com os professores. Andrea relatou a tendência de nunca questionar os docentes em situações que acredita que estejam errados, optando por “deixar isso passar”. Estendendo a questão, discutimos sobre o distanciamento que pode acontecer na relação entre professor e aluno, influenciando a maneira com a qual enxergamos o/a professor/a. Outro assunto discutido se deu a partir da pergunta: “Por que valeu a pena estar na universidade até hoje?”. Acerca disso, Andrea respondeu que estar na universidade “vale a pena para ela porque é a realização de um sonho pelo qual se esforçou muito para conseguir”. Ela contou sobre seu processo de preparação para o ingresso na universidade, que se deu através de uma jornada de estudos exaustiva. Quando ingressou na universidade, passou por outras dificuldades, como um relacionamento abusivo que atrapalhou seu desempenho nas disciplinas, levando-a a uma reprovação por falta. Nessa situação específica, a estudante diz ter tido o apoio da coordenadora de seu curso. Outro momento importante de sua trajetória acadêmica foi quando conseguiu um emprego que a ajudou a se manter na universidade, constando que ela trabalhava à tarde, ia para as aulas à noite e estudava pela manhã, ou seja, tinha uma rotina exaustiva.

A relação aluno-professor é um tema de ampla discussão, tanto dentro, quanto fora do grupo Travessia. Portanto, precisamos pensar criticamente o ensino bancário (Freire, 2015), em que formar é puramente treinar o educando ao desempenho de destrezas ou simplesmente transmitir o conhecimento. Há uma relação vertical, um anti-diálogo, em que se separam os que sabem e os que não sabem, efeito que é fruto de um contexto histórico e deve ser transformado (Freire, 2015).

Seguindo ao relato em questão, antes que o grupo retomasse suas atividades, outra semana de divulgação foi feita para que pudéssemos alcançar mais participantes. Assim, outros alunos foram chamados a integrarem o grupo, para, então, podermos dar prosseguimento às atividades. No dia 08 de junho de 2021, estiveram presentes no encontro alunas que ainda não haviam participado do grupo, respectivamente dos cursos de Educação do Campo, Enfermagem, Ciências Sociais e Química. O que parece ter chamado a atenção das participantes e que elas apontaram como um facilitador do diálogo neste encontro foi o fato de serem mulheres. Com a apresentação feita por elas, essa questão parece ter ficado evidente. Por exemplo, Teresa trouxe considerações sobre a maternidade e os estudos. Para ela, a maternidade e a graduação foram escolhas tardias, mas que, em sua vida, não fariam sentido, se caso ela as tivesse vivenciado antes, mesmo que tenha havido dificuldades em conciliar estes papéis. Para conseguir “dar conta” disso, ela traçou estratégias: recentemente, a sua filha foi morar com o pai, porque ela passou em um concurso para professora e precisou se dedicar para terminar a graduação e tomar posse do cargo. Nesse encontro, diferentemente dos outros, as participantes interagiram bastante entre si, comentando sobre o que uma e outra relatavam, com as câmeras ligadas.

Vanessa, do curso de Química, colocou que se considera uma pessoa “perdida” e que isso inclui sua relação com o curso, pois há matérias que não a agradam muito, por isso, não sabe se é realmente este curso que deseja realizar. Já Joana, aluna de Enfermagem, expôs um pouco da sua experiência como estudante de um curso em período integral e a implicação disso na falta de tempo para fazer outras atividades prazerosas e, até mesmo, no que tange à organização de afazeres do seu cotidiano doméstico. Outra questão que aparece para Joana é a comparação com os outros colegas que parecem fazer “mil coisas”. Ainda acerca dos diálogos, Marta, estudante do curso de Educação no Campo, disse que pretendia fazer Mestrado, mas que isso ainda não era certo, pois não sabia reconhecer se era uma vontade sua ou apenas influência de sua professora/orientadora. Ela destacou que nunca gostou “apenas de estudar” e que sempre procurou trabalhar, embora, naquele momento, não trabalhasse para se dedicar à vida acadêmica, visto que o trabalho dificultava bastante seu desempenho na universidade.

A questão entorno de “quais caminhos seguir, após a finalização do curso de graduação” também foi dissertada durante os encontros do grupo. Observamos que tentar uma pós-graduação ou ingressar diretamente no mercado de trabalho eram dúvidas que causavam certa angústia nas participantes. No entanto, para algumas, a angústia não está voltada apenas para o futuro, pois se estende, além disso, à vivência da escolha profissional, tendo em vista que os cursos escolhidos não parecem contemplar as expectativas das estudantes. Além disso, estar na universidade, seja de modo remoto ou presencial, fazia com que elas sentissem que não havia tempo para vivenciar outras possibilidades ou até mesmo descansar, isto é: estar na universidade é cansativo e ocupa boa parte do tempo do aluno.

No encontro seguinte, foi apresentado ao grupo outra obra, intitulada Homem olhando o passado e o futuro, debruçado no infinito instante, do artista Correia (2019). O objetivo era que conseguissem olhar para o passado, reconhecendo de que maneira este as guiou até o momento e discorrendo sobre as suas expectativas futuras. Assim, Marta falou de seus planos, que incluíam viajar e morar em outro estado, mas demonstrou certo receio de contar os seus planos aos outros. Em meio às discussões, ela trouxe uma característica pessoal, a de “não saber dizer não aos outros” e de como isso gerava um acúmulo de tarefas para ela. As discussões do grupo centraram-se, então, no estabelecimento de limites entre o espaço individual e o coletivo.

Em outro encontro, o que parece ter guiado as discussões foi a palavra autonomia. A aluna Cecília retornou às atividades do grupo nessa ocasião. Houve a tentativa de definir o que seria a autonomia junto às participantes, no caso, Cecília e Marta. Resumidamente, elas relacionavam a palavra autonomia ao controle e este a uma tentativa de esconder as fragilidades que elas apresentavam. Também foi destacado que a autonomia estava limitada ao contexto vivenciado, pois, como Cecília ressaltou, havia a diferenciação pelo fato de ser mulher em um curso que desvaloriza as mulheres, citando diversas situações em que se sentiu desvalorizada e, consequentemente, anulada dentro do seu curso. Na linha do conceito de autonomia, Marta disse não saber até onde esta existe, tendo em vista que “na universidade temos a autonomia de escolher que disciplina cursar, mas não podemos escolher o que estudar”. Ademais, ainda há o controle de frequência e de notas, por exemplo.

No encontro seguinte, participaram Cecília, Andrea e Teresa. Voltamos à questão da autonomia, indagando se haveria ou não consequências que as participantes atribuíssem a ela. Então, Andrea falou que se considerava uma pessoa com autonomia, mas que não via vantagens em tê-la, enquanto Tereza pontuou que autonomia, para ela, era poder fazer suas próprias escolhas, e parecia estar um pouco ligada ao dinheiro, mas não a ganhar muito dinheiro, somente ter o suficiente para ela e a filha viverem.

Observamos que a escolha de um curso de graduação, o ingresso na universidade e, para algumas, morar só, são pontos que, apesar de despercebidos por algumas, ligam-se à autonomia. Essa palavra ressoou em alguns encontros e trouxe muitas reflexões, motivando o grupo a pensar em seu significado e, acima de tudo, como o vivenciavam em suas vidas. Logo, autonomia, para elas, é poder fazer as próprias escolhas, o que é limitado em determinados espaços, como a universidade. Nesse local, onde passam e dedicam boa parte do tempo, as estudantes relataram encontrar certas limitações, ligadas até mesmo ao gênero. Outra participante, por outro lado, acreditava ser uma pessoa autônoma e não via vantagens nisso, afinal, enquanto a maioria parecia não perceber as consequências que a autonomia podia trazer, a participante dizia que nisso só via coisas relacionadas ao “ser adulta”.

Dos encontros que se seguiram, muitas questões foram levantadas, colocando a universidade como algo que atravessa pessoas de muitas maneiras, constando que o grupo fez com que parte desses atravessamentos viesse à tona. No penúltimo encontro, em que estiveram presentes duas participantes, foi proposta uma atividade a qual chamamos Eu, armário de mim. Nela, as participantes deveriam fazer um armário de papel e escrever dentro dele sentimentos, sensações, angústias e sofrimentos que guardavam para si. Após esse momento, de reflexão e escrita, deveriam abrir as portas desse armário e falar sobre o que guardavam. Uma das participantes disse que tinha dificuldades para realizar essa atividade, visto que falar sobre si era algo difícil e que ela preferia guardar para si. Em meio a vontades, desejos, planos e medos trazidos, elas encontraram em comum a crença de que o esforço faria com que realizassem o que quisessem.

Isso fez com que fosse discutido, no último encontro, como as crenças alienantes e individualizantes poderiam ser pautadas em idealizações, causando o efeito de contínuas frustrações dentro e fora do mercado de trabalho. Partindo à universidade, uma das participantes disse que o motivo de não estar “dando conta” de suas tarefas era sua falta de organização e, à medida que se organizasse, isso fluiria melhor. Novamente, seguimos a uma discussão sobre atribuirmos motivos internos para situações que, talvez, sejam institucionais e que nem sempre temos como controlar. Esclarecemos que essa reflexão não as impede de se organizarem ou de se planejarem, inclusive, o planejamento, a partir de uma realidade concreta, é muito importante para que aconteçam movimentos em suas vidas, seja para o mercado de trabalho ou caminhos que decidam seguir.

Destarte, esse último encontro propiciou também um momento para que as participantes pudessem fazer uma avaliação de seus movimentos dentro do grupo e da maneira como o grupo foi coordenado. Apesar da finalização do grupo pela dupla de estagiárias que o coordenou, foi levantada a possibilidade de continuidade das ações entre o Estágio em Psicologia da Universidade Federal de Catalão (UFCAT) e o Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP) durante um próximo período letivo. De qualquer forma, foi disponibilizado o contato da clínica-escola, que também oferece atendimentos psicológicos individuais e em grupo a toda a comunidade.

Considerações Finais

A relação com as tecnologias de comunicação não são desafios fadados apenas ao profissional da Psicologia, mas também para aquele que é escutado. O indivíduo é convidado a falar sobre suas angústias frente à tela de um computador, celular ou tablet. O setting terapêutico virou sua própria casa e nem sempre esta oferece as condições de privacidade que o indivíduo necessita. Outro fator que deve ser levado em conta é que a pandemia COVID-19 agravou alguns adoecimentos e provocou outros, decorrentes, na maior parte das vezes, do isolamento social, acúmulo de atividades, trabalhos e estudos remotos simultaneamente à piora da situação financeira. Portanto, é preciso que o profissional esteja atento a todo esse arsenal de transformações no momento do acolhimento.

A mediação da escuta pelas telas tornou-se uma grande questão ao longo da trajetória de formação dos grupos. A escuta qualificada não se traduz como uma mera habilidade individual ou simplesmente tecnicista, além de permitir o silêncio e uma atitude ativa, em que se escuta com o corpo, como salienta Pereira e Sawaia (2020). Assim, “[...] é preciso que o corpo esteja imóvel, mas que ele demonstre de alguma forma que acompanha quem fala, que seu corpo é instrumento de escuta” (Pereira & Sawaia, 2020, p. 104). Mas que corpo é este na escuta por meio remoto? É um corpo distinto que se viabiliza na ética da escuta ao indicar a importância de uma atenção dirigida ao conteúdo do que se fala. A participação dos estudantes no grupo, por vezes, ocorria somente por voz, com câmeras desligadas. Um dos fatos que explicam isso é que o meio remoto exige que coloquemos em exposição a nossa casa, nossos familiares ou pessoas com quem convivemos, como vem acontecendo em muitos momentos, o que pode causar desconforto.

Durante o caminhar do grupo, esbarramos em desafios que não eram referentes a questões metodológicas. Como, por exemplo, falar a um outro que não permite que possamos vê-lo? Como lidar com a atenção compartilhada de alguém que pode estar virtualmente em diversas páginas simultaneamente? Ou, até mesmo, como lidar com a queda de conexão durante o momento que aquela pessoa relata algo que é íntimo a ela sem parecer falta de cuidado? Todos esses foram questionamentos que emergiram da realização dos encontros e que, até a sua finalização, não conseguimos responder, suscitando diversas discussões e reflexões durante as supervisões de estágio.

A organização da proposta do grupo junto aos representantes estudantis foi uma etapa crucial para a estruturação do nosso trabalho e para que conseguíssemos propor ações. Foi através dela que fomos chamadas a propor um espaço de escuta e acolhimento para estudantes universitários que não conseguem encontrar muitos espaços como esse dentro da universidade. Ao propormos um grupo de acolhimento para estudantes em processo de finalização do curso de graduação, o objetivo foi oferecer justamente um espaço de escuta para que os estudantes conseguissem falar sobre suas angústias e pudessem, sobretudo, ser ouvidos.

Assim, os estudantes puderam, por diversas vezes, enxergar, no outro, possibilidades de enfrentamento para questões que antes tinham como apenas suas e que acreditavam vivenciar sozinhos, enfatizando que o grupo possibilitou que eles pudessem se movimentar em relação à sua travessia para a vida após a graduação, refletindo sobre os caminhos possíveis diante do concreto e, também, ao falarem sobre suas angústias.

Desta forma, buscamos explicitar, ao longo da prática e da escrita deste texto, o escutar com Pereira e Sawaia (2020), isto é, sentir com o outro, pensar com o outro, disponibilizar-se ao encontro com o outro. Somente assim é possível estabelecermos a continuidade do diálogo, acolhendo o sofrimento e tornando visível a potência do próprio encontro.

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Recebido: 12 de Setembro de 2021; Revisado: 09 de Junho de 2022; Aceito: 14 de Junho de 2022

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