O investimento na implementação de programas de prevenção e promoção da saúde mental no período da infância e adolescência busca preencher a lacuna existente entre a demanda e a disponibilidade de recursos (Matos et al., 2018). Assim, com o intuito de aumentar fatores protetivos, atenuar sintomas de psicopatologias e prevenir o surgimento de novos problemas, intervenções preventivas são consideradas necessárias especialmente no contexto nacional (Abreu et al., 2016; Matos et al., 2018).
O ambiente escolar pode oferecer um espaço favorável para o desenvolvimento da saúde mental dos alunos, através de programas preventivos que oferecem uma alternativa para os tratamentos tradicionais (Faria & Rodrigues, 2020; Gigantesco et al., 2015; Guzzo, 2016). Há uma tendência crescente de realizar programas com o objetivo de promover resultados positivos e prevenir comportamentos problemáticos no público infanto-juvenil em ambientes educacionais. Isso reafirma a relevância da prevenção e do desenvolvimento de fatores protetivos na atenção primária (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning [CASEL], 2015; Moharreri & Yazdi, 2017).
Uma recente revisão da literatura avaliou as características e efeitos de programas de educação socioemocional realizados em escolas. Os resultados, referentes aos 17 artigos incluídos, indicam que a maior parte dos programas foi destinada a crianças com idade entre 7 e 11 anos, aplicados por professores e apontando para melhoras de sintomas emocionais e problemas de conduta, assim como níveis de regulação emocional das crianças. Ao mesmo tempo que foram encontrados resultados promissores, os autores indicam a necessidade da ampliação das pesquisas empíricas com programas para crianças na escola, especialmente no contexto brasileiro para que se possa contribuir social e cientificamente (Motta & Romani, 2019).
Nessa perspectiva, o presente trabalho se baseou na implementação e avaliação de um protocolo preventivo no ambiente escolar, denominado Trabalho de Regulação Infantil (TRIP-P). Esse programa é a modalidade preventiva do protocolo da Terapia de Regulação Infantil (TRI), que foi desenvolvido no Brasil e destina-se ao público infanto-juvenil de 7 a 12 anos de idade (Caminha et al., 2017b). Inicialmente, o protocolo foi desenvolvido na modalidade clínica para o tratamento dos Transtornos de Ansiedade e Transtorno Depressivo. Entretanto, após resultados de pesquisas apontarem redução significativa de sintomas de ansiedade e depressão em crianças (Medeiros, 2015), os autores criaram a modalidade preventiva.
O TRI-P é destinado à prevenção universal de problemas relacionados a quadros clínicos e a promoção de competências socioemocionais. A competência socioemocional (CASEL, 2015) inclui dois enfoques: o desenvolvimento de habilidades sociais, que se refere às condutas adaptativas do indivíduo e a capacidade de regulação emocional que diz respeito ao manejo diante da ativação de uma emoção. Assim, o TRI-P busca desenvolver a capacidade de articular sentimentos, pensamentos e comportamentos nas crianças.
Os autores do protocolo optaram por usar o termo trabalho e não terapia, visto que a intervenção não opera apenas no enfoque clínico. Esse protocolo é implementado no ambiente escolar, em formato grupal, em doze encontros semanais e semiestruturados, de aproximadamente uma hora e trinta minutos cada. A estrutura do protocolo é fundamentada nos conteúdos básicos da Terapia Cognitivo-comportamental (TCC) relacionados às emoções, pensamentos e comportamentos em três etapas que formam um acrônimo TRI. São elas: etapa T, que indica o trabalho com as emoções, etapa R remetendo-se à reciclagem dos pensamentos e etapa I que se refere à inovação dos comportamentos. A organização de cada encontro do programa TRI-P tem o intuito de trabalhar habilidades socioemocionais, que são consideradas fatores de proteção para o não desenvolvimento ou agravamento de problemas relacionados aos transtornos mentais (Caminha et al., 2017b).
O TRI-P possui uma sequência básica e objetivos específicos a serem alcançados em relação ao conteúdo abordado. Na etapa T há sete encontros organizados da seguinte forma: 1° encontro: apresentação do programa, dos participantes, do coordenador e assistente, combinações e regras do grupo. A partir do segundo encontro, inicia-se a etapa T: 2° encontro: psicoeducação sobre o que são emoções, quais são agradáveis (alegria e amor) e desagradáveis (tristeza, raiva, medo, nojo) de sentir, identificação de situações em que vivenciaram cada emoção e introdução da metáfora da onda, a qual diz respeito à psicoeducação de que as emoções podem ser compreendidas como ondas do mar que vão e vem e podem balançar o barco, que faz alusão à criança; 3° encontro: reconhecimento da expressão facial de cada emoção, apresentação de emoções secundárias (ansiedade, saudades, vergonha, etc.); 4° encontro: identificação da emoção no corpo através da percepção de sintomas fisiológicos; 5° encontro: treinamento da empatia através de exercícios de imitação e adivinhação; 6° encontro: identificação de atitudes e comportamentos assertivos para alcançar o bem-estar, introdução do treino de posições de relaxamento e mindfulness; 7° encontro: exercícios de respiração para relaxamento.
A partir do oitavo encontro se inicia a etapa R, composta por três encontros, os quais são: 8° encontro: introdução da etapa dos pensamentos, compreensão dos pensamentos e relação com emoções, explicação da metáfora da reciclagem que refere-se à possibilidade de flexibilizar pensamentos relacionados às emoções desagradáveis; 9° encontro: aplicação do exercício da máquina da reciclagem para pensamentos disfuncionais; 10° encontro: explicação da metáfora dos fogos de artifício que indica a importância da criança espalhar e multiplicar pensamentos advindos de emoções agradáveis.
Os últimos dois encontros compõem a etapa R: 11° encontro: introdução da última etapa do protocolo, apresentação da metáfora do bumerangue que faz alusão ao olhar cuidadoso frente aos comportamentos que lançamos ao mundo, tendo em vista que podem voltar para nós do mesmo jeito que foram lançados, e importância do respeito; 12° encontro: trabalho de habilidades sociais através de cenas comportamentais de comportamentos assertivos e seus opostos e fechamento dos encontros retomando os conteúdos trabalhados durante o programa.
A partir do exposto, este estudo objetivou avaliar os efeitos do protocolo Trabalho de Regulação Infantil (TRI-P) nas competências socioemocionais e problemas de comportamento, assim como nos escores da sintomatologia ansiosa e depressiva em crianças com idade entre 7 e 9 anos. Essa pesquisa foi realizada em escolas de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, Brasil.
Método
Este estudo teve delineamento de base quasi-experimental. Comparou-se o grupo experimental, que recebeu a intervenção do protocolo TRI-P, com o grupo controle do tipo lista de espera, em relação aos níveis de habilidades sociais, problemas de comportamento e regulação emocional, assim como nos escores dos sintomas dos Transtornos de Ansiedade e Transtorno Depressivo, antes e após a intervenção. Também foram avaliados os resultados intra grupo nas mesmas variáveis.
Participantes
Participaram do estudo 39 crianças com idade entre 7 a 9 anos, do sexo masculino e feminino. Como critério de inclusão as crianças deveriam estar devidamente matriculadas em escolas particulares e públicas de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, Brasil e ter o consentimento assinado por um dos responsáveis.
Instrumentos
Criou-se um questionário para coletar dados de identificação da criança e responsáveis. As informações sociodemográficas foram coletadas a partir do Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB). Esse instrumento levanta características domiciliares para diferenciar a população em estratos de classificação econômica: A, B, C, D e E. (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP], 2018).
Para avaliar a sintomatologia depressiva em crianças, a partir de auto relato, utilizou-se o Children Depression Inventory (CDI) (Kovacs, 1983). É constituído por 27 itens e cada item contém três opções de escolha que a criança deve marcar a sentença que melhor a descreve, refletindo a presença e severidade de sintomas depressivos específicos nas últimas 2 semanas. A pontuação total varia de 0 a 54 e pontuações mais altas indicam sintomatologia depressiva mais grave. Foi traduzido e validado no Brasil por Gouveia e colaboradores em 1995. Em um estudo de que objetivou avaliar as propriedades psicométricas do CDI em uma amostra do sul do Brasil encontrou-se alta consistência interna (
A Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders (SCARED) (Birmaher et al., 1997) foi utilizada para avaliar os sintomas de ansiedade nas crianças. A escala contém 41 itens com três opções de resposta (0= nunca; 1=algumas vezes; 2= frequentemente) e o participante deve marcar qual resposta melhor o descreve nos últimos 3 meses. As pontuações variam de 0 a 82 e as pontuações mais altas refletem níveis mais altos da ansiedade. No estudo de adaptação e validação encontrou-se consistência interna de 0,82 (Barbosa et al., 2002).
A avaliação de habilidades sociais e comportamentos problemáticos foi realizada através do Social Skills Rating System (SSRS) (Gresham & Elliot, 1990). A escala preenchida pelas crianças possui 20 itens, os quais são respondidos de acordo com a frequência dos comportamentos. Já a escala dirigida aos pais/responsáveis possui duas medidas: uma que avalia habilidades sociais e outra medida avalia os comportamentos problemáticos, ambas são respondidas em relação à frequência de ocorrência. As respostas das escalas são organizadas em escala Likert (0=nunca, 1=algumas vezes, 2=muito frequente). Esse inventário foi traduzido para o Brasil (Del Prette & Del Prette, 2003) e é denominado Inventário de Habilidades Sociais, Problemas de Comportamento e Competência Acadêmica para crianças (SSRS). As escalas de avaliação de habilidades sociais obtiveram as seguintes consistências internas: 0,78 para a versão das crianças e 0,86 para a versão dos pais/responsáveis. Já a escala de avaliação dos comportamentos problemáticos, os valores de alfa de Cronbach foi de 0,83 (Bandeira et al., 2009).
O nível de regulação emocional foi mensurado pela escala Emotional Regulation Checklist (ERC) (Shields & Cicchetti, 1995), que deve ser preenchida pelos responsáveis da criança. A ERC possui duas subescalas: a Regulação Emocional (RE) é avaliada a partir de nove itens e a subescala Labilidade/Negatividade Emocional (L/N) consiste em quinze itens. O instrumento contém 24 itens, medidos através de uma escala do tipo Likert de quatro pontos (1=nunca; 2=algumas vezes; 3=frequentemente; 4=quase sempre). Escores mais altos indicam maior regulação emocional e menor desregulação emocional. Foi traduzida, adaptada e validada em 2016 para português brasileiro por Reis e colaboradores, apresentando consistência interna adequada (L/N α = 0,96; RE α = 0,83) (Reis et al., 2016).
Procedimentos
O presente estudo faz parte de um projeto maior que visa avaliar a efetividade da Terapia de Regulação Infantil, o qual está com parecer favorável pelo comitê de ética da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, CAAE n. 40658214.6.0000.5336. Este estudo seguiu as diretrizes e normas vigentes regulamentadoras sobre pesquisas envolvendo seres humanos da Resolução N° 466/12 e sobre a utilização de dados coletados em pesquisa da Resolução N° 510/16 do Conselho Nacional de Saúde. O contato com as crianças deu-se somente após os responsáveis realizarem a leitura, compreensão e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis.
Contatou-se escolas da região e, naquelas em que a direção autorizou a pesquisa, realizou-se um encontro com a coordenação para que houvesse o encaminhamento do contato dos pais com filhos de idade entre 7 e 9 anos. Assim, os responsáveis das crianças foram contatados via ligação telefônica. Os participantes foram recrutados por conveniência, ou seja, incluiu-se nas avaliações e grupos, aqueles que apresentaram interesse em participar. Assim, os responsáveis interessados preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o questionário de dados sócio-demográficos e as escalas Emotional Regulation Checklist (ERC) e Social Skills Rating System (SSRS) - Versão Pais.
As crianças que tiveram o TCLE assinado pelos pais também consentiram com o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido e, após, foram avaliadas no momento pré-intervenção com os instrumentos: Social Skills Rating System (SSRS) - Versão Criança, Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders (SCARED) e Children DepressionInventory (CDI). As avaliações foram conduzidas de forma grupal por uma graduanda em Psicologia que foi treinada para a aplicação dos instrumentos.
Após essa avaliação, as crianças foram divididas de maneira não aleatória no grupo experimental (GE) e grupo controle do tipo lista de espera (GC). A distribuição aleatória ocorreu devido à organização curricular das escolas, em que em uma acordou-se com a direção que a intervenção seria realizada com os alunos do turno integral e em outra com uma turma já formada, sem prejudicar o calendário curricular. O GC foi composto por crianças que não receberam a intervenção no primeiro momento, entretanto foram chamadas após o término da intervenção com o GE. Já no GE participaram as crianças que foram submetidas ao programa logo após a avaliação.
A intervenção ocorreu em uma sala de aula disponibilizada em cada escola. Os encontros foram semanais, com duração de 1 hora cada. Na escola pública, os grupos ocorreram no período curricular. Já na escola particular, os encontros ocorreram durante o turno inverso. Os grupos foram dirigidos por uma psicóloga e uma estudante de Psicologia, ambas treinadas para aplicar o protocolo TRI-P.
Após o término dos encontros com o GE, todas as crianças foram reavaliadas, ou seja, as crianças do GE e do GC. Novamente, as avaliações das crianças foram conduzidas de forma grupal com os instrumentos: SSRS - Versão crianças, SCARED e CDI. E os pais preencheram em casa as escalas SSRS - Versão pais e a ERC. O período entre a avaliação inicial e a avaliação pós foi de, aproximadamente, três meses.
Análise de Dados
A apresentação dos resultados ocorreu pela estatística descritiva - distribuição absoluta e relativa (n - %). O estudo da distribuição de dados ocorreu pelo teste de Kolmogorov Smirnov. A comparação das variáveis categóricas entre os dois grupos ocorreu pelos testes Qui quadrado de Pearson e Exato de Fisher. Na análise que envolveu as variáveis contínuas na comparação entre dois grupos independentes e entre as avaliações para amostra dependente foi empregado o teste t-Student.
A avaliação do impacto da intervenção observado nas medidas ao final do estudo (avaliação Pós) foi calculada através da estimativa do tamanho do efeito, através do d de Cohen, com o seguinte critério de classificação: < |0,199| = efeito insignificante; |0,20-0,49| = efeito pequeno; |0,50 - 0,79| = efeito médio; |0,80 - 1,29| = efeito grande e >|1,30| = efeito muito grande (Cohen, 1988). Os dados foram analisados no programaStatistical Package for Social Sciences versão 24.0, sendo que, para critérios de decisão estatística adotou-se o nível de significância de 5%.
Resultados
O total de participantes foi de 45 crianças, entretanto 6 crianças foram excluídas das análises em virtude de não terem entregue a avaliação pós intervenção. Dentre essas seis crianças, 3 eram do grupo controle (GC) e 3 eram do grupo experimental (GE). Assim, esse estudo totalizou 39 participantes, com idade média de 8,2 (±0,7), divididos entre dois grupos independentes, sendo 22 (56,4%) no GE e 17 (43,6%) no GC. Os resultados descritivos podem ser observados na Tabela 1.
Variáveis | Grupo | ||||
---|---|---|---|---|---|
GE (n=22) | GC (n=17) | P | |||
n | % | n | % | ||
Escola | 0,921 | ||||
Pública | 12 | 54,5 | 9 | 52,9 | |
Privada | 10 | 45,5 | 8 | 47,1 | |
Gênero | 0,140 | ||||
Masculino | 9 | 40,9 | 11 | 64,7 | |
Feminino | 13 | 59,1 | 6 | 35,3 | |
Idade (anos) | 0,646 | ||||
Média±Desvio padrão | 8,2±0,8 | 8,3±0,7 | |||
Escolaridade da Criança (ano) | 0,662 | ||||
2 ano | 5 | 22,7 | 2 | 11,8 | |
3 ano | 13 | 59,1 | 11 | 64,7 | |
4 ano | 4 | 18,2 | 4 | 23.5 |
Sobre a comparação dos dados sócio demográficos da criança com os grupos, foi identificado que não houve diferença estatisticamente significativa em relação ao sexo (p=0,140); idade (p=0,646); escolaridade da criança (p=0,662), escolaridade da mãe (p=0,948); escolaridade do pai (p =0,434); número de irmãos (p=0,096) e união dos pais (p=0,819). Esses resultados indicam que os grupos são estatisticamente semelhantes em relação a essas variáveis.
Nas informações referentes aos pais, tanto no GE quanto no GC a maior parte dos pais estão casados [GE: 68,2% (n=15) vs. GC: 64,7% (n=11)]. Na classificação econômica a maior frequência do GE se concentrou na classe B1, 36,4% (n=8), e no GC a classe B2, 41,2% (n=7). Em ambos grupos, a maioria das crianças não realiza acompanhamento psicoterápico [GE: 95,5% (n=21) vs. GC: 88,2% (n=15)]. Em relação às atividades extraclasse, a maior parte do GE realiza algum tipo de atividade (59,1%, n=13). Já o GC a maioria das crianças não realiza atividades extras (52,9%, n=9), entretanto esse resultado não foi estatisticamente diferente entre os grupos (p=0,455). Tanto no GE quanto no GC os cuidadores apontaram não haver histórico de doença psiquiátrica na família [GE: 72,7% (n=16) vs GC: 82,4% (n=14)].
Os resultados da escala SSRS podem ser conferidos na Tabela 2. Detectou-se resultados significativos na dimensão Habilidades Sociais - Versão Pais (VP), na análise que envolveu a comparação intragrupo, indicando aumento significativo da média de 34,5% na avaliação Pós do GE. No GC também houve aumento da média na avaliação Pós, entretanto não foi um resultado estatisticamente significativo.
Na dimensão Habilidades Sociais - Versão Crianças (VC) houve um aumento significativo de 65,7% na média da avaliação Pós, no GE. Em contrapartida, houve redução significativa das medidas na avaliação Pós no GC, apresentando uma diferença de 37,2% entre a avaliação Pré e Pós.
Na dimensão Problemas de Comportamento, os resultados apontaram redução na média da avaliação Pós, tanto no GE quanto no GC. Entretanto, no GE a redução foi estatisticamente significativa (p=0,013).
Escala SSRS | Grupo | |||
---|---|---|---|---|
GE (n=22) | GC (n=17) | |||
Média | Desvio Padrão | Média | Desvio Padrão | |
Habilidades Sociais (VP) Pré | 43,31 | 25,61 | 50,37 | 34,81 |
Habilidades Sociais (VP) Pós | 58,27 | 24,87 | 52,37 | 31,56 |
p Ŧ | 0,001* | 0,728 | ||
∆% (pós-pré) | 34,5% | 3,9% | ||
d de Cohen | -0,83 | -0,08 | ||
Habilidades Sociais (VC) Pré | 35,59 | 30,61 | 55,50 | 33,59 |
Habilidades Sociais (VC) Pós | 59,00 | 29,29 | 34,81 | 23,64 |
p Ŧ | 0,002* | 0,019* | ||
∆% (pós-pré) | 65,7% | -37,2% | ||
d de Cohen | -0,74 | 0,65 | ||
Problemas de comportamento Pré | 55,22 | 30,52 | 49,25 | 30,87 |
Problemas de comportamento Pós | 37,09 | 30,15 | 47,56 | 28,87 |
p Ŧ | 0,013* | 0,743 | ||
∆% (pós-pré) | -32,8% | -3,4% | ||
d de Cohen | 0,58 | 0,08 |
Nota. GE: Grupo experimental; GC: Grupo controle; Ŧ:Comparação Intragrupo; ∆%: Diferença relativa entre as avaliações Pós-Pre. d de Cohen: Estimativa do tamanho de efeito; *Diferença estatisticamente significativa
Os escores da SSRS foram comparados entre grupos. Observou-se resultados significativos apenas na auto avaliação das crianças, ou seja, ao comparar os dados entre o GE e GC da avaliação Pré e Pós percebe-se que houve diferença significativa entre os grupos nos dois tempos (Pré: p=0,044 vs. Pós: p=0,010). Isso indica que o GC iniciou com nível mais elevado na média de habilidades sociais e houve redução na avaliação Pós, enquanto que no GE, embora tenha iniciado com menor média de habilidades sociais, houve aumento na média da avaliação Pós.
Considerou-se a análise complementar da estimativa do tamanho de efeito da intervenção, no GE. Destaca-se a dimensão Habilidades Sociais (Versão Pais) em que o efeito foi classificado como grande, em Habilidades Sociais (Versão Crianças) foi médio e em Problemas de Comportamento o tamanho de efeito foi médio.
A análise dos resultados da escala ERC intragrupo pode ser observada na Tabela 3. Percebeu-se resultado significativo na subescala L/N no GE (p=0,006) em que encontrou-se uma diferença de 13,3% entre a média Pré e Pós. Esse resultado, classificou-se com tamanho de efeito médio. No GC a variação entre as duas médias não foi significativa. Vale ressaltar que, diferentemente do GE, no GC houve um aumento de 4,0% na média da avaliação Pós.
A análise que envolveu a subescala RE mostrou grande efeito da intervenção no aumento significativo de 9,0% na média da avaliação Pós no GE em comparação aos dados basais. De maneira oposta, no GC quando comparados os dados iniciais com os finais houve uma redução da média.
Em relação a análise entre grupos, não houve diferenças significativas entre as médias dos dois grupos nas duas avaliações na subescala L/N. Na análise da subescala RE, houve diferença significativa entre os grupos na avaliação Pós da subescala RE (p=0,011). Esse resultado indica que o GE finalizou a intervenção com média mais elevada, indicando maiores níveis de regulação emocional, quando comparado ao GC.
Escala ERC | Grupo | |||
---|---|---|---|---|
GE (n=22) | GC (n=17) | |||
Média | Desvio Padrão | Média | Desvio Padrão | |
Subescala L/N Pré | 27,73 | 4,98 | 26,00 | 6,90 |
Subescala L/N Pós | 24,04 | 5,10 | 27,06 | 6,23 |
p Ŧ | 0,006* | 0,331 | ||
∆% (pós-pré) | -13,3% | 4,0% | ||
d de Cohen | 0,64 | -0,25 | ||
Subescala RE Pré | 31,27 | 3,41 | 30,88 | 4,41 |
Subescala RE Pós | 34,09 | 3,23 | 29,87 | 5,40 |
p Ŧ | 0,000* | 0,274 | ||
∆% (pós-pré) | 9,0% | -3,2% | ||
d de Cohen | -0,99 | 0,28 |
Nota. GE: Grupo experimental; GC: Grupo controle; Ŧ:Comparação Intragrupo; ∆%: Diferença relativa entre as avaliações Pós-Pre. d de Cohen: Estimativa do tamanho de efeito; * Diferença estatisticamente significativa
Os dados referentes às escalas SCARED e CDI podem ser conferidos na figura 1. Na análise intragrupo do GE, houve diminuição significativa (p≤0,005), em ambas escalas. Na SCARED, a média da avaliação Pós reduziu em 27,9% em comparação aos dados basais [Pré: 38,86±8,87 vs. Pós: 28,00±8,02], com tamanho de efeito muito grande (d Cohen = 1,51). No CDI, a redução foi de 40% entre as avaliações, com tamanho de efeito grande (d Cohen = 0,89) [Pré: 11,18±6,48 vs. Pós: 6,68±3,82].
Em contrapartida, no GC a média final aumentou nas duas escalas [SCARED: Pré: 28,75±15,36 vs. Pós: 30,88±15,68; CDI: Pré: 9,63±8,83 vs. Pós: 10,63±8,44, p=0,479]. Na comparação entre GE e GC, não houve diferenças significativas entre as médias dos dois grupos nas duas avaliações na escala CDI. Já na SCARED os grupos iniciaram com médias estatisticamente diferentes (p=0,014), sendo que o GE apontou maior média na avaliação Pré. Já a avaliação Pós não houve diferenças significativas entre os grupos.
Discussão
Os resultados encontrados vão ao encontro de outros estudos de programas de intervenção que trabalham com desenvolvimento socioemocional e também apresentam evidências de aumento de comportamentos positivos e diminuição de problemas nos relacionamentos interpessoais (Nix et al., 2016; Pavoski et al., 2018), como ocorreu no GE. Conforme referido, o protocolo TRI-P busca desenvolver competências sociais e, consequentemente, reduzir comportamentos problemáticos através de atividades que envolvem dramatizações de comportamentos assertivos, treino de empatia e respeito entre pares. Dessa forma, os resultados da SSRS podem sugerir que o TRI-P, ao trabalhar com o desenvolvimento de habilidades sociais, mostrou-se eficaz para a elevação no repertório comportamental influenciando no aumento significativo da média com tamanho de efeito grande e médio, na subescala habilidades sociais versão pais e crianças, respectivamente, e efeito médio na redução dos níveis de problemas de comportamento.
Evidenciou-se diferença significativa entre os grupos na média de habilidades sociais antes e após a intervenção, na autoavaliação das crianças. Diferentemente do GE, os participantes do GC apresentaram redução da média de habilidades sociais. Isso pode denotar que as crianças não submetidas à intervenção se percebem com escassez de recursos frente aos problemas de relacionamentos interpessoais. Assim, a avaliação negativa das crianças do GC, no que diz respeito às habilidades sociais, na avaliação pós, pode revelar uma percepção de pobre repertório de comportamentos e estratégias saudáveis nas relações com os pares. Esse resultado reforça que as crianças que participaram da intervenção podem ter desenvolvido maiores recursos comportamentais quando comparadas às do GC.
Sabe-se que habilidades sociais são consideradas fatores de proteção para saúde mental e a presença de problemas comportamentais é fator de risco para uma série de psicopatologias (Batista & Marturano, 2015; Leal et al., 2018). Nesse sentido, pode-se pensar que o aumento de competências sociais e a redução de comportamentos problemáticos pode indicar que o TRI-P auxilia na promoção da saúde mental das crianças.
Frente aos resultados encontrados na escala ERC, pode-se hipotetizar que as sessões de educação emocional podem ter sido fundamentais para o aumento significativo nos níveis de regulação emocional e diminuição de labilidade emocional das crianças do GE, com tamanho de efeito grande e médio, respectivamente. O TRI-P tem como objetivo ampliar a consciência dos estados emocionais, auxiliar no manejo e expressividade emocional e na adequação de respostas emocionais assertivas, assim, pode-se pensar que, diferentemente do GC, os encontros permitiram às crianças maior conhecimento da ativação emocional e busca por manejos assertivos. Isso pode justificar a diferença significativa na avaliação final da subescala RE, em que o GE apresentou aumento na média, enquanto que o GC diminuiu os níveis de RE. Pode-se pensar que a intervenção permitiu às crianças do GE maior autoconhecimento e, assim, maior consciência do seu estado emocional em diversas situações.
Esse resultado vai ao encontro de uma meta-análise que observou que os programas que focam no desenvolvimento de habilidades socioemocionais têm efeito ligeiramente maior do que os programas que não trabalham essa temática (Korpershoek et al., 2014). Ou seja, as crianças submetidas a programas de educação socioemocional tendem a se beneficiar com o aprimoramento dessas habilidades, se comparadas com crianças não submetidas a um programa ou submetidas a programas sem esse componente (Faria & Rodrigues, 2020; Korpershoek et al., 2014; Nix et al., 2016).
Sabe-se que o processo de compreensão e regulação emocional está diretamente relacionado à capacidade do indivíduo de experienciar e expressar emoções de maneira assertiva, influenciando positivamente no funcionamento interpessoal (Caminha, 2019). Assim, poderia-se inferir que o trabalho de regulação emocional influenciou no aumento de comportamentos positivos entre os pares, indicando maior habilidade social. Entretanto, embora ambas subescalas (RE e Habilidades Sociais) tenham aumentado a média na avaliação pós, ao realizar análises de correlação entre essas variáveis, não foi observada correlação positiva entre as variações dos escores.
Os resultados das escalas SSRS e ERC apontam para o aumento de habilidades sociais e emocionais dos participantes do GE. Pesquisas que avaliaram os efeitos de programas que trabalham educação socioemocional em escolas encontraram melhora do desempenho acadêmico, aumento de reconhecimento das emoções, comportamento social positivo e redução de problemas de conduta e do sofrimento emocional das crianças submetidas às intervenções (Domitrovich et al., 2017; Nix et al., 2016). Assim, de acordo com a literatura, compreende-se que esses resultados reforçam a possibilidade de intervir na escola para promoção de saúde (Faria & Rodrigues, 2020).
Além do exposto, como efeito do protocolo TRI-P, percebe-se aumento de habilidades sociais e emocionais e redução da sintomatologia relacionada aos Transtornos de Ansiedade e Depressão. Esses resultados podem estar indicando que o protocolo TRI-P ao focar no desenvolvimento de regulação e validação emocional e no aprimoramento de habilidades sociais teve impacto de tamanho grande na redução dos sintomas clínicos do GE.
As dificuldades no funcionamento pessoal e interpessoal relacionadas aos sintomas de depressão e ansiedade foram trabalhadas no TRI-P a partir da identificação e expressão assertiva das emoções, crenças relacionadas e busca por comportamentos assertivos. Assim, hipotetiza-se que a estrutura do programa auxiliou na psicoeducação do modelo cognitivo, que envolve o trabalho com emoções, pensamentos e comportamentos e isso pode ter contribuído para a redução da sintomatologia no GE.
Apesar de resultados satisfatórios, essa pesquisa apresenta algumas limitações. Destaca-se que esses resultados dizem respeito à amostra em questão e, por isso, não podem ser generalizados para todas as crianças. Além disso, esse estudo não incluiu avaliação de acompanhamento a longo prazo. Sugere-se que novos estudos com métodos experimentais e randomizados sejam realizados com medidas de follow-up para avaliar a eficácia e manutenção dos ganhos da intervenção.
Observa-se que essa pesquisa apresenta resultados satisfatórios do protocolo TRI-P no ganho de habilidades sociais e emocionais e na diminuição dos problemas de comportamento e da sintomatologia ansiosa e depressiva. Frente a isso, o TRI-P pode ser visto como uma proposta eficaz de prevenção de problemas emocionais e de comportamento das crianças no ambiente escolar. Além disso, esse estudo apresenta efeitos positivos do TRI-P na promoção de saúde mental, ao buscar estratégias protetivas contra desfechos negativos na infância, contribuindo para o desenvolvimento saudável das crianças.