A violência sexual é um fenômeno multifacetado e multiétnico, que atinge historicamente no Brasil crianças e adolescentes indígenas. A relevância desse estudo envolve o considerável número de casos de violência sexual infanto-juvenil na Reserva Indígena de Dourados (RID), que demonstram uma grave problemática de vulnerabilidade social e de violência. Nesse contexto, faz-se imprescindível compreender a realidade local, as questões de gênero e os fatores que desencadeiam a vulnerabilidade social e o gradativo aumento de violência da segunda maior população indígena do país (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2020).
Atualmente, a Reserva Indígena de Dourados (RID), é composta pelas aldeias Jaguapiru e Bororo, e tem uma população de aproximadamente 18 mil indígenas, vivendo em 3.475 hectares, segmentados em torno de 30 grupos familiares das etnias, predominantemente: Guarani, Kaiowá e Terena (IBGE, 2020). O Mato Grosso do Sul possui apenas 0,6% das terras indígenas do país, onde vivem aproximadamente 15% da população. O que caracteriza um confinamento para estes povos no Estado e, particularmente, na RID. Neste sentido, o confinamento e as interferências externas são fatores que mitigam a autoridade na RID, fazendo com que as vulnerabilidades sociais locais sejam banalizadas e diversas violações e violências se perpetuem (Machado, 2009).
Antes mesmo de se discutir sobre a violência sexual, marcando um período do desenvolvimento humano, infância e adolescência, ou ainda, se este tipo de violência é mais frequente no âmbito doméstico e familiar, faz-se necessário realizar uma reflexão pontual sobre a colonialidade do ser, do saber, do corpo, de gênero, da natureza, entre outras. Evidenciadas pelo chamado “giro decolonial” que discute e problematiza as diferentes relações de poder que se estabelecem desde a colonização da América, que busca universalizar e normatizar os povos/indivíduos a partir de parâmetros eurocêntricos (Quijano, 2005).
Os autores Kuhn Júnior e Mello (2020, p. 12) argumentam que os conceitos de infância, adolescência, família e a distinção entre atividades de meninos/homens e de meninas/mulheres, são “(...) traços da colonialidade que buscam normalizar os sujeitos a partir de uma perspectiva eurocêntrica.” Estes autores complementam afirmando que:
Antes da colonização, a maioria dos povos indígenas não tinha a cultura da família nuclear, como foi se instituindo na Europa, mas todos faziam parte da mesma comunidade e a poligamia era natural. Ainda, os indígenas não tinham separação entre crianças e adultos e nem divisão entre meninos e meninas, como já estava mais delimitado na visão eurocêntrica. Logo, iniciou-se uma mudança nos moldes familiares e nas atividades das crianças, dependendo também do gênero, o que auxiliou no desmantelamento das sociedades tradicionais. (Kuhn Júnior, & Mello, 2020, p. 11-12)
Com isto, não se pretende debater sobre a normatização das fases do desenvolvimento - infância e adolescência - em que a violência sexual ocorre, ou da instituição “família”, uma vez que os casos ocorrem em sua eminente maioria no âmbito doméstico. Em outras palavras, não consiste em evidenciar o conflito entre as leis impostas e os costumes de algumas comunidades tradicionais, mas sim, caracterizar uma violação de direitos, denunciar e discutir casos de violência sexual de indígenas ainda em desenvolvimento psicossocial.
Conceitua-se, de modo geral, a violência sexual infanto-juvenil como “(...) a participação de uma criança ou adolescente menor em atividades sexuais, as quais não são capazes de compreender. Essas são inapropriadas à sua idade e a seu desenvolvimento psicossocial, e sofrem-na por sedução ou força (...)” (Lippi, 2003, p. 33). Nas violências sexuais intrafamiliares, as vítimas se sentem coagidas e culpadas, devido ao senso equivocado de responsabilidade e confusão mental, que são reforçados pelas ameaças do abusador, que geralmente é o provedor e/ou cuidador desta (Furniss, 1993). Assim, o medo e a violência psicológica por parte do agressor são fatores que corroboram com o silêncio da vítima que teme as consequências da revelação.
A violência sexual é, nesse sentido, uma experiência que definitivamente interfere no desenvolvimento psicossocial da criança que sofre essa violência. Não se podem predizer os efeitos do trauma, dado que as reações humanas são diversas e dependem de variáveis contextuais, tais como, a duração da violência, o vínculo do agressor com a vítima e características específicas da situação de violência sexual, e ainda, questões pertinentes à etnia, a cosmologia e o território, quando se trata de povos indígenas. Em razão do desenvolvimento psíquico incompleto da criança/adolescente, a atividade sexual coerciva não é compreendida, principalmente, quando é cometida por alguém da família, que supostamente deveria protegê-la, e não o contrário (Pugliese, 2021). Neste sentido, é imprescindível que a criança ou adolescente indígena, vítima desta violação, receba o adequado atendimento dos profissionais (da saúde, assistência social, do judiciário) que receberem encaminhamentos desta natureza.
Nessa pesquisa, o modo de viver da mulher kaiowá e a política e relações de gênero entre os Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul (Seraguza, 2018) foram consideradas na análise da violência sexual de crianças e adolescentes indígenas na reserva de Dourados.
Além disso, a abordagem decolonial do feminismo que orientou a interpretação dos resultados dessa pesquisa está situada em uma perspectiva de mundo que considera os povos originários latino-americanos como vítimas de uma carga geo-histórica de violência da economia extrativista em face aos seus corpos e territórios (Segato, 2013; Haesbaert, 2020). Portanto, é importante demonstrar a “condição de subalterno” (Spivak, 2010) de crianças e adolescentes indígenas e visibilizar a violência sofrida pela colonialidade de gênero, para apontar que a correlação entre ser indígena e do gênero feminino, faz com que elas estejam muito mais expostas às vulnerabilidades, violências e violações de direitos humanos do que crianças e adolescentes não indígenas (Mondardo, 2020).
O olhar interseccional dentro da abordagem decolonial é importante para a compreensão de como a interseccionalidade entre gênero, etnia, idade e território possuem ampla relevância para problematização da estrutura social, relações socioterritoriais e as subjetividades produzidas no cotidiano. Desta maneira, a abordagem interssecional tem um princípio não-aditivo, pois os diferentes marcadores sociais se constituem mutuamente como formas de diferenciação social. Especialmente quando se dialoga com a cultura ameríndia e com os contextos de desigualdades sociais, violências, e subordinações a que estão submetidas à maioria destas mulheres/meninas (Barbosa & Moura Júnior, 2021).
O significativo contingente de casos de violência sexual infanto-juvenil denuncia a necessidade da atenção às especificidades e urgências presentes na RID. Os marcadores de gênero, etnia e vulnerabilidades sociais influenciam na trajetória de violações, que fomentam processos específicos de opressão, que revitimizam sobremaneira indígenas do gênero feminino. Assim, é importante considerar que os marcadores de etnia e gênero, por exemplo, impactam em diferentes oportunidades, deixando determinados grupos em situações mais vulneráveis e, portanto, expostas, do que outros (Barbosa & Moura Júnior, 2021).
Assim, o objetivo principal dessa pesquisa consistiu em caracterizar a violência sexual de crianças e adolescentes indígenas, bem como, oferecer um panorama acerca dos possíveis fatores de risco que corroboram para a ocorrência da violência sexual infanto-juvenil na RID. Para tanto, os objetivos específicos foram: identificar qual o perfil das vítimas, tipo de vínculo do agressor e vítima, o modus operandi dos crimes, bem como compreender a visibilidade que a mídia digital e órgãos oficiais oferecem à violência sexual infanto-juvenil. Este tipo de levantamento se justifica uma vez que, tais informações podem apoiar a implementação de ações eficazes no combate a este tipo de violência.
Além desta introdução, do método e das considerações finais, os resultados e discussão deste texto se estruturam em seções: i) inicialmente situando o tema em números; ii) Caracterização das violências; iii) Fatores de risco e especificidades da violência sexual na RID; finalizando com iv) Conquistas mediante a violência sexual das crianças e adolescentes na RID.
Método
Trata-se de uma pesquisa qualitativa de análise documental de 20 (vinte) casos concretos, que foram veiculados em 10 (dez) jornais on-line de alcance e visibilidade na cidade de Dourados/MS e região, para compor o levantamento de dados. O recorte temporal deste estudo contempla os anos de 2014 a 2020.
Para a coleta de dados, foram utilizados os descritores (AND): “criança, adolescente, indígena, abuso sexual, violência sexual”, de forma combinada ou não, de acordo com a particularidade do formato de busca dos jornais on-line. Os sites de mídias digitais que compõe esta análise são: “Dourados News”, “Dourados Agora”, “Midia Max”, “Campo Grande News”, “G1/MS”, “Diário Digital”, “O Progresso”, “Capital News”, “Enfoque MS” e “O Vigilante”. Como critérios de inclusão foram selecionados apenas os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes em Dourados, MS, com idade estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que em seu título I, artigo 2º (Lei n. 8.069, 1990), preconiza ser criança com até 12 anos incompletos e adolescente, compreendendo entre 12 a 18 anos incompletos. Além disso, foram excluídos da amostra casos repetidos, crimes que não ocorreram no município de Dourados/MS e matérias de caráter meramente informativo, no entanto algumas destas matérias foram utilizadas para discussão e melhor elucidação das reportagens que noticiaram os casos de violência.
As reportagens foram sistematizadas e categorizadas em tabelas. Adotou-se a técnica de análise de conteúdo para o tratamento dos dados. Primeiramente, realizou-se a leitura flutuante e preparação do material, seguido da categorização, descrição e interpretação, momento em que foram feitos recortes em unidades de contexto (Bardin, 2004). Dessa forma, duas categorias principais foram criadas a partir da análise das reportagens: 1) Caracterização das violências, com informações sobre o perfil das vítimas, relação entre vítima e agressor, bem como, informações sobre o crime cometido; e, 2) Fatores de risco e especificidades da violência sexual na RID, nesta categoria elencou-se os elementos que contribuem para a ocorrência da violência sexual, além de um fenômeno relacionado ao estupro coletivo, que não se encontra na descrição de reportagens quando envolve não indígenas, denominado “Feirinha”.
A interpretação dos dados baseou-se na perspectiva da abordagem decolonial, que visa despreender de uma lógica de um único mundo possível e se abrir para a pluralidade de vozes e caminhos epistêmico-cosmológicos. Trata-se da busca pelo direito à diferença e se abre para a pluralidade do pensamento do outro. Nesse sentido, a depender do contexto social, histórico e geográfico, há formas diferenciadas de as sociedades, indígenas e não indígenas, compreender e tratar a infância (Quijano, 2005).
Assim, não se pode afirmar que há apenas uma única infância generalizável para todos os contextos, uma vez que aqueles pertencentes a determinados povos e comunidades tradicionais, grupos étnico-raciais e classes sociais vivenciam processos subjetivos de desenvolvimento singulares, como é o caso de crianças e adolescentes indígenas. Diante dessa consideração, a violência sexual infanto-juvenil indígena deve ser compreendida a partir dos referenciais de autores que falem do sistema ao qual pertencem. Por esta razão utilizou-se como referencial teórico, os estudos realizados por Machado (2009), para compreensão dessa temática.
A abordagem decolonial que embasou a interpretação dos dados expõe que o corpo e a corporeidade das mulheres indígenas, sejam elas crianças, adolescentes ou adultas, que são alvos de diversas violências, tais como: a física, a psicológica e a simbólica. Essas violências afetam diretamente o território ontológico das mulheres, seu corpo-território (Zaragocin, 2018). A presença da violência sexual contra mulheres indígenas em Mato Grosso do Sul, evidencia, em um contexto permeado por múltiplas violências, mais uma forma de violência “(...) voltada contra a mulher e o seu corpo, diante do abandono, indiferença de ações efetivas do Estado para com estes povos e de políticas públicas de enfrentamento e combate da violência contra as mulheres” (Mondardo & Lopes, 2020, p. 44).
No contexto social em que estas vítimas estão inseridas, vislumbra-se o quanto a vulnerabilidade social de um território marcado pela negação de políticas públicas, pela marginalização, discriminação étnica-racial, desterritorialização, disputas, conflitos e confrontos por terras, além de estar situada na faixa de fronteira do Brasil com o Paraguai, influencia no modo de viver desses povos originários. Soma-se a isso a falta de reconhecimento histórico dos povos indígenas como originários dessa terra e o descaso governamental em implementar políticas públicas efetivas nas áreas da saúde, educação, segurança e, principalmente, na demarcação das terras de ocupação tradicionais - tekoha 1, para os Guarani e Kaiowá - como define a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (Brasil, 1988).
A vulnerabilidade e as condições socioeconômicas de países latino-americanos agravam processos de desenvolvimento social, e este fator pode corroborar com o aumento da violência. Em que pese esta não seja consequência direta da pobreza, reverbera-se o quanto as desigualdades socioeconômicas, a negação do direito de acesso ao mínimo existencial, ao território tradicional e às políticas públicas operam nas especificidades de cada população, desencadeando ciclos de perpetuação de atos violentos em diferentes contextos sociais e históricos (Henriques et al., 2021).
Na tentativa de compreender quantos crimes de violência sexual infanto-juvenil foram veiculados de fato pela mídia, no período contemplado pela amostra dessa pesquisa, realizou-se a solicitação quantitativa complementar dos registros de casos de violência sexual de crianças e adolescentes acompanhados pelo Centro de Referência de Assistência Social (CREAS) e pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), do município de Dourados/MS.
Resultados e Discussão
O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) elabora Relatórios de Violência Indígena, com base em notificações de crimes cometidos em face de indígenas no território brasileiro. Com base dos relatórios referentes aos anos de 2015 a 2020, foram cometidos no Brasil, de modo geral, independente da faixa etária, 68 (sessenta e oito) casos de violência sexual em face de vítimas indígenas, dentre os quais, 24 (vinte e quatro casos) ocorreram no estado de Mato Grosso do Sul, 17 (dezessete) deles foram perpetrados na RID. Estes resultados exprimem que 35,2% (n=24) dos crimes de violência sexual do Brasil aconteceram no estado sul-mato-grossense, dentre eles, o percentual significativo de 70,8% (n=17) nas Aldeias Bororo e Jaguapiru (RID).
Diante dessa problemática, em nossa pesquisa, a amostra principal localizou 20 (vinte) casos de violência sexual na RID, não havendo muito descompasso com o número revelado pelos relatórios do CIMI, que também utilizam, em parte, reportagens de jornais em sua caracterização. No entanto, este número difere quando se compara aos registros de Boletins de Ocorrência pela DEAM, que foram encaminhados para acompanhamento no CREAS, totalizando 50 registros. Revelando um considerável descompasso entre os casos noticiados dos casos registrados por estes serviços. Sabe-se que muitos destes casos registrados seguem sob segredo de justiça, principalmente quando ocorrem no perímetro urbano, o que inviabiliza que sejam noticiados, mas este dado revela que, de fato, numericamente, a violência sexual contra crianças e adolescentes indígenas se configura como uma complexa e sensível questão de saúde e de segurança pública no município de Dourados, MS, que numericamente é bem mais frequente do que se evidencia na mídia.
Sobre esta questão do descompasso numérico entre os casos noticiados pela mídia dos casos que ocorrem na RID, daqueles registrados pela DEAM e CREAS, cabe refletir que quando o território em que ocorre a violência é a RID, e vários atores sociais (familiares da vítima, vizinhos, liderança indígena, que acreditam ser necessário noticiar o ocorrido) são acionados antes das autoridades responsáveis pelo direcionamento/encaminhamento da medida adotada para cada crime cometido, estes acabam contribuindo para que a mídia tenha acesso ao ocorrido e noticie, inclusive, com certo grau de exposição, o que, muitas vezes, pode contribuir para a reprodução da violência.
Machado (2009, p. 127) chama atenção para o fato de que há contradições no entendimento de quem (dispositivo/instituição/poder) deve se responsabilizar pelos problemas que ocorrem na RID. Para o autor existem “três protagonistas em cena: FUNAI (Fundação Nacional do Índio), MPF (Ministério Público Federal) e Executivo Municipal”, que de certa forma invisibiliza e desrespeita a vontade e liberdade do indígena. O autor complementa afirmando que quando um crime ocorre, “as polícias civil e militar não atendem aos chamados alegando não ter permissão legal para entrar e reprimir a violência; a polícia federal alega não ter pessoal e que a sua tarefa é combater o narcotráfico” (Machado, 2009, p. 129). Portanto, falar sobre a realidade indígena é considerar todas estas variáveis que contribuem para a vulnerabilidade destes povos, sem amparo público, à custa da marginalização e estigmatização. Assim, a mídia pode ser vista, pelos indígenas que residem na RID, como uma forma de denunciar as atrocidades e violências.
Caracterização das Violências
Antes de iniciar a descrição dos casos de violência contra as crianças e adolescentes indígenas, cabe ressaltar dois pontos que influenciaram e nortearam a apresentação dos dados. Primeiro, que nas reportagens dos jornais on-line, nem todos os casos possuem a descrição completa da localidade de ocorrência da violência sexual, modus operandi dos crimes e a qualificação dos agressores e vítimas, o que dificultou a apuração completa dos fatos; segundo, na tentativa de tentar evidenciar questões culturais, bem como, desmistificar o estigma de que situações de violência estão ancoradas em questões culturais dos povos indígenas, buscou-se traçar um paralelo entre os achados da presente pesquisa, com o de outros estudos conduzidos com autores não-indígenas.
Assim, considerando o local onde ocorreram os crimes de violência sexual, 50% (n=10) dos casos da amostra adviram da Aldeia Bororo, 30% (n=6) da Aldeia Jaguapiru, 10% (n=2) fora das reservas, no município de Dourados e 10% (n=2) das reportagens não especificaram o local do crime. De igual modo, referente ao assassinato de mulheres indígenas no estado de Mato Grosso do Sul, os autores mencionam a Aldeia Bororo, como a localidade onde os assassinatos apresentam maior frequência, com o registro 35,4% (n=11) dos casos analisados (Mondardo & Lopes, 2020).
Em relação ao perfil das vítimas, mormente idade e gênero, constatou-se que 85% (n=17) dos casos de violência sexual, foram cometidos contra crianças, deste total, 88% (n=15) são meninas, e 12% (n=2) meninos. Assim, 15% (n=3) dos casos, foram perpetradas em face de moças adolescentes. Atina-se, portanto, que 90% (n=18) das vítimas, entre crianças e adolescentes, são do gênero feminino, enquanto 10% (n=2) são crianças do gênero masculino.
Na mesma dimensão, o estudo realizado em relação ao gênero e idade de vítimas não-indígenas, aponta que apesar dos meninos também serem vítimas de violência sexual, a grande maioria dos casos envolveu meninas e moças. O perfil da violência intrafamiliar, que vitimiza crianças e adolescentes no Brasil, ocorre predominantemente em face de vítimas do gênero feminino, sendo os principais agressores cuidadores e responsáveis pela tutela das vítimas (Henriques et al., 2021).
Segundo Saffioti e Almeida (1995) a mulher é a vítima preferencial desse tipo de agressão em 90 a 95% dos casos, evidenciando a questão de gênero, em que as diferenças relativas ao gênero são convertidas em desigualdades, possibilitando o processo de dominação e exploração. Neste mesmo sentido, estudo conduzido sobre a violência contra a mulher indígena revela que na Aldeia Bororo, que pertence à RID, existem altos índices de violência e muitos casos estão associados à condição de ser mulher indígena. Por esta razão, relaciona-se a condição de etnia e gênero, como relacionado à privação de certos dispositivos, como a obtenção de documentos pessoais, carteira de trabalho assinada e educação formal, que poderiam empoderar essas mulheres, contra diversas formas de violência, além da privação de direitos básicos de acesso à cidadania (Mondardo, 2020).
Em relação ao vínculo de parentesco entre vítimas e agressores, foi possível identificar esta informação em 16 reportagens, das quais 94% (n=15) eram pessoas que tinham vínculo de parentesco direto com a vítima (exemplo: pai, padrasto, pais, tios, irmãos, parentes, primos). Em apenas um destes casos, a violência foi cometida pelo professor da criança. As pesquisas sobre o violência sexual intrafamiliar não-indígena, referenciam que, a relação entre abusador e vitimado é caracterizado pelo poder, implicado na dominação e subordinação, os violências sexuais são caracterizados pela presença de sedução ou ameaça por parte do abusador, na medida em que a vítima vai percebendo e tenta oferecer resistência, ele lança mão de ameaças e agressões físicas (Azambuja, 2004).
Os seguintes trechos revelam o parentesco e como as situações de violência sexual foram identificadas:
Uma indígena de 10 anos está grávida e afirma que foi estuprada pelo próprio pai na Aldeia Bororó, em Dourados (...) Segundo o Conselho Tutelar do município, (...) a menina passa por acompanhamento psicológico. A gestação foi descoberta durante a vacinação contra a gripe (...) Durante a vacinação em um posto de saúde do município, os médicos suspeitaram e, após os exames, constataram a gravidez da criança. (G1 MS, 2015)
Conforme investigações policiais, a vítima é abusada desde os 11 anos de idade, passando de 50 vezes os abusos. O acusado era casado com a mãe da menina. Segundo a delegada, a mãe suspeitou que a filha estivesse grávida e a levou para o Hospital Universitário (HU), onde foi confirmada a gestação. (Duarte, 2020)
Denúncia que chegou ao Conselho Tutelar de Dourados nesta sexta-feira (14/8) aponta para tentativa de abuso sexual na Aldeia Bororó, Reserva Indígena. Uma menina de oito anos é a vítima e os suspeitos pelo crime, dois primos dela, um deles adolescente. (...) Na noite de ontem (13/8), a mulher teria flagrado os dois tentando estuprar a criança. (Duarte, 2020)
De modo geral, outras pesquisas também revelam que em sua eminente maioria, os abusadores são pessoas de convívio próximo com as crianças e adolescentes. Segundo registros do Hospital de Niños de San Juan (Argentina), no período de 2010 a 2019, atenderam 267 (duzentos e sessenta e sete) casos, dentre eles 95,59% dos abusares eram pais, padrastos, tios, primos, vizinhos próximos das vítimas. Apenas 4,41% dos casos foram cometidos por desconhecidos (Pugliese, 2021).
Nota-se, portanto, que, o modus operandi para a perpetração dos crimes de violência sexual no âmbito doméstico e familiar, costumam ter os mesmos traços de reiteração e realização, tanto no contexto da RID como em perímetros urbanos expostos a vulnerabilidades sociais semelhantes, como falta de recursos e apoio estatal, em locais periféricos com a presença de importante contingente populacional. Somam-se a isto, outras violações dos direitos de crianças e adolescentes costumam acompanhar o cometimento de violências sexuais. A respeito da vulnerabilidade socioeconômica, estudiosos aludem o quanto a situação financeira de pobreza é um fator de risco para a violência, representando 39,6% dos casos investigados (Habigzang et al., 2005).
Nesse sentido, a literatura sobre vítimas não-indígenas discorre que, além da violência sexual intrafamiliar, foram constatados registros de violência física, psicológica e diferentes formas de negligência. A coexistência de diferentes formas de violência em famílias incestuosas tem sido frequentemente mencionada por pesquisadores da área (Habigzang et al., 2005). Estudos recentes ratificam que a vivência de violência física, emocional e sexual costuma se correlacionar (Henriques et al., 2021).
Portanto, os resultados deste estudo indicam que, as características que permeiam os crimes de violência sexual intrafamiliar infanto-juvenil indígena, coadunam com o que aponta a literatura, a respeito do perfil das vítimas, grau de parentesco dos agressores, bem como o modus operandi na perpetuação dessa violência no ambiente doméstico, em face de vítimas não-indígenas. A violência sexual infanto-juvenil intrafamiliar é o tipo de violência mais comum em ambos os contextos. Contudo, a preponderância da divulgação midiática de casos envolvendo violência sexual na RID e a ausência de divulgação de relatórios públicos dos órgãos oficiais que relatem os inúmeros casos de violência sexual no município de Dourados/MS, faz com que a população local tenha a falsa percepção de que esses crimes não são comuns no perímetro urbano e, por vezes, atribuem essas violações a uma questão cultural indígena, o que não é verdadeiro.
A violência é um processo social que abarca variadas formas de agressão e é caracterizada pelo seu efeito multiplicador e expansivo que afeta as vítimas e a sociedade como um todo e tem origem multifatorial (Henriques et. al., 2021). O discurso propagado por grande parte da população sul mato-grossense de que as violências sexuais são atos “culturais indígenas”, parte de um viés etnocêntrico, que banaliza a problemática social, que também é cometida por não-indígenas. Aponta-se que, a reprodução de discursos estigmatizantes como este, marginaliza esta população e reproduz violações socio-históricas, que silenciam os legítimos propagadores desta realidade, que merecem ser ouvidos.
Fatores de Risco e Especificidades da Violência Sexual na RID
Com a análise de conteúdo empreendida, foi possível identificar alguns fatores de risco que permeiam os casos de violência sexual infanto-juvenil indígena, dentre eles a vulnerabilidade social, que vem sendo debatida de modo transversal ao longo da exposição dos dados, bem como, o uso/abuso de álcool no interior da RID, uma vez que as reportagens faziam alusão ao fato de que em alguns casos, os agressores estavam sob efeito de álcool ou mesmo, embebedavam as vítimas, como é possível identificar nos seguintes trechos das reportagens:
Patrick Vilhalva, 36 anos, morador da Aldeia Bororó, Reserva Indígena de Dourados, foi preso (...) acusado de estuprar e embriagar o sobrinho de 11 anos. (Dourados News, 2017)
Flagrante feito pelo Conselho Tutelar (...) um homem teria atraído uma adolescente de 14 anos por meio de um anúncio sobre vaga de emprego para faxina (…) o acusado oferecia presentes como celulares, notebooks e outros itens de valor para que ela mantivesse relações sexuais com ele. No entanto, a adolescente negou que o ato tenha se consumado, apesar de admitir ter se embriagado por várias vezes, ainda que obrigadas pelo acusado. (Dourados News, 2015)
Em que pese, são escassas pesquisas que estudem especificamente os fatores de riscos para a violência sexual infanto-juvenil indígena. Em análises sobre a violência indígena, Teruya (2017) e Machado (2009) apontam o alcoolismo e drogradição como fatores que corroboram para a ocorrência da violência na comunidade. Do mesmo modo, as produções científicas supramencionadas relacionadas a vítimas não-indígenas, corroboram para a compreensão de que a vulnerabilidade social dessa população, pode ser compreendida como um dos motivos desencadeadores das inúmeras violações que revitimizam crianças e adolescente indígenas. A coexistência de violências pode contribuir para a manutenção da violência sexual às escusas em ambos os contextos, devido às ameaças dos agressores e ao sentimento de culpa, medo e impotência da vítima e de outros membros da família.
Alguns autores sinalizam que o álcool e as drogas são elementos incorporados pelos povos indígenas com a colonização, sendo que as bebidas consumidas entre os indígenas antes do contato com os não indígenas eram produzidas por eles e utilizadas em rituais específicos, considerando as especificidades cosmológicas de etnias distintas (Barreto, 2013; Machado, 2009).
Outra questão evidenciada pelo levantamento realizado das reportagens dos jornais consiste em uma especificidade relacionada aos estupros coletivos que ocorreram na RID, denominados nas matérias dos jornais por “feirinhas”, gíria utilizada quando vários homens cometem violência sexual a uma ou no máximo duas mulheres. No entanto, antes de discorrer diretamente sobre o assunto, cabe ressaltar que se trata de outro fenômeno oriundo da colonização, uma vez que, historicamente, há relatos da prática da violência sexual pelos europeus em face de mulheres indígenas. Fernandes (2015, p. 240) discorre que inúmeros foram os episódios brutais de violências sexuais praticadas contra indígenas em todo o continente latino-americano, pois “o estupro era concebido como uma forma legal de tomar posse na captura de escravos e escravas”.
Ademais, no período colonial, muitas mulheres indígenas não tinham a opção de escolha dos parceiros afetivos, eram simplesmente obrigadas a gestar numerosas proles, estes fatos precisam ser rememorados, pois servem para a compreensão da miscigenação forçada e a chamada “cultura do estupro”, enraizada na sociedade nacional (Kollontai, 2016).
Com isso, obviamente, não se quer dizer que o estupro é uma exclusividade da comunidade não-indígena contra mulheres indígenas, certamente as relações de poder estabelecidas entre os membros das mais variadas etnias, imprimem em maior ou menor grau esse tipo de violência. Contudo, de modo geral, quando os estupros acontecem entre membros da própria comunidade são marcados por silenciamentos ou ligados a comportamentos “culturalmente tradicionais”, da própria sexualidade indígena. Um indicativo desta tendência de “anormalizar” os estupros coletivos quando estes ocorrem entre membros da própria comunidade indígena é a ocorrência do fenômeno da “feirinha” (Teruya, 2017).
Cabe salientar que em reportagens sobre a violência sexual envolvendo mulheres/crianças/adolescentes indígenas, quando o agressor não era indígena, o caso não foi noticiado como “feirinha”. No entanto, as reportagens não faziam alusão direta ao fato de que este termo é próprio da cultura/etnia Guarani-Kaiowá. Identificou-se apenas o seguinte depoimento do capitão da Aldeia Bororó no ano de 2015:
[...] Por fim, o capitão da Bororó fez questão de ressaltar que as “feirinhas”, não são uma questão cultural indígena, e que a comunidade repudia a situação. “Nós não achamos normal, muito pelo contrário, e repudiamos isso. Cobramos ação da polícia e da Justiça, para prender quem faz isso e prevenir que outros façam. É algo bárbaro e repudiamos sempre”, finalizou Benites. (Dourados News, 2015)
Neste trecho, o capitão da Aldeia Bororó lamentou o caso de estupro coletivo e afirmou não se tratar de uma questão cultural indígena, pois ele e toda comunidade repudiam a situação. Teruya (2017), em seu estudo intitulado: “Feirinhas: problematizando os discursos midiáticos sobre os estupros coletivos de mulheres indígenas”, também afirma que não encontrou alusão, na cosmologia Guarani-Kaiowá, de nenhuma terminologia que se refira ao estupro coletivo.
Conquistas Mediante a Violência Sexual das Crianças e Adolescentes na RID
Este tópico não se trata de uma categoria identificada nas reportagens, mas é parte da reflexão sobre o assunto, no qual se pretende apontar as estratégias adotadas pelas esferas Estadual, Nacional e Federal, na atenção e cuidado às vítimas, bem como, na tentativa de articular a rede de atendimento ao enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes indígenas. Recentemente, um caso de estupro coletivo na RID, com repercussão nacional, contribuiu para a visita da atual ministra do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ao município de Dourados, acompanhada de outras autoridades, para lançar um projeto piloto visando à proteção de crianças e adolescentes indígenas, de qualquer tipo de violência, como revela o seguinte trecho:
Dourados possui a maior reserva indígena urbana do país e foi um dos três locais escolhidos para implementar o projeto-piloto do “Plano de Ação de Defesa das Garantias de Direitos das Crianças e Adolescentes Indígenas”, que integra o Programa Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes (PNEVCA), instituído em 2020. Áreas indígenas Yanomami e Xavante, em Roraima e Amazonas, também receberão o projeto. (Secretaria de Estado de Cidadania e Cultura de Mato Grosso do Sul, 2022, n.p.)
Com esta visita da ministra, também ficou a promessa da criação de uma Casa da Mulher Brasileira 2 em Dourados, que será construída entre a RID e a cidade, visando facilitar o acesso das mulheres, crianças e adolescentes indígenas.
Dentre outras iniciativas recentes, também implementadas ou pensadas a partir dos casos de violência sexual contra mulheres, crianças e adolescentes, pode-se citar o contato do Disque Denúncia (WhatsApp), vinculado ao Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas e a Defensoria Pública de Dourados, que prestam atendimento e recebem denúncias de violências de mulheres indígenas, vale mencionar também, a elaboração do “Manual Prático para Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes de Povos e Comunidades Tradicionais”, resultante de um estudo antropológico desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visa assegurar o direito das crianças de serem ouvidas durante o processo judicial, com a disponibilidade de intérpretes que possam, sobretudo, conhecer a cultura e os direitos assegurados a esses povos (CNJ, 2022). Portanto, a articulação da rede de proteção e todos os agentes envolvidos são essenciais para romper com os preconceitos e olhar para as especificidades da população indígena, no município de Dourados.
Outra iniciativa importante foi a contratação de uma intérprete da língua Garani para a DAM de Dourados, MS. Esta contratação foi recomendada por uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) em 2013. Reportagem recente divulgada pelo G1 informa que até o momento, foram registrados 11 casos de estupro, número muito superior a todo o ano de 2021, em que foram registrados três casos de estupro. Sobre o aumento do registro dos casos, a delegada da DAM do município acredita que isto se deve à figura da intérprete, que além de ajudar na tradução, oferece mais segurança às vítimas. A DAM de Dourados é a única no estado com uma intérprete da língua Guarani. (Globoplay, 2022).
Por fim, observa-se que algumas conquistas dos povos indígenas, especialmente, na garantia da criação de políticas públicas que considerem, de fato, as questões culturais e de cosmologia de cada povo, são marcadas por muitas violências e, sobretudo, pela resistência desses povos para existir. Assim, é possível construir políticas públicas articuladas em redes, para a facilitação de estratégias de combate à violência sexual, que vão desde assegurar a garantia dos seus direitos fundamentais a romper com preconceitos, que as estigmatizam e violentam, por serem meninas: crianças e adolescentes, indígenas.
Considerações Finais
Diante dos resultados apurados, verificou-se que a Reserva Indígena de Dourados (RID) possui um número significativo de crimes sexuais, em comparação às outras populações originárias do Brasil. As crianças do gênero feminino são alvos preferenciais, denotando o quanto o marcador de gênero está imbricado em processos de dominação e exploração, expresso também na escolha de vítimas com idade inferior, que por conta do desenvolvimento mental incompleto, não compreendem a natureza do ato abusivo, e por medo são silenciadas, coagidas e violentadas reiteradas vezes. As violências sexuais intrafamiliares, ou seja, aqueles cometidos dentro do ambiente doméstico, por pessoas conhecidas, que possuem parentesco direto com a vítima (pais, tios, padrastos e parentes), ocorrem tanto na RID quanto no perímetro urbano do município, em face de vítimas não-indígenas.
Compreender a violência sexual infanto-juvenil que ocorre na Reserva Indígena, a partir de uma perspectiva decolonial, incorre em diferenciá-la das violências que sofrem as vítimas não-indígenas. O contexto de confinamento da Reserva Indígena de Dourados (RID), o descaso estatal, que culmina na vulnerabilidade social (álcool, drogas, violências) e perda a autonomia das lideranças, assinalado pelo referencial teórico de autores indígenas, são fatores de risco para o cometimento de crimes sexuais e outras violações, que tornam crianças e adolescentes indígenas, mais vulneráveis a crimes desta natureza.
Falar sobre a violência sexual intrafamiliar é lidar com dois desafios: a primeira é visibilizar que a violência sexual em face de crianças e adolescentes acontece dentro dos lares indígenas e não-indígenas, já que a maioria dos crimes sexuais intrafamiliares não são notificados e, portanto, não entram para o cômputo dos órgãos oficiais de atendimento às vítimas, preponderando, assim, a subnotificação de atos de violência sexual.
O segundo desafio é romper com a banalização da violência enfrentada cotidianamente na RID, reconhecendo a urgência na implementação de políticas públicas, como a construção de um Observatório da Violência Indígena, que organize dados e informações das principais demandas recebidas pelas instituições que prestam atendimento a esta população, priorizando-se, sobretudo, uma escuta às lideranças indígenas, políticas e religiosas, para o levantamento das principais vulnerabilidades sociais e dificuldades enfrentadas, com o objetivo de implementar ações específicas e contextualizadas nos territórios de assistência psicológica, jurídica, de saúde e segurança para os povos indígenas.
Outro investimento fundamental é na formação continuada dos profissionais que integram a rede de proteção de crianças e adolescentes, com destaque, à necessidade de atendimentos que respeitem às particularidades linguísticas e culturais, desde o momento do recebimento da denúncia à condução da oitiva extrajudicial ao judicial, da criança ou adolescente vítima de violência sexual, que possibilitem que eles possam dizer o que eles precisam, sem que isto seja verbalizado por um não-indígena.
Conforme o exposto, cada contexto socioterritorial vai envolver um conjunto de questões sociais que não podem ser desconsideradas para a análise dos fatores de risco. A RID enfrenta desde a sua formação, a marginalização, o preconceito e o confinamento, por um perímetro urbano que vem crescendo paulatinamente e acaba cerceando a população local. Destarte, reduzir a problemática da violência sexual infanto-juvenil a uma questão cultural indígena, seria revitimizar e reforçar um estigma a esta população que sofre com diversas violências, que transpõem questões territoriais, históricas e culturais.