Este artigo apresenta dinâmicas profissionais de homens que trabalham no mercado do sexo por meio de plataformas online, marcadamente o Twitter e o OnlyFans. Busca-se aqui uma reflexão sobre os efeitos dessas dinâmicas em relação à plataformização do trabalho plasmada com as políticas de desmonte de direitos implementadas nos últimos anos no Brasil, as quais foram majoradas pelas restrições necessárias no combate à pandemia de Covid-19.
Apesar de avanços por meio da pesquisa e da perspectiva cultural acerca do trabalho sexual, ainda, em diferentes momentos, essa atividade laboral pode ser associada à prostituição em seu sentido estrito. Em geral, àquela do imaginário histórico-cultural, desempenhada majoritariamente por mulheres e vinculada à exploração sexual. A saber, exploração sexual não é sinônimo de prostituição, pois a exploração acontece à revelia da pessoa, que neste caso não é trabalhadora, mas vítima de um crime.
Como argumenta Piscitelli (2005), o trabalho sexual está inserido em um ramo econômico denominado “mercado do sexo”, que inclui diversas atividades, além da prostituição. Neste ramo estão presentes atividades-fim como: dança erótica, massagem, escort e acompanhante sexual/prostituição de luxo, turismo sexual, trabalho sexual transnacional, produtoras de conteúdo pornográfico, sites de conteúdo adulto, sex shops, camgirl/camboy, entre outras. Ainda, inclui atividades-meio, como: clínicas de estética, consultórios de cirurgia plástica, dermatologia e nutrição, academias de musculação e rede hoteleira. Ou seja, o trabalho sexual está para além da demanda de sexo com ou sem penetração, por inscrever ampla gama de atividades (Scott, 2003; Fundación Triangulo, 2006; Hamann et al., 2020).
Parece existir ao menos três polos temáticos ou orientações ideológicas nos estudos sobre trabalho sexual: aqueles que defendem sua proibição e o equiparam à escravidão moderna, retirando qualquer tipo de capacidade de agência dos trabalhadores; outros alinhados à neutralidade científica, mas com ideais higienistas e discursos morais sobre a prática sexual com diferentes ou grande quantidade de parceiros; e os últimos, mais populares nas ciências humanas, têm sua ação voltada à descrição de dinâmicas discursivas e vinculações ao biopoder, com forte sustentação da teoria queer.
Em grande parte voltadas aos estudos sobre mulheres cis, transgênero e travestis, as pesquisas sobre o mercado do sexo debruçam-se pouco sobre homens cis e transgênero que desempenham o ofício. A literatura sobre os homens enquanto trabalhadores sexuais, como apontou Weitzer (2005), é uma arena de diversas agendas, individuais e coletivas. Os homens são colocados, quase que absolutamente, na posição de clientes, consumidores ou exploradores dos serviços sexuais e pouco caracterizados enquanto trabalhadores sexuais. Sob aspectos evolutivos da área, é interessante o levantamento de Scott (2003), que percebeu como o conhecimento acadêmico ajudou a inscrever na cultura o trabalho sexual de homens não como uma questão social, mas como destino natural para degenerados, geralmente homossexuais, ou ingênuos vulnerabilizados. Isto é, heterossexuais desvirtuados por homossexuais idosos perversos.
No Brasil, quando trabalhadores sexuais figuram nas pesquisas, o foco é a prostituição viril. Este termo foi cunhado por Perlongher (2008) na intenção de diferenciar os michês que expressavam hiperbolicamente, pelo corpo e pelas atitudes, ideais tradicionais de masculinidade viril, à época, de outros que tinham postura “efeminada” [sic], grupo minoritário nas ruas de São Paulo, assim como de travestis - consideradas como homens no estudo. O autor enquadrou os dois últimos naquilo que cunhou como prostituição homossexual.
Ainda, regionalmente, costumam focar em ambientes presenciais nos quais esses homens trabalham, isto é, bares, saunas e em ruas, assim como nas dinâmicas sociais estabelecidas nestes contextos, mas pouco sobre as dinâmicas do mundo interno. A investigação de Hamann et al. (2018) sobre a constituição de comunidades de prática no trabalho sexual de homens, e, ainda, Hamann et al. (2020) que analisam marcadores interseccionais de diferença e sua influência na produção de si entre homens trabalhadores sexuais, caminham em direção ao mundo interno, porém delineados na presencialidade.
O uso da internet para fins de serviços sexuais não é algo recente, como já abordava Adriana Piscitelli em 2005 (republicado em 2016). A internet constitui-se, segundo a autora, como espaço de potência para vivências desviantes de sexualidade. E, com a virtualidade e os processos digitais cada vez mais presentes na vida das pessoas a partir dos anos 2000, as pesquisas sobre trabalho sexual tenderam a incorporar as tecnologias digitais como elemento participante, seja central ou marginal. Como exemplo, López et al. (2015), em investigação com trabalhadores sexuais de rua, na qual os participantes apresentavam seu marketing, além das ruas, por meio de sites de acompanhantes. Além disso, centralmente sobre camgirls, empreendedorismo e feminismo (Bleakley, 2014); e com o mesmo público, mas sobre a mediação de intimidade e precarização do trabalho entre mulheres chinesas (Wang, 2021).
Ryan (2019) teve um olhar acurado em seu livro sobre o trabalho sexual de homens na era digital, ao demonstrar como as redes sociais criam novas compreensões sobre o sexo comercial, a comercialização e comoditização (transformação de bens e serviços em commodity) do corpo do homem e pistas sobre regulação deste tipo de trabalho nas plataformas online. O autor investigou, principalmente, a inserção no Instagram, Grindr e OnlyFans. Outra obra, que demonstra maior interesse sobre os homens como trabalhadores sexuais, foi o manual organizado por Scott et al. (2021), cujo uma das seções é inteiramente voltado para ao trabalho sexual digital por homens. Os textos deste livro abordam as comunidades de trabalhadores sexuais do ponto de vista global, regulação e censura por parte das redes sociais, leis para o trabalho sexual digital e questões relacionadas com identidade. Entretanto, estes estudos são baseados, majoritariamente, em experiências do norte global.
A pandemia de Covid-19 causou, além da tragédia sanitária e humanitária, a aceleração do recrudescimento de vulnerabilidades sociais já há muito estabelecidas. Para isso, destaca-se a falta de emprego e ausência de políticas dos Estados nacionais eficazes, a fim de garantir alimentação e segurança, em diversos âmbitos, para/da população. O recrudescimento atingiu fortemente populações de países da América Latina que, sem assistência governamental, necessitaram procurar novas maneiras de subsistir. Sobre isso, destaca-se a matéria jornalística - entre outras do mesmo tema - de Zerega (2020), sobre o aumento de perfis de jovens latino-americanos na plataforma OnlyFans para a venda de assinaturas de acesso a conteúdo erótico exclusivo, produzido pelos jovens.
Assim, soma-se à problemática da vulnerabilização própria do trabalho sexual com a vulnerabilidade advinda de escolhas políticas, no sentido do acirramento de propostas neoliberais de desmonte de direitos sociais e suas garantias, discutidas por Picolotto et al. (2020). Segundo Scholz (2016), com a crise financeira de 2008, o acirramento do neoliberarismo tem sido sustentado pela ideia da possibilidade de trabalho sob demanda, em plataformas digitais, com menos direitos trabalhistas, sob a roupagem falaciosa de economia de compartilhamento. A ideia principal deste tipo de capitalismo é monetizar relações da vida cotidiana como uma carona e um quarto sem uso em uma casa. Para o âmbito deste artigo, uma foto ou vídeo sensual privado passam a ser acessados somente com o pagamento de tarifa.
Como subscreve Scholz (2016), com a fragilização das relações de trabalho, operada pela pressão dessas empresas de plataforma digital, em diversos níveis da vida pública, as pessoas acabam dependentes dessas mesmas plataformas para sua subsistência. Assim se inscreve a plataformização do trabalho (Huws et al., 2019), popularmente conhecida no Brasil como uberização (Maior & Vidigal, 2022).
Portanto, a partir das ideias acima expostas sobre o trabalho sexual digital realizado por homens, prosseguir-se-á ao modo como esta pesquisa foi realizada e os estudos de caso construídos a partir das entrevistas narrativas realizadas com homens trabalhadores sexuais.
Método
Esta investigação é um dos frutos de um projeto de pesquisa que se pretendeu ser de caráter idiográfico, em linha com abordagem qualitativa de natureza compreensiva. Nele, foram utilizadas múltiplas técnicas de construção de dados: em um primeiro momento, contatou-se o campo do trabalho sexual online, por meio de observação não participante dos fluxos de postagem em perfis públicos de homens trabalhadores sexuais no Twitter e de vídeos, fotos e interações com seguidores, clientes ou outros trabalhadores. A inspiração desta exploração foi baseada na netnografia proposta por Kozinets (2014) e no estudo em aplicativos geolocalizados de relacionamento com usuários homens de Pelúcio (2016).
Com esta etapa exploratória, pôde-se construir estratégias de escolha por conveniência dos participantes, assim como a forma de construção de dados. Os participantes foram selecionados com a identificação de um perfil-disparador, que contava com mais de 250 mil seguidores no Twitter. Avaliou-se que este trabalhador tinha engajamento robusto na rede social, além de manter inúmeras interações com outros trabalhadores. Por este motivo, o convite foi realizado nas caixas de mensagem daqueles que tinham interações tanto em parceria de vídeo ou por troca de mensagem pública.
Foram convidados para o estudo 54 trabalhadores sexuais, por meio de mensagem direta privada no Twitter. Desses, 14 responderam ao convite e 11 aceitaram participar, porém, somente 5 seguiram na pesquisa, individualmente, trocando mensagens e, posteriormente agendando encontros virtuais, nos quais procederam-se entrevista narrativa (Schütze, 1977; 1983; 1992 como citado por Jovchelovitch & Bauer, 2008). As entrevistas foram semi-dirigidas e eram iniciadas com a proposição ao participante de contar uma história (narrativa), que acreditava ser relevante o pesquisador saber sobre si, seu trabalho e/ou sua história de vida. Com essa história e em conjunto com materiais vistos pelo pesquisador (fotos, vídeos e interações) previamente, de seu perfil no Twitter, foram produzidas perguntas para aquele participante em específico.
Após as entrevistas realizadas de modo online, essas foram transcritas e analisadas, destacando as falas nas quais os participantes explanaram, direta ou indiretamente, sobre políticas públicas implementadas no Brasil relacionadas à precarização do trabalho e sua plataformização, a percepção de ser digital influencer, o mercado sexual transnacional como eixos centrais da análise. O presente artigo é derivado da pesquisa “Negociações identitárias em narrativas de homens que trabalham com serviços sexuais online”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CAAE 49901321.8.0000.5334 e parecer 4.982.523). Todas as entrevistas foram realizadas sob consentimento dos participantes, registrado através de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Apresentar-se-á, a seguir, breve descrição dos trabalhadores sexuais entrevistados, contendo nome fictício do participante, dados básicos sobre si e fato(s) relevante(s) da narrativa. Os nomes ficcionais denotam conteúdos abundantes nas narrativas, assim como clima narrativo da entrevista. Procurou-se na escrita da justificativa da escolha do nome e na seleção de fatos dar ao leitor um panorama geral do locus de fala do trabalhador sexual.
Descrição dos Participantes
Calouro, branco, 28 anos, ensino superior (Direito), nordestino, aproximadamente 61.000 seguidores no Twitter. Escolheu-se este nome, pois Calouro havia se iniciado há pouco tempo no mercado do sexo online e parecia, em muitas falas, excitado com investimentos que faria para melhorar a produção de seus vídeos. Gravava seus vídeos com seu namorado, mas estava surpreso com convites de trabalhadores sexuais famosos para firmar parcerias, devido ao crescimento no seu engajamento nas redes. Sua inserção como trabalhador começou durante a pandemia de Covid-19, quando, sem alternativas para manter sua independência financeira, entrou no mercado sexo um caminho.
Coach, preto, 29 anos, ensino superior incompleto (Enfermagem), centro-oestino (nascido no Nordeste), aproximadamente 5.600 seguidores no Twitter. Durante sua narrativa, expressava-se com frases motivacionais, com ou sem preceitos religiosos inseridos. Utilizava-se de recursos discursivos de retribuição do Universo a boas ações suas, em linha com discursos meritocráticos difundidos por profissionais de coaching. Autodeclara-se como indígena preto. Disse que sempre utiliza o emoji de fada negra em suas mensagens para expressar sua positividade. Afirmou “estar cansado” e “não ter nascido para isso”, quando relatava a saída do trabalho sexual, pois iria casar-se em alguns dias. Acumula com o trabalho sexual, atividades vinculadas ao subemprego, como diarista, também sem nenhum tipo de direito assegurado. O casamento ocorreria com um ex-cliente australiano, que iria estabelecer-se no Brasil, todavia esse não aconteceu. Narrou sentir com facilidade a desumanização por parte de clientes homens cisgênero brancos gays e bissexuais.
Empreendedor, branco, 24 anos, ensino médio, sulista, aproximadamente 257.000 seguidores no Twitter. Teve como eixo da narrativa o “arriscar”, o “investir” e o foco no trabalho, a fim de garantir maiores ganhos. Disse pensar em empreender, ampliando seu mercado para além do sexo e, por isso, contratou uma agência de marketing para o cuidado com a sua imagem pública. Junto com a mãe, diarista, contribuía como parte importante do arrimo de sua família, com seu salário de 1 salário mínimo em emprego como atendente em shopping. Hoje, ganha mais do que esse valor por dia. Disse ter se cansado de “nadar, nadar e morrer na praia” - situação agravada pela pandemia de Covid-19 - e, por isso, investiu no trabalho sexual, realizando, inclusive, uma mudança de Estado, sem nenhum subsídio ou promessa. Chegou a passar fome neste período. A contratação da assessoria foi a forma encontrada, também, para diminuir atitudes rotineiras hostis do Twitter contra trabalhadores sexuais, com a suspensão de suas contas.
Militante, branco, 29 anos, ensino superior (História e Pedagogia), nortista, aproximadamente 43.000 seguidores no Twitter. O seu perfil na rede contém postagens sobre pautas de minorias, principalmente, LGBTI (mais do que postagens relacionadas ao trabalho sexual). A narrativa do participante foi enviesada pela defesa destas pautas, assim como a denúncia de abusos que sofreu quando jovem na Igreja Católica. Mantém-se com 3 empregos: assistente administrativo, professor concursado e trabalhador sexual. Iniciou o trabalho sexual, na prostituição, para complementar sua renda como trabalhador formal. Atualmente, tem um cliente fixo, que lhe garante grande parte de sua renda, em uma relação profissional com nuances de conjugalidade.
Transgressor, branco, 35 anos, ensino superior (Publicidade e Propaganda), sudestino, aproximadamente 145.000 seguidores no Twitter. Transgrediu até a forma de condução da entrevista (primeiro a narrativa, depois perguntas). Colocou-se em muitos momentos como alguém que rompe estereótipos e normas, seja de gênero ou sexual. Disse ter descoberto que a liberdade é a melhor forma de viver a vida. Tem uma leitura mais fluída sobre o gênero masculino. Foi professor-substituto da rede estadual e, ao mesmo tempo, mantinha perfil no Twitter e no OnlyFans, sem mostrar seu rosto. Estava fragilizado, à época da entrevista, por abuso de metanfetamina. Sua voz grave lhe traz ganhos financeiros, o que associa à contradição de ser passivo, na maioria dos vídeos que produz. Seus vídeos contêm, em geral, sexo agressivo, mas critica este tipo de conteúdo. Reconhece que a agressividade lhe traz problemas para além de dores físicas. Pois, nas relações afetivas, possíveis companheiros passam a buscar a mesma performance dos vídeos.
Resultados/Discussão
Além de terem iniciado o trabalho sexual online durante e/ou devido à pandemia de Covid-19, os participantes têm, em comum, vivências sócio-históricas que podem ser deduzidas por coincidência temporal. Considerando que eles têm idades entre 24 e 35 anos, nasceram entre 1985 e 1998, assim passaram sua infância, adolescência ou juventude sob lógica de governo social-democrata, associado à perspectiva de ampliação de direitos e diminuição da desigualdade social (Silva et al., 2019).
Analisando o contexto das narrativas sobre infância e constituição familiar, as mães de 4 dos 5 trabalhadores atendiam aos critérios para serem beneficiárias do Bolsa Família, porque: Militante, Coach e Calouro, nascidos no interior das regiões Norte e Nordeste do Brasil, tiveram infâncias bastante pobres; e a mãe do Empreendedor foi solo, trabalhava como diarista e tinha quatro filhos. Outro entrelaçamento em suas histórias de vida foi a passagem pela Universidade, uma vez que os nascidos próximos a 1990 (Militante, Coach, Transgressor e Calouro) acessaram ao ensino superior por meio do Enem, das cotas ou do ProUni. Porém, o Empreendedor, nascido em fins daquela década, quando na idade para o acesso à faculdade, apesar do desejo, já vivia em paradigma de país sob a realidade de cortes no orçamento da educação pública ou restrição do financiamento estudantil (Lima, 2019).
[Em conversa com a mãe] “Quem sabe vai dar muito certo, eu vou conseguir uma coisa boa pra nós e vou conseguir ajudar vocês e a gente vai ter uma vida muito melhor, né? Já que eu não consegui, a gente não tinha dinheiro pra uma faculdade, por exemplo”. [...] a gente não tinha muito e ainda ter que botar fora [pagar a faculdade], então a gente não tem como, né?" (Empreendedor, ao informar à mãe sobre o trabalho sexual)
Os trabalhadores sexuais entrevistados são parte de geração impactada por quebra na expectativa de futuro. Essa ocorre, a partir de 2016 (Picolotto et al., 2020), quando houve, no Brasil, o acirramento de políticas públicas neoliberais que foram de encontro aos direitos conquistados, como trabalhistas, seguridade social e educação, que protagonizavam a diminuição da desigualdade social.
Compreendendo o panorama apresentado e a fim de melhor analisar os resultados, esses serão apresentados em 3 eixos: I) políticas públicas de desmonte de direitos laborais e a plataformização do trabalho; II) mercado sexual transnacional; III) ethos influencer.
Eixo I: Políticas Públicas de Desmonte de Direitos Laborais e a Plataformização do Trabalho
Um efeito nevrálgico da reforma trabalhista, prometida para o aumento no número de vagas e ganho de renda pela população, no governo Michel Temer, foi a precarização das relações de trabalho e emprego. A reforma tinha como ponto essencial as novas tecnologias de trabalho e plataforma, assim, em linha com o pensamento Scholz (2016) sobre a influência das plataformas digitais no vilipêndio de direitos sociais.
O desemprego e a precarização levaram muitos trabalhadores a aderirem ao trabalho plataformizado, sob a esperança de maiores ganhos, liberdade e espírito empreendedor, mas sem garantia de direitos. Não obstante, a falta de postos de emprego também tornou o trabalho por aplicativo como única opção. Neste sentido, Calouro tinha o desejo de trabalhar na área do Direito Penal, mas sem uma rede de contatos que lhe propiciasse uma colocação, investiu em concurso público, todavia:
"eu foquei em concursos, né? Como eu estava aqui em casa sem trabalhar, eu falei: “não, eu tenho que pelo menos estudar. Eu tenho que ter alguma coisa.”. E nessa eu fui estudando. [E aí] veio nosso genocida [Jair Bolsonaro], né? Entrou na presidência e acabaram os concursos para a minha área".
A inserção no trabalho sexual online apareceu como a opção viável, pois a situação de desemprego recrudesceu com a pandemia de Covid-19. Os trabalhadores sexuais, que utilizam redes sociais para a venda de seus serviços, assim como motoristas de Uber, entregadores do iFood e as diaristas da Parafuzo, também são plataformizados, estando sob a égide da precarização de relações de trabalho e emprego e em desigualdade de poder frente às redes sociais ou plataformas (Maior & Vidigal, 2022). Inobstante, não se pode deixar de sublinhar que o trabalho sexual é, devido a falta de políticas públicas, como também, por preconceito e pânico moral (Piscitelli, 2005; 2013), precarizado e vulnerabilizado na origem de sua existência. Assim, a plataformização torna-se nova configuração e camada de vulnerabilização.
Duas das principais plataformas utilizadas por trabalhadores sexuais são o Twitter e o OnlyFans. No caso do Twitter, que tem tolerância relativa com conteúdo sexual, o engajamento (disseminação e contato de pessoas com uma publicação) é o principal objetivo, junto com o aumento no número seguidores (perfis que escolhem receber automaticamente as publicações). Nessa rede gratuita, são colocados conteúdos “degustação”, com frames de vídeos ou fotos, para angariar assinantes para o OnlyFans, assim como a venda de fotos e vídeos avulsos diretamente, nomeados com o termo êmico “packs”.
Todavia, existe uma contrapartida, porque a rede social lucra com a venda de publicidade visualizada por quem acessa o conteúdo produzido, sem nenhum tipo de repasse ou comissão a quem produz. Por outro lado, o OnlyFans cobra porcentagem, cerca de 20%, em cada assinatura feita no perfil do trabalhador sexual para acessar o conteúdo exclusivo. Mas, apesar de não gerar engajamento, a plataforma mantém métricas públicas, que geram benefícios meritocráticos àqueles trabalhadores, cujo conteúdo obteve maior lucro.
Há diferentes formas de vulnerabilização frente às plataformas, a depender de características individuais de cada trabalhador, pois aqueles como Empreendedor e Transgressor, uma minoria no universo destes trabalhadores, têm ganhos acima de um salário-mínimo por dia em assinaturas. Esses fazem sólido investimento na divulgação de seu trabalho, contam com ampla rede de seguidores, parcerias com outros trabalhadores sexuais e inserção no mercado transnacional. Também podem gozar de recursos e privilégios de raça, geográfico e formação histórico-cultural, que os auxiliam a aumentar seu sucesso. Porém, participantes como Coach e Militante apresentam dificuldade para manterem-se somente com os ganhos das plataformas e têm a necessidade da manutenção de vínculos de trabalho formal: trabalhos precarizados ou a prostituição para complemento da renda. Soma-se a isso, o fato deles não terem desejo de manter-se no ramo ou expressarem cansaço e desmotivação com a atividade.
O poder das plataformas nesta relação é robusto porque a vinculação não é reconhecida como de trabalho, mas de contratação de serviço pelo trabalhador, portanto uma relação de consumo. Uma passagem exemplificativa deste poder foi do Empreendedor, que teve o perfil suspenso pelo Twitter, unilateralmente, sem uma justificativa, pois a rede social alicerçava-se no Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965, 2014) - ato que traz prejuízos financeiros graves a quem depende da plataforma para o seu sustento. As suspensões unilaterais são comuns, pois se pôde perceber que contas de participantes convidados foram suspensas no decorrer da investigação. Em geral, essas suspensões ocorrem por denúncias judiciais ou realizadas na rede social por "conteúdo impróprio".
"fomos derrubados, tivemos provas dele [trabalhador sexual] ameaçando a gente, ele caluniando, ele difamando [...] E ele que se passou de vítima. Fez um simples B.O [por injúria racial], não sei o que ele fez mais, ele mandou pro Twitter [que] suspendeu as contas de todo mundo, sabe? Bem, quando eu tinha fechado os 400 mil seguidores, né? E isso me prejudicou muito, assim. Tanto mental, sabe? Porque tudo o que eu faço agora [é para] minha mãe, eu reformei toda a casa da minha mãe, mandei dinheiro pra ela." (Empreendedor)
O OnlyFans, em 2021, havia decidido proibir conteúdo adulto em seu servidor, por ameaças do setor bancário de suspender as transações financeiras da rede social. Os bancos têm políticas rígidas para a recepção de dinheiro proveniente de qualquer produção sexual. Por exemplo, no Brasil, apenas um banco, o C6 Bank, aceita transações internacionais desta natureza. Os participantes relataram surpresa e apreensão com essa informação de proibição, devido à grande parte de sua renda estar vinculada à plataforma. Houve recuo do site, após alguns dias do anúncio, por pressão de organizações de trabalhadoras sexuais europeias e ameaça de boicote, mas principalmente por um acordo com o mercado financeiro.
Pela fragilidade das relações com as plataformas, percebeu-se estratégias individuais dos trabalhadores na construção de perspectiva de futuro, como Coach, cuja aposta em um casamento com um estrangeiro, que o tiraria do trabalho sexual, algo vivido como cansativo e com o qual não tinha afinidade. Ou Empreendedor, que estabeleceu que o ofício tem idade limite e que se precisa aproveitar da juventude para fazer poupança ou aposentadoria. Ainda, o Calouro, que não pretende mais seguir uma carreira jurídica e dedicar-se ao trabalho sexual plataformizado. E o Militante, que mantém relação de certa conjugalidade com um cliente, a fim de com o dinheiro recebido deste serviço prestado quitar o financiamento de seu apartamento.
"Só estou com ele por questões financeiras e meio que eu queria organizar a vida e o primeiro objetivo era comprar a casa. Agora que eu já comprei, eu tô mais tranquilo [...] com o que ele me dá, eu consigo guardar dinheiro e me organizar melhor, sabe? Ter uma vida, eu pago aluguel ainda, porque a casa que eu comprei, o apê ainda tá em construção, então eu tô pagando já o financiamento e tô pagando aluguel, entendeu?" (Militante)
A situação exposta pelo Militante pode ser associada com a investigação de Pocahy (2012), cujo foco aconteceu sobre amor romântico pago entre homens, porque a conjugalidade com o cliente fixo do participante envolve sentimento de ciúmes, posse e exclusividade. Relatou haver, inclusive, agressões físicas e psicológicas para coibir que o participante tenha outros parceiros sexuais e outros clientes. Militante os mantém mesmo com ameaças.
Com as plataformas, observaram Maior e Vidigal (2022) em estudo com os trabalhadores do Uber, as jornadas tornam-se extenuantes e o lazer perdeu espaço na vida deles, assim o trabalhador fica integralmente disponível ao trabalho. Os participantes narraram situações de apagamento da barreira entre o profissional e o pessoal, principalmente, quanto aos relacionamentos afetivo-sexuais. Este apagamento é sustentado pelo conteúdo formatado para gerar engajamento que o trabalho sexual plataformizado exige, usualmente com sexo agressivo e aparente disponibilidade para o ato sexual. Este contexto pode conduzir a reflexos na subjetividade dos trabalhadores, como relatou Transgressor, que sentia dificuldade em construir relações além do sexo e expressou o desejo de que as abordagens fossem diferentes: "fala que têm interesse de me levar pra jantar, sendo eu um apreciador de culinária, seria muito mais apreciado e seria muito mais fácil de que acontecesse esse encontro do que me rasgar no meio".
Apesar de ser tangenciada pelas narrativas dos participantes, a regulação das redes/plataformas não são ponto central de suas narrativas. Todavia, na literatura recente como em Ryan (2019) e Scott et al. (2021) há uma preocupação com esta temática, devido ao poder das plataformas e dependência dos trabalhadores. Percebeu-se nas falas que as ações que os trabalhadores tomam são individuais e por meio do sistema judicial, que em alguns momentos é moralista e nega provimento às demandas. Entretanto, o associativismo e o cooperativismo poderiam ser medidas eficazes contra as plataformas. Scholz (2016) defende o modelo de cooperativismo de plataforma contra as plataformas de compartilhamento, que tem a centralidade na administração coletiva e democrática pelos trabalhadores plataformizados, por meio de cooperativa própria ou governamental. A gestão do trabalho fica vinculada à noção de trabalho decente, atacada pelas políticas neoliberais defendidas pelas plataformas digitais de trabalho.
Eixo II: Mercado do Sexo Transnacional
O mercado do sexo é amplo em práticas e inserções, com atividades-meio e atividades-fim. Exemplo da amplitude foi, durante a exploração inicial do ambiente online no Twitter, serem percebidos perfis de clínicas de estética especializadas em "rejuvenescimento do pênis", que também tinham fonte de faturamento na filmagem das sessões do procedimento no OnlyFans. Assim como, uma plataforma de podcast de contos eróticos, sob demanda, narrados por vozes de homens e mulheres.
O mercado do sexo também apresenta sua face transnacional, ou seja, trabalho sexual que irrompe fronteiras dos Estados nacionais, seja por meio do turismo sexual, no qual o/a cliente estrangeiro/a viaja com a intenção de consumir serviços sexuais de pessoas locais. Ou ainda, nos fluxos migratórios, principalmente do Sul global em direção ao Norte, de jovens em busca de melhores condições de vida, que acabam inserindo-se no trabalho sexual a fim de garantir suporte financeiro em país estrangeiro. O trabalho sexual transnacional foi referido nos trabalhos de Piscitelli (2013), principalmente sobre fluxos migratórios de brasileiras ao Norte global e Yolocuauhtli-Vargas e Alcalá, (2015), sobre turismo sexual com clientes homens e mulheres da Europa e Estados Unidos na América Latina.
O Militante citou como pontos de turismo sexual, com alta concentração de clientes estrangeiros e trabalhadores sexuais, Balneário Camboriú e a cidade do Rio de Janeiro. Já Coach, no momento da entrevista, estava em um intervalo da prestação de serviço a um cliente francês, além de estar de casamento marcado com um australiano, ex-cliente. E Calouro relatou pedidos de viagem para a Alemanha feitos por alguns seguidores alemães.
Entretanto, o trabalho sexual online apresenta dinâmica transnacional diferente, na qual há o deslocamento geográfico de um trabalhador, a fim de realizar uma parceria sexual, em vídeo ou foto, com outro. Via de regra, o convite para parceria e aceite passam pelo exame do engajamento dos perfis do possível parceiro de negócios. Tanto Empreendedor quanto Transgressor sinalizaram aumento exponencial no alcance e número de seguidores nos perfis no Twitter e assinaturas do OnlyFans, após parceria com estrangeiros.
Na atualização da dinâmica do mercado transnacional, a relação sexual gravada deve satisfazer os seguidores ou assinantes. Esses, em geral, europeus ou estadunidenses (Zerega, 2020), não mais consomem o serviço sexual presencialmente, mas à distância. Transgressor explicou como uma dinâmica de "ganha-ganha", porque ambos podem fazer uso do vídeo editado.
Com vistas a maior faturamento e também engajamento, Empreendedor planeja realizar viagem pela Europa, em 2022, a fim de gravar com trabalhadores e anônimos europeus, pois recebe pedidos recorrentes de seus seguidores para fazê-lo. Calouro explanou sobre aumentar o engajamento com estrangeiros com a seguinte estratégia: aderir ao Tinder Plus, que possibilita a mudança na geolocalização para cidades dos Estados Unidos ou Europa, inserir o link de seu perfil no Twitter na descrição e "passar todos e todas para a direita", fazendo match com todos. Desta maneira, há aumento no conhecimento de possíveis clientes.
Percebeu-se que duas características permanecem sem atualização na versão digital do mercado sexual transnacional online: o caráter racial e colonial. Pois se naquele tradicional era deslocar-se de país, a fim de ter relação sexual remunerada com homens e mulheres mestiços ou negros, como discorrem Yolocuauhtli-Vargas e Alcalá, (2015). Ou obter o serviço sexual em seu país com refugiados e imigrantes ilegalizados, que segundo levantamento da Fundación Triangulo (2006), eram a maioria entre homens trabalhadores sexuais nas ruas de Madrid. No ambiente virtual, os seguidores e, principalmente, assinantes são, em sua maioria, estrangeiros que engajam publicações, fotos e vídeos e solicitam performances sexuais inusuais dos trabalhadores, em grande parte, latino-americanos.
Eixo III: Ethos Influenciador
Um digital influencer ou usuário-influenciador é uma personalidade com grande número de seguidores em redes sociais, podendo esta quantidade ser concentrada ou não em uma plataforma. Esta personalidade deve ter a capacidade influenciadora ou persuasiva sobre aqueles que a seguem (Lou & Yuan, 2018). Soma-se o conceito de ethos discursivo, examinado por Di Fanti e Feré (2018), pois considera composições da ação de influenciar plasmada com discursos que a exercem e agenciam elementos verbais, não verbais, estéticos e éticos associados às complexas representações sociais e culturais. Por este motivo, este eixo foi nomeado de ethos influenciador.
Ryan (2019) nomeou essa característica, entre homens trabalhadores sexuais, de “micro-celebrity” como estratégia para aumentar o número de seguidores e engajamento. Em geral, segundo o autor, a estratégia é criar intimidade, confiança e autenticidade no trato com seu público para maior monetização dos conteúdos. Empreendedor e Transgressor são aqueles com maior sucesso e engajamento no Twitter, entre os participantes, algo que pode denotar maior poder de influência sob seus seguidores. Apesar do Transgressor relatar que número de seguidores não é diretamente ligado ao engajamento, pois "o alcance dos vídeos é muito maior do que a quantidade de seguidores. Diferente de outras plataformas em que o alcance depende do número de seguidores, o Twitter não. O Twitter depende apenas do material que você produz". Esta situação ocorre porque nesta rede social, o usuário não precisa ser seguidor para que um conteúdo chegue a ele, basta que algum perfil seguido por ele curta a publicação.
Entretanto, pelas interações vistas nos perfis ou relatadas pelos entrevistados, compreendeu-se a existência da capacidade de influência, principalmente, no que concerne ao como desempenhar um ato sexual. No próprio perfil do Transgressor, há postagens de mensagens privadas nas quais seguidores relatam "querer ser igual" a ele, pois ele "aguenta muito [ato sexual agressivo]", e por isso é um exemplo "a ser seguido". E, apesar de negar a influência, Transgressor relata preocupação com o conteúdo, em como esse reflete na atitude de quem o assiste e pensa em alternativas para mudar a forma como são gravados os vídeos, mesmo que de forma sutil.
Empreendedor e Militante disseram usar sua capacidade de influência para apresentar produções pornográficas fora do estereótipo imposto pela indústria pornográfica. O primeiro busca mostrar pessoas amadoras e desconhecidas, formações corporais fora do padrão e pessoas transgênero. E o segundo pensa ser relevante que a produção aparente amadorismo, com ângulos não planejados e iluminação precária, pois faz com que a produção perca o “glamour”. Contraditoriamente, produções feitas para estes ambientes digitais têm, apesar do caráter amador, planejamento de posição de câmera, iluminação e intensidade do ato sexual, a fim de facilitar o engajamento. Vale ressaltar que, conforme observou Maingueneau (2010), é próprio da percepção do discurso pornográfico o caráter abjeto.
"Eu até também quis muito pra quebrar o tabu, né? Que a gente tem muito tabu do sexo que é aquela coisa: “Nossa, é só gente magra, branca...”. Muitas vezes, né? Porque é magra branca e padrão, né? Sempre é isso. Então quando eu falei assim: “Cara, nada melhor.”. Um preto, gordo, afeminado. Eu falei: “Nada melhor pra quebrar um tabuzão!”." (Empreendedor)
"Se tu vires meus vídeos não tem edição no Twitter, não tem uma coisa muito enfeitada, é o que é. É daquele jeito, é uma coisa muito amadora mesmo. E é o que me dá mais tesão, inclusive pessoalmente, o que eu acho mais legal mostrar para as pessoas. É um sexo, é uma pegação muito casual, muito espontânea." (Militante)
Considerações Finais
Esta investigação almejou apresentar uma visão geral sobre homens trabalhadores sexuais no mercado do sexo digital e o trabalho plataformizado em um ambiente de desmonte de direitos sociais. O mercado do sexo é múltiplo e insere-se em diferentes setores da economia e sua configuração no ambiente digital ganhou novos contornos. O trabalho sexual digital teve incremento de trabalhadores por conta da pandemia de Covid-19, principalmente, vinculada à falta de apoio estatal aos cidadãos atingidos pelas restrições econômicas necessárias, muitos em situação de vulnerabilidade anterior.
O acirramento das reformas neoliberais cooperou para a plataformização e consequente vulnerabilização das relações de trabalho, em muito por pressão de empresas de tecnologia da economia compartilhada (Scholz, 2016). Apesar de não serem, imediatamente, reconhecidos como tal, os trabalhadores sexuais que utilizam as redes sociais para venda de seus serviços e produtos podem ser considerados plataformizados ou uberizados. Dentro deste grupo, existe níveis de vulnerabilidades, a depender de privilégios, recursos histórico-culturais e marcadores sociais da diferença. Porém, todos são afetados pelo poder que as plataformas digitais Twitter e OnlyFans fazem valer, esse infinitamente maior frente aos trabalhadores. As plataformas podem suspender, sem necessidade de justificativa, o perfil dos trabalhadores sexuais por, teoricamente, infringirem políticas da plataforma.
O impacto nas finanças e na saúde mental dos trabalhadores sexuais é profundo. Eles também enfrentam, neste contexto, dificuldades em construir relações afetivo-sexuais fora do ambiente de trabalho, pois é próprio da plataformização do trabalho (Maior & Vidigal, 2022) a diminuição dos espaços e períodos de lazer tornando difícil a separação do trabalho e a vida privada, uma vez que o trabalho digital solicita dedicação temporal aumentada (Scholz, 2016; Ryan, 2019).
O manual organizado por Scott et al. (2021) conta com capítulos vinculados somente à temática da regulação do trabalho sexual digital. O mesmo ocorre no estudo de Ryan (2019). A necessidade da regulação acontece pela percepção da injustiça e insustentabilidade no longo prazo deste modelo de relação com as plataformas, pois não traz previsibilidade alguma do trabalho, além de inexistência de transparência no tratamento de dados e decisões de suspensão de contas. Nas entrevistas realizadas, os pesquisadores tinham o mesmo sentimento de impotência e falta de perspectiva de futuro ao longo prazo entre os entrevistados.
O mercado do sexo transnacional acabou por ganhar novos contornos e dinâmicas com a sua configuração digital. Porém, manteve a estrutura e o caráter racial e colonialista, pois as dinâmicas citadas por Yolocuauhtli-Vargas e Alcalá (2015) para o turismo sexual podem ter sido transpostas para o ambiente digital, como a percepção de serem clientes brancos europeus em busca de mestiços latinos, uma vez que esses continuam a ser os principais consumidores, conforme relatos dos participantes. Os trabalhadores sexuais buscam estratégias para entender e conhecer o público que os seguem e os engajam. Assim, criam estratégias para engajar suas produções, sendo as principais: as parcerias para produções com estrangeiros e performances sexuais com certa violência.
O ambiente de vulnerabilidade, em uma associação entre políticas neoliberais e plataformas baseadas na produção pelo usuário, pode e necessita de mediação estatal com vistas a dirimir efeitos maléficos para os trabalhadores, assim como garantir direitos, o que passa por melhorias no Marco Civil da Internet. No caso específico dos trabalhadores sexuais, em primeiro momento, a discussão precisaria caminhar ao lado da regulação do trabalho sexual, da sua desmarginalização. Não se pode dar garantias de que o Estado não moralize a discussão, por isso o associativismo e o cooperativismo entre trabalhadores, ou seja, a organização coletiva, podem ser fundamentais nessa discussão. Todavia, há a necessidade de reforma trabalhista ampla, isto é, que assegure direitos para além do grupo de motoristas plataformizados.