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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.23 no.1 Rio de Janeiro jan./abr. 2023  Epub 03-Maio-2024

https://doi.org/10.12957/epp.2023.75298 

PSICOLOGIA SOCIAL

Vivências de Violência e Percepção do Medo entre Estudantes Universitários

Experiences of Violence and Perception of Fear among University Students

Experiencias de Violencia y Percepción del Miedo entre Estudiantes Universitarios

Catarina Gordiano Paes Henriques* 

Doutoranda em Psicologia Social e do Desenvolvimento (UFES), mestra em Direito (UFES) e graduada em Direito (UCSal).


http://orcid.org/0000-0001-9165-404X

Elisa Avellar Merçon-Vargas** 

Mestra em psicologia pela UFES e doutora em Desenvolvimento Humano e Estudos da Família pela UNCG. Professora visitante na UNCG.


http://orcid.org/0000-0003-1229-3122

Edinete Maria Rosa*** 

Doutora em Psicologia Social (USP/SP). Docente do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES.


http://orcid.org/0000-0003-4279-8308

*Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, Vitória, ES, Brasil

**University of North Carolina at Greensboro - UNCG, Carolina do Norte, Estados Unidos

***Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, Vitória, ES, Brasil


RESUMO

O objetivo deste estudo foi traçar um panorama das violências vivenciadas e temidas por estudantes no contexto universitário. Buscou-se descrever as frequências dessas violências, bem como a percepção dos alunos sobre suporte psicológico da Universidade e denúncia do agressor. Os dados foram obtidos por meio de questionário online e sistematizados com o auxílio do software SPSS (versão 2.3). Utilizou-se análises descritivas de frequência, média, desvio padrão, quartis e teste-t. Em geral, as médias de vivência de violência foram baixas, com maior incidência de violência emocional de professor e de colega; mulheres disseram ter sofrido mais violência em relação aos homens. As médias do medo foram altas, especialmente para mulheres, alunos mais jovens, com menor renda salarial e que relataram já ter sofrido algum tipo de violência na universidade. A universidade se mostrou um local onde parece ocorrer menos violência do que se teme. Estratégias de ação das universidades são necessárias para uma cultura solidária entre estudantes, professores e funcionários e para a oferta de suporte psicológico aos estudantes.

Palavras-chave: violência; violência emocional; violência universitária; medo.

ABSTRACT

This study aimed to provide an overview of the violence experienced and feared by students in the university context. We describe violence frequencies, students’ perception of psychological support provided by the University, and the rate of denouncement of the aggressor. The data were obtained through an online questionnaire and systematized in the SPSS software (version 2.3). Descriptive analyzes of frequency, mean, standard deviation, quartiles, and t-test were used. Overall, the average experience of violence was low, with a higher incidence of emotional violence by teachers and colleagues; women reported suffering more violence than men. The averages of reported fear were high, especially for women, younger, and lower-income students, and those who reported having suffered some type of violence at the university. The university proved to be a place where there seems to be less violence than is feared. Action strategies from universities are necessary for a solidary culture among students, teachers, and staff and for offering psychological support to students.

Keywords: violence; emotional violence; campus violence; fear.

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue esbozar un panorama de la violencia vivida y temida por los estudiantes en el contexto universitario. Se buscó describir las frecuencias de estas violencias, así como la percepción de los estudiantes sobre el apoyo psicológico de la Universidad y la denuncia del agresor. Los datos se obtuvieron a través de un cuestionario en línea y se sistematizaron con la ayuda del software SPSS (versión 2.3). Se utilizaron análisis descriptivos de frecuencia, media, desviación estándar, cuartiles y prueba t. En general, la experiencia media de violencia fue baja, con mayor incidencia de violencia emocional por parte de profesores y compañeros; las mujeres dijeron que sufrieron más violencia que los hombres. Los promedios de miedo fueron altos, especialmente para las mujeres, estudiantes más jóvenes, con menores ingresos y que reportaron haber sufrido algún tipo de violencia en la universidad. La universidad resultó ser un lugar donde parece haber menos violencia de la que se teme. Las estrategias de acción de las universidades son necesarias para una cultura solidaria en ese contexto y para ofrecer apoyo psicológico a los estudiantes.

Palabras clave: violencia; violencia emocional; violencia universitaria; miedo.

A violência pode ser entendida como um fenômeno complexo que perpassa as gerações e que está presente nas mais diversas estruturas sociais. Dessa forma, torna-se relevante compreender a manifestação da violência nas organizações atuais, como família e universidade, e como a violência produz e é produto do funcionamento dessas organizações.

O convívio universitário propicia vivências entre alunos, professores, funcionários e comunidade externa, o que habitualmente constrói laços, mas alguns atos de violência podem ocorrer. As vivências acadêmicas são pautadas pela dimensão relacional entre seus membros e os conflitos podem macular a qualidade das relações (Sisto et al., 2008). Na relação professor-aluno, por exemplo, ambos constroem representações mútuas que mediarão esta interação e determinarão comportamentos futuros (Santos, 2000). Em levantamento realizado com alunos usuários do serviço de saúde mental de uma Universidade do Estado de São Paulo, problemas de relacionamento interpessoal na universidade estavam entre os principais motivos de busca de atendimento (Oliveira et al., 2008).

A presente pesquisa busca dar voz aos estudantes acerca das suas vivências de violência e seus medos dentro da universidade. Isso porque as histórias de vida dos estudantes, os contextos familiares e sociais em que estão inseridos e a reprodução de alguns medos presentes na sociedade podem influenciar na construção de seguranças ou inseguranças no ambiente universitário (Nunes et al., 2018).

Segundo Lourenço (2010), o sentimento de insegurança é a apreciação subjetiva que os indivíduos fazem da segurança, que emerge no quadro das preocupações sociais e assume um lugar relevante e central no discurso político. Para o autor, a violência urbana é apontada como um problema social da sociedade urbana, sendo a globalização, a expansão da ideologia neoliberal e a diminuição das políticas de intervenção social algumas das causas de aumento da violência urbana e, por conseguinte, do sentimento de insegurança. Esse sentimento passa pela construção social dos crimes e dos criminosos e pelo que eles representam para a comunidade política. As Representações Sociais podem ser definidas como modalidades de conhecimento orientadas para a comunicação e compreensão do contexto social, material e ideativo em que se vive (Jodelet, 1986).

No que se refere à avaliação da visão de estudantes sobre a vivência de violência no ambiente universitário e os possíveis fatores associados, os estudos ainda são incipientes, mas já encontramos publicações nesse sentido. Estudos como o de Godinho et al. (2018), por exemplo, mostram que 30,9% dos alunos de uma instituição privada de Fortaleza/CE relataram violência no ambiente universitário, sendo 84,1% do tipo psicológica e 72,8% praticada pelos próprios estudantes. Os últimos semestres da graduação e os cursos de Fisioterapia, Medicina e Psicologia apresentaram relação com uma maior proporção de relatos sobre situação de violência na universidade. Do total, 30% a 20% da amostra disse que os obesos, os homoafetivos e os deficientes físicos seriam alvo de tratamento inadequado, quando estariam mais propensos à vivência de violência.

Os dados de Fragoso (2017) mostram que 7% dos discentes respondentes da Universidade Federal de Sergipe (UFS) foram vítimas de algum ato violento dentro do campus, como roubo, furto, ameaça e agressão. Do total, 9,4% disse que se sente seguro, 75% disse que se sente seguro às vezes, dependendo do local onde estejam ou do horário e 15,6% disse que nunca se sente seguro. Já os dados da pesquisa sobre violência, conflitos e crimes nos Campus Universitários da Universidade Federal de Goiás (Oliveira & Santibanez, 2015) apontam que 57,7% dos alunos consideram a universidade um lugar seguro.

No que se refere ao gênero, a violência ainda é majoritariamente vivenciada por mulheres, sobretudo a sexual; segundo pesquisa realizada com alunos de uma universidade do Estado de São Paulo, 56,3% das mulheres entrevistadas sofreram algum tipo de violência e 9,4% sofreu violência sexual desde o ingresso na universidade e 29,9% dos homens declararam ter perpetrado algum tipo de violência (Zotareli et al., 2012). Naquele universo de entrevistados, os homens representavam 51,3% da amostra.

Em estudo com graduandas de enfermagem de uma instituição de ensino superior pública do interior do estado de São Paulo, Scherer et al. (2015) identificaram violência interpessoal sofrida pelas estudantes do sexo feminino, que revelaram terem sido vítimas de violência psicológica. As participantes também relataram ter presenciado ou ouvido relatos de situações de violência envolvendo colegas mulheres. Como perpetradores foram citados professores, profissionais de estágio e colegas.

O sofrimento psíquico também entre estudantes vem sendo relatado por estudos, como o de Souza (2017), que identificou sentimento de solidão em 47% dos 384 respondentes da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Também foram identificados sintomas depressivos em 59,2%, ansiedade em 70,4% e estresse em 78,1. O estudo apontou que o suporte social se mostrou um possível fator de proteção ao aumento desses sintomas.

Essas pesquisas são importantes para a inserção da temática no ambiente acadêmico e o fortalecimento das estratégias de ação das universidades para uma maior atenção à segurança e à saúde mental dos estudantes. No que se refere à atenção à saúde mental, sabe-se que teve início em 1957, com a oferta assistência psicológica e psiquiátrica a estudantes universitários pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (Cerchiari et al., 2005). Ainda não se trata de um serviço instituído nacionalmente, mas vem crescendo; entre 1999 e 2000 foi constatado que apenas 34% das 40 instituições públicas pesquisadas ofereciam algum tipo de atendimento à saúde mental dos estudantes universitários (Assis & Oliveira, 2010).

Com o objetivo de contribuir para uma cultura solidária e humanizada dentro da universidade, com laços entre estudantes, professores e técnicos, necessário se faz, portanto, a manutenção de diálogo sobre saúde mental. Nesse sentido, são necessárias estratégias de intervenção frente a situações de crise e urgência suscitadas pela experiência de sofrimento psíquico em jovens universitários (Muñoz et al., 2019).

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi traçar um panorama da violência no contexto universitário. Especificamente, tratou-se de a) descrever as frequências das violências temidas e vivenciadas e b) conhecer a percepção dos alunos sobre suporte psicológico da Universidade e denúncia do agressor. Para a sistematização e análises dos dados, utilizou-se análises descritivas de frequência, média, desvio padrão, quartis e teste-t, com o auxílio do software SPSS (versão 2.3).

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 600 estudantes da Universidade Federal do Espírito Santo (70,5% mulheres, 28,7% homens, 0,3% transgêneros e 0,5% outro) com idades entre 18 e 66 anos (Midade = 25,8, DP = 8,64). A maioria dos participantes era dos cursos de graduação (84,8%), seguidos dos alunos de mestrado (7,7%), doutorado (5,8%) e especialização (1,7%). A média salarial dos participantes foi de 3 a 6 salários-mínimos (DP = 1,31; 76,2% da amostra declarou renda familiar entre 1 a 6 salários-mínimos). Com relação cor/raça, 48,3% dos participantes se declararam brancos, 33,7% pardos, 15,8% negros, 1,2% amarelos e 1% outro.

Um total de 975 pessoas acessaram o link da pesquisa, sendo que 62,87% concluiu o questionário. Do total, 13 declararam ter menos de 18 anos e não foram computados na análise.

Instrumentos e Procedimentos

Para coleta de dados, utilizou-se um questionário online (plataforma Qualtrics), constituído por questões de múltipla escolha em diferentes modelos (dicotômicas, múltiplas alternativas, formato Likert de cinco pontos) e uma questão aberta que abordava a temática da violência vivenciada no contexto familiar e das violências temidas e vivenciadas no contexto universitário. Os participantes foram recrutados por e-mail e via redes sociais; foi solicitado o suporte da Universidade para o envio do link da pesquisa, por e-mail, para os alunos matriculados na graduação e nas pós-graduações.

No presente estudo utilizaremos os dados sobre as violências temidas e vivenciadas na universidade, bem como os dados sobre denúncia, agressores e apoio da Universidade nos casos de violência. O estudo seguiu as diretrizes e procedimentos éticos, tendo sido aprovado Comitê de Ética da Universidade Federal do Espírito Santo, parecer n. 2.542.642, CAAE n. 80747817.6.0000.5542.

Procedimento de Análise de Dados

As análises de dados foram realizadas com auxílio do SPSS (versão 2.3) a fim de descrever a frequência de indicadores que versavam sobre (a) atos de violência temidos pelos estudantes e sobre (b) as vivências das violências física, emocional e sexual perpetradas por colegas, professores, funcionários e terceiros. Para este fim, utilizamos análises descritivas de frequência, média, desvio padrão e quartis. Uma análise de frequência, média e desvio padrão das respostas também foi utilizada para as questões sobre denúncias, apoio e serviços psicológicos oferecidos pela universidade.

Para a média da frequência dos atos temidos pelos alunos e das vivências de violência no ambiente universitário, os indicadores foram somados e divididos pelo número total, obtendo-se a média padronizada tanto do medo quanto das vivências de violência. Para a comparação das médias de indicadores de medo e das vivências de violência segundo cor/raça e segundo gênero, utilizou-se o teste-t de amostras independentes.

Resultados

Medo na Universidade

A média geral de frequência de medo no ambiente acadêmico foi de 3,64 (DP = 1,07), tendo variado de 1 a 5. Cerca de 60% dos participantes relataram frequências maiores que 3,5. Do total, 40% dos participantes concordaram parcial ou totalmente que temiam os atos elencados pelo questionário (1º quartil = 3,12, 2º quartil = 3,90, 3º quartil = 4,5). Pela ordem crescente de frequência média foram identificados os indicadores furto, roubo, danos ao patrimônio, violência emocional, violência física, problemas ocasionados por usuários de drogas e estelionato.

Furto foi o indicador com maior frequência média (M = 4,23, DP = 1,2), sendo que apenas 8,2% da amostra discordou totalmente de que tinha medo de vivenciar este tipo de violência; 82,5% concordou parcial ou totalmente que sente medo de sofrer furto no ambiente acadêmico. Roubo foi o segundo com maior frequência média (M = 4,18, DP = 1,26), sendo que 9,3% dos participantes relataram não temer este ato e 81,2% concordou parcial ou totalmente que tem medo de sofrê-lo.

Danos ao patrimônio foi o terceiro indicador com maior frequência média (M = 3,97, DP =1,36); 11,8% disse não temer este ato, ao passo que 74,3% concordou parcial ou totalmente que tem medo de ter seu patrimônio danificado por ações de terceiros. Violência emocional foi o quarto indicador com maior frequência média, (M = 3,84, DP = 1,44), sendo que 14,3% disse que não teme este tipo de ato, enquanto que 70,4% concordou parcial ou totalmente que tem medo de sofrer essa violência.

Entre os indicadores que tiveram frequência média abaixo da média geral, estava violência física (M = 3,45, DP = 1,55), violência sexual (M = 3,42, DP = 1,66) e problemas ocasionados por usuários de drogas (M = 3,23, DP = 1,56). Enquanto 21,5% dos participantes relataram não temer sofrer violência física na universidade, 61,4% concordou parcial ou totalmente temer este tipo de violência. Com relação à violência sexual, 26,3% disse não temê-la, enquanto que 60,3% concordou parcial ou totalmente ter medo desta violência. Por fim, no que se refere aos problemas ocasionados por usuários de drogas, 24,7% dos participantes disseram não temer tais ações, enquanto 49,8% concordou total ou parcialmente que as teme.

Quanto ao indicador com a frequência mais baixa, estava estelionato (M= 2,8, DP = 1,55), sendo que 33,7% relatou não temer este ato e 36,1%, dos participantes concordaram, parcial ou totalmente que temem que ocorra estelionato no ambiente universitário.

Um teste-t de amostras independentes foi realizado para comparar o medo no ambiente universitário segundo cor/raça e segundo gênero. Foram contabilizadas apenas as respostas de homens e mulheres (99,2%) e de pessoas negras, pardas e brancas (97,8%). Não houve diferença significativa nas pontuações para as médias de (in)segurança entre negros/pardos.

Houve diferença significativa nas pontuações para as médias de medo entre mulheres (M = 3,71, DP = 1,48) e homens (M = 2,81, DP = 1,54); t(593) = 7,13, p = 0,000, quando as mulheres se sentiram, em geral, mais inseguras na universidade do que os homens. Também houve diferença na comparação das médias entre mulheres e homens no que diz respeito ao medo de vivenciar cada indicador.

As mulheres relataram mais medo de sofrer violência sexual, violência física e violência emocional; em segundo plano, as mulheres também relataram mais receio de sofrer roubo e furto. Os dados apontam que houve diferença pouco significativa no que se refere ao medo de sofrer problemas ocasionados por usuários de drogas entre mulheres e homens. Não houve diferença significativa para estelionato e danos ao patrimônio.

Vivências de Violência no Ambiente Universitário

A média geral de frequência da violência vivenciada no contexto universitário foi de 1,20 (DP = 0,29), tendo variado de 1 a 3,6. Aproximadamente 98% dos participantes relataram ter vivenciado violência neste contexto, raramente ou com menos frequência (1º quartil = 1, 2º quartil = 1,08, 3º quartil = 1,25), observando-se alguma variação na vivência dos diferentes indicadores de violência.

Figura 1 Média dos indicadores das vivências de violência na universidade. 

Com maior média entre os atos de violência vivenciados no contexto universitário, violência emocional de professor foi o indicador com maior frequência média (M = 1,94, DP = 1,25), sendo que mais da metade dos estudantes (55%) relatou nunca ter vivenciado este tipo de violência e 13,2 % relatou frequentemente ou sempre tê-la sofrido. Violência emocional de colega foi o segundo indicador com maior frequência média (M = 1,75, DP = 1,12); 61,5% dos participantes disseram nunca ter vivenciado esta violência e 9,3%, frequentemente ou sempre.

Sobre violência emocional de funcionário (M = 1,19, DP = 0,62), 89,5% dos participantes disse que nunca sofreu esta violência, enquanto 2% relatou tê-la vivenciado frequentemente ou sempre. Com a mesma média que o indicador anterior, violência emocional de terceiro apresentou frequência média menor em relação aos indicadores anteriores (M = 1,19, DP = 0,60); 88,8% dos participantes disseram nunca ter vivenciado esta violência e 1,4% relatou tê-la vivenciado frequentemente ou sempre.

Os demais indicadores foram apontados como nunca vivenciados pela maioria dos participantes: violência física de colega (95,5%); violência sexual de professor (96,2%); violência física de terceiros (96,8%); violência sexual de colega (96,7%); violência física de professor (98%); violência sexual de terceiros (98,2%); violência sexual de funcionário (98,3%); violência física de funcionário (98,7%).

Foi realizado um teste-t de amostras independentes para comparar a vivência de violência no ambiente universitário segundo cor/raça e segundo gênero. Não houve diferença significativa para médias de vivência de violência entre negros/pardos e brancos.

Em termos gerais, houve uma diferença significativa nas pontuações para as médias dessa vivência entre mulheres (M = 1,23, DP = 0,32) e homens (M = 1,13, DP = 0,19); t(593)=3,85, p = 0,000. Esses resultados sugerem que as mulheres foram mais vítimas de violência no contexto universitário do que os homens. Houve uma diferença significativa nas médias de mulheres (M = 2,06, DP = 1,30) e homens (M = 1,63, DP = 1,04); t(593)=3,84, p = 0,000 para vivência de violência emocional de professor. No mesmo sentido, também houve uma diferença significativa nas médias de mulheres (M = 1,84, DP = 1,17) e homens (M = 1,52, DP = 0,95); t(593)=3,20, p = 0,001 para a vivência de violência emocional de colega.

Denúncia, Apoio da Universidade e Atendimento Psicológico

Entre os participantes que consideraram ter sofrido violência, ao perguntarmos sobre denúncias (n = 204), apenas 9,3% afirmou ter denunciado o agressor. Com relação às razões para não denunciar, 69,8% concordou parcial ou totalmente que a denúncia “não iria dar em nada”: dos 242 que acreditavam que a questão se aplicava a eles (M = 3,87, DP = 1,57). O segundo motivo mais apontado pelos participantes foi a falta de provas, com 48% das pessoas concordando parcial ou totalmente que não denunciaram porque não possuíam provas (das 235 que achavam que se aplicava a elas (M =3,06, DP = 1,68).

Além disso, 38,2% dos participantes concordaram parcial ou totalmente que tiveram medo de denunciar o agressor: dos 238 que acreditavam que a questão se aplicava a elas (M = 2,73, DP = 1,63). Ainda, 25,3% dos participantes concordaram parcial ou totalmente que não denunciaram porque não quiseram: dos 225 que acreditavam que a questão se aplicava a eles (M = 2,41, DP = 1,52). Por último, 7,3% dos participantes concordaram parcialmente ou totalmente que não denunciaram porque haviam sido ameaçados: de 218 participantes que achavam que a questão se aplicava a eles (M = 1,57, DP = 1,09). Entre as pessoas que não negaram a vivência de violência (n = 205), a maioria (94,6%) disse não ter se sentido amparado pela universidade em decorrência das violências sofridas no ambiente acadêmico.

Quando perguntados sobre o apoio advindo da universidade (M = 2,7, DP = 1,28), 23,5% dos participantes discordaram totalmente que a universidade tem capacidade de fornecer apoio em casos de violência sofrida pelos alunos, ao passo que 30,8% concordou parcial ou totalmente com a afirmativa. A maioria dos participantes (91,2%) concordou parcial ou totalmente que é papel da universidade zelar pela saúde mental dos seus alunos (M = 4,56, DP = 0,8) e apenas 1,2% negou tal atribuição.

No que se refere aos serviços de atendimento psicológico oferecidos pela universidade aos alunos (M = 1,62, DP = 10,49), 61,7% afirmou não os conhecer. Entre os serviços mais citados, estavam o Núcleo de Psicologia Aplicada (26,8%) e serviços de psicologia em geral (20,2%).

Correlação entre Vivência de Violência, Idade, Apoio Psicológico, Denúncia e Medo

Os resultados indicaram uma correlação negativa entre renda e medo (r = -0,11, p < 0,001) e a violência vivenciada no ambiente acadêmico (r = -0,40, p = 0,323). Participantes com menor renda salarial relataram maior frequência de vivência de violência na universidade e mais medo de sofrer os atos elencados pelo questionário. Em sentido contrário, observamos correlação positiva entre medo e vivência de violência (r = 0,18, p = 0,000); assim, participantes que relataram já ter sofrido algum tipo de violência na universidade também relataram se sentirem mais inseguros. A idade esteve relacionada negativamente ao medo (r = 0,13, p = 0,001), o que sugere que, quanto mais novos, mais os alunos temem sofrer violência.

O apoio psicológico da universidade esteve positivamente correlacionado à vivência de violência (r = 0,50, p = 0,000). Analisando os três tipos de violência, a correlação foi mais preponderante em relação à física (r = 0,94, p = 0,022) do que em relação à violência emocional (r = 0,57, p = 0,000) e sexual (r = 0,20, p = 0,000). Quanto mais os participantes relataram ter sofrido violência na universidade, mais relataram a presença de apoio, especialmente para a violência física. No mesmo sentido, a denúncia também esteve mais positivamente correlacionada à violência física (r = 0,93, p = 0,022) do que às violências emocional (r = 0,53, p = 0,000) e sexual (r = 0,23, p = 0,000). Denúncia e apoio psicológico também estavam positivamente correlacionados (r = 0,91, p = 0,000), ou seja, os alunos que procederam à denúncia se sentiram mais amparados em relação aos que não denunciaram o agressor.

A partir de uma análise de correlação, entre medo e vivência de violência, os resultados indicaram que houve correlação positiva para os três casos, ou seja, quanto mais os participantes relataram ter sofrido violência na universidade, mais relataram temê-la. A correlação foi mais preponderante em relação à violência emocional (r = 0,33, p = 0,000), seguida da sexual (r = 0,13, p = 0,001) e, com menor preponderância, violência física (r = 0,082, p = 0,044).

No que se refere à violência emocional, a média do medo (M = 3,84, DP = 1,44) foi maior do que a da vivência (M = 1,52, DP = 0,68). A violência sexual também foi mais temida (M = 3,42, DP = 1,66) do que vivenciada (M = 1,04, DP = 0,17), assim como a violência física, temida (M = 3,45, DP = 1,55) e vivenciada (M = 1,05, DP = 0,26) em diferentes intensidades.

Discussão

Este estudo contribui para a literatura sobre a violência ao explorar a prevalência de vivências não só de diferentes tipos de violência, mas de diferentes indicadores de cada tipo de violência, em um contexto não necessariamente de risco - entre estudantes universitários, dentro da universidade. Complementarmente, também se investiga o medo dos participantes acerca de atos considerados socialmente violentos.

De forma geral, houve altas frequências para o medo na universidade, sendo que os indicadores de crimes contra o patrimônio foram os mais prevalentes. Em seguida, estavam roubo e furto, seguidos de danos ao patrimônio e violência emocional; as violências física e sexual, problemas ocasionados por usuários de drogas e estelionato foram os menos temidos.

Resultados semelhantes foram obtidos por Nunes et. al (2018), em pesquisa que buscou compreender as percepções sobre crime, vitimação, sentimentos de (in)segurança e concepções sobre a atuação da polícia em uma área urbana onde se concentram muitas universidades. Roubo, violência física e furto estiveram entre os três crimes mais temidos.

Em estudo realizado pelo Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e violência da Universidade Federal de Goiás (Oliveira & Santibanez, 2015), 57% dos alunos e 55,3% da comunidade acadêmica consideram a universidade um local seguro e os principais motivos que produzem medo e sensação de insegurança dizem respeito a problemas referentes a infraestrutura/ocupação (68,9%), como falta de iluminação (36,4%), o local ser “ermo” (21,3%) ou “ausência de vigilantes/ vigilância” (11,2%). Para os alunos o principal motivo é falta de iluminação, para os docentes é ausência de vigilantes e para os terceirizados, o local ser ermo.

No tocante à diferença das respostas entre os gêneros, os resultados apontaram que as mulheres se sentiram mais inseguras na universidade, principalmente no que se refere às violências sexual, física e emocional. Salienta-se que o Espírito Santo é um dos estados onde mais morrem mulheres vítimas de violência e ocupa, de acordo com o Atlas da Violência 2020 (Cerqueira & Bueno, 2020), a 11ª colocação entre as unidades federativas onde mais houve violência letal contra mulheres (4,9 mulheres mortas para cada 100 mil mulheres), com taxas superiores à nacional (4,3 mortas para cada 100 mil). Ademais, a ocorrência de crimes entre os estudantes não é rara, havendo crimes sexuais, agressões físicas e verbais suscetíveis de originar receios pela sua ocorrência, em particular no sexo feminino (Nunes et. al, 2018).

Em estudo sobre violência de gênero e sexual entre alunos de uma universidade pública brasileira (Zotareli et al., 2012), 56,3% das mulheres relataram ter sofrido algum tipo de violência e 9,4% relatou ter sofrido violência sexual desde seu ingresso na universidade. Em relação aos homens, 29,9% declarou ter perpetrado algum tipo de violência (11,4% violência de gênero e 3,3% violência sexual). Viver com pais/parentes foi identificado como fator de proteção às mulheres de sofrerem e os homens de perpetrarem violência sexual. Os alunos que deram importância à religião tiveram risco menor de serem perpetradores de violência em geral e de violência sexual, mas não de violência de gênero em geral.

A violência sexual também foi identificada por um estudo com 6.548 estudantes universitários de 17 universidades em Minnesota, Estados Unidos. Do total, 52 estudantes relataram perpetração de violência sexual no último ano, incluindo 29 estupros. No geral, os autores de violência sexual têm maior probabilidade de serem homens, de terem sido vítimas de violência durante a vida, de terem fumado maconha nos últimos 12 meses e de serem mais jovens, com 18 ou 19 anos (Porta et al., 2017).

Não foram significativas as diferenças do medo entre as pessoas que se declararam negras / pardas e brancas, apesar de haver socialmente dados que mostrem ser as duas primeiras categorias as mais atingidas por alguns tipos de violência. No Atlas da Violência 2020 (Cerqueira et. al., 2020), verificou-se a continuidade do processo de aprofundamento da desigualdade racial nos indicadores de violência letal no Brasil; em 2018, 75,7% das vítimas de homicídios foram pessoas negras, abrangendo pretos e pardos, sendo que a taxa de homicídios por 100 mil negros foi de 37,8, e a taxa de não negros (brancos, amarelos e indígenas) foi de 13,9.

No que se refere às experiências violentas no contexto universitário, a violência foi apontada como nunca ou raramente vivenciada pela grande maioria dos participantes, sendo que a violência emocional foi a mais vivenciada, sobretudo violência emocional praticada por professor e por colega.

Nessa seara, comentários ao final do questionário suscitaram a falta do indicador “assédio sexual de professor”, ao passo que o indicador violência emocional de professor foi bastante apontado como vivenciado, enquanto a violência sexual de professor ocupou a sexta posição entre os 12 indicadores. Dessa forma, é possível que o assédio sexual citado tenha sido classificado como violência sexual ou até mesmo como violência emocional.

O assédio sexual é um crime contra liberdade e dignidade sexuais (Código Penal, artigo 216-A). Trata-se de constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Não há consenso entre os juristas se, na relação professor-aluno, constrangimentos deste tipo são considerados assédio sexual, mas a sexta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2019), por maioria, entendeu que tais condutas podem se configurar assédio sexual.

Os papéis de mulheres e homens e tudo aquilo que reflete na seara das organizações sociais podem explicar os dados desta e de outras pesquisas. Segundo os dados de Scavone (2015), entre os 1.823 universitários brasileiros de graduação e pós-graduação de universidades públicas e privadas do Brasil entrevistados, 42% das mulheres disseram que sentem medo de sofrer alguma violência no espaço universitário, enquanto 67% afirmou já ter vivenciado algum tipo de violência neste espaço. O assédio sexual foi vivenciado por 56% das mulheres e a desqualificação intelectual por 49% delas.

No mesmo sentido, a universidade foi classificada por participantes do estudo de Freitas (2019) como sendo um local misógino e preconceituoso. Em pesquisa sobre vitimização e segurança na Universidade Federal de Sergipe (Fragoso, 2017) menos de 6,35% dos alunos disseram ter vivenciado violência física e 1,02% disse que vivenciou tentativa de estupro.

No que diz respeito às correlações, os participantes que relataram mais medo de sofrer os atos elencados pelo questionário foram os mais novos, os com menor renda salarial e os que relataram já ter sofrido algum tipo de violência na universidade. Os participantes com menor renda salarial também relataram maior frequência de vivência de violência na universidade.

Quanto ao fator sociodemográfico renda, entendemos que é possível que os resultados reflitam um efeito de acumulação de fatores de risco. Assim, em contextos mais vulneráveis, o acúmulo de fatores de risco como insegurança alimentar, condições e local de moradia (bairros violentos), falta de acesso a recursos básicos como saúde e educação de qualidade, subemprego etc. podem contribuir para maior ocorrência de violência. Segundo Nunes et al. (2018), a idade influencia o sentimento de insegurança quando dos jovens se encontram no início do processo de afastamento da família nuclear e sentem alguma vulnerabilidade acrescida.

Na comparação entre as vivências de violência física, emocional e sexual e o medo de suas ocorrências, a maioria dos alunos que disse ter medo de sofrê-las havia vivenciado tais violências no contexto universitário. A correlação foi mais preponderante em relação à violência emocional, seguida da sexual e, com menor preponderância, para violência física.

Apesar da média geral do medo ter sido alta, a média geral de vivência de violência foi baixa, tendo a universidade se mostrado um local onde parece ocorrer menos violência do que se teme. Corroborando este ponto, dados sobre vitimização e (in)segurança na Universidade de Santa Catarina (UFSC) sugerem a inexistência de associação entre vítimas pessoais de crimes materiais e o medo de ser vítima, o que evidencia não ser possível associar insegurança ao fato de ter sido vítima (Sálvia, 2015). Dessa forma, a insegurança e o medo de vivenciar atos violentos se mostrou fora da seara individual, mas uma forma de compartilhamento de sentimentos já pensados e estruturados, produzidos e reproduzidos no tecido social.

O medo de vivenciar determinados atos também pode ter sido influenciado pela ocorrência ou mesmo apenas pela veiculação de notícias de crimes e incivilidades que ocorrem naquela área urbana (Nunes et al., 2018). Incivilidades são atos desafiadores das normas, como vandalismo e degradação, que rompem as regras de conduta, se tornam recorrentes e contribuem para o sentimento de desordem e angústia social (Roché, 1994). A distribuição espacial e das caraterísticas paisagísticas dos espaços (Nunes et al., 2018), como, por exemplo, ser mal iluminado, ter áreas isoladas e não construídas podem ter contribuído no mesmo sentido.

O relatório de pesquisa realizada na Universidade Federal de Goiás sobre violência, conflitos e crimes nos campi Universitários (Oliveira & Santibanez, 2015) indica que a universidade foi considerada segura, mas que apresenta locais de perigo. Enquanto a segurança se referiu ao contexto - estado, cidade, região, entorno -, o perigo foi relacionado aos problemas de infraestrutura, como iluminação, acesso, obras inacabadas e/ou de serviços, como vigilância e ouvidoria. Este entendimento pode ter sido compartilhado pelos alunos da presente investigação, quando indicaram temer diversos atos de violência, sendo que não reportaram as respectivas vivências nas mesmas frequências. Na UFS e na UFSC, a sensação de segurança e o medo de vivenciar determinados atos também se mostrou contextual, tendo a maioria dos participantes dito que se sentem seguros a depender do horário em que transitam naquelas universidades (Fragoso, 2017; Sávia, 2015).

No quesito denúncia, poucos dos participantes afirmaram ter denunciado o agressor, principalmente porque “não iria dar em nada”, porque não tinham provas e por medo, justificativas que se assemelham às encontradas por Nunes et al. (2018). Os participantes que disseram ter sofrido violência física na universidade foram os que mais denunciaram e os que mais relataram a presença de amparo institucional, especificamente apoio psicológico. E entre os alunos que procederam à denúncia, estes se sentiram mais amparados em relação aos que não denunciaram o agressor. Esses achados sugerem que, apesar da crescente visibilidade da violência emocional, as medidas necessárias são tomadas com maior preponderância para a violência física, mais facilmente reconhecível e identificável do que a violência emocional.

Nos chamou atenção, ainda, a dissonância entre algumas respostas dos participantes sobre sofrimento atos de violência, ao relativizarem essa violência quando perguntados se haviam denunciado o agressor. Na segunda ocasião, assinalaram no questionário que não haviam sofrido violência. Ou seja, podem até considerar genericamente determinados atos como violentos, mas podem não ter considerado o que experimentaram como violência, visto que a maioria dos atos se deu em frequências mais baixas.

Entre as pessoas que não negaram a vivência de violência, a maioria disse não ter se sentido amparada pela universidade em decorrência das violências sofridas naquele ambiente. Parcela considerável dos participantes concorda que a universidade tem capacidade de fornecer apoio psicológico aos alunos, inclusive em casos de violência, entretanto, mais da metade deles afirmou não conhecer os serviços de atendimento psicológico oferecidos.

Questões como dificuldades nos vínculos e relacionamentos entre professores e alunos foram relatadas por Bardagi e Hutz (2012), quando identificaram que os alunos relataram decepção com o tipo de vínculo estabelecido com os professores, sendo alguns distantes ou que não aparentavam interesse pelas questões individuais dos alunos. Esse sentimento de distanciamento também se aplicou à universidade como um todo, o que provavelmente criaria uma sensação de distanciamento geral da universidade. Esse distanciamento geral da universidade pode negligenciar situações que são típicas do ensino superior, como absenteísmo, depressão, dependência química, melancolia, fobias, isolamento e a evasão.

A vida acadêmica é marcada por transformações inerentes ao início da adultez e o desafio está na produção de condições de contorno do sofrimento que auxiliem na sustentação dos jovens na universidade, como a formação de redes de apoio para o enfrentamento dos dilemas da vida estudantil (Muñoz et al., 2019). Sugere-se o desenvolvimento de ações com vistas a promoção da saúde e o desenvolvimento integral do universitário, pensadas conjuntamente entre os docentes, a administração da universidade (Martínez, 2009) e os alunos. Não se trata de uma obrigação de oferecer tratamento contínuo para todos os estudantes, devido às limitações das instituições (Mendes, 2019), mas de uma oferta de acolhimento para as demandas subjetivas decorrentes da vida universitária.

Conclusão

Identificamos a presença de alta frequência de medo para os indicadores de violência entre os alunos, porém uma baixa média geral de vivência de violência, assim a universidade se mostrou um local onde parece ocorrer menos violência do que se teme. Os resultados apontam que os jovens universitários pouco vivenciaram violência no ambiente acadêmico, podendo-se afirmar que estes espaços são seguros. Entretanto, houve reprodução da sensação de medo e insegurança por parte de grupos considerados mais vulneráveis, como classe social mais baixa e mulheres.

O medo de vivenciar atos violentos se mostrou fora da seara individual, ou seja, uma forma de compartilhamento de sentimentos já pensados e estruturados, produzidos e reproduzidos no tecido social. Em geral, os alunos apontaram mais medo dos crimes contra o patrimônio; em relação às mulheres, prevalecem as violências sexual, física e emocional, o que aponta para uma possível reprodução social de relações de poder e subjugação de gênero. Também foi acentuado o medo entre os participantes mais novos, com menor renda salarial e entre os que relataram já ter sofrido algum tipo de violência na universidade, que sentiram alguma vulnerabilidade acrescida.

Assim como em outros estudos que apontaram que grupos contra-hegemônicos estariam mais propensos à vivência de violência, como obesos, homossexuais e deficientes físicos, as mulheres relataram tanto maior vivência de violência em geral quanto maior vivência de violência emocional de professor e de colega. Os participantes com menor renda salarial também relataram maior frequência de vivência de violência na universidade, o que pode refletir um efeito de acumulação de fatores de risco.

Estes grupos não puderam vivenciar a segurança e sua sensação exatamente como os demais, evidenciando que a desigualdade social e a ausência de equidade se reproduzem, inclusive, no espaço universitário, corroborando achados de que a universidade pode ser considerada um local misógino e preconceituoso sob determinada ótica, com vivências de violência e inseguranças a mais para grupos contra-hegemônicos. A violência se manifestou, na organização universitária, menos como produto e mais como “reproduto” do seu funcionamento.

Em se tratando de apoio psicológico e denúncia, poucos participantes denunciaram o agressor e as principais justificativas foram a inocuidade e a falta de provas; o grupo que mais denunciou foi o que sofreu violência física, o que sugere que, apesar da crescente visibilidade da violência emocional, a violência física ainda guarda parcela de importância neste cenário.

Os resultados apontam um contexto universitário permeado por alguma insegurança advinda das forças sociais e por poucos relatos de vivência de violência, mas que, ainda assim, podem macular a experiência universitária. Nesse sentido, manutenção de diálogo sobre saúde mental, com estratégias de intervenção se mostram relevantes e urgentes, assim como o estreitamento do vínculo entre aluno e instituição, para que o suporte institucional possa ocorrer de maneira completa, não só do ponto de vista psicológico (legislação, programas de bolsa, acolhimento, alimentação, ensino e aprendizagem).

Assim, também estaríamos diminuindo o hiato apontado pela pesquisa; de um lado há a sensação dos alunos de não terem sido amparados pela universidade em decorrência das violências sofridas no ambiente acadêmico, uma maioria que não conhece os programas de apoio psicológico e a baixa notificação que foi intensificada pela sensação de que “nada acontece” diante de uma denúncia. Do outro lado, o entendimento generalizado de que é papel da universidade zelar pela saúde mental dos seus alunos.

Espera-se que os achados desta investigação possam auxiliar a elaboração de estratégias de ação das universidades, direcionadas aos seus estudantes, levando-se em consideração o contexto social brasileiro com e suas questões ético-políticas, as comunidades nas quais eles estão inseridos, bem como as vivências individuais dentro da universidade. Desta forma, torna-se importante a inserção da temática no ambiente acadêmico e o fortalecimento e a divulgação dos órgãos de apoio e direcionamento psicológico das universidades.

Este estudo traz informações relevantes sobre violência no contexto universitário; entretanto, existem algumas limitações que devem ser abordadas em estudos futuros, como as questões de gênero e de classe social. Aponta-se, também, para um possível viés na amostra, em razão da quantidade superior de mulheres em relação a homens. Ademais, restou evidente a fragilidade das relações interpessoais no espaço universitário, temática que merece ser melhor discutida em estudos, juntamente com as políticas institucionais de apoio aos estudantes.

Por se tratar de pesquisa descritiva-exploratória, cujas análises principais foram de frequência, não se pôde inferir relações causais entre as variáveis. Sugerimos, dessa forma, o desenvolvimento de outras pesquisas a fim de abordar como essas variáveis estão relacionadas, utilizando-se de métodos estatísticos mais avançados.

Notas

Financiamento: A pesquisa relatada no manuscrito foi financiada pela bolsa de doutorado da primeira autora (CAPES).

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Recebido: 13 de Outubro de 2020; Revisado: 26 de Junho de 2022; Aceito: 02 de Setembro de 2022

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