Com o advento das redes sociais virtuais em decorrência do avanço tecnológico crescente nos últimos anos, a proposta de uma comunicação mais rápida ultrapassando barreiras como a distância geográfica, superou os limites da comunicação presencial e abriu novos horizontes, ganhando cada vez mais destaque e admiradores (Araújo, 2012).
Um dos marcadores crescentes nesse contexto foi a rede social Facebook, que surgiu em 2004, criada inicialmente para atender as demandas dos alunos da universidade de Havard, a fim de possibilitar o compartilhamento de acontecimentos internos e acesso a informações associadas aos alunos do campus. A rede ultrapassou as expectativas iniciais, tornando-se um fenômeno global (Kirkpatrick, 2011).
Segundo o Statista (Tankovska, 2021) a rede social de Zuckerberg ainda é a mais popular do mundo atualmente com 2,85 bilhões de usuários ativos até o primeiro trimestre de 2021. Nessa ótica, até junho de 2020, o Brasil já contava com 130 milhões de usuários em território nacional, tornando-se o terceiro país com mais usuários do mundo.
Essa rede social não é apenas utilizada por adultos, mas também por crianças e adolescentes, como evidenciam os dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, 2019), mostrando que, no último trimestre de 2019, cerca de 24,3 milhões de crianças e adolescentes faziam uso da internet, o que representa 86% do público entre os 9 (nove) e 17 (dezessete) anos. O Facebook estava atrás apenas do Whatsapp no número de contas criadas por essa população.
Com a cultura da virtualidade presente, especialmente para os adolescentes, é cada vez maior o tempo que esse público dedica à internet, bem como a quantidade de ferramentas que são colocadas à sua disposição diariamente. Estar conectado à rede, passou a ser uma necessidade que auxilia a comunicação, porém é preciso considerar as múltiplas possibilidades nela encontradas e seus impactos na vida de seus usuários (Assunção & Matos, 2014).
Segundo Assunção e Matos (2014), o uso do Facebook recebe particular atenção, pois pode ter implicações no estabelecimento das relações sociais e na construção identitária. O público internauta adolescente pode integrar membros com interesses e ideologias em comum, bem como proporcionar interatividade, decorrente da alta probabilidade em encontrar-se com pessoas que compartilham dos mesmos interesses. Pode-se pensar, desse modo, em modificações no convívio entre as pessoas com as redes sociais online tão presentes no cotidiano (Lima et al., 2012). Com a inovação dessas, em versões de aplicativos para smartphones, a presença do ciberespaço tende a crescer na vida cotidiana dos seus usuários, o que revela novas propostas e desafios à psicologia, conferindo relevância a aproximação e análise desse tema (Santos & Cypriano, 2014).
Diante do crescimento exponencial do Facebook, alguns autores consideram importante pensar os pontos positivos e negativos dessa rede (Gomes & Caniato, 2016; Marra e Rosa et al., 2016b; Patias et al., 2017). Dentre os benefícios, a rede destaca-se como ferramenta de entretenimento, trabalho, estudo, criação de laços e manutenção da comunicação à distância, contribuindo para a aproximação entre culturas (Marra e Rosa et al., 2016b). Por outro lado, há debates em relação aos limites e precauções a serem considerados, destacando-se o tempo que os jovens dedicam à rede, criação de hábitos, além da exposição a grande quantidade de informação e propaganda (Dias et al., 2019).
Numa perspectiva social e legislativa, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considera a faixa etária da adolescência compreendida entre doze (12) e dezoito (18) anos de idade (Lei n. 8,069, 1990). Partindo para um enfoque psicológico, a adolescência configura-se como um período de transição ou passagem, em que os indivíduos se deparam com questões de identidade e enfrentam grandes mudanças nos âmbitos cognitivos, emocionais e comportamentais (Allen & Land, 1999).
Nesse período de descobertas e individuação, os adolescentes são inclinados à autonomia em relação as figuras parentais passando a ter autoria nas tomadas de decisões, distanciando-se daqueles que eram pontos centrais nas suas relações e priorizando as relações com os pares (Meeus & Dekovic, 1995).
Diante das possibilidades de identificação contemporânea, surgem fenômenos que ultrapassam as tradições até então vigentes para o sujeito moderno, como a velocidade das comunicações e a liquidez nas relações; movimentos que marcam uma era de novos horizontes para a formação do Self. Isto permite pensar nas formas de identificação do adolescente atual com um enfoque nas aproximações com o ciberespaço (Assunção & Matos, 2014).
Em contextos socioculturais, as pessoas compartilham significados que geram modos de subjetivações (Santos & Cypriano, 2014), o que se relaciona com o referencial teórico deste trabalho, a Teoria da Auto-categorização (SCT), que busca enfatizar o papel do Self nos processos das relações intra e intergrupais. Segundo Turner et al. (1987), a pertença a uma categoria é essencial à formação do Self, podendo implicar no comportamento da pessoa e nas suas relações intergrupais. Nele, o indivíduo é determinado por sua idiossincrasia e por sua pertença grupal, o que é refletido no que Turner chama de identidade pessoal e identidade social (Reynolds & Turner, 2006).
Na perspectiva desse autor, a identidade pode se constituir em diferentes níveis e por meio da comparação com outras pessoas dentro dos grupos com os quais o indivíduo se identifica e se relaciona (Turner et al. 1987). No entanto, essa identidade é passível de mudança, na medida em que o contexto é modificado.
Para melhor compreensão da formação da identidade na adolescência, destacam-se, nesta revisão, os conceitos de Categorização e de Self, segundo Turner. Sendo a primeira a autopercepção em relação ao contexto e a segunda, o resultado da autopercepção para a construção identitária. Na categorização, existem diferentes níveis de abstração. São eles: 1) nível interpessoal, em que o Self se desenvolve na autopercepção em contraste com um par que pertença ao mesmo grupo; 2) nível intergrupal, em que o Self se define na autopercepção em contraste com um grupo externo; 3) nível superior, no qual o Self se define a partir da idiossincrasia do sujeito, e, por fim, 4) nível inferior, em que o Self se constrói a partir das singularidades do indivíduo (Reynolds & Turner, 2006). Nessa perspectiva, as autocategorias irão definir o que é socialmente negociado e afirmado como sendo valorizado, adequado e correto para o sujeito (Turner & Reynolds, 2011).
Compreende-se que a percepção de Self em Turner não reduz a identidade à uma concepção psicológica subjetiva, não cede a perspectiva individualista do ser, nem considera a sua natureza fora do ambiente social, mas, se interessa em entender, explicar e prever como as pessoas pensam, sentem e agem dentro de um grupo (Turner & Reynolds, 2011).
Diante desse cenário, em que a relação virtual modifica a dinâmica das relações tradicionais, ancora-se a relevância desse trabalho, considerando a necessidade de investigar quais são as implicações da exposição ao Facebook para a formação do Self na adolescência, uma vez que este é um momento transitório, no qual o adolescente desenvolve-se aos poucos em seu processo formativo (Neves et al., 2015).
O presente estudo aceita esse desafio e procura se aproximar dessas implicações elaborando a seguinte pergunta: quais as possíveis implicações da exposição de adolescentes ao Facebook na formação do Self? O objetivo desse trabalho é analisar a exposição de adolescentes ao Facebook e as implicações dessa exposição para a formação do Self.
Metodologia
Para realizar a revisão sistemática, foram utilizadas as bases de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC) e Biblioteca Virtual em Saúde Psicologia Brasil (BVS Psi), a partir dos seguintes descritores: “exposição”, “Facebook”, “adolescência”, “adolescentes”, “redes sociais”, “formação do Self”. Além dos termos, aplicou-se o operador booleano “AND” para a combinação dos mesmos nas bases de dados. A janela temporal da busca abrange de 2014 a 2019. Os critérios de inclusão para realizar a revisão foram: (1) artigos que articulassem os temas Facebook, adolescência, exposição e/ou formação do Self; (2) estudos disponíveis na íntegra; (3) estudos desenvolvidos pela área da psicologia; (4) Publicações em formato de artigo; (5) estudos publicados na língua portuguesa. Não foram utilizados produtos da literatura cinza (teses, monografias, dissertações, livros, anais etc.) Para checagem dos produtos selecionados foram analisados títulos, resumos, palavras-chave e as metodologias.
Para organizar e analisar os dados, foi utilizado o software Iramuteq (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) (Ratinaud, 2009). O corpus textual foi composto pelas seções de resultados e discussão dos produtos selecionados.
A fim de demonstrar possíveis conexões entre os vocábulos do material textual, a formação do self e a exposição dos adolescentes no Facebook, duas técnicas foram utilizadas: a Nuvem de Palavras e a Árvore de Coocorrência. A Nuvem de Palavras gera uma representação gráfica do corpus textual, que agrupa as palavras de acordo com a frequência e possibilita a visualização dos principais elementos do material. As palavras centralizadas e em negrito são as que aparecem com maior frequência. Em sentido complementar, a Árvore de Coocorrência, permite uma estruturação equilibrada do corpus, a partir da coocorrência de palavras em Segmentos de Texto (Camargo & Justo 2013).
Resultados e Discussão
A busca nas bases de dados online gerou um total de 55 artigos (SciELO: 18, PePSIC: 11, BVS Psi: 26). Dos 55 artigos foram excluídos 42 estudos, por repetição nas bases de dados ou não corresponder aos critérios de inclusão, resultando em 13 artigos que compuseram a amostra final desta revisão.
A Tabela 1 apresenta a identificação dos artigos selecionados para essa revisão sistemática, bem como a identificação dos periódicos, subáreas temáticas e as principais variáveis associadas ao tema.
Artigo | Revista/ Qualis/ Subárea/ Referencia |
---|---|
1 | Psicologia: ciência e profissão A2 Psicanálise Dias et al. (2019) |
2 | Psicologia & Sociedade. A2 Psicologia social/ EW et al. (2018) |
3 | Pensando Famílias/ B3/ Psicologia/ social Patias et al. (2017) |
4 | Estudos de Psicanálise/ B2/ Psicanálise/ Carvalho (2015) |
5 | Contextos Clínicos/ B1/ Psicanálise/ Gomes & Caniato (2016) |
6 | Psicologia USP/ A2/ Psicologia social/ Marra e Rosa et al. (2016b) |
Jornal de Psicanálise/ B4/ Psicanálise/ Queiroga et al. (2016) | |
8 | Bol. - Acad. Paul. Psicol./ B2/ Psicanálise/ Mana e Rosa (2015) |
9 | Psicologia em estudo/ A1/ Psicanálise/ Mana e Rosa et al. (2016a) |
10 | Arquivos Brasileiros de Psicologia/ A2/ Psicologia social/ Mana e Rosa& Santos(2014) |
11 | Psicologia em estudo/ A1/ Psicologia social/ Assunção & Matos(2014) |
12 | Estudos de psicanálise/ A4/ Psicanálise/ França (2016) |
13 | Interação em psicologia/ A2/ Psicologia social/ Rosado et al. (2014) |
Os artigos foram publicados em 11 periódicos distintos de Qualis considerados elevados entre A1 e B4, distribuídos entre as seguintes subáreas da psicologia: psicanálise (7) e psicologia social (6). As variáveis associadas predominantes nos ensaios foram: Facebook, adolescência, adolescente, rede social, interação, risco, identidade e subjetividade; como consta na tabela 2.
Artigo | Variáveis associadas |
---|---|
1 | Adolescência/ riscos no ciberespaço/ ritos de passagem elaboração simbólica |
2 | Facebook/ narrativas de si de adolescentes estratégias de sociabilidade interação |
3 | Fatores de risco e proteção/ uso do Facebook/ adolescentes |
4 | Adolescência espaço potencial ambiente subjetividade |
5 | Adolescência/ contemporaneidade/ Facebook/ processo relacional com o outro |
6 | Facebook/ subjetividade/ redes sociais interação real virtual |
Fomiação dasmassas/ redes sociais ideal do eu grupo | |
S | Estetização do Self /Facebook/ negociação de identidades/ subjetividades |
9 | Ciberespaço/ saúde mental/ subjetividade |
10 | Facebook/ interação real/ virtual negociação de identidades medo violência |
11 | Facebook/ adolescência/ interação/ público privado real virtual grupos |
12 | Adolescência/ conexões virtuais/ forma çào de vinculo/ espaço intemie diário/ elaboração psíquica/ fomiação subjetiva |
13 | Adolescentes/ rede social/ tempo de uso internet conexão |
Esta tabela contém os principais conceitos abordados em cada artigo, designados como “variáveis associadas”, cujos elementos são: revista, qualis, referência, subárea, variáveis associadas, identificando aspectos sobre a exposição de adolescentes no Facebook e a formação do Self na adolescência.
Segue-se com as representações da Nuvem de Palavras e Árvore de Coocorrência resultantes do Iramuteq para discussão, em consonância com a realização da leitura dos artigos, enfocando as aproximações com o objetivo proposto para este estudo, destacando-se três dimensões: 1) formação do Self entre usuários adolescentes no Facebook; 2) exposição ao Facebook e 3) adolescentes no campo do ciberespaço. Sendo as duas primeiras demonstradas na Nuvem de Palavras e a terceira na Árvore de Coocorrência.
O Iramuteq dividiu o corpus em segmentos, contextos, ocorrências e número de vezes em que as palavras aparecem (Camargo & Justo, 2013). Esse corpus apresentou 1548 Segmentos de Texto (ST) e 54766 palavras (número de ocorrências).
Ao analisar a primeira dimensão proposta, formação do Self entre usuários adolescentes no Facebook, na Figura 2, aparecem as seguintes palavras relativas a identidade na adolescência como mais relevantes: “indivíduo”, “adolescente”, “forma”, “processo”, “identidade”, “subjetividade”, “sentimento”, “elaboração”. Tais palavras fazem referência ao desdobramento da “identidade pessoal” em Turner, que se desenvolve a partir da autopercepção enquanto pessoa idiossincrática. Nesse sentido, dentro dos processos de categorização, a “identidade pessoal” é como o indivíduo percebe a si mesmo levando em consideração o seu contexto. Esses termos apontam para o quarto nível, inferior, em que o self se ancora a partir da idiossincrasia do sujeito. Em seguida destacam-se palavras com sentidos complementares ao primeiro conjunto, nomeadamente: “comunicação”, “relação”, “social”, “rede”, “interação” e “grupo”. Termos que apontam para o processo de interação com o outro, que pelas lentes da STC equivale ao nível 1, interpessoal, onde o self se define pelo modo como o indivíduo se percebe em relação a outros do mesmo grupo.
Os dois agrupamentos tornam visíveis a dinâmica entre o que é subjetivo, a exemplo de “sentimento” e “elaboração” e do que é compartilhado, vide “grupo”, “comunicação”, “social” e “rede” (Marra e Rosa et al., 2016b). Observadas as palavras mais proeminentes do corpus textual e seus respectivos ST, os termos revelam a linha tênue entre o que considera-se individual e o que considera-se coletivo quanto a formação identitária nessa fase. Termos esses, elencados nos trabalhos expostos na Tabela 1 (França, 2016; Marra e Rosa et al., 2016b, Rosado et al., 2014).
Nos movimentos próprios da fase, como a busca pela autoafirmação, autonomia e validação dos pares, o adolesente procura se inserir no grupo com o qual mais se identifica. Atrelado a isso, destaca-se a busca por sentido e expressão das emoções, favorecendo a sensação de bem-estar e possibilitando o reforço das relações sociais e a construção da identidade (Patias et al., 2017) que advém da interação comunicativa em dado contexto social, dentro de processos psicossociais, em que se reconhece, se trans(forma) e se ressignifica em cada nova experiência (Ew et al., 2018).
As palavras “grupo”, “interação”, “elaboração” e “sentido” conjugadas na Figura 2, apontam para os níveis de constituição da identidade em Turner, especificamente no nível dois do seu conceito de Self, definido como intergrupal, em que a identidade se ancora na autopercepção em contraste com um grupo externo, evidenciando-se a “interação” com outras pessoas dentro dos grupos com os quais o indivíduo se identifica e se relaciona (Turner et al., 1987). Faz-se necessário ainda, destacar a variável “contexto” também demonstrada na nuvem de palavras, indicando que a identidade é passível de mudança na medida em que o contexto/ meio onde se está inserido é modificado.
As palavras representadas trazem uma ampla dimensão das variáveis que marcam e atravessam a identidade do adolescente conectado, de um espectro mais abrangente, “rede”, a um espectro mais estrito, “subjetividade”, uma vez que o Self se dá no espaço das interações discursivas entre o eu e o outro (Ew et al., 2018). Diante do exposto, o Facebook pode ser considerado um propulsor de sentidos sobre a adolescência e seus campos de subjetivação, por representar com articulação de imagens, referências e circulação de discursos, o convite a exposição, a produção de afetos e a elaboração, que reverbera nas experiências, no processo interativo e consequentemente na formação do Self adolescente (Ew et al., 2018).
Partindo para a segunda dimensão, exposição ao Facebook, ainda na Figura 2, encontramos os termos: “uso”, “imagem”, “conteúdo”, “massa”, “conflito”, “desamparo”, “violência”, “medo” e “risco”. Tais palavras apontam implicações que atravessam a conexão do adolescente no ciberespaço identificadas também através das variáveis associadas da Tabela 2 (Marra e Rosa & Santos, 2014; Patias et al., 2017; Queiroga et al., 2016).
Nas palavras “desamparo”, “violência”, “medo”, “conflito” e “risco” evidencia-se o perigo que o adolescente pode encontrar no ciberespaço, enquanto as palavras “momento”, “interesse” e “conteúdo” indicam a influência que um usuário pode exercer sobre outro na condição de grupo.
O trabalho de Patias et al. (2017) destaca alguns fatores de risco, como elementos que afetam a capacidade do indivíduo de superar eventos adversos atrelados ao ambiente do Facebook, a exemplo da: a) promoção de encontros reais através dos virtuais; b) não saber lidar com a reação espontânea da(s) pessoa(s) com quem se interage e c) espaço propício para críticas e cyberbulling, podendo o usuário tanto estar anônimo na rede, por meio de perfis fake (falsos), quanto ser o alvo das ações. Essas variáveis revelam por um lado, uma exposição que pode gerar conflito e desamparo para o usuário e ao mesmo tempo uma porta de proteção/esconderijo diante da possibilidade de apresentar-se anonimamente.
Considerando as palavras “rede” e “efeito” na mesma Figura, é possível considerar que a depender do uso, o Facebook pode assumir o lugar do outro e provocar a economia de investimento interpessoal, possibilitando diferentes experiências sensoriais por meio dos novos objetos tecnológicos, presentes no cotidiano, além de furtar dos seus usuários, experiências sociais presenciais, tornando a linha imaginária entre o real e virtual cada vez menos perceptível (Gomes & Caniato, 2016). O que implicaria na constituição do Self, nos níveis interpessoal e inferior, uma vez que há o elemento tecnológico concorrendo com as formas de interação do adolescente.
Por fim, o crescimento de grupos fechados no ciberespaço é outro componente das redes sociais, explorado nessa faixa etária, ao se refletir sobre riscos, por estar propício a conteúdos impróprios que incitam a agressão, discriminação, maltrato a pessoas, terror fictício e mesmo a ideação suicida; o que pode ser observado na Figura 2, nas palavras “risco”, “medo”, “desamparo” e “violência”. O aumento do uso dos aparelhos também abrange formas de contato, de “conteúdo” e conduta, que podem ser potencialmente nocivas acrescentando-se, além das referidas, o discurso de ódio, o aliciamento e a invasão de privacidade (Dias et al., 2019).
No mesmo sentido, a TIC kids Online Brasil (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, 2019), divulgou que 20% dos adolescentes usuários da rede admitiram ter se encontrado com pessoas que só conheciam pela internet e 8% dos entrevistados afirmaram que nos últimos 12 meses haviam sido ofendidos por alguém nas redes.
A excessiva exposição a conteúdos e propagandas a que estão expostos os usuários desta plataforma, o contato com desconhecidos, a participação em grupos com conteúdos ofensivos e a preferência por vínculos virtuais aos presenciais, desencadeia a criação de modelos de identificação através de grupos e a dependência à reação virtual, implicações estas, que contemplam as palavras elencadas nesta dimensão (Carvalho, 2015; Gomes & Caniato, 2016; Marra e Rosa et al., 2016b).
Na terceira e última dimensão, adolescentes no campo do ciberespaço, outras palavras ganham evidência. A palavra “rede” destaca-se como um dos vértices mais acentuados da Árvore relacionando-se com as palavras “comunicação”, “forma”, “meio”, “adolescente” “possibilidade”, “interação”, nos vertices que ramificam no sentido superior; além de “espaço” e “virtual”, nos vertices que ramificam na direção inferior. Nota-se, nesses termos, que o espaço virtual é fator que baliza a formação do adolescente conectado, oferecendo-lhe um ambiente, para a troca de informações através da comunicação, atravessado pela elaboração de sentidos de cunho privado e coletivo, e também pelos conteúdos compartilhados (interação), no contexto social virtual (França, 2016).
Na perspectiva correspondente as palavras “espaço”, “social”, “comunicação”, “possibilidade” e “rede”, localizadas na Figura 3, o ciberespaço cria possibilidades concretas e simbólicas do sujeito experienciar-se e expressar-se na contemporaneidade, delineado pelas novas estratégias de sociabilidade. Através destas, amplia-se as formas de interação social com os distantes (Ew et al., 2018). Apresenta-se ainda como um espaço de oportunidade para a integração em grupos, podendo ser inclusive um espaço de confiança que facilita a comunicação entre os mais tímidos (Carvalho, 2015).
Além das palavras exploradas a partir dosoftware Iramuteq, vale acrescentar algumas considerações encontradas na literatura, que tocam nas variáveis: representatividade do virtual para o adolescente, noção de pertencimento, proximidade entre as esferas real e virtual e o Facebook como um lugar de escritura e empoderamento na rede.
No que se refere a representatividade virtual, é consonante a ideia de que o ciberespaço permeia todos os aspectos da comunicação atual e desvincula a presença social da presença física, ocupando um lugar de grande importância na vida cotidiana. Essa presença e abertura a subjetivação contemporânea permite novas conexões, provocando diferentes produções identitárias (França, 2016).
A noção de pertencimento na adolescência implica, por outro lado, uma espécie de categorização entre os participantes e os não participantes de um grupo a partir das experiências de partilha, o que coaduna-se com a perspectiva de Turner nos conceitos categorização já mencionados (Reynolds & Turner, 2006).
Ao se deparar com a relação entre o mundo real e o virtual, os jovens usuários do Facebook consideram as duas esferas distintas, mas assumem que na vivência, cria-se uma espécie de continuidade entre as duas dimensões (Marra e Rosa et al., 2016b).
Em consonância à aproximação entre real e virtual, diante das possíveis repercursões da exposição ao Facebook no Self dos jovens usuários, a rede pode ser considerada como um lugar de escritura, por meio de um processo dialético de produção subjetiva e elaboração psíquica, abrangendo conflitos internos e situações difíceis do cotidiano. A exemplo da possibilidade de partilha em situações como o luto, em que é permitido dizer de dificuldades e conflitos, que serão reconhecidos, espelhados e comentados, possibilitando a elaboração e ressignificação dos episódios (Marra e Rosa, 2015).
Por fim, a rede pode facultar a noção do empoderamento com a capacidade de poder realizar coisas diferentes do que se produz fora do ciberespaço, beneficiando os usuários numa espécie de suporte emocional em contextos de crises ou dificuldades enfrentadas nessa fase vital para a formação do ser humano (Marra e Rosa et al., 2016a).
Através dos apontamentos indicados a partir da literatura e das análises recolhidas pelo Iramuteq, compreende-se que a identidade do adolescente organiza-se na relação com o diferente e no impacto produzido e reproduzido por meio das experiências. Em vista disso, a formação do Self na adolescência vai além da singularidade do sujeito; toca em sua experiência coletiva, caracterizando-se como intrinsecamente comunicacional, uma vez que, o enunciado sempre se coloca para um destino e provoca a expansão do horizonte do adolescente para fomentar a inserção em grupo.
Diante disso, cria-se uma nova forma de organização social sem nenhum custo, benefício este que atrai como um ímã o público adolescente para as comunidades que giram em torno da rede, especialmente o Facebook que, como dito, tem índice de adesão crescente no Brasil e proporciona uma interação diferente da marcada pela presença física, realidade que tem interessado e preocupado pais, educadores e outros adultos envolvidos no processo formativo dos adolescentes (Marra e Rosa, 2015).
Conclusões
Mediante o objetivo desta revisão em explorar quais as implicações da exposição de adolescentes no Facebook e como essa exposição pode reverberar na formação do Self, compreende-se que as implicações oriundas da exposição do adolescente no Facebook, influenciadoras na formação do Self, estão atravessadas por elementos diversos, a saber, pelo vínculo que se cria com o outro, pelas diferenças ou semelhanças que aparecem durante os processos de identificação, na transformação e troca por meio das experiências, no contínuo entre o real e o virtual, no tempo gasto na rede ou nos conflitos internos provocados por aspectos biológicos próprios da fase. Esses elementos, além de impactarem o processo formativo, trazem à reflexão a complexidade que circunda essa fase.
As possíveis implicações não são apontadas de um ponto de vista estático na análise dos artigos a partir do Iramuteq, como representado nas Figuras 2 e 3, mas como processo circulado por muitas variáveis, conferindo-nos um vislumbre desses efeitos, com maior ou menor conexão, que trazem implicações consideráveis para a identidade na juventude. Destacando-se elementos como: a esquiva das interações presenciais num movimento de economia do investimento interpessoal, tempo prolongado no ciberespaço, indução a participação em grupo, excesso de informação e conteúdo, comportamento de agressividade ou passividade através das redes criadas no ciberespaço.
Falar sobre implicações na formação do adolescente implica considerar que há fatores físicos, emocionais, sociais e culturais que interagem entre si, gerando impactos na formação. Diante da referência à preocupação dos pais e educadores de adolescentes, a monitoria parental e/ou das pessoas que participam do processo formativo nessa fase, é essencial incentivar um espaço de confiança para dialogar com o adolescente sobre formas de uso da rede, a fim de dirimir esses possíveis impactos, com políticas de educação nas escolas para o ambiente virtual, que promovam a integração entre professores e alunos e incentive uma comunicação reflexiva sobre o uso sistematizado das redes sociais e do espaço cibernético.
Encontrou-se uma limitação neste estudo, relacionada ao aprofundamento na análise das palavras elencadas a partir das representações gráficas, por se tratar de uma análise exploratória dos termos associados as palavras Facebook, Adolescência, Exposição e Formação do Self.
A partir disso, pode-se pensar em futuras investigações que se debruçem sobre as variáveis apresentadas, considerando elementos que não foram contemplados nessa revisão como sondar as percepções acerca do uso dessa rede social entre recortes específicos da adolescência e em outras faixas etárias, no intuito de compreender que construções e repercussões há para a identidade dos diversos públicos imersos na rede, visto que, nesta revisão, foram encontrados grupos distintos de adolescentes nas perspectivas de faixa etária e marcadores sociais. Além disso, investigar que narrativas essa mudança de paradigma produz na comunicação atual entre os adolescentes e que outros impactos isso traduz para a sua formação.