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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.23 no.2 Rio de Janeiro maio/ago. 2023  Epub 03-Maio-2024

https://doi.org/10.12957/epp.2023.77696 

PSICOLOGIA SOCIAL

Acolhimento no Sistema de Justiça: Saberes e Fazeres da Prática Psicológica

User Embracement In The Justice System: Knowledge and Doing of Psychological Practice

Acogida en el Sistema de Justicia: Conocimientos y Actuaciones de la Práctica Psicológica

Camile Rocha da Veiga* 

Psicóloga, mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista de Extensão (Edital FORMEXT/PROEX nº 05/2017).


http://orcid.org/0000-0003-1155-6904

Alessandra Áurea Lage** 

Psicóloga, formada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista de Extensão (Edital FORMEXT/PROEX nº 05/2017)


http://orcid.org/0000-0003-1626-8557

Laura Cristina Eiras Coelho Soares*** 

Docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFMG. Líder do Grupo de Pesquisa Núcleo de Pesquisa em Psicologia Jurídica.


http://orcid.org/0000-0003-0859-7625

*Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

**Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil

***Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil


RESUMO

Este trabalho visa articular possibilidades e particularidades da realização de acolhimento psicológico no judiciário. A necessidade dessa reflexão se apresentou na experiência de extensionistas em dois projetos ofertados por uma universidade pública, um desenvolvido em assistência judiciária e outro em programa vinculado ao Ministério Público. Como metodologia utilizou-se o levantamento bibliográfico nas plataformas Capes e Pepsic, onde foram encontrados artigos que estruturam o acolhimento em diversas áreas de atuação da psicologia. O acolhimento, na extensão da assistência judiciária, possui perspectiva interdisciplinar que visa identificar não só as demandas jurídicas, mas psicológicas dos sujeitos atendidos. Na proposta em parceria com o MP, este acolhimento está presente em todo o acompanhamento do caso, permitindo intervenção mais qualificada no conflito familiar. Na prática extensionista, articulada com as leituras encontradas, identificou-se que o acolhimento psicológico está presente na atuação no judiciário, porém, diferencia-se das perspectivas da clínica e da saúde. Logo, justifica-se a necessidade de ampliação de pesquisas e debates sobre os limites e as possibilidades desta prática no sistema de justiça.

Palavras-chave: acolhimento; psicologia forense; justiça.

ABSTRACT

This paper aims to articulate the possibilities and particularities of carrying out psychological embracement in the judiciary. The need for this reflection was presented in the experience of extensionists in two projects offered by a public university: one developed in legal aid, and the other in a program linked to the Public Prosecutor's Office. The methodology we have used was to run a bibliographic query on the platforms Capes and PePSIC, there, we have found articles that structure the embracement in several areas of psychology. The embracement, in the context of the legal aid, has an interdisciplinary perspective that aims to identify not only the legal but also the psychological demands of the subjects. In this proposal, in partnership with the Public Prosecutor's Office, the embracement should occur throughout the whole monitoring of the case, allowing a more qualified intervention on family conflict. In the extensionist practice articulated with the readings we have found, we identify that the embracement is present in the judiciary psychological practice, although it differs from the clinical and health perspectives. Therefore, there is a need for further research and debates about the limits and possibilities of this practice in the justice system.

Keywords: user embracement; forensic psychology; justice.

RESUMEN

Este trabajo pretende articular las posibilidades y particularidades de la implementación de la atención psicológica en el poder judicial. La necesidad de esta reflexión surgió de la experiencia de los extensionistas en dos proyectos ofrecidos por una universidad pública, uno desarrollado en asistencia jurídica y el otro en un programa vinculado al Ministerio Público. Como metodología, se utilizó un relevamiento bibliográfico en las plataformas Capes y Pepsic, donde se encontraron artículos que estructuran el acogimiento en diversas áreas de la psicología. La acogida, en la extensión de la asistencia jurídica, tiene una perspectiva interdisciplinar que pretende identificar no sólo las demandas legales, sino también las psicológicas de los sujetos asistidos. En la propuesta en colaboración con el MP, esta acogida está presente durante todo el seguimiento del caso, permitiendo una intervención más cualificada en el conflicto familiar. En la práctica extensionista, articulada con las lecturas encontradas, se identificó que la acogida psicológica está presente en el desempeño en el Poder Judicial, sin embargo, difiere de las perspectivas clínica y de salud. Por lo tanto, se justifica la necesidad de ampliar la investigación y los debates sobre los límites y las posibilidades de la práctica en el sistema de justicia.

Palabras clave: acogida; psicología forense; justicia.

O presente artigo foi elaborado com o objetivo de trabalhar o conceito de acolhimento no judiciário. A ideia surgiu a partir das supervisões dos projetos do Laboratório de Psicologia Jurídica Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde foi demandado por parte dos alunos referencial teórico que visasse discutir a temática.

Os projetos de extensão que deram origem aos questionamentos foram os seguintes: Projeto de Atendimento Interdisciplinar no Plantão da Divisão de Assistência Judiciária (DAJ) e Diálogos familiares em grupo: construindo caminhos para a convivência familiar após a separação conjugal. O primeiro projeto se desenvolve no plantão da Divisão de Assistência Judiciária da UFMG e visa um trabalho interdisciplinar. Os atendimentos são realizados por um aluno do direito e um da psicologia, que atuam de forma conjunta, escutando as demandas espontâneas relacionadas ao direito de família, principalmente aos desdobramentos pós divórcio. As solicitações são recebidas durante o horário de plantão que ocorre das 12h às 14h, de segunda à quinta-feira. Após o 1o encontro, é realizada triagem de acordo com critérios geográficos e socioeconômicos para que supervisores e estagiários decidam quais casos serão acompanhados.

O segundo projeto ocorre no Ministério Público de Minas Gerais, mais especificamente no Programa de Efetivação de Vínculos Familiares e Parentais (PROEVI), que trabalha com famílias nas quais é necessária intervenção para restabelecimento de vínculos familiares no contexto de litígio entre ex-cônjuges. Os extensionistas são responsáveis por um grupo reflexivo, com pais e mães atendidos pelo PROEVI, para refletir sobre a situação que estão vivenciando. Também atuam no acolhimento, atendimento psicossocial e acompanhamento de visitas de algumas famílias.

Os principais questionamentos dos alunos inseridos nos projetos e que motivaram a elaboração desse texto foram: Como fazer acolhimento no judiciário? Como praticar o acolhimento neste local se o trabalho não é clínico? Esse artigo visa responder as problemáticas recorrentes no campo da psicologia jurídica: é possível acolher e intervir no sistema de justiça? Quais são as limitações, possibilidades e especificidades desse trabalho?

Para que se analise essa questão, é necessário que se retome um pouco como a Psicologia Jurídica se constituiu enquanto área de atuação. A criação de cargos para atuação do psicólogo no sistema de justiça começou a se estabelecer em meados dos anos 80 e, em seu princípio, estava majoritariamente associada à realização de trabalhos periciais. Essa inserção ocorreu nas Varas Criminais e, posteriormente, nas Varas de Família e da Infância e Juventude, conforme aponta Brito (2012), se consolidando a partir da promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente (1990), que prevê a atuação do psicólogo em equipes multidisciplinares de atendimento. A forma de atuação restrita às atividades avaliativas pontuais nos processos e subordinada à hierarquia do judiciário causou incômodo e insatisfação nos psicólogos, inclusive de natureza ética.

Acerca dessa prática, outra questão levantada se refere à utilização dos materiais produzidos pelos psicólogos. Os laudos psicológicos têm sido utilizados por alguns magistrados ora como verdade absoluta, ora como algo a ser descartado caso não corresponda às expectativas. Arantes (2011) expõe que esse tipo de conflito é decorrente de uma hierarquização profissional que se dá dentro do ambiente judiciário, ao invés de um efetivo trabalho interdisciplinar. Então, é recorrente que a atuação dos outros profissionais, como psicólogos e assistentes sociais, seja vista enquanto um trabalho auxiliar, que visa dar respaldo ao trabalho do judiciário, e não um trabalho de equipe que envolve profissionais de ambas as áreas.

No que tange ao trabalho da psicologia, Arantes (2008) também aponta as dificuldades de trabalho do psicólogo no judiciário quando são desconsideradas as dimensões da exclusão social, desrespeitando as configurações ou as dinâmicas familiares que não condizem com a norma. Esse mal-estar, discutido pela autora, na relação entre o direito e a psicologia resultou na busca por outras formas de contribuir com o judiciário sob a alegação de que a atuação, até então, estaria se reduzindo às demandas dos magistrados e desconsiderando aspectos psicossociais da vida dos indivíduos e famílias envolvidos nos processos.

As funções do psicólogo jurídico constam em dois documentos principais: no Catálogo Brasileiro de Ocupações (CBO), onde as atribuições profissionais do psicólogo no Brasil foram inseridas em 1992 com contribuição do Conselho Federal de Psicologia; e na Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) n. 013/2007, que “Institui a Consolidação das Resoluções relativas ao Título Profissional de Especialista em Psicologia e dispõe sobre normas e procedimentos para seu registro” (p. 1). Na CBO (CFP, 1992), as atribuições englobam tanto a atuação pericial, quanto outras possibilidades interventivas, como atendimentos, elaboração e execução de programas. Das quinze funções explicitadas no catálogo, cinco - itens 4, 5, 6, 7 e 8 - são relativas à perícia psicológica. Nele são mencionadas as possibilidades de avaliação das “condições intelectuais e emocionais de crianças, adolescentes e adultos em conexão com processos jurídicos [...]” (item 4, p. 7); a atuação como perito judicial nas varas cíveis, criminais e da família, dentre outras (item 5, p. 7); a elaboração de petições para serem anexadas ao processo sempre que solicitada providência ou explicitada necessidade (item 6, p. 7); a participação em audiências para esclarecimentos de aspecto técnico sobre o trabalho pericial (item 7, p. 7) e a elaboração de laudos, relatórios e pareceres por meio da avaliação das personalidades dos envolvidos para fornecer subsídios ao processo judicial quando solicitado (item 8, p. 7).

Apesar do grande número de atribuições relacionadas à perícia psicológica, que corresponde a um terço das atribuições, a contribuição do CFP à CBO é ampla no que se refere às possibilidades do trabalho do psicólogo no âmbito jurídico. O item 2 se refere à colaboração do psicólogo na formulação e na implantação das políticas de cidadania e direitos humanos, e o item 9 diz sobre a realização de atendimentos psicológicos “através de trabalho acessível e comprometido com a busca de decisões próprias na organização familiar dos que recorrem a Varas de Família para resolução de questões” (p. 7), centralizando a autonomia decisória da família no atendimento psicológico.

A resolução do CFP n. 013/2007, entretanto, apresenta as atribuições do psicólogo jurídico de forma mais limitada ao contexto da perícia psicológica. O texto inclui alguns itens do CBO (1, 2 e 3), porém incorpora, no item 1, que a atuação no âmbito da justiça deve “possibilitar a avaliação das características de personalidade e fornecer subsídios ao processo judicial”; também propõe que o atendimento psicológico nas varas de família contribua para a resolução das questões levantadas “fazendo diagnósticos e usando terapêuticas próprias”.

Além disso, fala sobre a construção e a adaptação de instrumentos de investigação psicológica para atendimento de crianças e adolescentes em “situação de risco, abandonados ou infratores” (p. 20), cabe mencionar que esses termos são problematizados no campo da Psicologia Social (Reis et al, 2014). O documento também inclui a realização de “avaliação das características de personalidade, através de triagem psicológica, avaliação de periculosidade e outros exames psicológicos no sistema penitenciário”, assuntos debatidos de forma crítica na abordagem utilizada (Bandeira et al., 2012). Portanto, é possível perceber a proposta de um trabalho mais psicologizante e que diverge de posicionamentos adotados pela perspectiva da Psicologia Social Jurídica. Conforme pontuam Moreira e Soares (2019), existe uma “invisibilidade da Psicologia Social nos espaços de debate da Psicologia jurídica” (p. 127), o que o torna um espaço limitado para uma atuação crítica, que não possibilita as respostas rápidas solicitadas pelo Direito. O trabalho pericial não necessita se pautar apenas na realização de avaliações psicológicas com o objetivo de respaldar a decisão do juiz e pode ser um espaço profícuo para outros formatos de atuação.

Uma das práticas que pode ser considerada para atuação do psicólogo jurídico é o acolhimento dos atendidos e de suas demandas. Essa atividade ganha diferentes contornos em decorrência de sua realização no sistema de justiça. Os sujeitos atendidos devem ser informados que o sigilo é limitado àquilo que não é essencial ao processo, conforme consta no Código de Ética Profissional do Psicólogo em seu artigo Art. 6ºb. A proposta do presente artigo é fazer uma discussão a respeito de quais são os limites e as possibilidades de se realizar acolhimento psicológico no espaço de justiça.

Assim, a construção dessa escrita estruturou-se inicialmente pela apresentação da metodologia de levantamento bibliográfico, seguida dos resultados e da apresentação do Acolhimento enquanto uma prática do psicólogo. A posteriori, serão apresentadas as práticas de acolhimento exercidas em dois projetos de extensão: um realizado na Divisão de Assistência Judiciária da UFMG e outro junto ao Ministério Público de Minas Gerais.

Metodologia

Como metodologia, foi realizado um levantamento bibliográfico sobre acolhimento. Para tal, foram utilizados os portais de periódicos CAPES e Pepsic, sendo que o primeiro abrange publicações científicas de todos os gêneros e áreas de estudo e o segundo se volta especificamente para publicações da área da Psicologia. Na plataforma CAPES, foram feitas duas buscas, uma com o descritor “Acolhimento” enquanto assunto, e outra com os descritores “Acolhimento” e “Psicologia”. Decidiu-se pela busca com o descritor “Psicologia” porque a plataforma é ampla, de forma que os resultados não estavam voltados para a temática de interesse sem a inserção desse descritor específico. Sendo assim, acrescentar o descritor “Psicologia” refinou os resultados no sentido esperado. Além disso, utilizou-se o filtro “revisão por pares” para refinamento. Na plataforma Pepsic, utilizou-se como descritor apenas “Acolhimento”, pois esta é voltada especificamente para publicações da psicologia. Os resultados foram organizados em categorias, por meio de análise de conteúdo temática, que serão apresentadas a seguir.

Resultados e Análise

Os resultados do levantamento realizado foram organizados nas seguintes categorias: Medidas protetivas de acolhimento institucional e familiar; Acolhimento no contexto da Saúde; Acolhimento no contexto da Saúde Mental; Acolhimento no contexto do Judiciário e Acolhimento em outros contextos de atuação e pesquisa. Essa distribuição foi feita de acordo com a leitura do resumo dos artigos, da análise das palavras chaves e das áreas de pesquisa e temática dos periódicos em que os artigos foram publicados. Desta forma, os artigos foram categorizados com base na temática principal abordada. Na categoria 1 abarcam-se artigos que discutem as medidas de proteção de Acolhimento Institucional e Familiar, as vivências desses jovens e dos profissionais que trabalham na área. Na categoria 2 foram inseridas publicações sobre acolhimentos relacionados à saúde geral, em maioria realizados pelo SUS. Na categoria 3 foram incluídos artigos que tratam de acolhimentos desenvolvidos na rede de saúde mental, em dispositivos como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e outros dispositivos relacionados à temática. Na categoria 4 alocou-se publicações sobre acolhimento desenvolvidas por alguma instância do sistema de justiça. A categoria 5 refere-se ao acolhimento de imigrantes, no turismo, nas bibliotecas, na educação, na psicanálise (em contextos que não abrangem as outras categorias), na filosofia e no ensino religioso.

Na plataforma CAPES foram encontrados 122 artigos científicos, datados de 1994 à 2018, na pesquisa realizada apenas com o descritor ‘‘Acolhimento’’. Após categorizados, concluiu-se que 27 artigos se encaixavam na categoria Medidas protetivas de acolhimento institucional e familiar, 76 em Acolhimento no contexto da Saúde, 7 em Acolhimento no contexto da Saúde Mental, 0 em Acolhimento no contexto Judiciário e 12 em Acolhimento em outros contextos de atuação e pesquisa. No levantamento realizado com o descritor ‘‘Acolhimento’’ conjuntamente com o descritor ‘‘Psicologia’’ foram encontrados 26 resultados. Desses, 18 se encaixavam na categoria Medidas protetivas de acolhimento institucional e familiar e 2 na categoria de Acolhimento no contexto da saúde, 1 na categoria de Acolhimento no contexto da Saúde Mental e 5 na categoria Acolhimento em outros contextos de atuação e pesquisa.

Na plataforma Pepsic foram encontrados 50 artigos científicos, datados de 2004 a 2018. Após categorização, os resultados foram os seguintes: 28 artigos em Medidas protetivas de acolhimento institucional e familiar, 6 artigos em Acolhimento no contexto da Saúde, 8 artigos em Acolhimento no contexto da Saúde Mental, 1 artigo em Acolhimento no contexto do Judiciário e 7 artigos em Acolhimento em outros contextos de atuação e pesquisa.

O levantamento de artigos demonstra a defasagem de discussões acerca da temática de Acolhimento no espaço do sistema de justiça. Nota-se que é amplo o número de produções sobre o conceito em outros espaços, como o da área da saúde. A discussão sobre as medidas de proteção de alta complexidade previstas no Estatuto da Criança e do adolescente, de Acolhimento Institucional e Familiar, também é significativa. No entanto, não foram encontrados relatos sobre práticas de acolhimento sendo utilizadas em outros espaços do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). No que tange a psicologia, a maior parte das produções estão enquadradas na área de Medidas Protetivas de Acolhimento Institucional e Familiar, sendo poucas as produções realizadas em outras temáticas. Todavia, é importante ressaltar que a maioria dos artigos que tratam de Acolhimento Institucional e Acolhimento Familiar não tratam da prática de acolhimento. Apenas 4 dos artigos inseridos na categoria mencionaram o acolhimento enquanto prática dos funcionários das instituições, mas de forma breve. Nesse sentido, cabe destacar que os artigos da primeira categoria utilizam, majoritariamente, a palavra acolhimento em função do nome da política de acolhimento e não da prática de acolher como parte da atuação do psicólogo.

A pesquisa bibliográfica possibilitou que se criasse um panorama de como tem ocorrido as discussões acerca da prática de acolhimento na atuação do psicólogo. A escassa produção a respeito do acolhimento na dimensão do Sistema de Justiça demonstra a importância deste trabalho. Pretende-se detalhar as possibilidades da prática dentro deste campo com o apoio das discussões e produções sobre o conceito desenvolvidas em outros espaços.

Acolhimento como Prática do Psicólogo

O conceito de acolhimento como forma de potencializar e desenvolver atendimentos tem sido amplamente discutido e trabalhado no campo da saúde pública, principalmente no Sistema Único de Saúde (SUS). Solla (2005) debate a ideia de acolhimento como uma forma de humanização dos atendimentos. Essa humanização, segundo o autor, envolve a garantia de acesso aos serviços de saúde à toda a população, o desempenho de uma escuta qualificada das demandas apresentadas e a responsabilização da equipe pela resolução dos problemas do atendido.

Franco et al. (1999) propõe três princípios para o acolhimento na saúde. O primeiro se trata da ampliação da acessibilidade, de forma que toda a população receba atendimentos qualificados, e seja acolhida e ouvida pela equipe de saúde. Esta deve ser capaz de atender e solucionar as demandas que surgem nos serviços de saúde. O segundo princípio remete a uma reorganização do serviço de saúde, sendo central o trabalho de uma equipe multiprofissional responsável pela escuta dos atendidos, que atue em conjunto para a prática de acolhimento. Esses profissionais devem possuir como foco a resolução das demandas apresentadas pelos usuários de maneira mais eficaz e integral. O terceiro princípio diz sobre a qualificação da relação trabalhador-usuário, na qual é necessário que esteja presente os parâmetros humanitários, de solidariedade e da cidadania. Assim, por meio da utilização desses princípios é possível a criação de um vínculo do usuário com a instituição e com o responsável pelo atendimento, que se dá por meio da demonstração de amparo e de empatia, mas também do incentivo da autonomia do usuário.

Silva Júnior e Mascarenhas (2007) discutem a noção de acolhimento como uma das principais responsáveis por proporcionar reflexões sobre os modelos de organização do Sistema Único de Saúde (SUS). Os autores apontam três dimensões presentes na prática, cuja primeira é a postura. Trata-se da forma como os profissionais de saúde executam seu trabalho, como ocorre a escuta de demandas e o tratamento dos usuários do serviço de saúde. A segunda dimensão é a técnica, ou seja, a ação e instrumentalização de procedimentos que buscam tornar o trabalho dos profissionais mais eficaz. Os autores apontam também o princípio de reorientação de serviços como uma dimensão, de forma que o acolhimento seja uma proposta e política institucional que norteia o trabalho dos profissionais dos serviços de saúde. Além dessas dimensões, os autores apontam a acessibilidade organizacional como complementar ao conceito de acolhimento, de forma relacionada às facilidades e desafios encontrados por determinados grupos e usuários de ter suas demandas atendidas nos serviços de saúde.

Nota-se que a diferenciação entre as dimensões do conceito de acolhimento é relevante, pois permite discuti-lo de forma mais abrangente, indo além dos limites da relação profissional-usuário. O acolhimento pode ser pensado, então, como uma proposta institucional que visa a reestruturação da organização da atuação dos servidores de saúde.

A sistematização do acolhimento nas instituições de saúde, por meio das práticas de escuta, do atendimento às demandas de forma qualificada, da instrumentalização dos procedimentos adotados para esses fins e do gerenciamento das equipes pela orientação nos princípios do acolhimento, permite aos profissionais e às equipes multiprofissionais uma maior articulação para a prestação de serviços. Com base nas discussões realizadas e em como Solla (2005) expõe, a prática de acolhimento não é só uma escuta sensibilizada, mas se constitui como um conjunto de ações que envolvem, para além da escuta, a identificação das demandas e intervenções que buscam a resolução apropriada do problema do usuário.

Cruz et al. (2013) discutem o foco dado ao trabalho psicoterapêutico e avaliativo demandado aos psicólogos no âmbito da saúde pública, segundo sua experiência pessoal no projeto Pró-Saúde/ ESF (Estratégia de Saúde da Família), realizado pela Universidade Federal de Santa Cruz do Sul, em um bairro popular da cidade. Várias demandas recebidas se apresentavam com um caráter psicoterapêutico e relacionadas à saúde mental. Com uma forma de atuação que se afasta dos padrões clínicos, as psicólogas realizaram um trabalho intersetorial, por meio de discussões em equipe, trabalhos em grupo e estratégias em conjunto para as famílias, com o acionamento de diversos órgãos e colaboradores, como os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS), os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) e os Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Esse trabalho intersetorial demonstra a importância de que a equipe acolha o usuário em sua totalidade, atuando em rede para alcançar melhores resultados. Por esse motivo, é importante que se pense o acolhimento enquanto primeira ferramenta utilizada no recebimento do usuário na atenção básica de saúde. No entanto, é preciso ampliar o acolhimento a todos os níveis de contato com os usuários, enquanto um processo transversal à atuação do profissional.

A prática do acolhimento também tem sido aplicada no Sistema Único de Assistência Social no Brasil. Como apontam Carlson e Goulart (2012), o acolhimento é uma postura institucional que abrange todos os trabalhadores envolvidos na dinâmica dos Centros de Referência em Assistência Social, e a prática é uma estratégia fundamental para o fortalecimento dos vínculos entre a comunidade, o usuário e a equipe de atendimento. As autoras apresentam o acolhimento em três etapas: a recepção, o grupo de acolhida e a entrevista de acolhida. Essas etapas visam a distribuição de informações para os usuários, a formação de vínculo usuário-equipe e usuário-comunidade, o planejamento de ações e o que as autoras chamam de encontro, que é uma abertura de ambos, usuário e equipe, para o compartilhamento de saberes e angústias. Dessa forma, o acolhimento enquanto prática possibilita que os serviços respeitem as diferenças, incentivem a autonomia dos usuários e das comunidades e responsabilizem o Estado.

No âmbito do judiciário, pode-se pensar então no acolhimento com uma proposta similar à desenvolvida pelos campos da saúde e da assistência social, na medida em que esse pode ser diretriz para o atendimento desenvolvido pelos profissionais da psicologia, na busca de uma melhor organização e potencialização do trabalho. Entretanto, é necessário apontar que o trabalho do psicólogo jurídico tem impacto diferente na vida do atendido que o trabalho do psicólogo no SUS ou no SUAS. O psicólogo jurídico precisa manejar a questão do sigilo durante as entrevistas e as intervenções, deixando claro para o atendido que será produzido um documento ao judiciário. O psicólogo também precisa lidar com as expectativas do indivíduo diante de suas impressões, visto que o documento produzido pode influenciar diretamente na decisão processual.

Além dos fatores apresentados, deve-se diferenciar também a humanização da saúde do que tem se pensado sobre a humanização dentro do judiciário. Oliveira e Brito (2016) apontam que a expansão da humanização da justiça tem apresentado um efeito adverso, que é conhecido como judicialização. Por judicialização se entende a regulação normativa do viver, ou seja, a demanda de que o sistema jurídico geste também os conflitos e relações pessoais que poderiam ser resolvidos de forma não judicializante ou litigante. Essa suposta humanização, então, iria contra a busca dos psicólogos jurídicos por uma justiça que respeite as configurações familiares, os modos de vida dos atendidos (Arantes, 2011) e o desenvolvimento da autonomia enquanto sujeitos de suas vidas para resolver suas próprias demandas. Ressalta-se, pelos motivos apresentados, que o termo humanização, no judiciário, deve ser usado com conotação crítica, uma vez que a tentativa de humanizar as relações nesse contexto tem se desdobrado numa maior judicialização dos conflitos do cotidiano.

Assim, entende-se que o acolher do psicólogo jurídico refere-se ao receber o sujeito nesse espaço litigante do judiciário para que possa refletir sobre a situação vivenciada. Desta forma, o acolhimento torna-se uma etapa da práxis do psicólogo jurídico tendo como perspectiva um trabalho interventivo para além do avaliativo conforme proposto por Veiga, Soares e Cardoso (2019). Quanto à experiência de acolhimento no âmbito do judiciário, como apontado pela pesquisa bibliográfica realizada neste trabalho, apenas uma publicação aborda a temática. Abritta et al. (2015) relatam sua experiência com grupos de homens autores de violência intrafamiliar no contexto da justiça em parceria com o Instituto de Pesquisa e Intervenção Psicossocial (Interpsi), com a Central de Medidas Alternativas (Cema) e com a Promotoria de Justiça. As autoras utilizaram a abordagem psicodramática, que ressalta a importância do acolhimento nas sessões de grupo. Para as autoras, a metodologia de acolhimento é essencial, enquanto postura, para a construção e a manutenção do vínculo com os integrantes do grupo, para uma escuta qualificada e para que o profissional desenvolva empatia com os atendidos.

Em outros espaços, o conceito de acolhimento tem ganhado cada vez mais subsídios para seu estudo e prática. Nesse sentido, Hennington (2005) apresenta o Programa Interdisciplinar de Promoção à Atenção a Saúde (PIPAS) desenvolvido na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Esse programa é realizado de forma inteiramente interdisciplinar com professores e alunos de diferentes cursos, como psicologia, enfermagem e nutrição. O acolhimento é considerado diretriz central para o programa, e visa potencializar os serviços prestados à população e solucionar algumas dificuldades, como as listas de espera e a fragmentação dos atendimentos.

Como Hennington (2005) também discute, os programas de extensão nas Universidades são formas de aproximação entre o espaço acadêmico e a sociedade. Dessa forma, em um espaço universitário é necessário proporcionar a reflexão dos alunos sobre o trabalho desenvolvido e os impactos de sua atuação. Nota-se que a noção de acolhimento com base nos três princípios, discutidos de Franco et al. (1999), e já expostos neste trabalho, apresenta aos diversos mecanismos da saúde, incluindo programas de extensão universitárias, uma proposta de atenção à saúde que amplia a qualidade das relações entre os prestadores dos serviços e os usuários, possibilita as reflexões críticas acerca do trabalho e potencializa o atendimento das demandas apresentadas.

A partir das experiências apresentadas, considera-se que trabalhar o acolhimento pode auxiliar na resolução de algumas situações que levam ao mal-estar, conceituado por Arantes (2008), que o psicólogo no judiciário enfrenta hoje, como a dificuldade de entender sua função na organização dos atendimentos e de trabalhar de forma autónoma e interdisciplinar, mesmo que ainda seja necessário pensar os impasses da prática diante do contexto judiciário. Essas constatações serão tratadas a seguir e exemplificadas pelo trabalho das estagiárias em psicologia no projeto de extensão da Divisão de Assistência Judiciária e no projeto de extensão desenvolvido no Ministério Público, Programa de Efetivação de Vínculos Familiares e Parentais (PROEVI).

O Acolhimento no Judiciário e o Trabalho na DAJ

A principal função da equipe da psicologia no Plantão da DAJ é acolher os assistidos com casos relacionados ao Direito de Família e encaminhá-los para a Rede de Serviços, de acordo com suas demandas. O trabalho da psicologia na DAJ é estruturado, então, em dois momentos: acolhimento e encaminhamento. O acolhimento consiste na explicação das possibilidades e das limitações do serviço da Divisão de Assistência Judiciária, na escuta atenta, empática e qualificada das demandas jurídicas e psicológicas dos sujeitos, no auxílio na produção de uma estratégia eficaz para resolução do conflito que incentive a autonomia do atendido, e no encaminhamento para a rede de serviços públicos como SUS e SUAS.

A exemplo, se uma mulher vítima de violência doméstica procura a DAJ para efetivar seu divórcio e denunciar o seu companheiro, primeiramente será feita a escuta de sua demanda pela equipe interdisciplinar da assistência. No caso do Direito, ela será encaminhada para a Defensoria Pública ou será dada a entrada em seu divórcio, assim como orientações de como proceder na definição de guarda e na configuração dos alimentos, em caso de casais com filhos. Pela equipe da Psicologia, serão feitas perguntas que buscam uma melhor compreensão da dinâmica familiar da atendida para que se formule uma estratégia conjunta, que busque a autonomia e a proteção da mulher em situação de violência.

Além do acolhimento inicial, os estagiários podem encaminhá-la para a rede de serviços. Caso essa mulher tenha dificuldades em se manter financeiramente após o rompimento conjugal, pode ser feito encaminhamento para o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), que compõe a atenção básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), para inserção no CadÚnico e acesso a programas de redistribuição de renda. Também é uma possibilidade a realização de encaminhamentos para psicoterapia em clínicas sociais ou escola, onde o preço é acessível para as camadas populares, e, caso se avalie a necessidade, em situações de sofrimento mental mais intenso, para o Centro de Referência em Saúde Mental - CERSAM (no município utiliza-se o nome CERSAM, o que é equivalente ao Centro de Atenção Psicossocial, CAPS, em outras regiões), aparato que integra a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS. Destarte, podem ser acessadas ONG’s ou aparatos públicos que trabalham com mulheres vítimas de violência.

A diferenciação do trabalho na DAJ para um trabalho clínico é explicitada para os discentes desde o começo de sua atuação. Ainda que o acolhimento inicial apresente potencial terapêutico pela práxis em si, por meio de uma escuta focada no sujeito e seus aspectos subjetivos, o trabalho do psicólogo jurídico possui particularidades que advém do contexto e das possibilidades do ambiente judiciário. Uma dessas particularidades é o não acompanhamento do caso pelo psicólogo jurídico, que após cumprir sua função não dá continuidade aos atendimentos com a família ou indivíduo.

Quanto à resolução dos conflitos trazidos pelos atendidos, entende-se que o suporte deve se dar da forma menos prejudicial possível para a dinâmica familiar e os envolvidos, como na tentativa de evitar o próprio litígio, pois os processos nas Varas de Família, principalmente os litigantes, costumam ser prolongados levando ao desgaste das partes. A esquiva das soluções litigantes também se dá com a intenção de resguardar os direitos da criança e dos adolescentes inseridos na família e promover o poder decisório da família sobre sua dinâmica.

É mister observar, entretanto, que a perspectiva não litigante se move contra os fundamentos do direito ainda em voga, uma vez que este opera pela lógica processual. Um dos problemas identificados na atuação interdisciplinar dos estagiários é a discordância sobre como dar andamento aos casos. Enquanto a psicologia prioriza incentivar o diálogo entre as partes, algumas vezes o direito inicia o atendimento visando a abertura de processo. Por exemplo, em uma disputa de guarda, os extensionistas da psicologia investem na possibilidade da guarda compartilhada, que resguarda o direito da criança de conviver com ambos os pais e os responsabiliza conjuntamente pela criação da criança. Para fins processuais, o encaminhamento da psicologia se dá para um espaço de mediação, que é realizado por meio de uma parceria da DAJ com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Nesse espaço, os pais podem dialogar sobre como se dará a dinâmica familiar pós-divórcio, o que também incentiva a autonomia da família, que não fica à mercê da decisão dos magistrados. Os estagiários do direito eventualmente demonstram desconhecimento das novas metodologias, tanto da guarda compartilhada quanto da resolução de conflitos por meio da mediação, pois operam em sentido oposto, o que os leva a incentivar, inicialmente, a via processual. A solução encontrada pela equipe da psicologia, em conjunto com a orientadora, foi a utilização de uma senha pelos estagiários, em caso de discordância, para que se dirigir a um local apropriado para conversar sem expor as divergências em frente aos assistidos.

A estratégia apresentada, a senha entre os estagiários, em concordância com os princípios de acolhimento na saúde (Franco et al., 1999), visa reorganizar o próprio processo de trabalho na DAJ, deslocando a centralidade da atuação do direito para a equipe multiprofissional. Assim, permite que o extensionista de psicologia se sinta à vontade para transpor uma hierarquização que foi construída ao longo dos anos de trabalho conjunto entre a psicologia e o direito.

O atendimento interdisciplinar, a prática do acolhimento, as possibilidades de discussão dos casos, o atendimento ao público externo e a oportunidade de colocar em prática os conhecimentos adquiridos em sala de aula tornam a DAJ um ambiente de formação extremamente rico para os graduandos interessados em Psicologia Jurídica. De forma similar às clínicas escola - cujas funções principais são, de acordo com Amaral et al. (2012) o treinamento dos alunos para aplicação das técnicas psicológicas aprendidas e o atendimento de populações que, em outras circunstâncias, não teriam acesso a esse serviço - a DAJ cumpre papel singular para a formação em psicologia permitindo a aproximação entre teoria e prática no atendimento à população hipossuficiente. Destarte, para além das funções sociais e de ensino, a Divisão Assistência Judiciária proporciona aos alunos uma formação que os habilita a desenvolver novas capacidades, refletindo sobre as dinâmicas familiares e seus atravessamentos judiciais. Essa habilidade, de ajuste do serviço à realidade onde está inserido, também é apontada por Amaral et al. (2012) enquanto primordial na prática cotidiana das clínicas-escola e torna-se fundamental no campo da Psicologia Jurídica que é constantemente afetado pelas mudanças sociais e legislativas.

Acolhimento e Intervenção no Projeto de Extensão Realizado junto ao Ministério Público de Minas Gerais

O projeto de extensão desenvolvido no Ministério Público de Minas Gerais, é realizado por graduandos do curso de psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sob a supervisão de uma docente de Psicologia responsável pelo projeto. Os graduandos de Psicologia atuam no Programa de Efetivação de Vínculos Familiares e Parentais (Proevi) realizado pela Coordenadoria Estadual de Defesa do Direito de Família, das pessoas com deficiência e dos idosos (CFDI). A proposta desse Programa é a atuação em contextos familiares litigiosos, buscando a restauração e efetivação de vínculos familiares por meio do acompanhamento e intervenção das famílias atendidas. As famílias podem chegar ao programa por meio de decisões judiciais ou por demandas espontâneas. Todas as famílias inseridas no programa são atendidas inicialmente pela promotora responsável, que as encaminha para as equipes do projeto compostas por psicólogas e assistentes sociais.

No projeto de extensão, para a realização dos atendimentos às famílias, são formadas duplas de alunos de psicologia. Inicialmente, a dupla realiza atendimentos com os membros da família, no qual há o acolhimento das demandas e das problemáticas apresentadas por esses. A escuta desses indivíduos deve ser pautada em princípios éticos proporcionando um acolhimento qualificado. A intervenção é a base do trabalho desenvolvido no programa e a compreensão da situação familiar, por parte da equipe, é necessária para o delineamento dos objetivos conjuntos. A dupla de extensionistas, após estabelecer os objetivos do atendimento, realiza os agendamentos dos acompanhamentos de visitas, dos atendimentos psicossociais ou das visitas domiciliares, conforme as necessidades familiares. Também podem ser realizados encaminhamentos para a rede SUS, SUAS ou particular.

Durante todo o processo de intervenção dos extensionistas, o acolhimento se apresenta como fundamental, pois os integrantes da família constantemente apresentam reclamações e questões, muitas vezes relacionadas à impaciência ou à insatisfação com o Sistema de Justiça e/ou com os familiares. Dessa forma, é importante que o extensionista sempre escute e procure entender o que lhe é falado, refletindo sobre sua atuação visando a garantia dos direitos da criança ou do adolescente. Neiva (2010) salienta que a intervenção psicossocial visa promover a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, e é importante que o profissional compreenda os fatores que estão afetando a qualidade de vida e o bem-estar.

No Proevi, os objetivos se pautam na estruturação ou na restauração dos vínculos e da convivência de crianças e adolescentes com membros da família. Os atendimentos são realizados com todos os integrantes da família em contexto de litígio arrolados em eventual processo, mas podem ser chamados também outros integrantes da família extensa caso necessário. As crianças são atendidas na brinquedoteca localizada no prédio do Ministério Público em que o Proevi é desenvolvido, por ser um espaço mais adequado ao atendimento delas.

Os acompanhamentos de visitas também podem ser realizados na brinquedoteca. Nesses atendimentos, as extensionistas da psicologia realizam a condução e promovem a interação, quando necessário, entre o membro da família e a criança. Os acompanhamentos de visita geralmente são iniciais ao processo, buscando incitar a interação e fortalecer os vínculos entre o integrante da família e a criança ou adolescente. Posteriormente, procura-se desenvolver acordos de visitação e encontros externos entre os integrantes da família em contexto litigioso a fim de que essa convivência passe a ocorrer fora do espaço institucional, para que esse não se torne um instrumento de vigilância e sim de intervenção (Resende & Soares, 2019). A dupla de extensionistas acompanha todo o processo, e se preciso podem ser realizadas visitas domiciliares até que os objetivos de convivência familiar sejam alcançados.

Os princípios do acolhimento listados por Franco et al. (1999), podem ser aplicados ao programa, pois no trabalho realizado objetiva-se o atendimento e o acompanhamento de todas as famílias e indivíduos que procuram os serviços do Proevi, seja por demanda espontânea ou por encaminhamentos advindos de outras instituições. Além disso, o trabalho do Proevi é fundamentado pela atuação em equipe, sendo a dupla de extensionista a principal referência dos integrantes da família. A dupla deve também se fundamentar em discussões de caso com toda a equipe e articulação da rede, pautando-se no pressuposto de oferecer um acompanhamento completo para os sujeitos. E, por fim, a relação da equipe com as famílias deve ser qualificada, proporcionando a escuta e a intervenção embasadas em uma atuação que tem como princípio o acolhimento e o respeito aos indivíduos e famílias, com a finalidade de atuar na resolução das demandas apresentadas e no direito à convivência familiar das crianças e adolescentes.

Considerações Finais

A prática do acolhimento tem sido utilizada por psicólogos de diversas áreas de atuação para potencializar e para desenvolver os atendimentos ao público. De acordo com diversos autores (Solla, 2005; Franco et al., 1999; Cruz et al., 2013; Carlson & Goulart, 2012), o acolhimento é visto como uma possibilidade de garantir maior acesso à população, de desempenhar uma escuta mais qualificada e ética, de responsabilizar as equipes multidisciplinares pelos problemas do usuário, de reorganizar os serviços de forma eficaz e de melhorar o vínculo entre as equipes e os atendidos.

No âmbito da Psicologia Jurídica, foi localizado no levantamento explicitado pela pesquisa bibliográfica realizada neste artigo apenas uma publicação relacionada ao acolhimento no sistema de Justiça, indicando a necessidade de ampliação dos estudos. Essa escassez parece remeter ao ambiente pouco acolhedor do Judiciário, promovendo a imagem de que o trabalho do psicólogo nesse campo ainda estaria atrelado à noção de coleta de provas para atender às demandas do juiz. Essa perspectiva afasta a concepção de uma atuação preocupada em receber o sujeito no sistema de justiça e escutar suas demandas. O trabalho dos discentes do Laboratório de Psicologia Jurídica Social da UFMG alocados na Divisão de Assistência Judiciária da UFMG (DAJ-UFMG) e no Programa de Efetivação de Vínculos Familiares e Parentais (Proevi) tem demonstrado que essa prática pode ser desenvolvida no campo do judiciário.

Desta forma, o acolhimento expressa-se como uma prática do psicólogo independentemente do espaço de atuação, pois compõe a práxis da psicologia. No âmbito judiciário ganhará outros contornos em decorrência da situação judicial, mas permite auxiliar os indivíduos e as famílias na busca pela autonomia e pelo empoderamento na resolução de seus conflitos. Cabe ressaltar os desafios que se apresentam para o acolher no campo da Justiça, alguns deles apresentados neste artigo, tais como: a questão do sigilo, do relacionamento intra-equipe e da diferenciação do profissional da psicologia dos profissionais do direito. Diante do exposto, torna-se necessário um contínuo compartilhamento de saberes e fazeres por parte dos profissionais que atuam no Sistema de Justiça para que seja possível a publicização dessas práticas.

Ademais, as autoras agradecem a Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais pela concessão de bolsa para as duas primeiras autoras (Edital FORMEXT/PROEX nº 05/2017) o que possibilitou a efetivação desta publicação.

Notas

Financiamento: O trabalho relatado no manuscrito foi financiado pelas bolsas de extensão recebidas pela primeira e pela segunda autora (EDITAL FORMEXT/PROEX nº 05/2017).

Agradecimentos

As autoras agradecem a Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais pela concessão de bolsa para as duas primeiras autoras, o que possibilitou a efetivação desta publicação.

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Recebido: 23 de Novembro de 2021; Revisado: 18 de Abril de 2023; Aceito: 06 de Junho de 2023

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