Com a emergência da pandemia do novo Coronavírus (Sars-Cov-2 ou Covid-19) em 2020, uma das primeiras medidas sociais e sanitárias adotadas em vários países para conter o avanço da contaminação do vírus foi o isolamento social e o fechamento de várias atividades econômicas e sociais. Uma das medidas mais radicais foi a suspensão das aulas presenciais em todos os níveis de ensino. Essa ação foi considerada uma estratégia fundamental para a promoção do distanciamento social visando a redução do risco de contágio (Oliveira et al., 2021; Rasmitadila et al., 2020). Dessa forma, a pandemia exigiu uma reinvenção das relações entre escola, família e estudantes e, com isso, novas configurações do planejamento pedagógico-escolar no sentido de preparar os agentes educacionais para dar continuidade às atividades pedagógicas e psicossociais já estabelecidas, assim como atender às expectativas de ensino-aprendizagem. Do ponto de vista das práticas pedagógicas, aos docentes foi endereçada a responsabilidade e o desafio de aprender e desenvolver novas habilidades e competências que, pela situação instaurada, necessitou ser conduzida de forma remota com recursos digitais. Sem que houvesse um tempo para a maturação dessas mudanças, esse cenário redesenhou o cotidiano das relações tradicionais de sala de aula.
Os sistemas educacionais, na maioria dos países, precisaram desenvolver planos estruturados, concebidos para que a vida escolar não sofresse solução de continuidade e se desse uma resposta adequada à crise instaurada pela pandemia (Oliveira et al., 2021). Os desafios impostos pela pandemia e a consequente implementação do ensino remoto reposicionaram os docentes e o corpo técnico-pedagógico das instituições escolares para um lugar de aprendiz de novos modos de fazer e pensar a atuação pedagógica (Nasr, 2020). Além disso, o estado pandêmico acentuou ainda mais as graves dificuldades no ensino, especialmente no Brasil. Entre eles, podemos destacar: a desigualdade social do acesso aos recursos e ferramentas tecnológicas e à internet, a disposição de ambiente doméstico propício para o estudo, a redução dos investimentos governamentais em Educação, o perfil das habilidades de docentes, estudantes e familiares para a implementação de processos de ensino e aprendizagem remotos, dentre outros fatores.
Pesquisadores (Guzzo, Silva, Martins, Castro & Lorenzetti, 2021) advertem que o cenário histórico instaurado com a pandemia contribuiu para um gravíssimo aprofundamento das desigualdades sociais e econômicas existentes no país que exigirá um enorme esforço de reconstrução da sociedade brasileira. A possibilidade de que toda uma geração tenha o seu desenvolvimento da aprendizagem escolar comprometido é real. E, nesse sentido, impõe-se a apresentação de ações no campo da educação como uma condição necessária para a superação dessa grande tragédia que se abate sobre todos.
Neste estudo, partimos do pressuposto da relevância do trabalho da(o) psicóloga(o) escolar como agente mediador das relações entre os diversos atores institucionais, dos processos de ensino, aprendizagem e desenvolvimento humano nos diversos níveis e contextos educacionais, o que nos leva a afirmar sua atuação como decisiva no enfrentamento da crise educacional gerada pela pandemia. Destacamos também a importância de ações da(o) psicóloga(o) no assessoramento ao coletivo, ao acompanhamento do processo de ensino e aprendizagem, e na escuta psicológica ativa e institucional (Marinho-Araújo, 2016). As intervenções desse profissional, pautadas em uma perspectiva psicossocial e preventiva em Psicologia escolar, podem favorecer processos de tomada de consciência de funções e papéis dos atores, a defesa de condições que colaborem para o desenvolvimento integral de estudantes e do enfrentamento adequado à violência e desigualdade (Andrada et al., 2018; Guzzo et al, 2021).
Pertinente para o planejamento de ações no contexto atual da pandemia, acrescenta-se o compromisso da(o) psicóloga(o) escolar de “(...) acolher e trabalhar na e com as diversidades que constituem o sujeito, potencializá-las e contribuir coletivamente para a transformação das questões que interferem no desenvolvimento da escola e de seus integrantes” (Andrada et al., 2018, p. 20). Dessa forma, a criação de espaços de interlocução, reflexão e proposição com o corpo coletivo da escola pode favorecer a superação dos incontornáveis desafios impostos pela situação de excepcionalidade da pandemia que são um obstáculo ao processo de ensino e aprendizagem, sobretudo no contexto remoto e de isolamento social dos estudantes, e de estresse dos agentes educacionais. Por isso, a parceria estabelecida entre psicólogas(os) e atores institucionais, em especial com os docentes (Oliveira et al., 2020), pode ser viabilizada por meio de uma escuta qualificada e da construção de estratégias de ressignificações produzidas pela circulação de falas e sentidos para operar diante dos desafios impostos também no contexto educacional vigente.
No contexto pandêmico, as ações de psicólogos escolares englobaram: escuta psicológica em interações remotas para acessar as reações emocionais e a compreensão da realidade do coletivo escolar; encontros online com estudantes para fomentar diálogo sobre o isolamento social, com foco na promoção do desenvolvimento dos sujeitos (Gomes et al., 2022); e a mediação das relações, pela via remota, para acolher as experiências dos sujeitos sobre seu processo de escolarização (Guzzo et al., 2022).
Diante do exposto, o presente artigo tem como objetivo identificar e analisar, por meio de uma revisão sistemática da literatura, as demandas advindas de contextos educacionais no período da pandemia da COVID-19, apontando possibilidades de atuação em psicologia escolar.
Método
O presente estudo consiste em uma revisão sistemática que segue as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyse (PRISMA) (Moher et al., 2015), registrada sob o número CRD42021218696 no International Prospective Register of Ongoing Systematic Reviews (PROSPERO).
No processo de seleção dos estudos acerca das demandas educacionais presentes no período da pandemia da COVID-19, realizaram-se buscas abrangentes nas bases de dados eletrônicas Educacional Resources Information Center (ERIC), Web of Science, PsycINFO, Embase e Pubmed.
Os descritores utilizados foram definidos a partir do Thesaurus da base de dados Educational Resources Information Center. O Thesaurus consiste em uma lista de termos que representam tópicos de investigação no domínio da educação internacional, de modo que os descritores são padronizados e retratam o conteúdo temático da busca.
Para realizar a seleção das produções optou-se pela estratégia de busca PICO para organização e cruzamento de descritores, sendo P= (Population): Teachers or students or family or Psychologists or School Psychologists or personnel directors, I (Intervention): COVID-19 or coronavirus or Pandemics or Distance education or School closing or Eletronic learning or home school, C= (Comparation): não foi incluído termo, por não englobar comparações no estudo que se propunha levantar e O= (Outcome): Labor Demands or Educational Needs.
Os descritores mencionados foram dispostos da mesma maneira em todas as bases de dados, sendo padronizados por meio da estratégia PICO que, segundo Santos et al. (2007), favorece o alcance da busca por publicações acadêmicas, evita buscas dispensáveis e permite ao pesquisador o rápido acesso às informações científicas disponíveis sobre a temática.
Critérios de Elegibilidade
Como critérios elegíveis para a identificação das produções disponíveis sobre as demandas educacionais no período da pandemia de COVID-19, optou-se pela inclusão de: (1) artigos de pesquisas empíricas que abordassem as demandas educacionais durante a pandemia de COVID-19; (2) artigos redigidos em inglês ou português; (3) artigos publicados em periódicos das bases de dados selecionadas nesta revisão, no período de dezembro de 2019 a abril de 2021.
Seleção dos Estudos
Para selecionar as produções, três pesquisadoras realizaram as buscas independentes seguindo o protocolo de busca desta revisão e em seguida avaliaram os títulos e resumos das produções. Posteriormente, os artigos previamente selecionados por título e resumos foram lidos na íntegra para a avaliação minuciosa. Em seguida, foram incluídos os estudos que atenderam aos critérios de elegibilidade anteriormente estabelecidos. Nas situações de discordâncias foi acionado um quarto avaliador.
Processo de Coleta de Dados
Para organizar as informações extraídas dos estudos selecionados, foi construído um formulário para a coleta dos dados dos artigos incluídos. O referido formulário englobou os seguintes itens: país de origem da publicação, delineamento das pesquisas, principais resultados e demandas encontradas.
Risco de Viés dos Estudos
A análise do risco de viés dos estudos foi realizada a partir do Instrumento de Avaliação e Revisão Qualitativa do Instituto Joanna Briggs (JBI-QARI), que tem como objetivo estabelecer a adequação da abordagem metodológica, métodos utilizados e a representação dos participantes do estudo (Godfrey & Harrison, 2015). A ferramenta de avaliação crítica JBI-QARI possui uma lista de verificação que engloba critérios que serão descritos na Tabela 1, da seção dos resultados. A análise foi realizada por três pesquisadoras de forma independente.
Resultados e Discussão
O fluxograma (Figura 1) demonstra o processo de busca e seleção dos artigos analisados. Na busca abrangente foram encontrados os seguintes resultados: ERIC- 183 produções científicas; Web of Science- 168 produções científicas; PsycINFO- 76 produções científicas; EMBASE- 1 produção científica; e PUBMED- 529 produções científicas. Ulterior à leitura dos títulos e resumos, os resultados foram: ERIC, vinte e uma produções científicas; Web of Science, oito produções científicas; PsycINFO, quatro produções científicas, e PUBMED, seis produções científicas. Após a análise dos artigos na íntegra, chegou-se ao seguinte resultado: ERIC, nove produções científicas, e Web of Science, sete produções científicas, que fazem parte deste estudo de revisão sistemática e foram incluídos na análise qualitativa. A descrição referente aos resultados dos eixos de análise é apresentada na sequência.
País de Origem da Publicação
A seleção de produções científicas resultou em dezesseis artigos empíricos, cujas pesquisas foram realizadas em diversos países. Foram encontrados quatro artigos na Turquia, quatro na Itália, um no Brasil, um na Indonésia, um na Nigéria, um na Romênia, um na Espanha, um no Peru, um realizado nos Estados Unidos em cooperação com vários países da América Latina (Brasil, México, Costa Rica, República Dominicana, Nicarágua, Paraguai e Porto Rico) e um nos Estados Unidos. Desses, quinze estavam escritos em língua inglesa e um deles em espanhol.
Delineamento das Pesquisas
No delineamento das produções científicas analisadas, predomina a abordagem qualitativa, seja de forma anunciada na metodologia (Atiles et al., 2021; Hebebci et al., 2020; Oyinloye, 2020; Palau et al., 2021; Safta-Zecheria et al., 2020; Silva & Follador, 2020; Yıldırım, 2021; Yayci & Kendirci, 2021) ou subentendida, pelo tipo de pesquisa realizada, quais sejam: pesquisa fenomenológica (Yazcayir & Gurgur, 2021), estudo de caso (Addimando et al., 2021; Rasmitadila et al., 2020), autoetnografia colaborativa e pesquisa participativa (Schaefer et al., 2020); estudo observacional, porém com análise quantitativa de dados (Ferraro et al., 2020); desenho exploratório descritivo quantitativo (Crescenza et al., 2021); análise descritiva e análise de rede (Giovannella et al., 2020). Ressalta-se que, aqueles que se anunciaram por abordagem qualitativa, realizaram pesquisas do tipo estudo de caso, design descritivo, pesquisa-ação do enfoque quantitativo (Meza Revatta et al., 2020).
Não raro, foi encontrada uma quantidade considerável de pesquisas em ciências humanas que adotam a abordagem qualitativa. Flick (2013) destaca que a importância da pesquisa qualitativa para os estudos das relações sociais ocorre pela característica múltipla dos contextos de vida. As mudanças sociais contínuas e céleres, além da pluralidade das esferas da vida, impelem os cientistas sociais a enfrentarem novas situações, bem como novas perspectivas sociais, reitera o autor. Na abordagem qualitativa podem ser encontrados respaldos para compreender a diversidade que se apresenta na humanidade, como também estabelecer os diálogos necessários para uma melhor compreensão do ser humano.
Os 16 estudos analisados tiveram participantes contemplados por pais, estudantes, professores, diretores e/ou gestores. Entre esses, apenas uma pesquisa trabalhou com pais, alunos e professores (Crescenza et al., 2021), uma com professores e alunos (Hebebci et al., 2020), uma com alunos e pais (Schaefer et al., 2020), e uma realizou o levantamento de dados com pais e professores (Yıldırım, 2021). Dois estudos pesquisaram pais de estudantes, sendo que um deles tratou de alunos com necessidades especiais (Yazcayir & Gurgur, 2021), e o outro de escolas primárias (Yayci & Kendirci, 2021); dois só com alunos (Addimando et al., 2021; Ferraro et al., 2020) e seis estudos focaram apenas em professores (Rasmitadila et al., 2020; Oyinloye, 2020; Safta-Zecheria et al., 2020; Atiles et al., 2021; Meza Revatta et al., 2020; Giovannella et al., 2020). Por fim, dois artigos contemplaram diretores e managers da região de Catalunha (Palau et al., 202), além da equipe gestora (Silva & Follador, 2020).
Dos dados apresentados, percebeu-se que, em sua maioria, os estudos na área escolar centraram seus enfoques em professores, alunos e pais. Claramente se reconhece a importância de seus papéis nesse processo. Já os diretores e equipe pedagógica quase não aparecem nos estudos. Esse fato que merece reflexão, pois na escola são os responsáveis por conduzir o processo educacional junto aos demais atores da comunidade escolar. Ficou evidente o número reduzido de produções científicas relacionadas à Educação Especial. Acredita-se que o ensino remoto tornou ainda mais notórias as dificuldades de implementação desse tipo de educação, já tão presentes na modalidade presencial.
Principais Resultados e Demandas Encontradas
Os dados resultantes da pesquisa de revisão sistemática evidenciaram diferenças e semelhanças em relação ao processo de ensino e de aprendizagem durante o período de pandemia. De modo geral, os estudos retrataram o impacto do ensino online imposto pela situação pandêmica; as percepções dos professores, pais e estudantes referentes a essa modalidade de ensino; consequências positivas e negativas para professores, estudantes e pais, assim como desafios enfrentados e apontamentos para o trabalho remoto no futuro. Esses estudos foram realizados na Educação infantil, no Ensino Fundamental e no Médio.
Um aspecto presente, comum em todos os estudos, foram as dificuldades encontradas e os pontos considerados negativos. Predominantemente, os desafios se referiram ao acesso, conexão, infraestrutura, preparação, treinamento e manuseio das tecnologias (Atiles et al., 2021; Hebebci et al., 2020; Oyinloye, 2020; Safta-Zecheria et al., 2020; Yıldırım, 2021). A falta de acesso à tecnologia, recursos e problemas econômicos por parte dos alunos e familiares também foram aspectos considerados negativos apontados pelos professores (Safta-Zecheria et al., 2020; Yıldırım, 2021; Silva & Follador, 2020). Outra dificuldade que foi mencionada nos estudos refere-se à sobrecarga e à autorregulação de trabalho do professor, além do gerenciamento de várias funções simultaneamente (Atiles et al., 2021; Giovannella, Passarelli, & Persico, 2020; Palau et al., 2021). Também foi mencionado em Atiles et al. (2021) as dificuldades dos professores com gastos com recursos tecnológicos. Apenas nesse último estudo houve menção de preparação para o retorno presencial.
Das questões apresentadas até aqui, é fato que a transição do ensino presencial para o ensino remoto configurou-se em incertezas, dificuldades, mas sobretudo no desvelamento das desigualdades sociais, econômicas e de acesso às tecnologias. Consequentemente, tudo o que já era perceptível em âmbito presencial, mas negligenciado, tomou proporções maiores. Nesse percurso, os sujeitos que compõem a comunidade escolar precisaram se reinventar, mesmo a grandes custos. Angelucci (2020) defende que não há respaldo na área educacional sobre o fato de que educadores/as e instituições educacionais sejam obrigados a desenvolver suas atividades remotamente como se não estivessem em meio a processos de vidas precarizados.
No entanto, a defesa que aqui se faz é a de que professores, alunos e famílias tenham seus direitos garantidos no que concerne ao acesso à tecnologia, à formação continuada, e às reflexões e adaptações ao currículo. Não se pode resumir a educação escolar online à mera transposição do que se fazia no ensino presencial, e continuar adotando um currículo estático, linear e descontextualizado. O ensino remoto requer outras configurações que precisam ser discutidas e implementadas com e pelo coletivo escolar. Para Guzzo et al. (2021), a emancipação do homem advém do processo de conscientização e libertação enquanto forma de os sujeitos serem protagonistas da sua própria história. Assim, compreende-se que a(o) psicóloga(o) escolar tem um papel imprescindível nesse processo, pois, mesmo em situação crítica como a de pandemia, poderá proporcionar reflexões que possibilitem aos atores sociais a ressignificação de suas práticas e conscientização sobre seus direitos e deveres em espaços virtuais coletivos com os diversos grupos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
Ainda, enquanto impactos negativos da pandemia, os dados apontaram a falta da interação professor-aluno como fator que compromete o processo de ensino e aprendizagem. Oyinloye (2020) apontou a redução da taxa de aprovação no ensino médio durante as aulas online. Esse resultado se deve à falta de interação professor-aluno durante esse período. Aulas assíncronas que ocorrem sem a presença do professor, um novo formato de atividades, dificuldade de compreensão das aulas e a quantidade de tempo de exposição à tecnologia também foram mencionados (Hebebci et al., 2020).
A dificuldade e/ou falta de interação, as mudanças na forma de interagir e a relação desses aspectos com as dificuldades de ensino e aprendizagem no ensino remoto foram mencionadas por professores e alunos em vários estudos (Addimando et al., 2021; Atiles et al., 2021; Ferraro et al., 2020). Atiles et al. (2021) acrescentam que os professores pesquisados até receberam treinamento sobre como usar a tecnologia, mas não sobre como poderiam interagir com as crianças de forma eficaz na educação online.
A interação social é um elemento fundamental para o desenvolvimento humano (Vigotski, 2018), e a construção do conhecimento ocorre na interação social mediada por um sujeito mais experiente, que facilita o processo de apropriação dos elementos da cultura. Logo, a interação é um requisito essencial para que a aprendizagem ocorra. Marinho-Araújo (2016) advoga que a presença dos atores sociais na escola enquanto contexto social e, por conseguinte, em interação com artefatos culturais e históricos, possibilita ao psicólogo escolar a promoção de processos de desenvolvimento e de aprendizagem por meio de uma atuação intencionalmente planejada.
Como pontos positivos, os estudos revelam a possibilidade de planejamento do ensino em situações adversas (Hebebci et al., 2020). Rasmitadila et al. (2020) apresentaram dados sobre a necessidade de o ensino online ser planejado de acordo com as condições econômicas dos alunos, apresentar estratégias diversificadas e partir de suas experiências e necessidades de aprendizagem em coerência com o currículo nacional.
Mesmo que a incorporação das novas tecnologias tenha sido considerada um desafio para professores e funcionários, como verificado na pesquisa desenvolvida por Silva e Follador (2020), o ensino online é visto como algo que pode ser aperfeiçoado com treinamento (Hebebci et al., 2020). De acordo com Crescenza et al. (2021), o ensino online poderá contribuir com o profissionalismo docente através da utilização das novas tecnologias e da participação na cultura escolar. Entretanto, os recursos tecnológicos podem ser utilizados, porém não substituem os métodos tradicionais (Silva & Follador, 2020). Foi ainda reconhecida a relevância do ensino online e a necessidade de incluí-lo na formação de futuros professores (Giovannella et al., 2020).
As pesquisas também revelaram dados sobre o comportamento dos estudantes durante o isolamento social e no ensino online. Foram identificados comportamentos considerados negativos e preocupantes, tais como raiva, fúria, irritação, agressão e estresse (Crescenza et al., 2021; Yayci & Kendirci, 2021). De acordo com Palau et al. (2020), o comportamento de autonomia e de autorregulação da aprendizagem foi mais aprimorado entre alunos mais velhos. No estudo desenvolvido por Schaefer et al. (2020), foram mencionados a improvisação para adaptar novos espaços de aprendizagem, desenvolvimento de habilidades e métodos de estudo que se adequaram às suas peculiaridades, criação de cronogramas de estudos, empenho na organização do tempo e no processo de autorregulação, fornecimento de feedback aos professores sobre as estratégias mais eficazes, além de sugestões para o ensino online, caso fosse necessário adotá-lo novamente. As crianças com necessidades educacionais específicas se mostraram indispostas e com dificuldades de adaptação ao ensino online, mesmo tendo continuado seus estudos através desse formato (Yazcayir & Gurgur, 2021).
No estudo realizado por Atiles et al. (2021), os professores demonstraram preocupações com a saúde mental e bem-estar dos alunos e familiares, insegurança alimentar, desigualdades sociais e os requisitos necessários ao desenvolvimento infantil. O estudo realizado por Yayci e Kendirci (2021), em contraposição, identificou comportamentos positivos, tais como colaboração nas atividades domésticas e adoção de responsabilidades. Em relação à aprendizagem, Yayci e Kendirci (2021) não identificaram desenvolvimento de habilidades entre estudantes do ensino fundamental.
A comunicação entre docentes e famílias foi citada em alguns estudos. Crescenza et al. (2021) identificaram uma maior comunicação e solidariedade entre os professores, bem como entre professores e familiares, e professores e alunos. Entretanto, Palau et al. (2021) e Yıldırım (2021) encontraram dados que indicam a necessidade de maior comunicação entre professores e famílias, posto que para a situação de emergência que estavam enfrentando não havia um planejamento. O único estudo que trata de alunos com necessidades educacionais específicas apontou a falta de comunicação e cooperação entre pais, professores e alunos (Yazcayir & Gurgur, 2021).
A propósito da participação das famílias, os dados demonstram que a parceria escola-família facilitou o desenvolvimento das atividades pedagógicas (Rasmitadila et al., 2020). Safta-Zecheria et al. (2020) referiram-se à criação de intercâmbios entre pais, professores e alunos, e à construção de uma rede de apoio dentro e fora do espaço escolar. Outras pesquisas salientam o aumento da carga de trabalho e a necessidade de treinamento para os pais e/ou responsáveis, posto que estes se sentiam sem habilidades para ajudar os filhos (Crescenza et al., 2021). Yıldırım (2021) apontou problemas econômicos, baixa autoconfiança, problemas de comunicação, tarefas domésticas, os problemas de concentração, falta de motivação e desinteresse dos filhos como principais dificuldades encontradas. Yıldırım (2021) destaca os efeitos negativos do ensino remoto na educação pré-escolar, embora reconheça um maior envolvimento dos pais na educação de seus filhos e a melhoria da qualidade da relação entre pais e filhos. O autor destaca que pais e professores trabalharam juntos para a promoção da aprendizagem dos filhos/alunos. Foi enfatizado, ainda, que os professores tiveram que lidar com pais que não colaboravam e não davam os feedbacks necessários.
Silva e Follador (2020) argumentam que a família tem a tendência de atribuir à escola a responsabilidade pela educação dos seus filhos, porém, com a emergência da pandemia da Covid-19, isso mudou. Os autores afirmam que escola e família precisam pensar coletivamente em soluções para o favorecimento do processo de aprendizagem dos estudantes. Já Albuquerque e Braz Aquino (2018) alertam para a necessidade de abordar a temática da relação família-escola por ser uma queixa frequente direcionada ao psicólogo escolar.
Os resultados da revisão sistemática descritos acima corroboram as posições dos argumentos supracitados. As famílias que se viram obrigadas a participar do ensino remoto de seus filhos acabaram por atestar quão relevante foi a sua participação. Nesse contexto, a atuação do psicólogo deve se deslocar da perspectiva clínica que provoca o distanciamento da realidade social e a segregação (Guzzo et al., 2018). As ações da psicologia escolar acontecem por meio de diálogo e reflexão que possibilitam a todos os agentes educacionais o acompanhamento do processo de desenvolvimento das crianças, tornando a escola um espaço que respeita o desenvolvimento, a expressão de sentimentos, a liberdade e a autonomia, reforça Guzzo et al. (2018).
Mesmo diante de tantos desafios e sendo a escola composta por tantos atores sociais, foram encontrados poucos estudos que priorizaram a reflexão sobre os papéis que os diversos atores desempenham na educação. Na presente revisão, apenas dois artigos trataram da gestão educacional. Os resultados da pesquisa de Meza Revatta et al. (2020) apontaram que o nível de desempenho docente tem relação com o trabalho desenvolvido pela gestão educacional. Quanto melhor a gestão educacional, maior será o desempenho docente, asseguraram os dados. Silva e Follador (2020) ressaltam a importância da mediação entre professores e famílias, realizada pela equipe gestora, sem a qual não seria possível o enfrentamento dos diversos desafios surgidos no ensino remoto.
Depreende-se daí que se faz necessário assegurar uma reflexão mais contundente sobre as funções dos gestores e das equipes pedagógicas para além das atividades burocráticas e distanciadas do processo de ensino e de aprendizagem. Para Dugnani et al. (2020), é imprescindível que psicólogo(as) escolares invistam em atuações com gestores, de modo que se construam espaços reflexivos que possibilitem a esses profissionais transformar suas práticas comumente autoritárias e centralizadoras em ações em prol da construção das coletividades. Entende-se que esse tipo de ação pode ocorrer em situações não presenciais, por meio de reuniões coletivas com docentes e equipe gestora, objetivando o planejamento de estratégias pedagógicas que favoreçam o processo educativo nas condições adversas impostas pela pandemia.
Considerando o exposto, o psicólogo escolar no contexto pandêmico pode realizar ações como: acompanhamento do desenvolvimento dos estudantes de forma remota; reuniões online com professores e gestores; criação de espaços de aproximação e acolhimento às famílias; acompanhamento remoto das aulas online; elaboração de formulários google para levantar informações acerca de condições socioeconômicas e de acesso das famílias às tecnologias necessárias para acessar aulas e conteúdos; produção de materiais audiovisuais para colaborar com a comunicação entre família e escola; planejamento de estratégias para colaborar com a aprendizagem dos alunos com deficiência, e planejamento em equipe multiprofissional para o retorno presencial (Guzzo et al., 2021).
Análise do Risco de Viés dos Estudos Incluídos
A análise do risco de viés, realizada a partir da ferramenta JBI-QARI, revelou que os estudos selecionados apresentaram baixo risco de viés na maioria dos domínios avaliados. O item referente à explicitação da aprovação ética por um órgão apropriado foi o único denominado “indefinido”, pois os artigos classificados dessa forma não mencionaram explicitamente essa aprovação, embora, pela forma como foram descritos, demonstraram ter seguido os preceitos éticos. A Tabela 1 a seguir expõe a síntese dos resultados da análise do risco de viés dos artigos incluídos nesta revisão.
Citação | Q1 | Q2 | Q3 | Q4 | Q5 | Q6 | Q7 | Q8 | Q9 | Q10 |
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Addimando et al. (2021) | S | S | S | S | S | S | N | S | I | S |
Atiles et al. (2021) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Crescenza et al. (2021) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Ferraro et al. (2020) | S | S | S | S | S | S | N | S | I | S |
Giovannella et al. (2020) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Hebebci, Bertiz e Alan (2020) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Meza Revatta et al. (2020) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Oyinloye (2020) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Palau et al. (2021) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Rasmitadila et al. (2020) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Safta-Zecheria et al. (2020) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Schaefer et al. (2020) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Silva e Follador (2020) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Yayci e Kendirci (2021) | S | S | S | S | S | S | S | S | S | S |
Yazcayir e Gurgur (2021) | S | S | S | S | S | S | S | S | S | S |
Yildirim(2021) | S | S | S | S | S | S | S | S | I | S |
Legenda: S-Sim/ N-Não/ I-Indeterminado (Não está explícito)
Q1- Congruência entre as afirmações filosóficas, perspectiva e a metodologia de pesquisa dos estudos incluídos.
Q2- Congruência entre a metodologia de pesquisa e a questão ou objetivos da pesquisa.
Q3- Congruência entre a metodologia de pesquisa e os métodos usados para coletar dados.
Q4- Congruência entre a metodologia de pesquisa e a representação e análise de dados.
Q5- Congruência entre a metodologia de pesquisa e a interpretação dos resultados.
Q6- Declaração localizando o pesquisador culturalmente ou teoricamente
Q7- Informação sobre a influência do pesquisador na pesquisa e vice-versa.
Q8- Representação adequada dos participantes e suas vozes.
Q9- Evidências de ética aprovada por um órgão apropriado.
Q10- Realização de conclusões a partir da pesquisa ou interpretação dos dados.
Considerações Finais
A revisão sistemática aqui apresentada buscou investigar as demandas advindas de contextos educacionais no período da pandemia de COVID-19. As pesquisas analisadas relataram o impacto provocado pela pandemia em diversos países e a necessária organização governamental e social para o seu enfrentamento, com destaque sobre seus impactos no sistema educacional.
Os resultados permitiram verificar a necessidade de planejar novas estratégias para o acompanhamento e a promoção das relações que passaram a se estabelecer entre equipe escolar, famílias e estudantes que, neste cenário pandêmico, estão tensionadas por fatores como: vulnerabilidade social e econômica de docentes e das famílias para o devido uso de recursos tecnológicos e acesso à internet; falta de treinamento docente para o manejo de programas computacionais e formas alternativas de ensino e avaliação; desmotivação e abandono dos estudantes e suas repercussões no aprendizado, acentuando os históricos entraves na relação entre escola e família. Por outro lado, estudos referiram que o ensino online revelou possibilidades pedagógicas em situações adversas e a necessidade de planejamento docente quanto às estratégias que promovessem o interesse e o aprendizado dos estudantes.
De forma geral, as demandas e problemáticas apresentadas nos estudos incluíram tensões na relação entre família e escola, interação e comunicação interpessoal entre os agentes escolares e a família, desigualdades sociais e problemas psicológicos (evasão, desistência, apatia, desmotivação, tristeza), revelando que, independentemente da concepção de atuação frente a tais demandas, os problemas e entraves no processo de ensino e aprendizagem, presentes no ensino presencial, repetem-se no ensino online, guardadas às suas devidas especificidades.
Afirma-se como profícuo o trabalho do psicólogo escolar que, na modalidade de ensino remoto, e auxiliado pelo uso de plataformas digitais e/ou redes sociais, pode mobilizar ações que englobem a realização de reuniões pedagógicas com toda a equipe; o fomento de espaços de escuta e discussão com o coletivo escolar sobre a experiência de ensino remoto, além do mapeamento institucional e comunitário (Guzzo et al, 2020) para conhecer as condições socioeconômicas dos estudantes e as possibilidades de apoio pedagógico das famílias aos seus respectivos filhos, dentre outras possibilidades. Entende-se que uma atuação consciente e crítica, voltada aos desafios e entraves impostos pela pandemia ao contexto educacional, pode viabilizar processos de desenvolvimento humano com a participação do coletivo da instituição.
É fundamental pontuar enquanto limitações do presente estudo o recorte temporal das pesquisas resgatadas (2019 a 2021), considerando que o contexto pandêmico e de ensino remoto perdurou até o ano de 2022. Além disso, as produções acerca das vivências nesse período estão sendo publicadas mais recentemente, tal como essa revisão sistemática.