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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.23 no.2 Rio de Janeiro maio/ago. 2023  Epub 03-Maio-2024

https://doi.org/10.12957/epp.2023.77704 

PSICOLOGIA CLÍNICA E PSICANÁLISE

Promoção em Saúde Mental da População Negra Brasileira, um Levantamento Bibliográfico

Mental Health Promotion of the Brazilian Black Population, a Bibliographic Survey

Promoción de la Salud Mental de la Población Negra Brasileña, un Levantamiento Bibliográfico

Nádia Meireles Moreira* 

Psicóloga, graduada pela Universidade Católica de Brasília, especialista pela Universidade Católica Dom Bosco, mestranda na Universidade de Brasília.


http://orcid.org/0000-0003-1309-0298

Ileno Izídio da Costa** 

Psicólogo, graduado pela Universidade de Brasília, mestre pela Universidade de Brasília, doutor pela Universidade de Brasília e Universty of Warwick, pós-doutor pela Universidade Católica de Lisboa, professor da Universidade de Brasília.


http://orcid.org/0000-0002-1571-0297

Josenaide Engracia dos Santos*** 

Psicóloga, graduada pela Universidade do Estado da Bahia, mestra pela Universidade Estadual de Feira de Santana, doutora pela Universidade de Brasília, pós-doutora pela Universidade de Brasília, professor da Universidade de Brasília.


http://orcid.org/0000-0002-7712-8470

*Universidade de Brasília - UnB, Brasília, DF, Brasil

**Universidade de Brasília - UnB, Brasília, DF, Brasil

***Universidade de Brasília - UnB, Brasília, DF, Brasil


RESUMO

Este estudo trata-se de um levantamento bibliográfico de cunho exploratório qualitativo, com o objetivo de identificar na literatura científica brasileira estudos sobre a promoção de saúde mental para a população negra nos serviços de saúde mental. Foram analisados artigos indexados e pesquisas publicadas no Brasil nos últimos 20 anos (entre 2001 e 2021), disponíveis nos portais Scielo, LILACS, BDTD e CAPES. Resultou na identificação de três artigos com as características desejadas, o que evidencia o número restrito de publicações sobre o tema. Problematizado em três categorias, sendo elas: impactos do racismo para promoção de Saúde Mental da população negra; conscientização da discriminação racial para prevenção em Saúde Mental; possibilidades de criação de estratégias preventivas. Constatou-se que as práticas de cuidado precisam ser articuladas a questão das relações raciais, por serem basais para o entendimento da saúde mental enquanto multideterminada, uma vez que o racismo tem impactos globais e atinge todos os níveis estruturais.

Palavras-chave: saúde mental; promoção de saúde; prevenção; população negra; racismo.

ABSTRACT

This study is a qualitative exploratory bibliographic survey, with the objective of identifying studies in the Brazilian scientific literature on mental health promotion for the black population in mental health services. Indexed articles and research published in Brazil in the last 20 years (between 2001 and 2021) in the Scielo, LILACS, BDTD and CAPES portals were analyzed. It resulted in the identification of three articles with the desired characteristics, which highlights the limited number of publications on the topic. Problematized in three categories, namely: impacts of racism for the promotion of Mental Health of the black population; awareness of racial discrimination for prevention in Mental Health; possibilities of creating preventive strategies. It was found that care practices need to be articulated with the issue of racial relations, as they are fundamental to the understanding of mental health as multidetermined, since racism has global impacts and affects all structural levels.

Keywords: mental health; health promotion; prevention; black population; racism.

RESUMEN

Este estudio es un levantamiento bibliográfico exploratorio cualitativo, con el objetivo de identificar estudios en la literatura científica brasileña sobre la promoción de la salud mental para la población negra en los servicios de salud mental. Se analizaron artículos indexados e investigaciones publicados en Brasil en los últimos 20 años (entre 2001 y 2021) en los portales Scielo, LILACS, BDTD y CAPES. El resultado fue la identificación de tres artículos con las características deseadas, lo que destaca el número limitado de publicaciones sobre el tema. Problematizado en tres categorías, a saber: impactos del racismo para la promoción de la Salud Mental de la población negra; Concientización sobre la Discriminación Racial para la Prevención de la Salud Mental; posibilidades para la creación de estrategias preventivas. Se constató que las prácticas de cuidado necesitan articularse con la cuestión de las relaciones raciales, ya que son fundamentales para la comprensión de la salud mental como multideterminada, ya que el racismo tiene impactos globales y afecta a todos los niveles estructurales.

Palabras clave: salud mental; promoción de la salud; prevención; población negra; racismo.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil e a implementação da reforma psiquiátrica, os movimentos da sociedade civil tem-se esforçado para desenvolver a discussão sobre o conceito ampliado de saúde, diversidade étnica racial e a promoção da saúde como política. Tal debate culminou com a implementação da Política Nacional de Promoção de Saúde - PNPS (Ministério da Saúde, 2010), que conceitua saúde como a produção social de determinação múltipla e complexa, exigindo, portanto, a participação ativa de todos os sujeitos envolvidos em sua produção.

A promoção de saúde pode ser entendida enquanto formas de conscientização para aumento das práticas de saúde e bem-estar global. Orientada pelo direito à saúde, é fruto da instituição do SUS no Brasil que determina a obrigação dos municípios, estados e União trabalharem ativamente na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde em todo o território brasileiro. Consta no art. 2º da Lei n. 8.080 (1990) que não se pode impor qualquer obstáculo ao acesso ao SUS, seja relativo à cidadania, renda e classe social. Decorrente desta expansão, se faz necessária reformulação do modelo de atenção à saúde que considere todos os aspectos da vida da pessoa.

Nesse contexto de reorientação de modelo de atenção à saúde configura-se também o movimento de reforma psiquiátrica pautado nas reflexões e transformações que acontecem no campo técnico-assistencial, jurídico, cultural e conceitual da saúde mental (Amarante 2003), aspecto importante para compreender a forma como a sociedade lida com o sofrimento decorrente das vivências étnicos raciais na saúde mental.

Desde 2001, a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) anunciava que pesquisas apontavam o racismo enquanto elemento de agravamento da saúde mental da população negra. Sabendo que este fenômeno é um produtor de constantes situações de humilhação e constrangimento, faz-se necessário que a coordenação de saúde mental defina estratégias e desenvolvimento de tecnologias de assistência no campo da saúde mental (OPAS, 2001).

As estratégias e tecnologias de saúde mental, articuladas com o Movimento Negro e a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra1 (PNSIPN), podem trazer ganhos significativos como o reconhecimento do racismo e racismo institucional enquanto determinantes sociais em saúde e o manejo da saúde mental da população negra. Os determinantes sociais podem colocar os negros em maior risco de problemas de saúde mental (Watkins, 2012). O reconhecimento desta problemática, enquanto determinante das condições de saúde e desigualdades no processo de ampliação das potencialidades individuais (e coletivas) é uma estratégia de enfrentamento para implementar ações de promoção e prevenção à saúde mental (Ministério da Saúde, 2017).

Compreensões acerca de promoção e prevenção são associadas, aqui, com as estratégias de cuidado em saúde mental baseadas na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) e se refere ao compromisso firmado pelo Ministério da Saúde no combate às desigualdades no SUS e na produção de saúde da população negra de forma integral, baseada em um conjunto de ações que prioriza o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS (Ministério da Saúde, 2017).

Uma das iniciativas de discussão da saúde mental aconteceu junto ao Ministério da Saúde em 2014 quando a Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas criou o Grupo de Trabalho Racismo e Saúde Mental (GTRSM). Tal resposta surgiu alinhada, em parte, às demandas de atores relacionados com o Movimento Negro e com a PNSIPN (Ignácio & Mattos, 2019) em um intenso debate sobre raça, racismo e discriminação racial.

O Racismo é um fenômeno ideológico, complexo e de manifestações globais que atribui características e significados sociais negativos a determinados grupos e seus padrões de diversidade, desencadeando tratamento desigual (Gouveia & Zanello, 2018), tornando-se uma doutrina que afirma a superioridade de determinados grupos sobre outros e designa práticas discriminatórias.

A discriminação racial corresponde à expressão ativa do racismo. É toda e qualquer atitude que desrespeite e viole os direitos de alguém/de um grupo por causa de sua cor, raça ou etnia. Remete a representações pejorativas e geradoras de desvantagem sobre esses grupos sociais e desigualdades entre os segmentos populacionais envolvidos (Dias et al., 2009) influenciando na saúde mental

O racismo produz condições indignas de qualidade de vida (Bento, 2002). As práticas de discriminação racial no Brasil impedem ascensão social e torna a identidade da pessoa negra desvalorizada e afetada por fatores ideológicos e psicológicos (Munanga, 2009). O Informativo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que a população negra é o grupo racial mais propenso a desenvolver adoecimento psíquico (IBGE, 2019).

Em síntese, racismo, conjunto de crenças e valores que prega a superioridade de um grupo étnico-racial sobre outro, é manifestado por meio do preconceito e da discriminação raciais. Engloba ideologias, disposições estruturais e práticas institucionalizadas que atribuem significados sociais negativos aos grupos que os detêm, resultando em desigualdade racial (Dias et al., 2009; Almeida, 2020). Estes conceitos são postos, neste presente estudo, enquanto práticas de discriminação, exclusão, violência e/ou restrição de direitos contra a pessoa negra.

A PNSIPN aborda que o racismo vivenciado pela população negra incide negativamente na saúde mental. Evidências empíricas sugerem que o racismo e a discriminação são as principais fontes de estresse na vida da população negra, ocasionando problemas de saúde mental (Assari & Burgard, 2015; Assari et al., 2017).

As desigualdades raciais têm origens históricas, causam sofrimento e são persistentes (Munanga, 2009). A PNSIPN descreve que há disparidades, em grupo racial, significativas quando associadas aos modos de promover saúde mental e estas devem ser consideradas no desenvolvimento de estratégias de prevenção ao adoecimento. Poucos estudos trataram sobre a promoção e prevenção à saúde mental da população negra e consequentemente impacta diretamente nas políticas específicas de saúde mental para a população negra, considerando o debate sobre o tratamento desigual nos serviços de saúde (Santos & Schucman, 2015).

Problematizando sobre a reforma psiquiátrica, determinantes sociais em saúde (DDS), política de promoção à saúde e PNSIPN no SUS, o objetivo deste estudo é identificar na literatura científica brasileira, estudos sobre a promoção de saúde mental para a população negra e nos serviços de saúde mental.

Método

A motivação para realização deste levantamento bibliográfico surgiu do incômodo advindo da vivência de uma disciplina cursada no Programa de Pós-Graduação, stricto sensu em Psicologia Clínica e Cultura - PPGPsiCC, da Universidade de Brasília. A inquietação é oriunda da leitura da dissertação de Abreu (2012) que apresenta os desdobramentos do estado da arte da pesquisa em promoção e prevenção em saúde mental, onde não foi encontrado nenhum estudo que fizesse menção a produção de saúde e relações étnico-raciais.

Assim, este artigo trata-se de um estudo qualitativo exploratório realizado por meio de pesquisa bibliográfica com foco no conteúdo (Gil, 2012; Patias & Hohendorff, 2019). Foram analisados artigos científicos e estudos acadêmicos publicados no Brasil, nos últimos 20 anos, entre 2001 a 2021.

O levantamento bibliográfico aconteceu entre 25 de março a 15 de abril de 2021. Com buscas exaustivas através dos portais acadêmicos Scientific Electronic Library Online (Scielo), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e Portal Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A escolha de tais bases de dados se justifica por terem artigos indexados, completos e por abarcarem estudos e pesquisas produzidas no Brasil. Foram selecionados a partir de grupos de palavras com os descritores: promoção saúde mental; prevenção racismo; prevenção população negra; saúde mental racismo; promoção e prevenção relações raciais; saúde mental e prevenção ao racismo.

Os critérios de inclusão foram: estudos nacionais com temas sobre produção de saúde mental para a população negra/relações raciais; ações de prevenção ao racismo na saúde mental. Já os critérios de exclusão foram: estudos sobre promoção e prevenção em saúde mental, que não mencionava a questão racial ou a população negra; artigos sobre a população negra que não abordavam promoção e/ou prevenção em saúde mental. Na tentativa de encontrar maior quantitativo de estudos, os descritores foram utilizados na mesma ordem em todos os portais acadêmicos acima mencionados.

Com os primeiros descritores, “promoção, saúde mental, prevenção, racismo, população negra”, nenhum artigo foi encontrado nos portais BDTD e CAPES. No portal Scielo, foi identificado um artigo de extrema relevância por abordar racismo institucional e SUS. No entanto não menciona a produção em saúde mental e foi utilizado na sessão de fundamentação teórica. No portal LILACS foram localizados quatro estudos, dois deles foram desconsiderados por abordarem aspectos sobre sexualidade e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs); comunicação social sobre suicídio de jovens negros. E um artigo que mencionava políticas de promoção de igualdade racial em rede hospitalar, porém não encontrado disponível na íntegra. Por tais motivos, foram desconsiderados. Resultando em apenas um trabalho que fora selecionado: Política de combate ao racismo no SUS do Rio de Janeiro, baseado na PNSIPN (Governo do Rio de Janeiro, 2012).

Com o segundo grupo de palavras, “promoção, saúde mental, população negra”, resultou o total de dois trabalhos no portal Scielo, sendo artigos sobre saúde mental, racismo e população negra, porém não mencionavam promoção de saúde mental e prevenção de racismo, sendo referentes a enunciados e revisão bibliográfica. No Portal LILACS foram identificados quatro estudos, um de relevância, do Conselho Federal de Psicologia (CFP) por abordar orientações técnicas em relação às relações raciais para a Psicologia, porém não mencionava a promoção e prevenção em saúde. Redefinindo com a data, o país de publicação e com foco no tema, os outros três foram desconsiderados por apresentarem enunciados e não encontrado disponível na íntegra. No portal CAPES foram localizados estudos repetidos. Resultando em uma dissertação de mestrado localizado no Portal BDTD: Saúde Mental e Racismo: a atuação de um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (Camargo, 2018).

No terceiro grupo de palavras, “saúde mental, raça, relações raciais”, foram identificados no portal Scielo um artigo da Psicologia que menciona estudos sobre saúde mental da população negra no Ministério da Saúde, porém voltado ao relato organizacional. Outros três artigos da Enfermagem e dois do Serviço Social foram desconsiderados por não mencionar promoção de saúde mental e/ou enfrentamento ao racismo direcionado à população negra. Os portais LILACS e CAPES indicaram estudos já desconsiderados no tópico anterior. No Portal BDTD foi selecionada uma dissertação de mestrado sobre relações raciais e SUS: Muito além de cor de pele: psicologia, saúde mental e relações étnico-raciais em serviços públicos de saúde do município de Suzano, SP (Santana, 2017).

No quarto grupo de palavras, “prevenção, racismo, saúde mental”, nenhum estudo relacionado ao tema foi localizado nos portais: Scielo, LILACS e BDTD. No portal CAPES foram encontrados dois (2) artigos e três (3) projetos de pesquisas que tinham como palavras-chave os descritores mencionados acima, porém não foram localizados na íntegra. Apenas os resumos estavam disponibilizados. Sendo assim, também foram desconsiderados.

Importante ressaltar que as publicações foram selecionadas em língua portuguesa, assim como considerar a recorrência e repetição dos mesmos artigos com os diferentes descritores utilizados. De modo geral, os temas mais evidenciados foram saúde mental e promoção em saúde. Foi possível notar que, nos diferentes temas pesquisados, as categorias mais apontadas fazem menção a: comorbidades clínicas; reflexões teóricas; perfil sociodemográfico populacional.

Foi mencionado em alguns estudos a luta antirracista; apontamentos sobre racismo; práticas de saúde com a população negra; intervenções em comunidades quilombolas; enfrentamento de racismo institucional nos serviços de saúde, porém direcionados às doenças falciformes e HIV/AIDS. O combate ao racismo, de modo geral, resulta em grandes benefícios para a saúde mental da população negra. No entanto, esse estudo objetiva apontar produções científicas acerca de estratégias de promoção e prevenção em saúde mental.

Para a análise dos artigos, utilizamos uma leitura exploratória e analítica a fim de alcançar os objetivos deste estudo. Primeiramente, no item resultados e discussões apresentaremos as questões referentes à parte estrutural e metodológica dos artigos analisados e, em seguida, traremos as discussões teóricas obtidas pela análise dos resultados destes mesmos artigos.

Resultados e Discussão

Conforme evidenciado acima, dentre artigos, dissertações e teses, o levantamento resultou no total de três (3) estudos, sendo duas (2) dissertações de mestrado, uma (1) cartilha produzida na secretaria de saúde do estado do Rio de Janeiro. Foram analisadas e organizadas resumidamente, conforme a tabela abaixo:

Tabela 1 

Ano Referencial Método Utilizado Pricipais Resultados
Titulo Teõrico Objetivo
2012 Políticas de Combate ao Racismo no SUS: Promoção de Saúde da População Negra do Estado do Rio de Janeiro. Saúde Coletiva Superar as desigualdades raciais em saúde, na SES- RJ. Garantir acesso e equidade nos serviços do SUS: Subsidiar gestores e profissionais da saúde na implantação da PNSIPN no âmbito local. Uso de dados sociodemográfico e levantamento bibliográfico para planejamento sanitário estratégico. Políticas específicas para a promoção da saúde integral: Promoção de igualdade racial, através de Educação Permanente, baseado nas estratégias da PNSIPN. Elaboração de planos de ação e produção de novas atividades de atenção ã saúde integral e enfrentamento do racismo.
2017 Muito além de cor de pele: Psicologia, Saúde Mental e Relações Etnicoraciais em Serviços Públicos de Saúde de Suzano, SP. Psicologia Social Investigar como profissionais de saúde inseridos nos serviços públicos na área de saúde mental, no município de Suzano-SP, lidam com o tema das relações étnicoraciais em seu cotidiano de trabalho. Estudo qualitativo descritivo e exploratório; Uso de analise de conteúdo nas entrevistas, com reflexibilidade intersubjetiva. Relevância da revisão paradigmática da atuação da Psicologia na saúde mental; Constatação da ausência de abordagens a respeite às relações raciais na graduação: Evidências de preconceito racial com profissionais de saúde negros; Inexistência de intervenções no âmbito institucional nos serviços de saúde mental, para diminuir as práticas de discriminação racial.
2018 Saúde Mental e racismo: a atuação de um Centro de Atenção Psicossocial II Manto-juvenil. Psicologia Social Analisar a perspectiva dos profissionais de saúde do CAPSij, sobre possíveis sofrimentos psíquicos relacionados ã violência do racismo e suas consequências. Análise institucional: Revisão sistemática: Estudo empírico - racismo e iniquidades em saúde mental. Constatação que efeitos psicossociais do racismo é tema pouco estudado; Incentivos para reflexão da conduta profissional para a redução de racismo no serviço de saúde mental; Incentivos para desnaturalização do preconceito nos territórios como possibilidade de ações de promoção da saúde.

Evidenciou-se, assim, que a produção sobre promoção de saúde mental no Brasil para a população negra é escassa, conforme constatado no levantamento bibliográfico. Mesmo com a expansão do conhecimento em prevenção em saúde mental produzido no Brasil (Abreu & Murta, 2016) e o significativo aumento de estudos acerca das relações raciais, há volume pouco consistente de pesquisas e publicações científicas sobre a temática de promoção e prevenção em saúde mental da população negra na contemporaneidade.

Certifica-se o limite acadêmico sobre esse fenômeno. O levantamento bibliográfico sobre saúde mental e população negra apresenta números relevantes (mesmo que insuficiente se comparadas a outras temáticas) de estudos, porém são limitados ao campo teórico dessas discussões. A quantidade de estudos para estratégias de intervenção é quase inexistente. Leva a crer que se trata de um campo ainda em construção e que demanda incentivos para ascensão.

A análise dos estudos encontrados resultou em três categorias: impactos do racismo para promoção de Saúde Mental da população negra; conscientização da discriminação racial para prevenção em Saúde Mental; possibilidades de criação de estratégias preventivas. Estas categorias apresentam trechos dos textos (T1, T2, T3) em que se debruçou a apreciação.

Impactos do Racismo para Promoção de Saúde Mental da População Negra

Foi constatado que as implicações raciais são basais para o entendimento da saúde mental enquanto multideterminada, uma vez que o racismo tem impactos globais e atinge todos os níveis estruturais. Mostra a importância de refletir sobre o modo que efeitos psicossociais do racismo afetam, inclusive, o planejamento para estratégias de promoção de saúde. A baixa produção sobre o tema denuncia esse fenômeno, além de ser impedimento na possibilidade de amenizar adoecimento. Deve-se avaliar com seriedade todos os contextos para compreender a real dimensão dessas práticas discriminatórias.

No campo da saúde mental, o sofrimento psíquico desencadeado das experiências de discriminação racial deve ser analisado como processo psicossocial multifacetado (Santana, 2017). Compreender isto é fundamental para repensar as instituições de cuidado em saúde mental no Brasil. Uma vez que o acúmulo dessas experiências desencadeia instabilidades psíquica e afeta, negativamente, a vida das pessoas expostas a este fenômeno.

T2-“O efeito da violência racista sempre promoverá doenças[...]racismo é uma ideologia estruturante de atitudes que humilha, marca a subjetividade e provoca desumanização[...] um processo que influencia atendimentos em saúde mental nos serviços públicos e privados.”

T3-“Entender a temática racial nas relações é fundamental, pois contribui na busca de saídas mais efetivas para a erradicação dos efeitos do racismo na saúde mental.”

Destacamos fragmentos plausíveis para compreender o quanto o mecanismo do racismo afeta as relações interpessoais e por decorrência resulta em prejuízos no autoconceito. Bento (2002) salienta que efeitos simbólicos racistas afetam o processo de subjetivação na maneira que afeta sua identidade de pessoa negra. Uma vez que o psiquismo humano se desenvolve através das relações sociais, que são continuamente co-construídas a partir de interações da pessoa com o seu meio, a compreensão do ser humano não pode ser reduzida a um único aspecto (Costa, 2003). É preciso considerar sua complexa multidimensionalidade, que inclui o fator racial. Notar esse fenômeno pode prevenir ações racistas nas instituições e consequentemente evitar danos à saúde psíquica, além de ser estratégia de cuidado enquanto potencial para promoção da igualdade racial e desinstitucionalização do racismo.

T2-“As paredes das grandes prisões manicomiais têm sido derrubadas na contemporaneidade, contudo para a população negra novas tecnologias têm sido estrategicamente reinventadas: o sistema judiciário, as instituições de segurança pública e a medicina psiquiátrica, rotulam em maioria os periféricos negros.

T1-“A discriminação racial é estruturante da desigualdade social brasileira e produzem não apenas para os negros, mas para a sociedade como um todo.”

Outro fator relevante é o pouco conhecimento - ou mesmo a dificuldade de reconhecimento - acerca da importância de discutir os mecanismos da estrutura racial das instituições, o que está diretamente relacionado ao tratamento direcionado a determinado grupo bem como o acesso qualitativo aos serviços. A identificação da discriminação racial é um item necessário e indispensável nos serviços de saúde mental pela possibilidade de saber como se dá o adoecimento, o diagnóstico e a possibilidade de prevenção das doenças (Camargo, 2018). As barreiras começam quando as/os próprias/os desenvolvedoras/es de um serviço não reconhecem esse fator. “Os profissionais da saúde mental são incapazes de reconhecer a linguagem, o comportamento e as atitudes racistas internalizadas de seu próprio racismo encoberto” (Gouveia & Zanello, 2018, p. 461). Os fragmentos a seguir ilustram o incômodo notado quando se traz visibilidade para as questões raciais nas instituições.

T2-“As perguntas que escutamos quando apresentamos o tema são: por que saúde da população negra? Afinal, o SUS não é universal? A falta de acesso a serviços está mais atrelada ao baixo grau de instrução, condições de moradia e renda? E haveria algo específico à saúde, simplesmente relacionado à cor da pele de uma pessoa?”

T3-“Quando uma instituição pública ou privada decide exercitar o letramento racial, em uma sociedade estruturada na lógica racista, a reação preconceituosa é imediata. Desse modo, percebi o quanto o olhar da gestão, acerca das relações étnico-raciais nos serviços de saúde, na maioria das vezes invisibiliza o tema. E nem é considerado como parte dos marcadores que integram o cuidado em saúde”.

Para desenvolver ofertas dignas em serviços em saúde mental, é preciso reconhecer que o racismo é o principal determinante social em condições de saúde para população negra, já que incide negativamente sobre todos esses fatores que compõem o conceito de saúde. Articular sobre saúde mental da população negra é indispensável porque o racismo está presente na oferta de cuidado. É a principal forma de exclusão social que desencadeia tratamento inferiorizado, desqualificação, privação de qualidade na oferta de atendimento e menosprezo (Ministério da Saúde, 2017; Santana, 2017; Camargo; 2018). Enquanto existir desigualdades e sofrimento por discriminações raciais nas relações cotidianas, se faz necessário discutir sobre o racismo e o quanto isso implica na produção de saúde desigual para a população. É preciso conhecer e reconhecer para que mudanças ocorram. É preciso falar para não anular a existência desta problemática.

T1-“Racismo é doença social que causa sofrimento físico e psicológico, por isso deve ser questão confrontada através de Políticas de Saúde Pública. Por que morrem, de causas evitáveis, mais pessoas negras do que brancas com o mesmo nível de escolaridade e renda? Por que há tão poucos médicos negros?”

T1-“Brasil um país no qual o racismo é constantemente negado e/ou naturalizado, são esperadas diversas reações de resistência e boicote quando se propõe a execução de políticas voltadas ao seu combate.”

Essas reflexões elucidam a ausência do debate racial na formação e na atuação de profissionais da saúde mental nos diversos contextos, (Santos & Schucman, 2015; Santana, 2017; Prestes, 2020). Diante dessa conjuntura, é possível afirmar que a população negra segue vulnerável. É preciso avaliar os fatores de risco e proteção envolvidos na conduta e prática profissional.

Conscientização da Discriminação Racial para Prevenção em Saúde Mental

Racismo é fator impeditivo e de risco para a promoção de saúde mental na população negra. Reconhecer a existência deste fato, enquanto potencial causador de adoecimento mental, é alertar para viabilizar diretrizes voltadas ao combate da discriminação nas instituições e serviços. (Kalckmann et al., 2007; Zamora, 2012). O entendimento do racismo institucional diminui a incidência, por meio de estratégias com vistas à promoção da equidade em saúde. Aprofundar nessas discussões nas práticas cotidianas é elementar para a identificação do problema e pensar em forma efetiva de intervenções.

A tomada de consciência é o processo inicial para viabilizar mudanças e pensar as possibilidades de manejo para tal demanda. É também o primeiro passo para geração de ações preventivas. As ações preventivas são para situações expostas a fatores de risco para evitar agravamento de doenças e também parar situação de vulnerabilidade, mesmo que não apresente desordens insalubres (Abreu & Murta, 2016). Promover saúde, portanto, prevê minimização fatores de risco e aumento dos fatores protetivos para benefício da qualidade de vida (Buchele et al., 2009).

A incorporação das discussões raciais nos serviços de saúde mental auxilia para que seja propiciado acolhimento e respeito, enquanto fator protetivo (Santana, 2017). Resultando na qualidade de vida não só para aquelas pessoas que são usuárias dos serviços de saúde mental, mas também àquelas que poderiam não ser. De tal modo, problematizar a discriminação racial naturalizada nas relações institucionais, para que sejam percebidos os mecanismos de exclusão e quiçá findar essa prática, é uma ação geradora de benefícios.

T3-“Existem dados e análises estatísticas suficientes que justificam políticas específicas para a população negra, na intenção de promover saúde integral desta população.[...]racismo deve ser problematizado como causador de iniquidades em saúde, mais especificamente no campo da saúde mental.”

Como falar sobre saúde mental sem compreender que racismo causa adoecimento? Por tais motivos, se faz necessário compreender a produção de saúde nas relações raciais, uma vez que esse fenômeno é potencial causador de sofrimento psíquico. Há uma relação inversa entre racismo e saúde mental, geralmente ignorada nos serviços de saúde mental (Ignácio & Mattos, 2019). Tal afirmação provoca reflexões sobre a formação de profissionais que atuam na prevenção.

Quanto às intervenções na capacitação profissional para oferta de atendimento humanizado, Santana (2017) descreve em sua própria pesquisa as vivências de exclusão, enquanto mulher negra, na trajetória pessoal, laboral e acadêmica - e pontua que a sensibilização e qualificação evita o preconceito e discriminação nos serviços de saúde mental. Conforme elucidado:

T2- “É preciso tornar o racimo visível para que os funcionários das instituições notem as manifestações racistas e permita a criação de ações preventivas, que podem colaborar para a mudança das culturas institucionais.”

T3-“ausência de estudos raciais é um marcador no processo de análise das desigualdades nas práticas de saúde mental, por isso é necessário ressaltar a importância de profissionais com escuta sensível às dinâmicas das relações raciais.”

Esse movimento de apontar cientificamente os entraves das relações raciais demonstra um cuidado ético, reformista e libertário. Que são potenciais produtores de saúde quando rompem a neutralidade absoluta de alguns profissionais, permitindo que esses tomem consciência da sua própria racialidade (Santana, 2017). Diante dessa conjuntura, é preciso fomentar práticas preventivas ao racismo para romper com a fragmentação de cuidado dentro do próprio campo da saúde mental. “Visualizar os fatores de risco e proteção em todos os sistemas amplia o escopo de ações de prevenção” (Oliveira, 2012, p. 35).

Possibilidades de criação de estratégias preventivas

A utilização do quesito cor nos serviços de saúde mental configura uma estratégia para identificar e perceber as necessidades mais proeminentes da população em relação aos indicadores de saúde. Permitindo desenvolver e adequar ações de planejamento e gerenciamento dos serviços ofertados (Osório, 2003; Santana, 2017), qualificar a informação raça/cor nos instrumentos de saúde mental é importante para monitorar ações de promoção da igualdade racial que garante à população negra o acesso universal e igualitário nos serviços de saúde (Silva et al., 2017). Reconhecendo as demandas de grupos específicos é possível reduzir fatores insalubres aos quais estão submetidos.

As consequências do não preenchimento dos dados relativos ao pertencimento racial faz com que a população negra, atendida em serviços de saúde mental no Brasil (assistência social, psicoterapia e psiquiatria), permaneça na invisibilidade (Gouveia & Zanello, 2018). Informações relevantes para o levantamento de necessidades específicas de dada população e posterior ação efetiva e resolutiva para tais necessidades. Conforme ilustrado:

T2- “Coletar o quesito raça/cor pode ser entendido como o primeiro passo de uma conversa sobre relações raciais em um equipamento de saúde. Serve para identificação de necessidades e desenvolvimento de estratégias. Esses indicadores possibilitam planejamento, gerenciamento e avaliação dos planos terapêuticos. Não devem ser coletados apenas para alimentar o Sistema de Informação da Saúde.”

T1-"A dificuldade dos profissionais em reconhecer, benefícios das pesquisas sobre relações raciais para melhora de oferta de serviços de saúde mental, acaba reproduzindo as relações hierarquizadas construídas ao longo de centenas de anos, associando cor da pele à posição hierárquica inferior”.

As narrativas acima “elucidam as contingências que originam a ausência do tema na atuação profissional nos serviços públicos de saúde mental” (Santana, 2017, p. 53). Esses trechos vão de encontro à forma com que a sociedade brasileira lida com a discriminação racial, tratando como inexistentes e reforçando as disparidades e iniquidades. Essas desigualdades são constantes e requerem ações de políticas públicas que alterem a situação de adversidade vivenciada pela população negra.

Nos desafios para atuação na saúde mental, ainda há pouco subsídio teórico e metodológico científico da Psicologia, como estratégia de prevenção de práticas de preconceito racial, provoca Santana (2017). A Psicologia, apesar de estar acostumada a negligenciar as discussões sobre raça, deve estar socialmente comprometida. Tem meios para empreender ações que favoreçam combate e redução de ações de racismo e, ao mesmo tempo, fomente empoderamento para as pessoas que estão expostas à violência racial, contribuindo para melhorias das condições de vida de populações que tiveram suas experiências historicamente invisibilizadas (Alves, 2021).

T1-“torna-se imperiosa a necessidade de construir novos fazeres que incluam a tradição em pesquisa sobre as relações raciais brasileiras e saúde mental.”

As publicações da Psicologia, enquanto ciência e profissão, referentes ao papel de combate e enfrentamento ao racismo, apontam algumas produções que podem ser lidas como estratégias preventivas: CFP na resolução 018/2002, através das Cartilhas e Orientações Técnicas que fazem referência a atuação da/do profissional da Psicologia frente às demandas de relações raciais; Reflexões sobre a reforma psiquiátrica e as questões raciais históricas que tomam a luta antimanicomial também com uma luta antirracista (CFP, 2002, 2017; Veiga, 2019; Tavares & Costa, 2020). Alguns movimentos, tais como: Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), Instituto AMMA Psique e Negritude, Articulação de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) (ANPSINEP), Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), Portal Geledés produzem conteúdo sobre Psicologia e saúde mental da população negra, (Prestes, 2020). Algumas universidades, principalmente as Federais no Nordeste e Sudeste e com destaque para a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB, também tem produzido bastante na temática étnico-racial, ressalta Ribeiro (2017). Essas obras podem ser relevantes para a construção de ações preventivas.

No que tange a formação de psicólogas/os no Brasil, é de extrema necessidade inserir estudos sobre relações raciais na ementa curricular das disciplinas. A abordagem destes temas no ensino e pesquisa pode beneficiar diversas áreas de atuação (Santos & Schucman, 2015). Visto que, relações raciais e racismo são temas de difícil tratamento na sociedade brasileira e tão pouco discutidos no âmbito da escolarização formal e no ensino superior. A inserção do fenômeno do racismo como fator responsável por sofrimento na agenda da Psicologia deve ser feita não apenas no currículo, mas também como disciplina específica. Necessária no ensino, prática e na extensão (Gouveia & Zanello, 2018).

T3-“A gestão precisa incentivar ações, propostas e projetos para a superação das desigualdades raciais. É necessário um formato de gestão pública que reconheça a existência do racismo nas relações sociais e, portanto, no funcionamento da saúde pública e na estrutura do SUS.”

As consequências das ideologias escravocratas estão no tratamento desumano direcionado às pessoas negras. A nossa construção histórica foi constituída por desigualdades e violações decorrentes da estrutura social racista. Que só podem ser superadas a partir do reconhecimento deste fato e desenvolvimento de políticas de reparação. A implementação das Políticas Públicas é uma forma de democratizar o acesso à qualidade de vida (IBGE, 2019).

T2-“Considera-se também ser de fundamental importância um olhar singular para as demandas da população negra [...] O fortalecimento de temas da reforma psiquiátrica e saúde da população negra nos planos estaduais e municipais de saúde, contribui para a redução das vulnerabilidades e para a desconstrução de estigmas e preconceitos no âmbito do SUS.”

O estado tem papel fundamental no combate ao racismo. Esses achados podem ser interessantes para estimular a criação de políticas públicas e para o desenvolvimento de estratégias de combate ao racismo. Investir mais em estratégias de prevenção é vantajoso e efetivo. O investimento em prevenção é menor em relação custo-benefício ao gasto com tratamento (Abreu & Murta, 2016), pois, quando se promove saúde, diretamente se previnem outros fatores. Os investimentos em realização de pesquisas em saúde mental e fomentos para o desenvolvimento de programas de promoção e prevenção têm retorno direto na sociedade e podem ser aplicadas abertamente nas instituições públicas de saúde para prevenção do adoecimento da população. Investir em estudos que promovem saúde e previnem agravos de saúde mental é além de necessário, um mecanismo que certamente diminui a sobrecarga da necessidade de tratamento em instituições já saturadas.

Conclusão

As práticas de cuidado em saúde mental precisam ser articuladas às relações raciais. Na intenção de compreender as diversas configurações que afetam ações para promoção de saúde mental da população negra e prevenção ao racismo institucional, falar sobre as barreiras que dificultam este processo é de grande valia, além de produzir conhecimento.

É presumível afirmar que a população negra brasileira sofre racismo. E, por vezes, essa discriminação racial é invisibilizada, deslegitimada, subestimada, negligenciada, velada, naturalizada e/ou desconsiderada. Em diversos modos, (ora sutil, ora escancarado) o racismo está presente no contexto acadêmico, nas instituições, no meio social, nas interações afetivas, na prática profissional e em todos os espaços e relações. Posturas racistas estão no cotidiano, sendo ou não notadas. É urgente a necessidade de propostas combativas a esta realidade.

O apontamento da distância entre as produções acadêmicas e as aplicações em políticas públicas, acusa as limitações em produzir ciência que traga benefícios diretos à sociedade. Suscita novamente o questionamento: como aplicar os achados científicos em melhorias sociais? Há muita potencialidade, porém, há também muitas barreiras.

No que se refere à saúde mental e população negra, muitos avanços aconteceram. No entanto, ainda são insuficientes para promoção de saúde qualificada. Fazem-se necessários movimentos reflexivos de enfrentamento e comprometidos com o combate ao racismo nas instituições, nas práticas de trabalho, no âmbito de saúde, no ambiente de ensino e em todos os contextos.

Analisando a nossa realidade hodierna, não é possível escrever sobre a saúde mental da população negra, sem fazer em relação ao contexto pandêmico - Pandemia COVID 19, que afeta o Brasil de modo extremo, passando por crise na (ausência de) estratégia de enfrentamento, envolvida na conjuntura política conturbada e no caos de plano sanitário. É essencial refletir criticamente sobre o impacto que este causou na população (de modo peculiar) negra, constatando que a parcela social mais afetada negativamente é a população pobre. Sabe-se também que a imensa maioria de pessoas na linha de pobreza e miséria são negras. A primeira morte no país, em março de 2020, foi de uma mulher negra, empregada doméstica que contraiu vírus dos patrões que retornavam do exterior. Esse triste retrato social denuncia a ausência de cuidado e a necessidade de viabilizar oportunidades democratizadas.

Não fora mencionado nos achados, mas se faz importante apontar, as políticas públicas de ações afirmativas. Ações que devem ser interpretadas como políticas de reparação, considerando toda a constituição do histórico social brasileiro, baseado em crenças eugenistas e no mito da democracia racial. O estado que tem recursos (e responsabilidade) para viabilizar programas que propiciam condições mais equalitárias de qualidade vida, por meio da educação e do trabalho. Consequentemente maior possibilidade de vivenciar saúde mental. As condutas reparatórias podem promover equidade e prevenir iniquidades.

Diante de toda a reflexão, e considerando que a prevenção é multiprofissional para a composição de saúde mental, é importante articulação entre todos os campos de saber. E a promoção de saúde pode acontecer de variadas possibilidades em todos os contextos. Importante considerar que este estudo fora limitado a publicações brasileiras e baseia-se em estudos dentro de um dado contexto. Ressalta-se que o presente levantamento implica e provoca a necessidade de futuras pesquisas com a temática.

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Recebido: 30 de Julho de 2022; Revisado: 25 de Maio de 2023; Aceito: 29 de Maio de 2023

Endereço para correspondência Nádia Meireles Moreira Rua Ciro dos Anjos, 15, QD 49, PED I, Luziânia - GO, Brasil. CEP 72804-120, Endereço eletrônico: nadia.meirelesm@gmail.com

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