23 2Relato de Experiência: Escuta Clínica, HIV/AIDS e Covid-19Terapia Centrada na Pessoa e Processo de Reorganização da Autoimagem e Autoestima: Pesquisa-Ação 
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Estudos e Pesquisas em Psicologia

 ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.23 no.2 Rio de Janeiro maio/ago. 2023   03--2024

https://doi.org/10.12957/epp.2023.77710 

PSICOLOGIA CLÍNICA E PSICANÁLISE

O Processo de Luto em Familiares de Vítimas da Covid-19

The Grief Process in Relatives of COVID-19 Victims

El Proceso de Duelo en Familiares de Víctimas de la COVID-19

Rafael Menezes Souza Canuto* 

Psicólogo, graduado pela Universidade São Judas Tadeu, Especialização em andamento em Psicologia Hospitalar pelo HCFMUSP.


http://orcid.org/0000-0003-4943-2827

Ana Carolina Lima Ferreira** 

Psicóloga, graduada pela Universidade São Judas Tadeu.


http://orcid.org/0000-0002-9698-7713

Lucas Felix Novaes*** 

Psicólogo Clínico e Mestrando em Ciências do Envelhecimento pela USJT. Atua na criação de elementos de aprendizagem de cursos de Pós-graduação.


http://orcid.org/0000-0003-0410-1717

Rodrigo Jorge Salles**** 

Psicólogo, Doutor e Mestre em Psicologia Clínica pelo IP/USP. Docente do curso de Psicologia e na Pós-graduação em Ciências do Envelhecimento da USJT.


http://orcid.org/0000-0003-0485-4671

*Universidade São Judas Tadeu - USJT, São Paulo, SP, Brasil

**Universidade São Judas Tadeu - USJT, São Paulo, SP, Brasil

***Universidade São Judas Tadeu - USJT, São Paulo, SP, Brasil

****Universidade São Judas Tadeu - USJT, São Paulo, SP, Brasil


RESUMO

A perda de um familiar devido à COVID-19 envolve particularidades, como a impossibilidade de despedidas e rituais funerários adequados em virtude das medidas sanitárias propostas ao longo dos anos de 2020 e 2021. A supressão dos rituais de despedida acarreta no enlutado sofrimento psicológico que pode dificultar o processo de luto. Desta maneira, o presente estudo teve como objetivo analisar o processo de luto de pessoas que perderam familiares por ação da COVID-19. Trata-se de uma pesquisa de campo de metodologia qualitativa. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com seis familiares de vítimas da COVID-19 de 1º ou 2º grau de parentesco, com idade igual ou superior a 18 anos, de ambos os sexos e tempo mínimo de perda de seis meses. A análise dos dados foi feita por meio do procedimento de análise de conteúdo. Observou-se que aspectos como a impossibilidade de acompanhar seus familiares durante a internação, não conseguir realizar rituais fúnebres para a despedida do familiar e o negacionismo social da pandemia, foram fatores que podem dificultar o processo de elaboração do luto em tempos de pandemia. Portanto, é necessário pensar em medidas de cuidado, políticas públicas e formas de assistência para essa população.

Palavras-chave: luto; COVID-19; pandemia; psicanálise.

ABSTRACT

The loss of a family member due to COVID-19 involves particularities, such as the impossibility of farewells and proper funeral rituals due to the sanitary measures proposed throughout the years 2020 and 2021. The suppression of farewell rituals can cause psychological suffering in the bereaved, which can hinder the grieving process. Thus, this study aimed to analyse the grieving process of people who lost family members due to COVID-19. This is a qualitative methodology field research. Semi-structured interviews were conducted with six family members of COVID-19 victims of the 1st or 2nd degree of kinship, age 18 or older, of both sexes, and with a minimum loss time of six months. Data analysis was performed using content analysis procedure. It was observed that aspects such as the impossibility of accompanying their family members during hospitalization, not being able to perform funeral rituals to say goodbye to the family member, and social denial of the pandemic, were factors that can hinder the process of elaborating grief in pandemic times. Therefore, it is necessary to think about measures of care, public policies, and forms of assistance for this population.

Keywords: grief; COVID-19; pandemic; psychoanalysis.

RESUMEN

La pérdida de un familiar debido a COVID-19 implica particularidades, como la imposibilidad de despedidas y ritos funerarios adecuados debido a las medidas sanitarias propuestas a lo largo de los años 2020 y 2021. La supresión de los ritos de despedida conlleva al enlutado sufrimiento psicológico que puede dificultar el proceso de duelo. De esta manera, el presente estudio tuvo como objetivo analizar el proceso de duelo de personas que perdieron familiares por acción de COVID-19. Se trata de una investigación de campo de metodología cualitativa. Se realizaron entrevistas semiestructuradas con seis familiares de víctimas de COVID-19 de primer o segundo grado de parentesco, con edad igual o superior a 18 años, de ambos sexos y tiempo mínimo de pérdida de seis meses. El análisis de los datos se realizó mediante el procedimiento de análisis de contenido. Se observó que aspectos como la imposibilidad de acompañar a sus familiares durante la internación, no poder realizar ritos fúnebres para la despedida del familiar y el negacionismo social de la pandemia, fueron factores que pueden dificultar el proceso de elaboración del duelo en tiempos de pandemia. Por lo tanto, es necesario pensar en medidas de cuidado, políticas públicas y formas de asistencia para esta población.

Palabras clave: duelo; COVID-19; pandemia; psicoanálisis.

De acordo com a Organização Mundial Da Saúde (OMS), a COVID-19 é uma doença altamente contagiosa que pode ser transmitida por via respiratória. Os sintomas podem variar desde um leve resfriado ou estado gripal, incluindo tosse seca, febre, forte dor de cabeça e cansaço, até casos mais graves com danos à função de órgãos, podendo levar a óbito (WHO, 2021). Tendo em vista a rápida disseminação do vírus, a OMS, no dia 30 de janeiro de 2020, declarou Emergência da Saúde Pública Internacional, registrando, na ocasião, contaminações em 19 países. Após atingir o registro de 118 mil casos e 4,2 mil mortes decorrentes do COVID-19, foi declarado em 30 de março de 2020 o estado de pandemia mundial. A pandemia trouxe diversos impactos sociais, econômicos e humanitários e, em abril de 2023, cerca de três anos após decretado estado de pandemia mundial, o Painel Coronavírus do Ministério da Saúde indica um total de 700.556 óbitos decorrentes da COVID-19 no Brasil (Ministério da Saúde, 2023).

Considerando esse contexto, faz-se necessário analisar o cenário que envolve a perda de um familiar devido à COVID-19. A pandemia inclui dificuldades adicionais aos rituais de despedida, já que, devido à alta taxa de contaminação, medidas administrativas foram tomadas visando a prevenção do contágio em velórios e sepultamentos (Crepaldi et al., 2020). Como consequência, os serviços funerários foram abreviados e em algumas situações foi vedada a realização dos rituais fúnebres (Decreto n. 59.372, 2020).

Segundo Bromberg (2000), os rituais fúnebres tendem a auxiliar o processo de despedida e a elaboração de sentido para a morte de um familiar ou amigo. Com as restrições e limitações implementadas, os familiares são diretamente impactados. O finado passa a não receber a cerimônia fúnebre adequada e merecida, influenciando diretamente na qualidade das despedidas e no estado de enlutamento dos familiares (Ingravallo, 2020).

As recomendações propostas ao longo dos anos de 2020 e 2021 limitavam os funerais a no máximo 10 pessoas presentes, não permitindo a presença de indivíduos do grupo de risco ou com problemas respiratórios, além da necessidade de manutenção de uma distância de no mínimo dois metros entre as pessoas, utilização de máscaras, disponibilização de água, sabão, álcool em gel a 70%, além de outras medidas de isolamento social e de etiqueta respiratória (Ministério da Saúde, 2020). Com as limitações e medidas restritivas impostas aos rituais fúnebres, o processo de despedida e encontro com os enlutados para receber as condolências e velar o corpo foi comprometido ou até mesmo impossibilitado. Com isso, o processo de luto foi afetado, tornando-se um ciclo incompleto (Simões et al., 2022). Diante desse contexto, a supressão dos rituais pode acarretar no enlutado sofrimento psicológico que pode permanecer por um longo período, proporcionando material para o desenvolvimento de complicações no processo de luto (Cardoso et al., 2020).

De acordo com Cavalcanti et al. (2013) o luto é caracterizado como uma perda de um elo significativo entre uma pessoa e seu objeto, portanto, um fenômeno mental natural e constante no processo de desenvolvimento humano. Freud (1917/2010), em seu ensaio “Luto e melancolia”, descreve que o luto e a melancolia são as reações diante da ruptura com um objeto, ainda que existam desfechos diferentes nestes dois processos. Freud (1917/2010) expõe que tanto o luto quanto a melancolia apresentam os mesmos sintomas, tais como: abatimento doloroso, cessação de interesse pelo mundo exterior, perda da capacidade de amar, inibição de toda atividade. Para Freud (1917/2010), o que diferencia o luto normal e a melancolia seria a manifestação de diminuição da autoestima, presente apenas na melancolia.

Freud (1917/2010) destaca que no luto, uma vez operada a ruptura e a constatação pelo teste de realidade de que o objeto amado não mais existe, se faz necessário que toda a libido ligada ao objeto seja retirada. A retirada da libido caracteriza-se como um processo lento e árduo que, em seu curso normal, tem como desfecho a desinibição do Eu para a realização de novos investimentos libidinais. Já na melancolia, observa-se um processo diferente. Diante da perda do objeto, toda a libido é direcionada ao Eu, resultando na identificação do Eu com o objeto perdido. Portanto, entende-se que no luto ocorre a perda do objeto, enquanto na melancolia é observada a perda do próprio Eu.

Embora o processo de luto seja considerado uma condição normal e necessária para a elaboração da perda, quando se trata da perda de um familiar devido à COVID-19, é possível observar uma série de particularidades que podem dificultar a elaboração do luto. Entre essas particularidades, encontram-se a ausência de rituais funerários e despedidas adequadas, além de outras variáveis pessoais e sociais, como o apoio familiar, o tipo de vínculo com o familiar perdido e o sofrimento emocional decorrente do confinamento prolongado que podem trazer sofrimento ao enlutado (Bosi & Alves, 2023). Considerando este cenário, o objetivo da presente investigação foi analisar o processo de luto de familiares de vítimas da COVID-19, buscando compreender e identificar os impactos emocionais e sociais decorrentes da perda de entes queridos no contexto da pandemia.

Método

Participantes

O presente estudo é parte da investigação denominada “O luto prolongado em adultos e idosos familiares de vítimas da COVID-19” que teve como objetivo avaliar o luto prolongado em pessoas que perderam familiares devido à COVID-19, possuindo um desenho misto, com etapas quantitativa e qualitativa. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade São Judas Tadeu sob o número do Parecer 40816120.8.0000.0089 e CAAE 40816120.8.0000.0089. A presente pesquisa representa os resultados da etapa qualitativa desta investigação, que envolveu entrevistas semiestruturadas tratadas a partir do procedimento de análise de conteúdo.

Participaram do presente estudo seis enlutados selecionados do banco de dados da pesquisa “O luto prolongado em adultos e idosos familiares de vítimas da COVID-19”. Os critérios para inclusão foram: familiares de vítimas da COVID-19 de 1º ou 2º grau de parentesco, brasileiros, com idade igual ou superior a 18 anos, de ambos os sexos e tempo mínimo de perda de 6 (seis) meses, respeitando o período de sofrimento inicial dos participantes.

Instrumentos

Para a coleta de dados foi adotado um questionário desenvolvido pelos pesquisadores visando à caracterização sociodemográfica e à coleta de informações sobre o enlutado e o familiar perdido. Também foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado contendo 16 perguntas divididas em quatro eixos: 1) Relação prévia com o falecido; 2) O adoecimento e morte do familiar; 3) Enfrentamento do luto após a morte do familiar; 4) Impactos da pandemia.

Procedimentos de Coleta de Dados

A divulgação da pesquisa foi feita em redes sociais a partir de uma carta convite contendo explicações sobre o tema de pesquisa, objetivos do estudo, instrumentos e forma de participação. Todos os participantes que aceitaram participar da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) concordando com a participação na investigação. Os dados foram coletados de fevereiro a março de 2021.

A coleta de dados da pesquisa foi iniciada pelo autopreenchimento de um formulário online apresentado via plataforma Google Forms, contendo o questionário sociodemográfico. Após o recebimento dos dados referentes a esta primeira etapa da coleta, foi feito contato com seis participantes que atendiam aos critérios de inclusão, para o agendamento da entrevista semiestruturada. As entrevistas foram agendadas diretamente com os participantes e realizadas via videoconferência (Google Meet). As entrevistas foram gravadas após o consentimento dos participantes. Os dados foram transcritos integralmente pelos pesquisadores, sendo armazenados em local seguro pelo prazo de cinco anos.

Procedimentos de Análise de Dados

Como método de tratamento dos dados desta pesquisa, optou-se pelo uso do procedimento de análise de conteúdo (Bardin, 1977). Para a análise do material foram seguidas as seguintes etapas: (1) pré-exploração do material, envolvendo a transcrição e leitura flutuante das entrevistas, visando um primeiro contato com o corpus de análise; (2) seleção de unidades de significados relacionadas com o foco deste estudo, adotando o critério de repetição de informações relatadas pelos enlutados ao longo das entrevistas; (3) construção de categorias temáticas a partir de critérios semânticos, considerando o agrupamento das diferentes unidades de significados com temas em comum; (4) discussão das categorias temáticas a partir do referencial teórico psicanalítico sobre luto. Ao longo da discussão, foram utilizados trechos das entrevistas como ilustração das categorias e suas unidades de significados.

Resultados

Na Tabela 1 foram apresentados os dados de identificação dos participantes, coletados a partir do questionário sociodemográfico. Foram adotados nomes fictícios para preservar a identidade dos participantes.

Tabela 1 Identificação dos participantes. 

Nome Idade Sexo Municipio dos enlutados Escolaridade Parentesco do
falecido
Idade do falecido Sexo do
falecido
Data do óbito
Ricardo 23 Ma São Paulo S.I.c Pai 57 M. Julho 2020
Luciana 59 F.b São Paulo S.C.d Irmã 64 F Setembro/2020
Glaucia 36 M. São Paulo S.C. Mãe 66 F. Setembro. 2020
Michele 33 F. Minas Gerais S.C. Pai 61 M. Agosto/2 020
Marina 19 F. São Paulo S.I. Pai e Avô 50 e 74 M. e M. Pai: Junho 2020
Avó. Maio 2020
Eliane 21 F. São Paulo S.I. Avó 70 F. Maio 2020

a Sexo Masculino.

bSexo Feminino.c Superior Incompleto.

d Superior Completo.

Conforme descrito na Tabela 1, o intervalo etário dos familiares enlutados mostrou-se heterogêneo, contemplando participantes entre 19 e 59 anos de idade, com média de idade de 31,83 anos. Este aspecto se refletiu também na idade dos familiares falecidos, que demonstraram variação de 50 a 70 anos de idade, obtendo-se uma média de 63,14 anos de idade. O público de enlutados foi composto predominantemente por mulheres adultas, contando com apenas um participante do sexo masculino, enquanto os familiares falecidos seguiram a tendência etária mundial, sendo em sua maioria idosos.

Ao analisar a distribuição dos casos e óbitos por faixa etária, no Brasil e no mundo, verifica-se que, no momento da coleta dos dados, a incidência é maior na população adulta, mas a taxa de mortalidade é maior na população idosa (Shahid et al., 2020). No Brasil, no primeiro trimestre de 2023, a maior proporção de óbitos registrada foi de pessoas acima de 80 anos de idade, seguida pela faixa etária de 60 a 79 anos, com taxa de óbito de 43% e 42%, respectivamente (Ministério da Saúde, 2023). Quanto ao grau de parentesco, o predomínio foi de familiares de primeiro grau, havendo uma maior presença dos pais dos enlutados.

Como produto da análise de conteúdo das entrevistas, foram eleitas três categorias temáticas: a) Atitudes diante do diagnóstico e da morte do familiar; b) Lidando com a perda; c) Dificultadores para elaboração do luto.

Discussão

Atitudes Diante do Diagnóstico e da Morte do Familiar

A morte de um familiar pela COVID-19 ocorre em um cenário marcado por incógnitas que influenciam diretamente na vivência do luto. Tais incógnitas envolvem desde o desconhecimento sobre o vírus e a gravidade da doença, até a falta de clareza sobre as condições relacionadas ao processo de hospitalização e óbito do familiar. Tendo em vista a complexidade deste cenário, a presente categoria tem por objetivo apresentar as principais unidades de significados que elucidam as atitudes dos enlutados frente ao diagnóstico inicial e o percurso que culminou na morte do familiar.

As reações iniciais observadas frente à pandemia foram de surpresa e preocupação, uma vez que a doença ainda não assolava o território brasileiro. As falas dos participantes transmitem a ideia de que o vírus era uma realidade distante, conforme observado a seguir:

Olha, desde dezembro a gente já tinha notícias que tava ocorrendo o surto lá em Wuhan, e aí em janeiro teve aquela loucura na Itália, mas engraçado que parecia uma coisa distante, né? (Michele)

Mesmo já tendo o conhecimento de que o vírus estava em território brasileiro, para a maior parte dos participantes a sua presença só se tornou palpável a partir do momento em que eles e seus familiares foram diretamente afetados, trazendo a concretização de que estavam diante de uma pandemia.

(…) mas assim, eu via que as pessoas estavam nem aí, e aí eu falei “Caracas isso não... assim tão pesado como estava falando?” Até que eu comecei a ver amigos falecendo, gente próxima falecendo até o dia que chegou na minha casa. (Marina)

Devido à natureza de contágio por gotículas, superfícies contaminadas e secreções (Chen, 2020; Van Doremalen et al., 2020), os pacientes ficaram isolados de seus familiares durante a internação. Isso causou uma sensação de impotência e desconforto, já que as notícias eram transmitidas apenas por ligação dos médicos para informar o boletim de saúde do paciente. Consequentemente, os familiares não puderam cuidar, tocar ou ver seus entes queridos, como descrito por Luciana: “O que mais me impactou foi não poder me despedir, abraçar… falar eu te amo, dar o último abraço”.

Esperança, fé e calma foram atitudes partilhadas pelos participantes durante a internação de seus familiares. Nas entrevistas, os enlutados falaram sobre a ambivalência entre a esperança e desesperança em relação à melhora do estado de saúde de seus familiares. Por um lado, tentavam pensar positivamente e acreditavam na possibilidade de melhora, mas por outro, estavam cientes da gravidade da situação, conforme o relato a seguir:

Os médicos faziam assim, de um modo que fosse claro para gente, e eles sempre estavam dando muita esperança, falando “Olha, seu pai é muito forte”, “Seu pai tá reagindo”, “Vai dar tudo certo”, então assim, naquele momento a gente ficava numa agonia terrível, mas tinha muita, muita esperança. (Michele)

Durante a internação do familiar com COVID-19, todos os participantes relataram que o processo entre o diagnóstico, a hospitalização e a morte ocorreram rapidamente. Pattison (2020) descreve que a morte inesperada é umas das características marcantes da COVID-19, e pode ocasionar dificuldades no enfrentamento do luto.

Meu pai foi no posto de saúde aqui perto na UBS e falaram para ele tomar claritromicina que ele não estava com nada. Voltou para casa passou mais uns dias, ele foi lá de novo falaram a mesma coisa e aí ele me ligou de noite que a namorada dele achou que ele não estava conseguindo respirar direito (...) foi direto para a UTI e aí em cinco dias faleceu. (Ricardo)

Observa-se que ao longo do processo de internação, os familiares entrevistados destacaram a impossibilidade de contato, a gravidade da doença e a sua rápida evolução, que culminou na morte de seu ente querido. Pattison (2020) afirma que o luto em tempos de pandemia é agravado pela impossibilidade de despedida. As dúvidas sobre as condições do familiar, se sofreu, sentiu dor ou saudade dos entes queridos, se estava lúcido e entendia o que estava acontecendo, são lacunas que marcam a trajetória do enlutado.

Lidando com a Perda

Assim que a morte do familiar se concretizou, os participantes passaram a lidar com uma turbulência de afetos. A capacidade de compreender e assimilar o acontecimento tornou-se limitada, incluindo obstáculos quanto à razão dos fatos. Para Kovács (1992), a dor da perda é marcada por uma intensa emoção e sofrimento pela falta do familiar e, por outro lado, constantes tentativas de explicação, visando elucidar o acontecido. Durante as entrevistas, os participantes demonstraram dificuldades para nomear sentimentos e processar a ausência do familiar.

Parece que... nunca vai passar sabe… e assim… tem hora que o peito parece que vai explodir de tanta dor, de tanta angústia… e assim, a minha vida mudou totalmente, totalmente, em todos os sentidos, por mais que eu tenha tentado, eu não consigo, eu não estou conseguindo, não estou conseguindo… (Luciana)

Kovács (1992), ao mencionar as fases do luto definidas por Bowlby (1969/1990, 1973/1998), destaca a busca pela figura perdida. Nesta fase, acontece o desejo pela presença e a procura constante pela pessoa falecida, e, por isso, pode haver a ilusão de que todo o cenário que envolveu a morte do ente querido não tenha passado de um pesadelo. Como produto, existe a impressão ou uma sensação de se estar anestesiado, de que o familiar ainda está vivo e presente, como pode ser observado nos relatos apresentados por Eliane e Glaucia, respectivamente: “ (...) às vezes parece que não aconteceu sabe, que quando isso acabar (a pandemia) ela vai estar lá na casa dela e todo mundo vai se reunir”; “É como eu falei para você, eu ainda estou no processo de que ela não foi embora, que ela vai chegar a qualquer momento.”.

Além de encarar toda esta complexidade de sentimentos, há também um senso de responsabilidade que emerge em cuidar e a necessidade de ser forte para dar suporte aos demais familiares que também estão sofrendo, tal como observado na fala de Marina: “(…) agora eu tinha que lidar com as responsabilidades, de ser forte por mim e pela minha mãe que ainda às vezes fica muito abalada.”. Esta vivência também ocasiona uma ausência de vontade para retornar às atividades diárias, como trabalhar, estudar e dar continuidade a projetos já iniciados.

Segundo Kovács (1992), a presença de um vínculo forte com o falecido pode tornar mais difícil o processo de assimilação da perda, em especial quando a relação é caracterizada por dependência física ou emocional da pessoa falecida. Marina ilustra esta dependência ao dizer:

Eu nunca tinha este peso, de eu preciso fazer porque agora eu assumi a minha casa, então eu acho que foi isso que marcou muito, a falta dele em todos os sentidos, meio que ele era meio que o pilar da casa. (Marina)

Outros participantes também relataram dificuldades para o retorno das atividades do dia a dia. Esta dificuldade é ilustrada pelo relato de Ricardo:

Desde que eu voltei a trabalhar esse ano, depois das férias dos alunos, eu parei com isso, faz acho que, quase dois meses que eu não ando de bicicleta, não tenho saído de casa para caminhar, não tenho mais cuidado da minha alimentação, não sinto vontade assim de realizar as coisas. Eu me preparo para dar minha aula e eu fico sem saco para dar aula, não estou com vontade de dar aula… (Ricardo)

Alguns participantes demonstram evitar recordar o familiar falecido, como uma forma de acalmar a dor ou adiá-la.

Assim quando eu tenho um dia comum de trabalho, de faculdade tudo mais, são dias em que algum momento acabo pensando no meu pai e tal, mas é um pensamento que logo que vem eu tento colocar um pouco pro lado, tipo, agora não dá para parar e pensar nisso. (Ricardo)

O processo de luto em tempos de pandemia produz nos indivíduos efeitos dolorosos, que são ampliados pela ausência das medidas que poderiam ajudar a enfrentá-lo, tais como as práticas religiosas, o apoio familiar e as condolências pessoais no velório (Maia et al., 2021). Ainda que as experiências sejam parecidas, a vivência de cada um dos participantes foi única e subjetiva. As particularidades do luto serão objeto de discussão na próxima categoria.

Dificultadores para Elaboração do Luto

Esta categoria apresenta as principais unidades de significados que ilustram os elementos que podem influenciar na elaboração do luto devido à perda de um familiar pela COVID-19. Os participantes relataram o doloroso processo de liberação do corpo até o enterro após receberem a notícia do falecimento de um familiar. Nesse momento, devido às circunstâncias da pandemia, os corpos das vítimas de COVID-19 estavam sendo colocados em dois sacos impermeáveis e selados para evitar vazamentos de fluidos corporais, conforme recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2020).

Ingravallo (2020) ressalta que os rituais fúnebres auxiliam na simbolização da morte, trazendo concretude à perda e a possibilidade de manifestar pesar e receber apoio de amigos e familiares. Neste momento, os participantes se queixam por não terem tido a oportunidade de dar um último adeus ou se despedir de seu familiar, tal como exemplificado pela fala a seguir da participante Michele:

Aí vem aquela coisa terrível de você receber a notícia, aí você vai ao hospital, você não tem acesso ao parente, porque eles do jeito que eles retiram da UTI, eles enfiam no saco preto, dois sacos pretos lá. Então você não pode, eu não pude, por exemplo, colocar uma roupa no meu pai, eu não pude, assim, pentear ele, arrumar ele, não. Eu não sei nem como ele está lá dentro. (Michele)

Além das queixas apresentadas, a participante Michele também compartilhou a sensação de incerteza diante do sepultamento, uma vez que devido ao alto número de óbitos diários nos hospitais, tornou-se comum veículos de comunicação informarem sobre possíveis trocas de corpos no necrotério, trazendo incertezas aos familiares sobre quem estava sendo realmente sepultado, conforme o relato a seguir:

Você não tem certeza se era ali mesmo o meu pai. Te entregam o caixão fechado, você tem que confiar. No dia que meu pai morreu, morreu tanta gente, que meu medo era que tivessem até me entregado o corpo errado. (Michele)

No momento da coleta de dados, em 2021, o Ministério da Saúde (2020) preconizava algumas recomendações caso o velório fosse autorizado, tais como, o número máximo de 10 pessoas, sempre respeitando o distanciamento social, o uso de máscaras e álcool em gel. As participantes Glaucia e Luciana relatam que não houve o ritual funerário, apenas assinaram os papéis da cremação. Já os participantes Eliane, Michele, Marina e Ricardo relatam que o ritual funerário aconteceu, porém de uma forma bem diferente do que estavam acostumados, conforme os relatos a seguir:

Olha, eu acho que o que mais impacta, o que mais me impactou foi o velório, porque eu nunca imaginei que fosse um velório tão vazio. Uma pessoa tão querida, uma pessoa assim, né? Teve tantos amigos ao longo da vida, nós somos uma família grande e só estávamos nós ali, eu, meus irmãos e minha madrasta. (Michele)

Ela entrou em óbito às 15h45, às 22h ela já estava no crematório da Vila Alpina (…) chegando lá o carro funerário entrou por uma porta e os meus sobrinhos tiveram que entrar por outra para assinar os documentos. Ninguém viu, ninguém despediu. (Luciana)

A importância dos rituais fúnebres na facilitação do luto é explicada por Worden (2013), que defende que esses rituais permitem aos familiares expressarem seus pensamentos e emoções sobre o falecido, além de tornar a morte real por meio da possibilidade de ver o corpo e se despedir. Devido à impossibilidade de realizar rituais de despedida, os participantes não conseguiram compreender a morte do familiar e ainda não encontraram espaço para vivenciar o luto:

Acho que quando eu fico sozinho, quando eu enfrento a solidão, é pior assim para mim. Passei um final de semana sozinho e esse último final de semana foi péssimo, me senti super mal, mas não tenho bem uma medida para lidar com esse luto, eu sinto que ainda não tenho conseguido processar ele. (Ricardo)

Para Kovács (1992) a morte quando acometida de forma brusca e inesperada possui grande potencial para gerar desorganização, paralisação e sentimento de impotência no enlutado. Boss (1998) aborda um fenômeno denominado “ambiguidade de fronteira”, que consiste na perda ambígua de um familiar. A falta de clareza em relação à perda do familiar gera uma confusão para compreender quem está dentro ou fora do seu sistema psíquico. A impossibilidade de acompanhar seus entes durante a internação e também de realizar o ritual fúnebre, geraram dúvidas nos enlutados. O fato de não saberem o que iria acontecer com seu familiar, como ocorreu o período de internação, os últimos momentos de vida e até mesmo a dúvida quanto à liberação do corpo, trouxeram a sensação de incerteza e ambiguidade quanto à perda.

A partir de Boss (1998) é possível compreender que a perda familiar devido à COVID-19 configura-se como uma perda ambígua. A perda gera um paradoxo, já que a ausência física não é convertida em ausência psíquica. Embora o objeto esteja ausente na dimensão social, a dor decorrente das lacunas e falta de explicações dificulta a assimilação psíquica da ausência e a ressignificação da perda.

Com isso, o processo ambíguo da perda assemelha-se à dinâmica melancólica descrita por Freud (1917/2010), em que o objeto perdido é incorporado ao próprio Eu do enlutado, prolongando o estado de luto e dificultando a sua elaboração. As diferentes interrogações que circundam a perda parecem dificultar a travessia e assimilação da ausência do objeto perdido, ocasionando um luto complicado que, de acordo com Franco (2010), é caracterizado por uma desorganização prolongada que impede a pessoa de retomar suas atividades com a mesma qualidade anterior à perda.

Considerando todas as implicações decorrentes da pandemia do Coronavírus, os efeitos sociais resultantes da crise ultrapassam as questões individuais e incluem também aspectos sociais e políticos que afetam diretamente o processo de luto. Durante o período de pandemia no Brasil, foi constante a discussão sobre o suposto impasse de “salvar vidas ou a economia”. Schramm et. al (2020), relata que diante do dilema explícito seria impossível ter uma escolha, pois a qualidade de vida necessita da produção de bens e serviços, e para o seu sustento, a produção de bens necessita de consumidores. Entre os participantes essa questão não foi diferente, todos tiveram que dar sequência em suas vidas assumindo novas responsabilidades, conforme o relato de Marina:

(...) então assim, eu tive que ter uma força que ele teria naquele momento, tanto no enterro dele eu tive que ser uma força, porque eu vi a minha irmã e minha mãe muito mal, muito mal (…) eu não pude viver esse luto digamos assim. Porque agora preciso trabalhar, se não a gente não come, então eu não pude viver o meu luto. (Marina)

Segundo Caponi (2020), entender a ideia de defesa da economia mesmo que isso inclua sacrifícios humanos, requer lembrar que as políticas neoliberais não afetam apenas o consumo, mas moldam a identidade dos indivíduos. No entanto, a pandemia expõe a fragilidade da lógica neoliberal centrada no mérito e no sucesso. Além do relato de Marina, Gisele também compartilha a dificuldade de voltar ao trabalho após a perda. Como profissional da saúde, ela não pôde interromper suas atividades e teve que retornar à rotina laboral poucos dias depois:

(...) Então para mim entrar lá está sendo bem difícil, porque quando chamam o fisioterapeuta na ala do COVID e tudo, o coração acelera, porque é como se ela ainda estivesse lá e eu recebesse a notícia que seria ela que estava sendo entubada e tudo mais. (Gisele)

Os relatos de Gisele e Marina evidenciam que a dinâmica trabalhista naturalizada no Brasil impôs pressões aos trabalhadores para um retorno às atividades laborais independentemente da realidade pandêmica externa ou do seu próprio estado de saúde física e mental. Assim, mais uma vez foi negado aos enlutados a possibilidade de vivenciar a dor da perda, sendo o luto suprimido por um sistema econômico que desconsidera o sofrimento dos familiares.

Outra particularidade da pandemia no Brasil foi o crescimento do negacionismo social e de fake news que tentaram amenizar os danos causados pelo vírus, ou mesmo questionar sua existência. O negacionismo é um fenômeno complexo, diverso e heterogêneo e, em tempos de pandemia, esteve associado à minimização da gravidade da COVID-19 e à desconsideração do conhecimento científico (Morel, 2021). Nos relatos dos participantes, foi observado que as práticas resultantes do negacionismo causaram dor e indignação, gerando reações como ódio e revolta diante de atitudes e comportamentos que negavam a ação do vírus:

Eu vejo uma pessoa sem máscara na rua e eu fico com ódio, fico bravo, irritado, eu tenho vontade... de vez em quando eu até paro e falo moço coloca a máscara, meu pai morreu disso sabe, morreu em cinco dias, estava super saudável eu falo, estava super bem e de repente a pessoa fica impressionada e coloca a máscara. (Ricardo)

Jorge et al. (2020) relatam que a realidade do sujeito é atingida por um negacionismo instituído, perpassando pela disseminação de fake news oriundas da máquina estatal até a consideração de uma falsa gravidade em relação à pandemia. Como produto do negacionismo social, os familiares enlutados sentem revolta perante a atitude das pessoas em tempos de pandemia, não compreendendo como as pessoas agem como se nada estivesse acontecendo, e com isso, sentem a perda de seu ente querido ser minimizada pelas atitudes e comportamentos dos indivíduos e do próprio Estado.

Eu não sei, eu não consigo entender as pessoas não entenderam o momento que a gente tá vivendo, né? Eu não sei se rebelaram e tão achando que não pode chegar na família deles. Eu não consigo entender, (…) mas eu acredito que todo mundo tinha que parar para analisar e se colocar no lugar de alguém que já perdeu um parente ou alguém muito próximo por isso, porque as coisas ainda estão muito descrentes, né? (Glaucia)

Por fim, Caponi (2020) afirma que mesmo que os municípios e estados tenham tentado promover práticas de isolamento, ainda foi observada uma falta de uniformidade na gestão a nível federal frente à pandemia. Como produto, a ausência de uma política efetiva de promoção do isolamento social serviu como estímulo para promoção de aglomerações e discursos negacionistas que fortaleceram a disseminação do vírus.

Considerações Finais

A presente pesquisa permitiu compreender as particularidades do processo de luto e os impactos emocionais gerados pela perda do ente querido devido à COVID-19. A análise das entrevistas indicou que um dos dificultadores do processo de elaboração do luto em tempos de pandemia é a impossibilidade de acompanhamento durante a internação hospitalar. Os relatos demonstram que a separação forçada dos entes queridos durante os momentos finais e a falta de informações precisas sobre o seu estado de saúde, ampliam a sensação de impotência e angústia dos familiares.

Outro obstáculo enfrentado pelos enlutados, foi a impossibilidade de realização dos rituais fúnebres tradicionais. O isolamento social necessário para conter a propagação do vírus, impediu a realização de velórios, sepultamentos e outras cerimônias que são importantes para o processo de despedida e assimilação psíquica da perda.

Os participantes também relataram o papel do negacionismo da letalidade da COVID-19 na elaboração do luto. No Brasil, o discurso negacionista não se limitou apenas a alguns setores da sociedade, mas também foi constantemente reforçado por lideranças políticas e influenciadores digitais. Essa situação pode agravar ainda mais o sofrimento dos familiares enlutados, principalmente quando há a minimização da gravidade da doença e compartilhamento de informações incorretas sobre o vírus. Esse cenário, pode causar nos familiares, sentimentos de raiva e injustiça, tornando o processo de luto ainda mais difícil.

Ao longo do trabalho, observou-se que a perda de um ente querido devido à COVID-19 é marcada por um cenário com diversas lacunas, caracterizando esta perda como ambígua, uma vez que, as incógnitas sobre a hospitalização e a supressão dos ritos de despedidas, impossibilitam o adeus e consequente desligamento do objeto perdido. Com isso, a perda ambígua adquire tons melancólicos, mostrando-se como um luto que tem potencial para tornar-se um luto complicado.

É necessário considerar que a coleta de dados da pesquisa se deu no ápice do processo de isolamento social decorrente da pandemia. Portanto, a única forma de ter acesso aos participantes foi através de entrevistas na modalidade online. Como limitações envolvidas na coleta online, considera-se a ausência de contato com variáveis importantes do ponto de vista da linguagem não verbal dos entrevistados e o distanciamento e impessoalidade que pode resultar de uma abordagem que carece de contato físico pessoal.

Diante deste cenário, é de extrema importância pensar em medidas de cuidado, políticas públicas, formas de assistência para essa população que tem sido silenciada pelo negacionismo social. Destaca-se a relevância de estudos que acompanhem os familiares longitudinalmente, visando a análise aprofundada do processo de luto frente à perda de um familiar devido à COVID-19.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer a todos os participantes da pesquisa, que em um momento tão delicado se propuseram a contribuir com esta investigação. A vocês o nosso muito obrigado.

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Recebido: 01 de Maio de 2022; Revisado: 25 de Abril de 2023; Aceito: 27 de Abril de 2023

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