O Dossiê “Psicanálise e Política: a insistência do real” teve como objetivo reunir artigos científicos que pautem questões que, na contemporaneidade, implicam o campo psicanalítico em um binômio incompleto com a Política. A insistência do real como princípio ordenador destaca a contingência das respostas que nós, psicanalistas, propomos aos problemas atuais que convocam a Psicanálise a uma posição que não deve prescindir da Política. A partir de problemáticas cruciais, estabelecem-se eixos temáticos para essa publicação cuja missão se assegura na ampliação e acesso à pesquisa em Psicanálise e que, para tanto, conta com 25 artigos de autorias nacionais e internacionais.
A abertura do Dossiê reafirma o binômio proposto na chamada e, em forma de diálogo entre Jorge Alemán, Mariana Mollica, Marcos Vinicius Brunhari, Ana Carolina Borges Leão Martins, Rita Maria Manso de Barros e Vinicius Darriba, o texto Psicanálise e Política: A Insistência do Real - Um Diálogo com Jorge Alemán apresenta apontamentos sobre a atualidade dos impasses entre Psicanálise e Política a partir da referência à conferência de Lacan em Roma, na década de 1970. A seguir, em notável função de iniciar uma sequência temática, o artigo Quem Pode Falar no Divã? Raça e Psicanálise Situada, de autoria de Thamy Ayouch, tem como objetivo se debruçar sobre a questão a respeito da incidência da raça e da branquitude na Psicanálise a partir das epistemologias do posicionamento e da epistemologia da ignorância. Racismo e Sexismo: Estruturas de Transmissão, Incidências da História e Insistências do Real é o título do texto de Fábio Santos Bispo e Andréa Máris Campos Guerra que busca discutir articulações entre as estruturas coloniais de incidência do racismo e do sexismo no laço social e suas vias de inscrição no inconsciente e no corpo. Imediatamente após, Raoni Machado Moraes Jardim e Herivelto Pereira de Souza, em Lélia Gonzalez: Uma Ponte entre a Descolonização e a Contracolonização da Psicanálise Brasileira, localizam uma encruzilhada epistemológica para a psicanálise e, a partir da obra de Lélia Gonzalez, discutem o movimento descolonial e a consequente elaboração de referenciais teóricos próprios no campo psicanalítico. O artigo A Superfície da Raça: Topologia e Identificações Raciais Brasileiras, de Amana Rocha Mattos, percorre indicações no ensino de Lacan a respeito da função da superfície e da importância do traço para pensar topologicamente a identificação e, a partir de então, articula questões sobre as relações raciais no Brasil. Também voltados às questões coloniais: o artigo Do Narcisismo das Pequenas Diferenças ao Gozo Narcísico - Racismo, Colonialidade, Segregação, Genocídio, de Betty Bernardo Fuks e Ana Paula Galdino de Farias, propõe retomar a incursão de Freud, a partir da Primeira Guerra Mundial, na fonte do sofrimento que vem das relações entre os humanos, indicando a novidade que significou o conceito de narcisismo das pequenas diferenças na apreensão de movimentos coletivos; e Zumbis e Distopia: Os Restos da Colonialidade e as Lutas de Libertação, de Diego Amaral Penha e Miriam Debieux Rosa, no qual se debate sobre os rastros presentes na distopia de nossos laços sociais contemporâneos enquanto restos da colonialidade que sobrevivem em nossa cultura.
Com temática específica, “E Eu Não Sou Uma Mulher?” Confluências Entre a Psicanálise e a Mulher Negra, das autoras Debora Lydinês Martins Corsino e Silvia Nogueira Cordeiro, parte de de narrativas de mulheres negras para investigar as percepções e significados de suas experiências enquanto mulheres; e O Real da Violência: Relato de Experiência com um Coletivo de Mulheres, das autoras Flávia Tridapalli Buechler, Cláudia Maria Perrone, Gabriela Gomes da Silva, Juliana Martins Costa Rancich, que é um relato de experiência que tem como objetivo, a partir da experiência e do testemunho de um Coletivo de Mulheres, propor uma leitura sobre o real da violência. Já em A Colonização da Adolescência e sua Subversão pela Psicanálise, Samuel Ted Almeida de Pereira e Márcia Cristina Maesso propõem uma investigação teórica de textos sociais e psicanalíticos para analisar a adolescência como um privilegiado produto político da colonização. Em seguida, Thais Barros de Andrade e Avelino Luiz Rodrigues, em Reflexões Sobre o Corpo Estranho e a Política de Morte na Terra Indígena Yanomami, interrogam sobre a relação entre os conceitos de necropolítica e Unheimlich e, a partir disso, analisa-se a situação enfrentada pelos Yanomami no norte do Brasil. Em A Questão da Identidade: Uma Articulação entre Psicanálise e Estudos Decoloniais, de Adriana Silva Queiroz, pretende-se afirmar a importância do tema da identidade para a psicanálise e discuti-lo em articulação a estudos decoloniais. Também voltado aos estudos decoloniais, Hic Sunt Dracones: Algumas Considerações sobre a Psicanálise e a Obra de Frantz Fanon, de Ismael Leonardi Salaberry e Marta Regina de Leão D'Agord, busca refletir sobre a psicanálise e a obra de Frantz Fanon, tomando como inquietação inicial um conjunto de cartas publicadas por psicanalistas na França sobre o tema da decolonialidade.
Intitulado Entre a Fome-tabu e o Trauma Intencional: Implicações Políticas e Metapsicológicas da Fome, o artigo de Samanta Basso, Karla Patrícia Holanda Martins e Fabiano Chagas Rabêlo propõe desenvolver apontamentos de natureza política, metapsicológica e clínica acerca do impacto da fome no processo de constituição psíquica. Desfazer o Mestre, ou Reinventar a Ordem: Apontamentos para uma Psicanálise Política, de Léo Karam Tietboehl, Maria Cristina Candal Poli, trabalha as instâncias da verdade e da história, nas suas relações com a ficção, ao questionar se podemos oferecer alternativos aportes e vias epistêmicas para uma prática conceitual e clínica psicanalítica que suponha o Mestre enquanto produção em um só-depois. Já o artigo A Psicanálise nos Conflitos Políticos: Clínica, Ciência e Coletivos, de Frederico Santos Alencar, Luis Achilles Rodrigues Furtado, é uma revisão de literatura que localiza afinidades estruturais e tensões problemáticas entre a psicanálise e os coletivos. Em seguida, Neguentropia Algorítmica e a Gestão Digital do Gozo, de Márcio Rimet Nobre, Nádia Laguárdia de Lima e Gilson Iannini, realiza um percurso sobre a nova modalidade discursiva da contemporaneidade e destaca que a linguagem digital da informação parece dar origem a uma nova configuração de enlaçamento social, que talvez possamos nomear “discurso digital”. Em Pulsão de Morte e Sublimação: A (Re)invenção da Vida nas Dobras da Racionalidade Técnico-Científica, de Juliano Moreira Lagoas, examina-se o conceito psicanalítico de sublimação, sob o registro das transformações que se impõem com o advento do conceito de pulsão de morte, em subsidiar uma reflexão ética e política acerca dos efeitos da incidência das Novas Tecnologias Reprodutivas nos campos da reprodução, da sexualidade e do laço social. Com o artigo Do Discurso Capitalista Neoliberal ao Sujeito como Inapropriável, de Alberto Antunes Medeiros, Maria Caroline Cardoso Gomes, Tatiane Regina de Assis Sousa e Roberto Calazans, busca-se localizar os modos de operação presentes na racionalidade neoliberal por meio da formalização lacaniana da teoria dos discursos e do discurso do capitalista.
Em Os Discursos de Ódio na Contemporaneidade: Da Face Subjetiva à Face Política, de Alana Rodrigues Sousa e Susie Amâncio Gonçalves de Roure, são apresentadas considerações psicanalíticas sobre aspectos subjetivos e políticos do ódio em articulação ao contexto sociopolítico brasileiro e aos espaços das redes sociais digitais. Em continuidade, A Escola Sob Ataque e o Lento Cancelamento do Futuro, de Roselene Ricachenevsky Gurski e Anna Carolina Lo Bianco, parte de um diálogo da Psicanálise com o campo da educação e da política com o objetivo de questionar a respeito da violência nas instituições escolares. Também voltados ao cenário político brasileiro: o artigo Os Fenômenos de Massa e as Redes Sociais no Contexto Político Brasileiro: Uma Leitura Psicanalítica, de Nathália Carvalho de Souza Jalles e Doris Luz Rinaldi, tem como objetivo analisar os movimentos de massa contemporâneos presentes no cenário político brasileiro nos anos de 2013 e 2015, assim como seus efeitos no laço social, a partir das contribuições da psicanálise; já Discurso do Analista e Democracia em Risco: Por Que o Psicanalista Não Pode Ser Bolsonarista?, de Angela Cristina da Silva e Livia Alves Ferreira, visa responder por que um psicanalista não pode ser bolsonarista e, para isso, parte-se da articulação entre a noção de pós-verdade e verdade sob uma perspectiva psicanalítica. E, para fechar nosso Dossiê, as contribuições dos artigos: Fronteiras da Língua: Desarraigamento e Testemunho em Psicanálise, de Deborah Tenenbaum e Nuria Malajovich Muñoz, que versa sobre o problema da língua na psicanálise, apontando como esta lida com os limites nos quais esbarra em seu exercício linguageiro, e mostra a relação entre letra, lugar e as fronteiras da língua; e A Formação do Psicanalista e os Princípios de Seu Poder, de Enzo Cléto Pizzimenti e Ivan Ramos Estêvão, se propõe a elaborar, a partir da formação do psicanalista e da política da psicanálise, uma articulação com o campo da saúde mental desde a qual não se perca de vista o risco de se catalogar enquanto mais uma técnica.
Desejamos a todas, todes e todos uma excelente leitura!