Nas ciências humanas e sociais há uma série de livros e artigos que apontam para a crítica ao neoliberalismo, tal como proposto nas teses apresentadas por Dardot e Laval (2016) acerca do neoliberalismo como racionalidade produtora de subjetividades empresariais, em Brown (2019) e sua crítica às contradições da liberdade coercitiva do regime neoliberal na sua obra Nas ruínas do neoliberalismo e Mckinnon (2021), com Genética neoliberal, elucidando os aspectos associativos do discurso capitalista e do discurso científico. Na psicanálise também é possível encontrarmos uma vasta produção sobre a temática. É o caso, por exemplo, do psicanalista argentino Jorge Alemán, mas comumente encontrado também nas produções de Dany-Robert Dufour, que trata dos efeitos do neoliberalismo para os sujeitos na atualidade, e, por fim, Calazans e Matozinho (2021), na obra Pandemia e Neoliberalismo, que trata, inclusive, dos efeitos clínicos para essa nova modalidade de racionalidade proposta pelo modelo neoliberal.
O neoliberalismo visa nomear o mal-estar contemporâneo e falar reiteradamente dele é uma prova disso. No entanto, muitas vezes, essa insistência em dar um nome ao sofrimento oriundo do neoliberalismo pode fazer com que percamos a direção da importância de pensar sobre ele. Por isso, neste artigo, iremos traçar algumas delimitações a partir da teoria dos discursos de Lacan, a fim de que tenhamos não somente uma análise desse mal-estar contemporâneo, mas possamos pensar se e como podemos elaborar saídas para esse mal-estar, no qual o neoliberalismo impacta o sujeito e precariza o laço social.
Desse modo, iremos, num primeiro momento, definir o que Lacan entende por discurso, para, em seguida, a partir da noção de discurso do capitalista, podermos fazer uma leitura do neoliberalismo não apenas como um regime econômico, mas também como uma produção de subjetividades, que assentem com um processo de precarização do laço social. Para tal, empreitamos distinções entre o discurso do mestre e o do capitalista, com o objetivo de localizarmos os efeitos de funcionamento que, por serem constituídos em um curto-circuito sem mediação, desarticula a impossibilidade e a impotência, gerando respostas ilimitadas totalizantes. Em seguida, apresentamos discussões dos campos social e político em articulação com proposições psicanalíticas, no intuito de localizarmos os modos de operação da racionalidade neoliberal, além de seus efeitos. A precarização do laço social vem acompanhada de um “canto da sereia” do que seria uma certa ideia de liberdade: quanto menos políticas públicas de proteção social, mais livre será a economia e, consequentemente, mais livre será o sujeito se ele aprofundar o individualismo. Ele terá que concorrer com todos os outros, precarizando o laço social e apontando, assim, para o mal-estar contemporâneo. Esse assentimento não é algo simples, pois envolve uma subsunção superegóica com exigências sem limites para o sujeito. Laço social precário, liberdade no sentido liberal, individualismo e supereu são elementos imprescindíveis para pensarmos a importância do neoliberalismo para a psicanálise em sua análise do que ficou conhecido, a partir dos trabalhos de Dardot e Laval, como racionalidade neoliberal.
Mas, se conseguirmos delimitar os significantes que organizam o neoliberalismo, possivelmente conseguiremos pensar em uma saída para essa precarização. Para tanto, abordaremos um conceito trazido por Jorge Alemán sobre o sujeito, no sentido psicanalítico do termo, ser inapropriável a esse discurso e ao mercado neoliberal. Assim, acreditamos que é importante que possamos pensar uma saída não apenas em nível discursivo, apontando para o discurso do psicanalista como essa alternativa, mas para o ato analítico como uma ruptura com os discursos, mesmo os mais precários, podendo traçar um outro enlaçamento ou, como diz Lacan, um significante mestre, que funcione com outro estilo.
Para a realização desse movimento, é necessário realçarmos a dimensão simbólica da manifestação do desejo. Essa manifestação surge como possibilidade de uma inscrição feita a partir de restos inassimiláveis pelo circuito econômico contemporâneo. Ao mesmo tempo, ela impossibilita que o discurso do capitalista obtenha sucesso nas tentativas de apagamento das coordenadas simbólicas que orientam o desejo. Trata-se, portanto, de algo a ser feito com esse resto; um trabalho de transformação subjetiva, que, diante da incapacidade de produção, é capaz de transformar esse resto em algo que pode se relacionar com as coordenadas de um desejo por vir.
Do Discurso do Inconsciente ao Funcionamento Totalizante
Antes de adentrarmos nas questões relativas aos imperativos de produção capitalista na atualidade, façamos uma breve incursão da teoria dos discursos e a emergência do discurso do capitalista formalizada por Lacan ao fim dos anos 1960. Segundo o psicanalista francês, é necessário pensarmos no discurso como um instrumento de linguagem que instaura as relações e que vai muito além das enunciações na medida em que se caracteriza, principalmente, por ser um discurso sem palavras. Ao prescindir das enunciações conscientes, estrutura quatro laços sociais marcados pelo ponto de impossibilidade da cultura. Para Lacan (1969-70/1992), esses discursos se baseiam nas formulações de Freud (1937/2017) sobre os três ofícios impossíveis, a saber: governar, educar e curar. Lacan (1969-70/1992) pensa sua teoria dos discursos a partir dessas três impossibilidades e adiciona uma quarta noção de impossibilidade pensada a partir da noção de fazer desejar. Do mesmo modo, a estrutura sem palavras, também, sugere a interdição do acesso direto à verdade (semi-dizer), uma vez que o circuito significante porta limites incontornáveis dado às impossibilidades da estrutura da linguagem. Além disso, o desencontro inerente a cada estrutura discursiva, permite que opere o fragmento velado da verdade. Sobretudo ao apontar que o saber, no nível discursivo, não pode ser enunciado sem uma perda devido à operação de divisão do sujeito, da qual resta o objeto a núcleo irredutível do real e causa de desejo. Em O Seminário- livro 16: de um Outro ao outro (1968-69/2008), a homologia entre a mais-valia de Marx e o mais-de-gozar tipificado, aqui, como um excedente e condensador de gozo, permite a Lacan formalizar a propriedade de circulação e economia pulsional sustentada por cada discurso. Sendo assim, o discurso não se reduz às trocas sociais determinadas por leis universais de estrutura, visto que se fundamentam por permutações no interior de um sistema de regras em torno de um resíduo (excedente) irredutível à ordem simbólica.
Portanto, para Lacan (1969-70/1992), a ordenação dos quatro discursos constitui-se por uma estrutura, que se dispõe de quatro lugares estáticos concernentes ao agente (agenciamento), ao Outro (endereçamento), ao produto (efeito) e à verdade (velamento), diante dos quais quatro elementos cambiantes - S1 (significante mestre), S2 (saber), a (causa de desejo) e $ (sujeito dividido) - rotam em quarto de giro, resultando em uma modalidade de gozo específica. Igualmente, as relações estabelecidas entre os lugares e as barras de resistência à significação (/) são condicionadas pela impossibilidade e pela impotência enquanto zonas de tensão, que fazem com que cada discurso opere a partir de seus pontos de perda tanto no nível do agente/outro quanto no nível da produção/verdade. A grosso modo, portanto, uma vez determinados pela impossibilidade e impotência enquanto barreiras ao gozo, os discursos podem ser descritos como modalidades de gozo, que enquadram o excedente real (objeto a) no laço social. À vista disso, com a concatenação dos termos nos quatro lugares estáticos, sem comutação, tem-se o total de quatro laços sociais discursivos: Mestre, Histeria, Universidade e Analista.
Nesse sentido, podemos dizer que o que organiza as relações possíveis dos elementos é seu movimento em torno de vetores, que representam a impossibilidade e a impotência. Diante disso, sua grafia se dá nos seguintes termos:
Esta disposição, que se articula em torno da impossibilidade e da impotência, é tratada por Lacan em outras ocasiões ao longo de sua obra e ensino. É o caso, por exemplo, da transcrição de um programa de rádio intitulado Radiofonia: “o inconsciente, como se vê, é apenas um termo metafórico para designar o saber que só se sustenta ao se apresentar como impossível, para que, a partir disso, confirme-se ser real (entenda-se, discurso real)” (Lacan, 1970/2003, p. 423). Podemos afirmar que o saber é indissociável de uma quota de satisfação pulsional, que Lacan chama de gozo. Esse gozo aponta para um limite no campo linguageiro, que é, na verdade, o grande responsável pela impossibilidade de se atingir um gozo pleno e absoluto. É na medida em que esse saber porta um limite, que é possível convocar um sujeito para que fale de uma posição singular, a partir da sua própria divisão significante. Muito embora Lacan tenha proposto os discursos sob o crivo do objeto a enquanto função econômica de circulação, em torno de operações de perda, foi somente em 1972 que ele apresentou a existência de uma mutação discursiva, que rompe, abruptamente, com a regra de circulação tida até então. O que não é tão simples, visto que se trata de uma inversão diretamente subjugada à estrutura do discurso do mestre, que não perpassa por operadores de mediação entre o sujeito e o campo gozo.
Da Inconsistência do Mestre à Totalização do Discurso do Capitalista
Nosso enfoque nesta exposição se pauta apenas nos discursos do mestre e do capitalista, mas salientamos que a mudança entre modos discursivos possibilita a circulação do laço social. Além disso, focaremos nossa análise nos encaminhamentos dados por Lacan acerca da inconsistência da estrutura do discurso do mestre. Isso porque, entendemos que o modo distinto com que a mestria aparece no discurso do capitalista é um crivo importante para pensarmos a produção de saberes totalizantes e os imperativos presentes na racionalidade neoliberal.
Lacan (1969-70/1992) parte especificamente do quarto capítulo de Fenomenologia do Espírito (1807/2007), de Hegel, e sua dialética do senhor e do escravo, para pensar a matriz do discurso do mestre e dos demais discursos. Trata-se da operação mínima da linguagem, como o que representa o sujeito junto a outro significante a partir de uma alienação à estrutura linguageira. Segundo Lacan, “já estava manifesto que era no nível do discurso do mestre, do senhor, que aparecia algo que nos concerne quanto ao discurso” (Lacan, 1969-70/1992, p. 18). Como reitera Simanke (2002), a proposta kojeviana, da qual parte Lacan, é de que há, invariavelmente, a superação dialética da servidão primária. É o que impõe limite à natureza da mestria. Na teoria dos discursos, Lacan (1969-70/1992) atrela o S1 à função que ampara a essência do senhor, sendo a figura do escravo o suporte do saber designado pelo saber-fazer. Lacan afirma que o que conduz ao saber não é o desejo de obtê-lo, mas o laço social representado pelo sujeito que o delega ao senhor ao mesmo tempo em que denuncia a insuficiência e a precariedade do saber detido nessa função. Isso significa que, além de representar a estrutura mínima de alienação à linguagem, esse discurso produz o sujeito a partir da inconsistência estrutural da mestria. Nesse contexto, Lacan aponta uma compatibilidade de funcionamento entre as estruturas discursivas e o inconsciente, representado nos seguintes termos: a cadeia significante está simulada pelo vetor que vai do agente ao Outro (S1→S2). Aqui, o significante mestre (S1) designa uma marca, que irá se articular ao significante do saber (S2), estabelecendo uma cadeia retroativa de significações, indissociáveis da alteridade e do enigma do desejo no campo do Outro. Como assinalado, sendo o gozo conferido ao escravo, tem-se o desvelamento da divisão do mestre. Com isso, o sujeito ($), que não pode ser representado nem tão pouco capturado integralmente pelo significante, ocupa o lugar de verdade nesse discurso, demarcando que a função negada nesse modo de funcionamento é a incompletude da estrutura da mestria. Na posição de produção, o objeto a, causa de desejo e condensador de gozo (mais-de-gozar), designa um resíduo não redutível à cadeia simbólica, desvelando o fracasso do gozo enquadrado pela intenção discursiva, que, nesse discurso, se refere à impossibilidade de governar o que não se pode dominar em relação ao escravo, mas, também, ao saber.
Em contrapartida a essa organização, em Discurso de Milão, Lacan (1972) formaliza a existência de um quinto discurso, resultante da inversão dos termos S1 e $, ao lado esquerdo da estrutura (agente/verdade) no discurso do mestre como se pode verificar na figura. Ao contrastar subitamente com a regra de quarto de giro, o discurso do capitalista impõe locais fixos sem que haja pontos de fuga para a circulação dos demais discursos.
É fundamental destacarmos a ausência no discurso do capitalista da impossibilidade e impotência enquanto operadores, que, nos demais discursos, fazem a mediação entre o campo do agente/Outro e o produto/verdade. Considerando esse arranjo, Soler (2011) pontua que nesse discurso o sujeito não se institui pela marca da divisão da linguagem, mas sim pela produção e circulação de mais-de-gozar na vertente do imperativo excessivo. O que se faz notar é que, ao desarticular a impossibilidade e a impotência, há uma equivalência entre sujeito e objeto, conduzindo a uma elisão da falta que restringe o desejo à demanda fechada e sem ponto de fugas para que o excesso seja mediado no laço social (Lacan, 1972).
Nota-se, com isso, que o agenciamento do sujeito se dá em um duplo laço fechado em que há a produção de respostas imediatas para tamponar o mal-estar e o que dele revela a insustentabilidade do capitalismo (Alemán, 2016). Sendo a operação da linguagem reduzida às reproduções do sistema capitalista, extingue-se, também, a relação com o Outro, enquanto barrado, e condição na qual o sujeito é convocado a responder como efeito no laço social. Ainda conforme Soler (2011), o que está em questão é um curto-circuito discursivo, o qual indica que os significantes mestres dessa estrutura, situados no lugar da verdade atingida diretamente, não perpassam pela retroação implicada por uma perda de saber no nível do sujeito e do Outro. Só há a produção de objetos e ideais capitalista de vidas produtivas que supostamente satisfaçam esse mesmo saber, sem que haja equívocos e suspensões dos significantes fornecidos por esse contra-discurso.
Posto isso, propomos que os impasses contemporâneos respectivos às demandas de produção e auto-exploração subjetiva atreladas às insígnias neoliberais nos forneçam elementos para pensar algumas consequências do discurso capitalista. Especialmente, no que tange aos efeitos de subjetivação na racionalidade neoliberal, é o que trabalhamos no próximo item a partir da localização do supereu e o empuxo ao laço com a demanda em detrimento do desejo.
A Racionalidade Neoliberal e a Instrumentalização do Supereu
O neoliberalismo se serve de aparatos psíquicos para construir essa nova forma de subjetividade. Segundo Alemán (2016), a proposta neoliberal, passa por reduzir os sujeitos a indivíduos sem legados simbólicos, sem histórias a decifrar, sem interrogações, isso para que possam produzir sempre mais. De acordo com o autor, Lacan introduz uma variação lógica no discurso do mestre que batiza de discurso do capitalista. Essa variação opera no sentido de uma ordem ilimitada e sem crises, muito embora a existência da possibilidade de interrupção do movimento circular do capitalismo seja real. Esse modelo econômico “fabrica consenso, estabelece orientação subjetiva e produz uma trama simbólica que funciona de modo invisível” (Alemán, 2016, p. 13, tradução livre). De forma camuflada, impõe-se uma única articulação possível entre desejo e demanda. Essas questões são consoantes com a ideia de uma racionalidade neoliberal elucidada por Dardot e Laval (2016), que captura os sujeitos a partir de um imperativo superegóico, de produção ilimitada e de gozo ilimitado. Ocorre uma racionalização empresarial do desejo, que se torna o gerente-de-si, de forma que todas as lacunas e heterogeneidades são esgotadas pela representação fechada da produção ilimitada (Alemán, 2016). Podemos elencar algumas consequências da instauração dessa modalidade discursiva.
A primeira é a apropriação e rearticulação desse modelo econômico do significante liberdade pelo neoliberalismo. Segundo Brown (2019), o neoliberalismo permite ataques ao tecido social em nome dessa suposta liberdade, sem preocupações com o contexto ou com as consequências sociais, sem se importar com a sociedade, a civilidade ou os laços sociais. Analogamente, Brown propõe que a vertente neoliberal do capitalismo alastra a valorização mercadológica por meio da moral e maximização da liberdade enquanto operadores - paradoxais - de dominação e exploração. Tem-se, com isso, uma transposição do sujeito da troca e da exultação das necessidades (liberalismo clássico) ao sujeito auto-engendrado pelo princípio de liberdade e competitividade. Nesse contexto, Alemán (2016) afirma que a liberdade é reduzida a uma mera representação mercadológica e à demanda de produção, o que por sua vez impossibilita a emergência do desejo. Para pensarmos a distinção entre esses dois conceitos, podemos nos amparar na coordenada lacaniana que aponta a demanda como algo da ordem de uma exigência articulatória, que é capaz de desviar, transpor e modificar a necessidade. Esse movimento só é possível por meio do encontro do significante com o organismo e gera, necessariamente, uma mutilação, um resíduo. E para pensar a possibilidade que haja “alguma coisa que restabeleça a margem de desvio marcada pela incidência do significante nas necessidades” (Lacan, 1957-58/1999, p. 393), é que o psicanalista francês nos apresenta a ideia de desejo. É, portanto, no lugar de um resíduo que o desejo pode emergir articulado pela dialética da demanda. O desejo é marcado por sua negatividade, ela vincula uma falta que permite o advento do sujeito. Assim, é importante reconhecermos que a demanda apresenta um certo efeito de necessidade, colocando no Outro sua articulação e sendo, em última instância, “uma demanda de amor - demanda daquilo que não é nada, nenhuma satisfação particular, demanda do que o sujeito introduz por sua pura e simples resposta à demanda” (Lacan, 1957-58/1999, p. 394). Enquanto isso, “o desejo apresenta-se como aquilo que, na demanda de amor, é rebelde a qualquer redução a uma necessidade, porque, na realidade, não satisfaz a nada senão ele mesmo, ou seja, ao desejo como condição absoluta” (Lacan, 1957-58/1999, p. 395). Assim, compreendemos que a demanda que se fixa rigidamente nos significantes oferecidos por um determinado modelo discursivo produz uma certa forma de subtração do desejo de modo que promove a precarização do desejo à demanda de consumo. Aqui, cabe ressaltarmos, no consumo de si mesmo como uma mercadoria. O desejo, por sua vez, aponta para o nível sexual, que se coloca como sendo uma pergunta. Desse modo, ele não pode realmente articular-se a uma cadeia significante. Para Lacan, não haveria palavra para isso: “não existe palavra para exprimir uma coisa, uma coisa que tem um nome, e que é justamente o desejo” (Lacan, 1957-58/1999, p. 396). Um ponto a mais: a redução do desejo à demanda no discurso neoliberal é uma redução a uma demanda de gozo com objetos de consumo. Dessa maneira, essa redução leva a uma precarização devido à totalização promovida pelo discurso do capitalista, que, pois, visa aniquilar todo espaço para questionamentos, que aproxima os sujeitos de um engessamento numa insígnia, criando a racionalidade neoliberal. Isso traz como consequência certa impulsividade e promove formas de satisfação imediata, que valem tanto para as pulsões eróticas quanto para as agressivas. Alemán (2016) afirma que o neoliberalismo é tão sagaz que conquista o campo onírico e faz desaparecer os conflitos inconscientes ao produzir novos modos de intimidação, ameaças e segregação, cada vez mais violentos. E assim, mais uma vez, deparamo-nos com a racionalidade neoliberal e do que ela de fato se trata; isto é, da redução do desejo à dimensão da demanda. Mas, para que essa redução possa ser operativa, ela precisa de algo que opere um movimento de captura, que Freud denominou de supereu. Essa é a terceira consequência. Vemos a produção de uma subjetividade neoliberal operar; ou seja, vemos a nova racionalidade neoliberal. “Só é explicável pela coerção do supereu, seu engendramento de culpa e a necessidade de punição, que o neoliberalismo coloniza com seus dispositivos” (Alemán, 2016, p. 28, tradução livre). Em se tratando de capitalismo neoliberal, Dardot e Laval (2016) assinalam sua tendência, cada vez mais insidiosa, para exploração por meio de ferramentas de autogoverno. A racionalidade neoliberal, ao instituir a circulação da norma pelo desempenho como meio de gozo, conforme prescrições e controles exercidos pelos próprios indivíduos, mutuamente, maximiza resultados individuais, que lançam continuamente parâmetros de competição.
Diante do exposto, podemos aprofundar a apropriação do supereu pelo discurso capitalista. Freud (1908/2015) nos apresenta em seu texto A moral sexual “cultural” e o nervosismo moderno, a noção de que a moral é determinada culturalmente e sempre atravessada por coordenadas dadas a partir do contexto histórico. No neoliberalismo, percebemos uma degradação dos valores do ideal, ao que Dufour (2005) nos chama atenção para o fato de que o homem neoliberal estaria liberado de todos os princípios, sejam eles morais ou éticos. Essa noção também é trabalhada por Dardot e Laval (2016), que afirmam que, pela desmoralização, isto é, pela degradação do ideal, estabelece-se a opinião de que a política de Estado de bem-estar seria onerosa. E é isso mesmo que Freud afirma no referido texto. O psicanalista fala não apenas de pessoas que se opõem às exigências culturais bem como daquelas que aceitam de bom grado essas exigências e se refugiam na economia das neuroses. Assim, podemos entender a voracidade superegóica de sempre mais, como um sintoma da civilização, especialmente acentuado em sua modalidade neoliberal (Lacan, 1970/2003, p. 528). Nesses termos, entendemos que o imperativo superegóico comporta uma vertente do real não mediada pelos dispositivos de enquadre do gozo e cujo efeito é a precarização do liame social. A quarta consequência é que, no neoliberalismo, por meio do supereu, há uma especificidade: a transformação da culpa em vergonha. Em função da individualização generalizada, as questões de responsabilidade e fracasso caem na conta do indivíduo, que se entende como o único responsável. O significante vergonha introduziria, na relação com o Outro, certa mortificação do sujeito no que diz respeito à sua relação com o desejo. Segundo Calazans e Matozinhos (2021), a vergonha só pode ser pensada em uma lógica em que o sujeito é sempre um concorrente que ganha ou perde, mas nunca deseja. Essa vergonha denuncia uma relação mortífera com a pulsão, na medida em que o sujeito não se enlaça com o Outro. Muito pelo contrário, se insere numa cena em que "a disputa de morte é sempre uma concorrência em relação a quem produz mais. Não há aqui dialética entre senhor e escravo, mas disputa entre escravos da razão neoliberal" (Calazans & Matozinho, 2021, p. 69). O pacto neoliberal, ao reduzir a dialética do senhor e do escravo a uma disputa de livre concorrência entre escravos neoliberais, opera uma noção nova de gozar do sacrifício de si, que, levada a esse outro nível, abre espaço para uma servidão voluntária, na qual os sujeitos são explorados incondicional e ilimitadamente desde que sejam eles mesmos seus exploradores. Desse modo, passamos a compreender que esse modelo de laço social não só produziu modos externos de captura como engendrou nos homens uma nova forma de se relacionarem com o próprio desejo; ou seja, uma nova relação entre a falta e o excesso. Lacan já nos alertava para os perigos dessa instrumentalização. No texto A psiquiatria inglesa e a guerra, vendo os efeitos da guerra no laço social, atentou para os poderes do supereu. Segundo o psicanalista, está muito claro que “os sombrios poderes do supereu entram em coalizão com os mais frágeis abandonos da consciência, para levar os homens a uma morte aceita pelas menos humanas das causas” (Lacan, 1947/2003, p. 125). O psicanalista francês ainda profetiza que no decorrer de sua época - meio do século XX - ocorrerá um aumento dos meios de agir sob o psiquismo, bem como um manejo das imagens e paixões aos modos de um concerto, isto é, espetáculos, que permitirão novas formas de abuso.
Posto isso, ficamos com algumas questões, que podem ser condensadas da seguinte maneira: quais são os efeitos discursivos, na esfera sintomática, em um aparato social, que preserva produção de saberes totalizantes para auto-exploração?
A Representação do Desejo e sua Dimensão Inapropriável
Para pensarmos essas questões, é essencial lançarmos mão da tese do “crime perfeito” formalizada por Alemán (2016). É exatamente por manter horizontes neoliberais como norteadores psíquicos que o discurso do capitalista pode operar aos moldes de um crime perfeito. A tentativa do mercado de representar a totalidade da história a partir de seu esgotamento vai encontrar, como resistência, o sujeito falante, sexuado e mortal. Curiosamente, podemos apontar que o capitalismo neoliberal tem um modus operandi muito parecido com o da pulsão sexual, que funda o inconsciente. Tal como definida por Lacan (1964/2008), em seu seminário sobre os conceitos fundamentais, trata-se, também, de uma força acéfala, a qual tem seu modo de funcionamento explicado a partir do mito da lamela 1, que anima e leva vida por onde passa. Embora tenham suas semelhanças, há uma diferença fundamental: enquanto a pulsão parte da mortificação operada no organismo pela função significante para fundar a vida, o capitalismo neoliberal inverte esse circuito e parece partir da vida existente e por vir - em suas mais variadas formas - para eliminá-las até que se torne a única forma de vida possível e se apresente como única forma de vida possível, mesmo que o custo dessa operação seja, muitas vezes, a própria vida. Não se trata da simples morte do que é vivo. O que está em questão aqui é a destruição da vida e de seus rastros. Nessa toada, Alemán (2016) argumenta que coisas muito fundamentais a essa vida, como, por exemplo, pensar, fazer política, transformar o real, em suma, operações que têm uma função de limite, funcionam como balizadores da vida, acabam sendo postas em xeque. Há, no entanto, um espaço vazio, que, por essa condição, pode ser ocupado por um significante, que seja capaz de articular uma totalidade impossível de representar junto à emergência de uma vontade e desejo coletivos, que se diferenciam daqueles que se fazem presentes na psicologia das massas. É exatamente aí que reside a possibilidade de um crime perfeito. Segundo Alemán (2016), devemos
fazer uma aposta sem garantias, ou o crime é perfeito e o discurso capitalista tem controlado a realidade e seu sujeito, de tal maneira que já está definitivamente empregado e só é convocado para ser material disponível para a forma-mercadoria, ou existem diferentes superfícies de inscrição onde o político-hegemônico, de modo contingente, pode fazer advir um sujeito popular e soberano, um sujeito interpelado pelos legados simbólicos que lhe precedem e pelas demandas de distintos setores explorados pelas oligarquias financeiras. (Alemán, 2016, p. 20, tradução livre)
O autor parece descrever um certo cabo de guerra, em que, numa ponta, se encontram as referências simbólicas responsáveis por fundar o próprio sujeito. Essas referências consistem no próprio fluxo libidinal percorrido e nos consequentes rastros de vida deixados pela lamela. Do outro lado, a economia de mercado capitalista regida sob o paradigma do ilimitado parece dispor de ferramentas capazes de operar diretamente na economia libidinal. É preciso adotar como estratégia a ideia de que o discurso é aquilo que engendra a si mesmo para dar sustentação a uma rede de pulsões e afetos. A postura coercitiva do supereu assume, então, um caráter estritamente político. O autor argumenta como os movimentos de esquerda contemporâneos reconhecem a importância das paixões plebéias, as pulsões e os gozos identificatórios em seus projetos políticos, de modo que eles não podem jamais ser delegados aos movimentos de direita. Ainda num esforço para pensar as consequências de um funcionamento psíquico voltado ao ilimitado, podemos nos amparar no trabalho de Alemán e Camarena (2022). Os autores localizam na noção de segregação a possibilidade de elucidar o que está em questão no laço social do discurso capitalista. Eles argumentam a partir do pensamento lacaniano, a existência de uma aliança tríplice entre segregação, neoliberalismo e extrema-direita. Alemán e Camarena parecem ver, na formação singular do sinthome lacaniano, uma saída para o problema. Conforme os autores, “Lalangue é irredutível à mercadoria (...) O dia em que a linguagem e o capital se tornarem um só, aí o crime seria perfeito” (Alemán & Camarena, 2022, p. 211, tradução livre). Uma resposta que permita a localização do objeto a ou a amarração singular capaz de produzir um sinthome parece introduzir a possibilidade de uma representação do desejo que só pode se manifestar a partir de um convite à fala. Esse convite se sustenta por seu outro extremo, onde se funda um ato de escuta. É na medida em que alguém, no meio do caos neoliberal, se propõe a ouvir os restos de produção inassimiláveis pela economia de mercado.
A Saída Linguageira como Possibilidade de Representação do Desejo
A criação da racionalidade neoliberal passa a não só oprimir, mas também cria consensos, a partir da instrumentalização superegóica, que estabelece orientações subjetivas e produz uma trama simbólica “invisível”, naturalizando as ideias dominantes, de autoexploração e competição: “A ordem simbólica que atravessa o neoliberalismo se comporta como um dispositivo racional que aparentemente promove diversas formas de subjetividade, enquanto a repetição do mesmo no circuito ilimitado das mercadorias continua sua marcha incessante e circular” (Alemán, 2016, p. 11, tradução livre). No entanto, é justamente na medida em que os meios de se fazer operar essa captura são sustentados pela linguagem, que se torna possível considerarmos um ponto de fuga.
Para se tornar sujeito, o ser vivo é capturado pela linguagem. Assim sendo, há uma subordinação essencial do ser falante à ordem estrutural da linguagem. Vale salientarmos que é fundamental diferenciar a dependência simbólica relacionada à constituição do sujeito com a construção histórica, que estaria suscetível a variações de acordo com a época. São essas que visam capturar os sujeitos em suas malhas. O discurso capitalista neoliberal disputa o campo do sentido, engendrado por suas marcas totalizantes, mas é preciso considerarmos que, em se tratando da linguagem e do sujeito que dela advém, é primordial que não tentemos reduzir toda representação a uma representação completa, total. Pelo contrário, considerarmos o campo do sujeito é considerarmos que há um caráter falho em toda representação. Nesse sentido, o saber como meio de gozo é reabsorvido e capturado pelo discurso do capitalista neoliberal quando fornece, por exemplo, respostas universais, que elidem a equivocidade necessária para a emergência do sujeito.
Além do caráter inerente do discurso do capitalista, que visa a totalização, é imperioso atentarmos ao seu caráter ilimitado. Este precisa de colaboradores culpáveis - e aqui vemos a importância da instrumentalização do supereu - e devedores de algo impossível de alcançar. Alemán (2016) argumenta que o neoliberalismo tenta fabricar um homem novo sem coordenadas simbólicas, desistoricizado e sem restos. No lugar disso tem-se a redução da experiência humana à dimensão do desempenho. É justamente essa redução que o discurso totalizante visa aniquilar ao tentar reduzir o desejo à dimensão da demanda. Trata-se de apagar os legados simbólicos, que possibilitam aos sujeitos questionar e, portanto, inserir uma pausa, uma falta, um hiato para emergência do desejo. O potencial da psicanálise se articula especialmente nesse ponto, pois, embora a linguagem seja constitutiva da realidade, os discursos não podem representá-la integralmente; algo escapa, algo só pode ser representado enquanto fracasso. Tal como nos assevera Alemán (2016), “a representação veiculada pelo discurso é estruturalmente falha, pois sempre haverá uma ‘heterogeneidade’ que impede que a representação se dê como totalidade” (p. 17, tradução livre). Nesse ponto, emerge o sujeito com o qual trabalha a psicanálise, justamente nesse ponto de ruptura, de diferença, de não totalidade.
A teoria lacaniana dos discursos nos aparece como chave de leitura para reconhecermos esses pontos de furo, apontando os lugares de impossibilidade e impotência, enquanto o discurso capitalista se apresenta numa operação de dominar todo o espaço simbólico em seu engendramento ilimitado, sendo entendido por Alemán (2016) como uma operação de contra-discurso. É nesse aspecto que podemos considerar o discurso do analista, isto é, o saber fazer com as lacunas, uma direção possível frente ao discurso capitalista, que tenta, incessantemente, totalizar e aniquilar as diferenças.
É indispensável considerarmos a atitude de Lacan (1969-70/1992) ao reiterar, em diferentes frentes do Seminário 17, suas pretensões de retorno a Freud, cuja ênfase, aqui, é retrabalhada a partir do crivo do Real. Isso se constata nas lições em que Lacan aponta um para além do pai simbólico do édipo freudiano, posto que seus encaminhamentos sobre o Real, embora sem hierarquização quanto aos demais registros, permite ao psicanalista francês situar a radicalidade do discurso do analista como o que restou do trabalho freudiano com o saber inconsciente (S1 > S2), tendo no discurso da histeria o testemunho, irrevogável, da incompletude do desejo ($ > S1) como forma de laço social com o Outro.
Entendemos que o alcance das proposições de Freud sobre o problema da satisfação (gozo), do desejo e do social em face da renúncia pulsional, amplamente trabalhadas em obras como O mal-estar na civilização (Freud, 1930/1996), ganha centralidade na escrita lacaniana dos discursos, principalmente se considerarmos que a impossibilidade e impotência, como vetores da estrutura quadripartite, reatualizam a ideia de que há mediações, as quais possibilitam que o sujeito ascenda no liame social a partir de uma posição de perda que articula a alteridade do campo do Outro.
Ao apresentar o discurso do analista na última formalização, Lacan (1969-70/1992) demonstra que toda modificação entre os discursos é tributária da incidência de um funcionamento específico, cujo agenciamento é o objeto a. Embora o objeto a possua sua vertente real, e, portanto, inapreensível, este também é responsável pelo quarto de giro em torno da causa dissidente do desejo em uma estrutura de liame social (impossibilidade). Ora, o que Lacan deixa mais evidente com o discurso do analista é que este evoca as zonas de clivagem (divisão), que traz, em cada discurso, seus escapes (furos), circunscrições do real que faz com que o sujeito emerja a partir de um trabalho com o mal-estar e com a irredutibilidade do desejo no laço social (Lacan, 1969-70/1992).
É nesse sentido que Castro (2019) assinala que o discurso do analista produz no sujeito um saber claudicante, isto é, advertido da inadequação do desejo tanto aos ideais sociais, quanto aos meios de objetificação que visam tamponar a falta e o que dela desvela a divisão singular do sujeito. Assim, o que se observa no discurso do analista, é que a disjunção entre o saber e a verdade é um dos índices, que admite a rotação precipitante entres os discursos, principalmente, quando exerce a função de apontar a insustentabilidade de todo saber produzido para captura do sujeito e o que deste é inqualificável no nível do significante e do desejo.
É por essa razão que podemos argumentar que o discurso do analista não se reduz à clínica; isto é, este não se restringe à figura de um (a) analista. Isso porque sua função pode se presentificar a partir de qualquer lógica de funcionamento que não totalize o saber com vistas a um gozo desarticulado da relação do sujeito com a alteridade do Outro. Reiteramos que, se cada transformação discursiva é um precipitado do discurso do analista, esse mesmo precipitado para além de denunciar a falibilidade de um saber que pleiteia o todo, pode, também, intervir por meio de outros dispositivos sociais, institucionais e políticos que fazem frente às insígnias produzidas em um sistema de exploração e totalização. Isto é, a psicanálise se insere aí como estratégia crítica, alinhadas a outras, que apontam em que medida o sujeito, cuja expressão direta é o mal-estar social, é incapturável pelo regime neoliberal produtivo.
Considerações Finais
Como vimos, Lacan trabalha os discursos não somente como modalidades de gozo que enquadram o excedente no laço social, mas como laços sociais convocados pelas marcas das impossibilidades estruturais e que permitem que o sujeito ascenda, discursivamente, por meio de uma posição de divisão e alteridade. A partir da noção de discurso do capitalista, em seu curto-circuito ilimitado e totalizante, propomos uma leitura do neoliberalismo como um regime econômico e, também, como uma produção de subjetividades que assentem com um processo de precarização do laço social. Tal laço precarizado, ao condicionar as insígnias do individualismo libertário empresarial, vem acompanhado de um “canto da sereia”, que conduz o sujeito a um assentimento à exploração por meios desses mesmos dispositivos de autogoverno. Grosso modo, entendemos que essa racionalidade promove uma redução do sujeito do desejo a um laço fechado e restringido à demanda de ilimitação. Isso traz, em várias frentes, dificuldades imperativas para que o sujeito se desprenda do empuxo ao gozo oriundo da totalização dos saberes produzidos pela racionalidade neoliberal.
Por fim, consideramos que a tentativa de operar como dispositivo totalizante do discurso do capitalista, especialmente a partir da captura superegóica e da consequente redução do desejo à dimensão da demanda, encontra obstáculos. Isso porque, embora esse modelo discursivo seja capaz de capturar a subjetividade e sequestrar desejos, o suposto esgotamento e representação total encontram pontos de furo e resistência. Estamos falando aqui do sujeito falante, que se representa justamente numa dimensão de não representação. Que, a partir de um tensionamento entre as referências simbólicas responsáveis por fundar o sujeito; e entre a economia do mercado neoliberal que é capaz de operar diretamente no modo de economia libidinal, introduzem uma mutação inédita entre excesso e falta. Isto é, opera uma redução do desejo de modo a reduzi-lo à dimensão demanda. O neoliberalismo interpela, dessa forma, o sujeito a tamponar a falta que é constituinte do próprio desejo.
Desse modo, os pontos de furo explorados pela economia de mercado neoliberal que lhe permite exercer certa dominância sob o campo simbólico dizem respeito justamente à própria condição de sujeito. Pois, assim como afirmam Alemán e Camarena (2022), lalangue é irredutível à mercadoria. Desse modo, o desejo pode se manifestar a partir de um convite à fala e da possibilidade de escutar os restos produzidos por esse modelo discursivo. Trata-se, então, de dar voz aos legados simbólicos produzidos em meio ao caos neoliberal, que exige sempre um ilimitado de produção.
O que pretendemos apresentar é, antes, que esse assentimento não é algo simples, porque ele envolve tanto uma subsunção superegóica com exigências sem limites para o sujeito, quanto dispositivos que entravam possibilidades de circulação de outros modelos discursivos, que operam o laço social com a alteridade, seja ela no nível singular ou coletivo. Por outro lado, acreditamos que é importante que possamos pensar uma saída não apenas em nível discursivo, apontando para o discurso do psicanalista como essa alternativa, mas para o ato analítico como uma ruptura dos discursos totalizantes, mesmo os mais precários, podendo traçar um outro enlaçamento, ou, como diz Lacan, um significante mestre, que funcione com outro estilo (1969-70/1992), o qual faz com que a causa do sujeito possa coincidir com a causa do laço social.