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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.23 no.spe Rio de Janeiro  2023  Epub 20-Maio-2024

https://doi.org/10.12957/epp.2023.80530 

DOSSIÊ PSICANÁLISE E POLÍTICA: A INSISTÊNCIA DO REAL

A Formação do Psicanalista e os Princípios de Seu Poder

The Psychoanalyst's Education and the Principles of its Power

La Formación del Psicoanalista y los Principios de su Poder

Enzo Cléto Pizzimenti* 

Psicanalista, psicólogo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre e doutorando em Psicologia Clínica no IP-USP. Membro do Laço Analítico/Escola de Psicanálise.


http://orcid.org/0000-0001-7336-8947

Ivan Ramos Estêvão** 

Psicanalista, Professor Doutor na EACH-USP e da Pós-Graduação em Psicologia Clínica do IP-USP, membro do Fórum do Campo Lacaniano.


http://orcid.org/0000-0002-0191-3253

*Universidade São Paulo - USP, São Paulo, SP, Brasil

**Universidade São Paulo - USP, São Paulo, SP, Brasil


RESUMO

Este artigo se propõe a elaborar, a partir da formação do psicanalista e da política da psicanálise, a articulação entre os campos psicanalítico e da saúde mental. Para isso, parte-se do alerta de Freud quanto ao risco de a psicanálise figurar como uma técnica a mais, no rol das especialidades médicas, somado às questões colocadas por Franco Basaglia para a Psiquiatria e a Psicanálise. Compreende-se que tanto os questionamentos de Basaglia, quanto as justificativas dadas por Lacan em seu retorno a Freud, têm como possível elo o alerta quanto ao risco de reduzir o tratamento dispensado para sujeitos em situação de intenso sofrimento psíquico, bem como a formação ofertada no interior das instituições psicanalíticas, a um mero exercício de adequação social. Nesse sentido, indicamos ser a política do psicanalista, com seu radical compromisso com a perspectiva de não redução da Psicanálise à oferta de um tratamento que negue a condição de falta-a-ser do sujeito, uma perspectiva possível para situar o psicanalista frente ao aparelhamento das instituições, sejam as de saúde mental, sejam aquelas que atravessam a formação do psicanalista, como a Universidade e as Escolas de Psicanálise.

Palavras-chave: formação do psicanalista; política da psicanálise; mal-estar; saúde mental.

ABSTRACT

This article proposes to elaborate from the education of psychoanalysts and the politics of psychoanalysis, the articulation between the psychoanalytic and mental health fields. To that end, it starts with Freud's warning about the risk of psychoanalysis appearing as one more technique in the list of medical specialties, added to the questions raised by Franco Basaglia to Psychiatry and Psychoanalysis. It is understood that both Basaglia's questions and the justifications given by Lacan in his return to Freud have as a possible link the alert regarding the risk of reducing the treatment given to subjects in situations of intense psychic suffering, as well as the education offered in the within psychoanalytic institutions, to a mere exercise of social adequacy. In that sense, we indicate that the psychoanalyst's policy, with his radical commitment to the perspective of not reducing Psychoanalysis to the offer of a treatment that denies the subject's condition of lack-to-be, is a possible perspective to place the psychoanalyst in the face of the rigging of institutions, whether those of mental health or those that permeate the education of psychoanalysts, such as the University and Schools of Psychoanalysis.

Keywords: psychoanalyst education; psychoanalysis policy; malaise; mental health.

RESUMEN

Ese artículo se propone elaborar, a partir de la formación del psicoanalista y de la política del psicoanálisis, la articulación entre los campos psicoanalíticos y de la salud mental. Para eso, partimos de la alerta de Freud cuanto al riesgo del psicoanálisis engendrar como una técnica a más en el rol de las especialidades médicas, sumado a las cuestiones planteadas por Franco Basaglia para la Psiquiatría y el Psicoanálisis. Se entiende que tanto los cuestionamientos de Basaglia, cuanto las justificativas ofrecidas por Lacan en su retorno hacia Freud tienen como posible enlace la alerta cuanto, al riesgo en reducir el tratamiento dispensado para los sujetos en situación de intenso sufrimiento psíquico, así como la formación ofrecida en el interior de las instituciones psicoanalíticas, a un simples ejercicio de adecuación social. En ese sentido, indicaremos ser la política del psicoanalista, con su radical compromiso con la perspectiva de la no reducción del Psicoanálisis a una oferta de un tratamiento que niegue la condición de falta-a-ser del sujeto, una perspectiva posible para situar el psicoanalista frente al preparo de las instituciones, sean de salud mental, sean aquellas que atraviesan la formación del psicoanalista, como la Universidad y las Escuelas de Psicoanálisis.

Palabras clave: formación del psicoanalista; política del psicoanálisis; malestar; salud mental.

É muito comum encontrar em trabalhos de psicanalistas, a citação de Função e campo da fala e da linguagem, em que Lacan (1953/1998) afirma: “Que antes renuncie a isso [a Psicanálise], portanto, quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época” (p. 322). Mas nos interessa, também, o fragmento menos citado que se situa ao fim do parágrafo anterior: “ela [a Psicanálise] exige uma longa ascese subjetiva, e que jamais será interrompida, não sendo o fim da própria análise didática separável do engajamento do sujeito em sua prática” (p. 322).

Essas duas passagens tocam na proposta que Lacan faz do engajamento do analista com as questões pertinentes à sua época, e que, comumente, parecem passar ao largo das considerações. Esse engajamento se dá em diversos momentos, já desde o início da Psicanálise, enquanto um saber que teve importância em certos movimentos. A proposta do presente trabalho é de resgatar, não só, parte da história das reformas psiquiátricas ocorridas desde a década de 1950, como algumas das particularidades da Psicanálise no Brasil, onde se pensa que, ali, a Psicanálise sustentou um debate à altura do horizonte e da subjetividade de nosso tempo - incluindo, para isso, as especificidades brasileiras.

Mais especificamente, esperamos contribuir com uma elaboração acerca da formação do psicanalista, em sua fina relação com a política da Psicanálise, isto é, com o lugar esperado para a Psicanálise diante de temas que extrapolam o setting tradicionalmente conferido ao psicanalista, a saber, o consultório privado. Para isso, elegemos como interlocutor o campo da Saúde Mental, mais especificamente o campo construído a partir dos importantes movimentos de reforma psiquiátrica, ocorridos a partir da 2ª Guerra Mundial. Tal escolha não é fortuita, e tem como respaldo certa concordância com Laurent, no consagrado escrito dedicado à participação do psicanalista nos dilemas de seu tempo, não mais como meros críticos da identificação, mas sim almejando trabalhar a partir da “comunidade de interesses entre o discurso analítico e a democracia” (Laurent, 2010, p. 8).

De início, para apresentar a situação da qual partimos para tratar da articulação entre psicanálise e o campo psicossocial, recorremos ao artigo de Delgado (2019), Reforma psiquiátrica: estratégias para resistir ao desmonte. Nele, o autor indica, a partir da Nota Técnica divulgada pelo Ministério da Saúde do governo Bolsonaro, a continuidade entre a gestão Temer e a bolsonarista:

... o documento apontou as mudanças realizadas na direção da política. Além da crítica genérica sobre a ideologia presente na política de Saúde Mental (reproduzindo a retórica ideológica anti-ideologia do governo Bolsonaro), substituída por uma visão científica, alguns pontos devem ser destacados, pois representam uma medida direta de desconstrução da reforma psiquiátrica: reforço do papel estratégico do hospital psiquiátrico; ênfase na internação de crianças e adolescentes; ênfase em métodos biológicos de tratamento, como a eletroconvulsoterapia; disjunção entre a saúde mental e a política de álcool e outras drogas; e condenação das estratégias de redução de danos. (Delgado, 2019, pp. 3. Grifo nosso.)

Noutro ponto, o autor se dedica à apresentação da cena cultural em que tal documento se presentifica como suposta estratégia de oferta de melhores condições:

Privatização do Estado, desmonte do projeto de bem-estar social, pauperização, concentração de renda, punitivismo, cerceamento de liberdades individuais, acirramento do ódio e da desigualdade, são componentes do contexto trágico que estamos vivendo. A resistência deve partir de uma consciência aguda do momento político. (Delgado, 2019, pp. 3-4. Grifo nosso.)

Os grifos de que nos valemos em ambas as passagens, buscam indicar a relação que gostaríamos de retomar entre a consciência aguda do momento político, e a contribuição que a Psicanálise pode ofertar, a um só tempo, para a resistência diante de certa lógica, bem como para a sustentação de um debate, à altura, que intente questionar a cientificidade atribuída ao biologicismo; a centralidade do hospital psiquiátrico como eixo do tratamento em saúde mental e a retomada desse discurso anti-ideológico.

A hipótese que levantamos é de que é possível conceber um lugar para a Psicanálise diante de tais especificidades, a partir da articulação e elaboração das críticas que tanto Franco Basaglia, quanto Jacques Lacan, endereçaram à Psiquiatria e à Psicanálise, em seu tempo. Nessa medida, identificamos no trabalho realizado junto ao campo da Saúde Mental, seja ele em sua perspectiva de pesquisa, seja na inserção de psicanalistas nos equipamentos substitutivos, uma articulação fundamental para a luta por uma sociedade menos desigual e um pouco mais capaz de suportar a radicalidade do desejo.

O que sustentamos estar em jogo em nossa proposição, é a condição inequívoca de articulação entre o mal-estar na cultura e a formação do psicanalista. Ou, dito de outra forma: entre as questões e respostas que os psicanalistas poderão produzir frente ao que Freud (1930/2020) nomeou como “métodos através dos quais os seres humanos esforçam-se por obter a felicidade e por manter distante o sofrimento” (p. 328) e a manutenção de um debate crítico e rigoroso quanto ao que se espera da formação de um psicanalista.

Antes de avançarmos rumo à discussão que nos propomos, cabe afirmar outro ponto relativo à posição assumida em relação a essa convocação de Lacan. Entendemos que estar à altura do horizonte subjetivo de nosso tempo, por uma questão de rigor, deve ter a ver com não recuar perante a complexidade deste tempo, sem, no entanto, almejar objetivá-lo. Se assim não for, a Psicanálise pode recair no discurso totalizante que ora esperamos combater, na medida em que se pautaria por uma suposição de haver uma identidade plena de sentido entre o horizonte de nosso tempo - em sua radical complexidade - e aquele que, aqui, conseguimos tocar. Afirmamos, então, que não temos qualquer expectativa de um esgotamento da questão, tampouco das possibilidades de crítica e engajamento na causa, relativa à formação do psicanalista.

Quando escolhemos como título do presente trabalho A formação do psicanalista e os princípios de seu poder, nós o fizemos em referência à discussão que Lacan propõe em 1958/1998, em seu escrito A direção do tratamento e os princípios de seu poder. No que concerne à tese do escrito de Lacan que interessa ao que nos propusemos aqui, podemos trazer a seguinte citação: “Pretendemos mostrar como a impotência em sustentar autenticamente uma práxis reduz-se, como é comum na história dos homens, ao exercício de um poder” (Lacan, 1958/1998, p. 592).

Situamos este trabalho de Lacan à esteira do projeto publicizado em 1953, em Função e campo da fala e da linguagem, quando o francês alerta a comunidade psicanalítica quanto ao risco de a Psicanálise e sua transmissão terminar reduzida “a um formalismo enganador” (Lacan, 1953/1998, p. 240), questionando, se o meio de combater este fim, não estaria na ambição de aplicação de “seus princípios à sua própria corporação, isto é, à concepção que têm os psicanalistas de seu papel junto ao doente, de seu lugar na sociedade dos espíritos, de suas relações com seus pares e de sua missão de ensino” (Lacan, 1953/1998, p. 242). Preocupação análoga à que causou o movimento rumo ao presente trabalho, e que pode ser encontrada descrita por Freud em seu A questão da análise leiga. Conversas com uma pessoa imparcial, a saber:

É que não julgamos desejável que a Psicanálise seja engolida pela Medicina e depois encontre seu depósito definitivo no livro didático de Psiquiatria, no capítulo sobre terapia, ao lado de procedimentos como sugestão hipnótica, auto sugestão, persuasão, que, buscados de dentro do nosso desconhecimento, devem os seus efeitos efêmeros à morosidade e à covardia das massas de pessoas. Ela merece um destino melhor, e esperemos que o tenha. (Freud, 1926/2016, pp. 286-187)

Quando afirmamos ser uma preocupação análoga à apresentada por Freud e Lacan, o fazemos na medida em que é possível verificar que o risco de a Psicanálise ser engolida e depositada no interior de um livro didático não diz respeito, única e exclusivamente, ao campo da Medicina. Esse risco, como tão bem sublinhou Lacan, concerne a todos os campos do conhecimento, quando não atentos à complexidade que atravessa os seres habitados pela linguagem - ou - desde o momento em que vertem suas práticas em meros instrumentos de reificação de uma estrutura hierárquica, pautada na exclusão.

Quanto à metodologia utilizada, valemo-nos da pesquisa teórica em psicanálise. Tal método se caracteriza enquanto um estudo teórico que visa submeter a Psicanálise e seu campo a uma análise crítica, a fim de tensionar seus conceitos e o horizonte de inserção e intervenção almejado por esta (Garcia-Roza, 1993; Lo Bianco, 2003).

Até aqui, pudemos tecer algumas considerações que implicam o campo psicanalítico em um debate que rastreia, a partir do poder, uma relação possível entre o campo Médico, mais especificamente a Psiquiatria, e a redução da Psicanálise a um capítulo da história das técnicas e procedimentos psiquiátricos. É nesse ponto que gostaríamos de trazer o debate encampado por Franco Basaglia, que influenciou largamente a Reforma Psiquiátrica brasileira, e, por conseguinte, animou parte da produção e da circulação do saber psicanalítico junto ao campo da Saúde Mental.

A articulação que visamos, tem no trabalho de Franco Basaglia, marcadamente na coletânea de artigos publicada em 1968, o aceno para um diálogo - entre a crise que o italiano assinala produzir nas instituições de saúde mental, e os alertas de Freud, que, no presente artigo, pretendemos articular com uma outra crise produzida, no encontro da conceituação lacaniana e com a estrutura dos Institutos de Psicanálise.

O problema que trazemos aqui, diz respeito ao debate em torno das relações de poder estabelecidas no interior das mais diversas instituições, que encampam tanto as formações do psicanalista, do psicólogo e do psiquiatra, quanto o tratamento ofertado às pessoas em sofrimento psíquico. Isso nos leva ao cerne de duas instituições fundamentais para a Psicanálise: a primeira, dedicada à formação de psicanalistas - Escolas, associações, institutos, coletivos -; e a segunda, ligada à Universidade, que até 2023 não tinha em seu quadro cursos de bacharelado em Psicanálise. Gostaríamos de acrescentar uma terceira instituição que indicamos participar da formação “psi”: as instituições de saúde mental.

Estabelecido o problema a partir do qual pretendemos trabalhar, buscaremos, nas reformas propostas por Franco Basaglia para as instituições de saúde mental italianas, cientes de seu alcance em solo brasileiro, possíveis chaves de leitura capazes de ampliar e, portanto, complexificar, ainda mais, o debate em torno da formação do psicanalista; somado ao alerta quanto aos riscos desta formação ser reduzida às práticas de poder, portanto, da participação da Psicanálise diante do mal-estar de seu tempo.

Franco Basaglia e a Crítica aos Prepostos da Violência

Cabe, agora, apresentar brevemente o trabalho de Franco Basaglia (1924-1980), um dos mais importantes e reconhecidos psiquiatras do século XX, responsável por debates, fundamentais, e atos que levaram a uma profunda reforma das práticas assumidas pelas equipes responsáveis pelo acompanhamento e cuidado de cidadãos em situação de intenso sofrimento psíquico.

Importante sublinhar que foi graças ao Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) e às importantes contribuições de Basaglia, que a Luta Antimanicomial pôde ter como efeito, em sua relação de risco e potência, a implementação de novas políticas públicas. Quanto ao pensamento de Basaglia, podemos situar sua chegada no fim da década de 1960, visando a um auxílio na elaboração de subsídios teóricos e clínicos, portanto políticos, capazes de fazer avançar o MTSM. Já na década de 1970, recebemos duas visitas de Basaglia para o desenvolvimento e a sustentação de posições que, em muito, foram responsáveis pela aprovação, somente em 2001, da Lei nº 10.216, ou, como ficou conhecida, Lei da Reforma Psiquiátrica.

Quanto à Universidade e pesquisa, trata-se de um movimento sustentado, além das trabalhadoras e parentes daqueles que foram preteridos do convívio social, por estudantes e pesquisadores de cursos de graduação e pós-graduação como Psicologia, Psiquiatria, Terapia Ocupacional etc.

Antes de avançarmos, é preciso construir um mínimo chão comum, a fim de propiciar um melhor entendimento da relação que buscamos estabelecer entre o alerta que Freud fez em 1926, e o lugar historicamente assumido pelas instituições de formação, sobretudo ligadas à IPA (International Psychoanalytical Association), e o que a reforma psiquiátrica e seus questionamentos podem trazer de contribuição para o enfrentamento de tais fins.

Embora não se trate de um tema abordado diretamente por Freud, tampouco por outros pós-freudianos, é possível aproximar a preocupação freudiana supracitada, da crítica às muitas formas de institucionalização, sobretudo da loucura. Retomamos parte da relevante Carta de Bauru, de 1987, tendo como objetivo poder restabelecer o que há de radical, de aposta comum e democrática, na luta contra qualquer forma de violência institucional.

O manicômio, segundo consta na carta acima citada, trata da

... expressão de uma estrutura, presente nos diversos mecanismos de opressão desse tipo de sociedade. A opressão nas fábricas, nas instituições de adolescentes, nos cárceres, a discriminação contra negros, homossexuais, índios, mulheres. Lutar pelos direitos de cidadania dos doentes mentais significa incorporar-se à luta de todos os trabalhadores por seus direitos mínimos à saúde, justiça e melhores condições de vida. (Manifesto de Bauru, 1987, pp. 1)

Sobre isso, Basaglia (1968) afirma, em sua coletânea A instituição negada, que os exemplos do funcionamento das instituições de poder e violência podem ser verificados desde o seio familiar, passando pelo jardim de infância, escola e hospitais. Mas resta definir melhor o que são e como funcionam tais instituições, que organizam a sociedade em que vivemos.

Direto ao ponto, o italiano afirma:

... o que caracteriza as instituições é a nítida divisão entre os que têm poder e os que não o têm. De onde se pode, ainda, deduzir que a subdivisão das funções traduz uma relação de opressão e de violência entre poder e não-poder, que se transforma em exclusão do segundo pelo primeiro. A violência e a exclusão estão na base de todas as relações que se estabelecem em nossa sociedade. (Basaglia, 1968, pp. 101)

É, exatamente, por sustentar que esse funcionamento está na base de todas as relações, que Basaglia afirma a importância da reforma não se restringir aos muros das instituições psiquiátricas, tampouco à implementação de leis. O caminho indicado pelo autor, para atingir tal fim, é o de uma crítica contundente da neutralidade científica, que

... atua como sustentáculo dos valores dominantes -, para depois tornar-se crítica e ação política. Agir no interior de uma instituição da violência, mais ou menos camuflada, significa recusar o mandato social que ela delega, dialetizando, no plano prático, tal negação: negar o ato terapêutico como ato de violência mistificada com o objetivo de unir nisso a consciência de sermos simples prepostos da violência (portanto, excluídos), à consciência que devemos estimular, nos excluídos, a de o serem, sem contribuir de nenhuma maneira para sua adaptação a essa exclusão. (Basaglia,1968, pp. 103. Grifo nosso).

Como será apresentado na próxima seção, ainda que por caminhos e motivações diversas, a Psicanálise colocará em marcha, primeiro na pena de Freud, e posteriormente na de Lacan, um movimento de total questionamento quanto às bases que orientam e justificam a mais vasta gama de tratamentos ofertados às pessoas em sofrimento psíquico. Mais que isso, é possível verificar, já na primeira década do século XX, tanto Freud, quanto Ferenczi, iniciando um movimento de crítica aos dogmas oriundos do campo científico, que, com Lacan, será radicalizado, seja no que concerne à crítica estrita ao cientificismo praticado nas faculdades de Psicologia, seja ao situar, no interior da IPA, um posicionamento muito parecido, por parte dos psicanalistas.

Mas, retornemos às frentes nas quais Basaglia atuou, a fim de produzir a irrupção de uma crise que jazia escamoteada. Segundo o autor, foram duas as frentes fundamentais: os sistemas científico e institucional. O que significa dizer que,

... em contato com a realidade institucional, e em nítida contradição com as teorias técnico-científicas, evidenciaram-se elementos que remetem a mecanismos estranhos à doença e sua cura. Diante de uma tal constatação era impossível evitar a crise das teorias científicas sobre o conceito de doença, assim como das instituições sobre as quais elas fundam suas ações terapêuticas. (Basaglia, 1968, pp. 103. Grifo nosso.)

Nos interessa, aqui, acompanhar o movimento basagliano, sua crítica contundente a uma norma estabelecida pela ciência pautada em uma suposta alteração exclusivamente biológica, que teria como único horizonte possível a dócil adesão do doente. É a partir desta constatação que Basaglia afirma se justificar o tratamento de cunho tutelar, empreendido em instituições psiquiátricas. Sobre isso, e esse ponto nos é importante, o autor sugere que a origem do aceite da classe médica a este mandato social é fruto “da impotência de uma disciplina que, diante da doença mental, limitou-se, de certo modo, a defini-la, catalogá-la e geri-la” (Basaglia, 1968, p. 104).

É significativo que nos defrontemos com as críticas que Basaglia faz, justamente, à Psicanálise, na continuidade da citação que acabamos de trazer - o que significa dizer que, para o italiano, o risco de uma disciplina recair num reducionismo docilizante não está circunscrita ao apelo ao biologicismo - como irá afirmar, também, Jacques Lacan (1957/1998).

Vamos à citação:

De outra parte, as próprias teorias psicodinâmicas, que tentaram encontrar o sentido do sintoma através da investigação do inconsciente, mantiveram o caráter objetal do paciente, mesmo que o tenham feito através de um tipo distinto de objetalização: objetalizando-o não mais enquanto corpo, mas enquanto pessoa. ... o homem e sua objetalidade ainda são considerados um dado sobre o qual não é possível intervir a não ser através de uma vaga compreensão. Estas são as interpretações científicas do problema da doença mental. Mas o que foi feito do doente real, isso só pode ser visto no interior de nossos manicômios, onde nem as denúncias dos complexos de Édipo nem os depoimentos do nosso estar-com-no-mundo-da-ameaça foram capazes de tirá-lo da passividade e da objetalidade de sua condição. (Basaglia, 1968, pp. 103)

Ora, tais colocações não são novidades, tampouco carentes de fundamento, ainda que, por vezes, generalizem o campo psicanalítico, misturando concepções que pouco, ou nada, dialogam com a proposta freudiana, e a retomada feita por Lacan. No que diz respeito aos críticos que estabeleceram contundentes trabalhos que fizeram a Psicanálise avançar em questões fundamentais, estão Foucault, Deleuze, Guattari, entre outros.

De toda forma, o que nos interessa, aqui, é a justificativa dada por Basaglia que endossaria a ineficiência da psicanálise enquanto método de tratamento, já que, segundo o italiano:

Se essas ‘técnicas’ houvessem penetrado efetivamente nas organizações hospitalares, se se tivessem submetido ao questionamento e à contestação que lhes oporia a realidade do doente mental, deveriam ter-se transformado, por uma questão de coerência, ampliando seu escopo, até que viessem a abranger todos os atos da vida institucional. Tal coisa teria minado inevitavelmente a estrutura autoritária, coercitiva e hierárquica sobre a qual se apoia a instituição psiquiátrica. (Basaglia, 1968, pp. 104)

Se, de um lado, temos Lacan denunciando o risco de, diante “da impotência em sustentar autenticamente uma práxis” (1958/1998, p. 592) recairmos a um mero exercício de poder, noutro, vemos Basaglia (1968) afirmando que tanto a Psicanálise, quanto a Psiquiatria, ao se limitarem à definição, catalogação e gerenciamento do que seria a doença mental está em estreita relação com o aceite por parte de psiquiatras e psicanalistas do mandato social legado a estes, qual seja: a de meros prepostos do poder.

Com o desenvolvimento realizado até este momento, esperamos ter podido apresentar o cenário que o psiquiatra italiano encontrou, a partir da realidade institucional, em “nítida contradição com as teorias técnico-científicas” que o levou a afirmar haver, ali, “a crise das teorias científicas sobre o conceito de doença, assim como das instituições” (Basaglia, 1968, p. 103).

Retomar estes fragmentos, após, precisamente, a crítica que Basaglia faz à Psicanálise, serve-nos na medida em que oferta um caminho interessante de reflexão sobre o alcance esperado para um campo que almeje poder contribuir de maneira relevante para o enfrentamento do mal-estar da cultura, sem que, para isso, recaia em práticas alienantes. Mais do que isso, trouxemos o pensamento de Basaglia por esse autor ter convocado a Psicanálise e nós, psicanalistas, a pensarmos os efeitos de nossa práxis, em fina relação com as estruturas de poder presentes no interior das instituições, de maneira geral.

Dado o objetivo deste nosso trabalho, retomaremos o fio psicanalítico, buscando refletir sobre a incidência destes questionamentos desde Freud, passando por Ferenczi, à ocasião do ato de fundação da IPA, e culminando nas críticas de Lacan aos destinos dados à instituição criada por Freud. Esperamos poder contribuir com uma reflexão que ampare a pertinência de discutirmos o que pode haver de manicomial nas instituições, bem como em formas de fazer frente ao mal-estar, sem que, para isso, os psicanalistas recaiam em um encastelamento de sua práxis.

Da Invenção da IPA à Política do Psicanalista

Com o intuito de apreciar a relação possível de se estabelecer entre as crises que a Psicanálise e a Reforma Psiquiátrica puderam conceber, e seu alcance no debate em torno da formação do psicanalista, realizaremos um brevíssimo retorno ao discurso de Ferenczi, à ocasião da criação da International Psychoanalytical Association (IPA).

Na verdade, nos dedicaremos a uma série de questões que o psicanalista húngaro coloca, a partir de sua proposta para a comunidade psicanalítica:

Podemos, pois, perguntar-nos: as vantagens da guerra de guerrilha compensam todos esses inconvenientes? Podemos presumir o desaparecimento espontâneo desses inconvenientes sem agir nesse sentido, ou seja, sem organizar a nossa atividade e a nossa luta? ... Sem hesitar, respondo afirmativamente à primeira questão e ouso dizer que a nossa atividade seria mais bem beneficiada do que prejudicada pela existência de uma organização. (Ferenczi, 1910/2011, pp. 148. Grifo nosso.)

Vale dizer que os inconvenientes aos quais Ferenczi fez menção, dizem respeito à falta de reconhecimento que a disciplina de Freud tinha perante o establishment científico, bem como à exigência de “coragem pessoal e renúncia às ambições acadêmicas” (Ferenczi, 1910/2011, p. 152), na medida em que, sem reconhecimento científico, seria impossível ter alguma perspectiva acadêmica. Nesse sentido, é impossível desvincular a criação da IPA de sua arguta aposta na manutenção da Psicanálise dentro dos limites estabelecidos por Freud, mantendo-a protegida de possíveis desvios teóricos e clínicos, comportando, ainda, na escolha de um não-judeu para a presidência desta (Carl Gustav Jung), com o objetivo de promover uma vigorosa expansão territorial. Isso porque, segundo Freud, “em relação à Europa ocidental, que contém os grandes centros de nossa cultura, Viena está numa posição periférica; e, há muitos anos, seu prestigio é afetado por sérios preconceitos” (Freud, 1914/2012, p. 272).

Os sérios preconceitos culminariam, como sabemos, no horror das duas Grandes Guerras Mundiais e no Holocausto, que ceifaram milhões de vidas, deixando marcas quase que na totalidade do território europeu. Nesse sentido, reiteramos que, tal qual o fizemos no início do presente capítulo, o papel, social, das instituições de Psicanálise, não pode ser pensado de maneira desarticulada com os atravessamentos econômicos, sociais, de saúde e políticos.

O ponto de tensão que gostaríamos de trazer, diz respeito à resposta que os psicanalistas puderam dar, frente ao que Basaglia nomeou como mandato social, almejando, em último caso, negá-lo:

... com o objetivo de unir nisso a consciência de sermos simples prepostos da violência (portanto, excluídos), à consciência que devemos estimular nos excluídos, a de o serem, sem contribuir de nenhuma maneira para sua adaptação a essa exclusão. (Basaglia,1968, pp. 103. Grifo nosso.)

Como vimos anteriormente, há, pelo menos, dois pontos que o italiano sublinha como passíveis de serem objeto de uma crítica: a instituição e o respaldo científico, que ampara tanto a lógica do tratamento, quanto do funcionamento institucional. Em Freud, destacamos essa passagem, em que o vienense, ao comparar suas diferenças com a concepção de Breuer de doença, afirma que este, ao dar preferência aos aspectos mais fisiológicos, “pretendia explicar a cisão psíquica dos histéricos mediante a ausência de comunicação entre diversos estados mentais”. Em primeira pessoa, Freud afirma:

Eu compreendia a coisa menos cientificamente, enxergava tendências e inclinações análogas às da vida cotidiana e concebia a própria cisão psíquica como resultado de um processo de repulsa que, então, designei como “defesa” e, depois, como “repressão”. (Freud, 1914/2012, pp. 251)

Esse sentimento, de que compreendia as coisas menos cientificamente que outros cientistas de sua época, nos acompanha até hoje. Mas isso não significa, de maneira alguma, falta de rigor para com o objeto que tomamos como nosso - e aqui recuperamos, mais uma vez, Basaglia já nos indicando um caminho de reflexão acerca do lugar legado, tanto à Psicanálise, quanto à Reforma Psiquiátrica, já que, quanto a ambas, o

... establishment psiquiátrico define, de maneira extraoficial, nosso trabalho como privado de seriedade e de respeitabilidade científica. Esse julgamento só pode nos envaidecer, visto que nos associa finalmente à falta de seriedade e de respeitabilidade que sempre foram atribuídos ao doente mental e a todos os demais excluídos. (Basaglia, 1968, pp. 132)

Com Lacan, é em 1955, precisamente ao proferir uma notável conferência, em Viena, intitulada A coisa freudiana ou Sentido do retorno a Freud em psicanálise, que recupera as três grandes feridas narcísicas proferidas por Copérnico, Darwin e Freud. É nesse escrito, também, que Lacan reintroduz, no debate em torno do que se fez com a invenção freudiana, alguns elementos históricos que têm nas duas grandes guerras seu vórtice: “Sinal de alarme do ódio e tumulto da discórdia, sopro aterrador da guerra, foi em suas batidas que nos chegou a voz de Freud, enquanto víamos passar a diáspora que eram seus portadores e a quem a perseguição não visava por acaso” (Lacan, 1955/1998, p. 403).

Mais uma vez acompanhamos, em outra geração de analistas, a inclusão dos atravessamentos políticos de seu tempo, no debate em torno dos destinos da Psicanálise. Sobre a crítica que Lacan nos traz, cabe mais algum cuidado e atenção, já que, poucas linhas à frente, ele faz uma contundente articulação entre a conjuntura política e o destino dado à Psicanálise:

A conjuntura era forte demais, a oportunidade sedutora demais para que não se cedesse à tentação oferecida: abandonar os princípios para fazer repousar a função na diferença.... Como não deslizar daí para tornarem-se administradores de almas, num contexto social que lhes requer esse ofício? (Lacan, 1955/1998, pp. 103-4)

Lacan fazia menção, sobretudo, ao que ficou conhecido como triunvirato de New York, composto por Hartmann, Kris e Loeweinstein. Nesse momento, não nos interessa o conteúdo de sua crítica, mas sim a estrutura desta, ou seja, a relação que Lacan estabelece entre o fato desses psicanalistas estarem na posição de exilados, buscando, de alguma forma, negar qualquer filiação com uma disciplina criada por um judeu, em um solo - estadunidense - dominado pelo cientificismo que, a um só tempo, nega a história, e qualquer atravessamento coloque em questão sua política de dominação (Foucault, 1979).

É com vistas à melhor delimitação do campo analítico, logo dos rumos de sua pesquisa e da formação do psicanalista, que Lacan, em 1958, ao retomar a direção do tratamento, a partir do problema da redução da Psicanálise a um exercício de poder, afirma tratar-se da “falta-a-ser do sujeito como o cerne da experiência analítica”, cerne, este, alçado à dignidade de correspondência à política do psicanalista - política da falta-a-ser (Lacan, 1958/1998, p. 619).

Sobre esse ponto, Lacan afirma que há um excesso conferido à análise didática, logo, à suficiência atribuída àqueles que ora ocupam a função de analistas didatas. Tal suficiência está em estreita relação com a perspectiva, criticada por Lacan, que reduz a experiência analítica, logo, sua formação, a um nível individualizante. Ainda segundo Lacan, “É assim que a teoria traduz como a resistência é gerada na prática”, pela via de uma psicologização da primeira, capaz de reduzir a segunda a um exercício de ortopedia psicológica.

Importante assinalar que tal destino não está reduzido às relações estabelecidas no interior de instituições ligadas à IPA. Laurent, a exemplo disso, ao retomar a passagem de Lacan em que afirma que as próprias sociedades psicanalíticas funcionam como uma espécie de grupo de proteção contra o discurso psicanalítico, adverte que a AMP, “também teria a tendência de fazer a mesma coisa, a de ser uma reunião de pessoas que, atravessadas pelo discurso psicanalítico, já não são mais psicanalisantes” (Laurent, 2008, p. 54).

Considerações Finais

Findado o percurso por nós proposto, vale retomar a afirmação quanto ao inescapável corte realizado por Freud, ao trazer à tona o fato de que não somos - e nunca seremos - senhores e senhoras em nossos próprios lares, que comporta uma mensagem importante. Entretanto, gostaríamos de complexificar um pouco esse ponto, ou, talvez, sermos mais objetivos.

Na sociedade em que vivemos, assim como na de Freud, há, como meio de nos protegermos dessa total falta de controle, alguns nomes dados àquelas que dão a ver tal condição: bruxas, loucas, doentes mentais etc. Alguns regimes, também, precisam ser aqui nomeados, na medida em que trataram de justificar o afastamento daquilo que, supostamente, era desvio: nazismo, fascismo, racismo, antissemitismo, colonialismo etc.

Poder debater tais destinos, a partir da preocupação de autores como Freud, Lacan e Basaglia quanto à importância de não recuar diante das muitas faces de violência que a negação de nossa humanidade pode assumir, teve por intento fundamental advertir pesquisadores e pesquisadoras quanto ao risco da Psicanálise poder servir de veículo de violência.

Esperamos, no ato de recuperar isso que se tornou um grande jargão do meio analítico, quanto à ferida narcísica oriunda da Psicanálise, aproximar Freud de Basaglia e, desta forma, poder colocar em questão o que se nega, quando a doença mental vira exclusividade do louco, da mulher, do pobre.

Com o percurso realizado até aqui, entendemos ter demonstrado a fina relação que há entre a distância a que se pretende estar diante daquele que sofre, bem como daquele que busca a psicanálise, os psicanalistas e suas instituições para sua formação, com o lugar que almejamos, e os discursos com os quais coadunamos e reificamos em nossas práticas.

Se, quando Lacan adverte que a justificativa para a renúncia daqueles que não alcançaram o horizonte subjetivo de sua época, está no fato de que a psicanálise exige uma “longa ascese subjetiva, e que jamais será interrompida” (Lacan, 1953/1998, p. 322), esperamos ter podido apresentar, seja no curso de tratamento psicanalítico, seja na formação requerida e sustentada a partir da psicanálise, que não há cura que nos retire da condição de falta-a-ser.

Quando Lacan reflete sobre esse estar à altura de seu tempo, relacionando com a análise e a formação do analista, ele leva para o bojo das instituições de formação o risco da Psicanálise recair nesse limbo de pura violência e adequação social. É nesse sentido que indicamos, aqui, a importância da realização de mais trabalhos que se comprometam a refletir sobre a relação entre a direção do tratamento e, parafraseando Basaglia, os atos da vida institucional dos psicanalistas.

Sendo assim, afirmamos que uma direção a ser assumida está em plena articulação com o questionamento realizado por Freud em 1912/2017 e por Lacan em 1947/2001, qual seja: o quão irrisório é supor que alguém pôde ser curado tendo sua existência encerrada, seja em instituições psiquiátricas (e aqui incluímos o risco de as instituições psicanalíticas funcionarem como tais, assim como as Universidades), seja em uma sociedade silenciada, o bastante, ao ponto de não saber se estão vivos, mortos ou conectados.

A loucura, os trabalhadores e o campo da Saúde Mental, sobretudo aquele construído no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, têm nos ensinado muito sobre o que fazer frente às crises. Sejam aquelas forjadas em seu interior, como tão bem o fez Basaglia, sejam aquelas advindas de eventos maiores como as Guerras, Pandemias, Ditaduras, Golpes e afins.

O trunfo maior desse campo - desde o qual tanto Freud, quanto Lacan, partiram, sem, no entanto, deixar de tratá-lo dignamente - está, muito provavelmente, na responsabilidade de, ao invés de erigir muros frente ao mal-estar, fechando as portas para este, terem construído trincheiras, a fim de fazer valer a circulação, ainda que arriscada.

Não estaria aí o lugar para o psicanalista na pólis, a partir de sua política: fazer da Psicanálise e suas instituições, trincheiras, e não fortalezas? Visando, com isso, a um tratamento possível para o mal-estar, a segregação e a diferença?

Financiamento: A pesquisa relatada no manuscrito foi financiada pela bolsa de doutorado do primeiro autor CAPES No. Processo 33002010039D4.

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Recebido: 05 de Maio de 2023; Aceito: 16 de Julho de 2023

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