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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

 ISSN 1808-5687 ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.12 no.1 Rio de Janeiro jun. 2016

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20160008 

COMUNICAÇÕES BREVES

 

Habilidades sociais e depressão: um relato de caso

 

Social skills and depression: a case report

 

 

Mariana Fortunata DonadonI; Sabrina Kerr Bullamah CorreiaII; Cássia Cristina da Silva Almeida NunesIII; Êdela Aparecida NicolettiIV

IMestrado em Ciências Médicas FMRP USP - (Doutoranda FMRP USP) - Ribeirão Preto - SP - Brasil
IIMestre pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP, USP) - Coordenadora do Centro de Terapias Cognitivas de Ribeirão Preto - CTC VEDA RP
IIIMestre em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda - Coordenadora do Centro de Terapias Cognitivas de Ribeirão Preto - CTC VEDA RP
IVEspecialista em Terapia cognitiva pelo Centro de Terapias Cognitivas - CTC VEDA SP; Coordenadora geral do Centro de Terapias Cognitivas de São Paulo - CTC VEDA

Correspondência

 

 


RESUMO

Com base na literatura, verifica-se que indivíduos depressivos têm poucos recursos ou habilidades sociais para lidar satisfatoriamente com situações estressoras e/ou de vulnerabilidade, o que pode contribuir para o início e/ou manutenção dos sintomas depressivos. Dessa forma, objetiva-se descrever intervenções do treinamento de habilidades sociais (THS) aplicado em uma paciente com sintomas de depressão moderada em atendimento individual na abordagem cognitivo-comportamental (TCC). O presente relato de caso descreve o atendimento de uma paciente de 26 anos, submetida a 42 sessões de psicoterapia na modalidade individual. Na avaliação diagnóstica foram utilizados os critérios do DSM-5 e os inventários de Beck. O plano de tratamento envolveu técnicas cognitivo-comportamentais, como psicoeducação, reestruturação cognitiva e treino de habilidades sociais. Como resultados, observaram-se diminuição do humor depressivo e melhora no repertório de habilidades sociais. Tais fatores em conjunto colaboraram para um melhor funcionamento biopsicossocial da paciente e para o aumento da sua autoconfiança, apontando-se o impacto positivo do THS no tratamento de pacientes com depressão na TCC.

Palavras-chave: Terapia cognitiva; Habilidade social; Depressão.


ABSTRACT

Based on the literature, depressed individuals have few resources or social skills to successfully deal with stressful and/or vulnerability situations, which can contribute to trigger or maintain depressive symptoms. Thus, the aim here is to describe social skills training (SST) interventions applied to a female patient in individual care, using cognitive behavioral approach (CBT), with symptoms of mild depression. This case report describes the care of a 26 year-old patient that underwent 42 sessions of psychotherapy in individual mode. In the diagnostic assessment, we used the DSM-5 and the Beck inventories. The treatment plan involved cognitive behavioral techniques, such as psychoeducation, cognitive restructuring, and social skills training. As a result, it was observed a decrease in depressive mood and improvement in the repertoire of social skills. These factors combined contributed to a better biopsychosocial functioning of the patient and an increase in self-esteem, pointing to the positive impact of SSI in the treatment with CBT of patients with depression.

Keywords: Cognitive therapy; Social skills; Depression.


 

 

INTRODUÇÃO

A depressão envolve um estado afetivo de tristeza e pode ser caracterizada de diferentes formas. Como uma síndrome, apresenta alteração no humor, perda e/ou redução de interesse por atividades prazerosas, perda ou ganho de peso, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou perda de energia, sentimentos de culpa ou desvalia, capacidade de concentração reduzida e até mesmo ideias de morte e/ou suicídio. Pode ser descrita também em termos de sintomas, podendo ser decorrente de outros transtornos mentais (coocorrentes), bem como de situações estressoras e/ou adversas da vida. Por fim, é compreendida como uma doença mental, sendo classificada como depressão maior, distimia, entre outros (American Psychiatric Association [APA], 2013; Del Porto, 1999).

Segundo Beck e Haigh (2014), o modelo cognitivo genérico explica a organização dos distúrbios por meio de modos, sendo que, no modo depressivo, a negatividade assume papel crucial, explicando a depressão. Isso significa que indivíduos deprimidos, seletivamente, atentam-se mais para informações e/ou pistas negativas, ignorando, muitas vezes, as informações positivas, tornando-se mais sensíveis a memórias e feedbacks negativos, o que contribuiria, por sua vez, para moldar a percepção negativa de si mesmo, do mundo e do futuro ao longo do tempo.Tais vieses ou distorções no processamento da informação contribuem para a formação de crenças e esquemas depressogênicos que amplificam e/ ou agravam ainda mais o quadro (Beck & Bredemeier, 2016; Bennett-Levy et al., 2004; Scher, Segal, & Ingram, 2006).

Em relação à etiologia da depressão, a literatura aponta que ela se trata de um fenômeno complexo e multideterminado, podendo precipitar-se a partir de componentes genéticos (Charlesworth & Willis, 2009), ambientais (Husain, 2014), psicológicos (Segrin & Flora, 2000), pela vivência de situações estressoras (Dougher & Hackbert, 2003) ou pelo conjunto de tais fatores.

Em adição, outros autores apontam que pode haver uma associação entre a existência de déficits no repertório de habilidades sociais e o desenvolvimento da depressão (Segrin & Flora, 2000; Scher et al., 2006; Prado, 2012). Tais estudos mostram que indivíduos depressivos têm recursos ineficazes para lidar satisfatoriamente com situações estressoras e/ou de vulnerabilidade, o que pode contribuir para o início e/ou manutenção dos sintomas de humor depressivos.

Dessa forma, programas de treinamento de habilidades sociais terapêuticos têm como alvo o ensino ou a aquisição de habilidades sociais. Outro objetivo seria o aprimoramento de habilidades que o indivíduo já tem mas que não consegue utilizar nas situações sociais devido à influência de pensamentos, crenças ou até mesmo da sintomatologia depressiva (A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette, 1999; 2008; Prado, 2004).

Em adição, compreendem-se as habilidades sociais como componentes essenciais para a boa qualidade dos relacionamentos entre os indivíduos, podendo caracterizar-se como classes de comportamentos socialmente competentes ou não a depender do contexto social e/ou da situação específica em que ocorreram (Caballo, 2003). Existem diversas classes de habilidades sociais, a saber: a) habilidades assertivas (expressar opinião, discordar, lidar com críticas, expressar desagrado, lidar com a raiva); b) empáticas (colocar-se no lugar do outro); c) trabalho (capacidade de cooperação, liderança, falar em público); d) educativas (envolvidas no campo educacional ou em contexto de pais e filhos); e) comunicação (fazer e receber pedidos, dar feedback, manter ou encerrar conversação); f) civilidade (dizer por favor, obrigado, com licença); g) automonitoramento (leitura do ambiente e de adequação a ele) (A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette, 2001, 2008).

Sendo assim, os programas de treinamento de habilidades sociais visam incorporar tais classes de habilidades sociais ao repertório do paciente. Entre as diferentes técnicas que podem ser utilizadas para esse objetivo ressaltam-se: psicoeducação, modelação, experimentos comportamentais, role-play, e questionamento de pensamentos e crenças disfuncionais (A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette, 2001; Da Motta Vieira Figueredo, 2005).

Com base na literatura apresentada, verifica-se que indivíduos depressivos não têm recursos ou habilidades para lidar satisfatoriamente com situações estressoras e/ou de vulnerabilidade, o que contribui para o início e/ou a manutenção dos sintomas depressivos, e que o treinamento de habilidades sociais pode ser uma intervenção importante nesses casos (Campos, Del Prette, & Del Prette, 2014). Dessa forma, o presente estudo tem por objetivo descrever a aplicação de um protocolo de treinamento de habilidades sociais em uma paciente com depressão moderada.

 

DESENVOLVIMENTO

Relato do Caso

A paciente foi assegurada do sigilo profissional e assinou o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) em duas vias.

Ana Clara (nome fictício), de etnia caucasiana, solteira, 26 anos de idade, sem filhos, morava sozinha havia 10 anos e residia longe da família de origem. Formara-se jornalista havia três anos, porém não exercia sua profissão. Cursava duas especializações em sua área, sendo muito estudiosa e dedicada.

Procurou terapia queixando-se de sintomas de tristeza, desânimo, choro e falta de vontade para finalizar os cursos de pós-graduação. Os motivos principais de sua tristeza, segundo a paciente, relacionavam-se ao envolvimento em uma relação amorosa com um homem casado e às dificuldades em conseguir um trabalho no seu ramo de formação.

Ana Clara não se submeteu a nenhum tratamento psiquiátrico e/ou psicológico anteriormente ao início das sessões e não fazia uso de medicações.

Em relação à área familiar, relatava boa relação com a família (pais, mãe, irmão e cunhada), apesar de residir em uma cidade diferente da dos pais. Suas atividades de lazer e sociais ficavam restritas quando se sentia deprimida, além de não praticar atividade física nesses períodos. Quando se sentia melhor, frequentava a academia. Tinha poucos amigos na cidade, contribuindo para que desenvolvesse suas atividades de lazer e sociais, quando aconteciam, sozinha.

Na esfera profissional, apresentava bom rendimento acadêmico, porém procrastinava a elaboração da monografia de conclusão de curso, tendo abandonado, temporariamente, os estudos para concurso público. Além disso, não trabalhava devido à dificuldade em encontrar um emprego de que gostasse. Apresentava boa saúde física e mental, fazia exames regulares, não tinha doenças crônicas importantes ou histórico de uso ou abuso de substâncias.

Na área afetiva, relatou ter sido abandonada por seus parceiros nas relações amorosas desde a adolescência, não tendo a oportunidade de assumir um relacionamento. Seus relacionamentos anteriores não foram duradouros.Tanto nessa área como na social, relatava não saber fazer ou negar pedidos, além apresentar grande dificuldade em fazer cobranças, pois, em alguns momentos, era passiva e, em outros, agressiva com as pessoas.

Foi diagnosticada com transtorno depressivo maior leve de episódio recorrente (F33.1), segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5) (APA, 2013). Apresentou, pelo período de três meses: a) diminuição do interesse e prazer nas atividades na maior parte do dia; b) hipersonia quase todos os dias; c) retardo psicomotor quase todos os dias; d) fadiga e perda de energia quase todos os dias; e) sentimentos de inutilidade e/ou culpa; f) capacidade diminuída para se concentrar.

Formulação de caso

O envolvimento em uma relação amorosa extraconjugal e a apresentação de sintomas depressivos foram as principais queixas que levaram a paciente a buscar terapia.

Uma situação problemática típica envolvia a temática do relacionamento amoroso, quando apresentava os seguintes pensamentos automáticos disfuncionais: "ele nunca foi sincero comigo"; "fui usada"; "fui enganada, boba e ingênua"; "não conseguirei me desapegar e encontrar outra pessoa como parceiro".Tais pensamentos geravam angústia, tristeza e raiva, levando-a a apresentar uma série de comportamentos não funcionais, como ficar dependente da relação e ser passiva ou agressiva com o parceiro quando em acessos de fúria.

Nas situações envolvendo a finalização do trabalho de conclusão de curso da pós-graduação, pensava: "não vou dar conta", "não vai dar tempo", o que a deixava triste ou ansiosa e gerava o consequente comportamento de procrastinação, adiando o término do trabalho.

Quando em situações com familiares e amigos, frequentemente pensava que era abandonada por eles, o que a deixava triste. Nessas situações, seus comportamentos eram de romper as relações, evitar contato com as pessoas e ser passiva ou agressiva com elas.

O abandono por parte dos parceiros desde a adolescência, a dificuldade em estabelecer um relacionamento afetivo duradouro, viver longe dos pais e da família, ter poucos amigos e nunca ter trabalhado em sua área de formação contribuíram para a formação de crenças de desvalor, desamor e desamparo, como "não tenho valor", "não sou amada" e "sou negligenciada" e os seguintes pressupostos e regras: "se me mantenho em uma relação, então terei valor"; "se eu for brava com as pessoas, então elas não me negligenciam"; "se eu cobrar as pessoas, então não ficarei sozinha''; "é terrível ficar sozinha ou solteira"; "é preciso cobrar atenção das pessoas para ser amada". Ana Clara desenvolveu as estratégias compensatórias de dependência, passividade e agressividade para lidar com suas crenças disfuncionais.

Algumas situações eram gatilhos que ativavam suas crenças, como brigas constantes do relacionamento extraconjugal; dificuldades nos estudos; brigas com os familiares e amigos; passar por dificuldades financeiras; ter notícias de parceiro por meio das redes sociais; encontrar o parceiro em bares, restaurantes ou no shopping. Duas situações modificaram o curso de seu estado ao longo da terapia, agravando-o (descoberta da esposa do parceiro com quem mantinha o caso extraconjugal do relacionamento amoroso deles) e melhorando-o (término do relacionamento extraconjugal).

Plano de tratamento

A seguinte lista de dificuldades foi relatada pela paciente: a) Não ter interesse e prazer nas atividades diárias; b) Não impor limites nos relacionamentos amorosos e de amizades; c) Não saber se relacionar de forma saudável sem se tornar dependente; d) Não saber administrar o estresse e a raiva; e) Não sentir-se valorizada e amada nas relações afetivas; f) Não enfrentar o término do relacionamento; g) Desorganização com os estudos; h) Ter autoimagem negativa.

Os objetivos do tratamento para a fase inicial foram: a) Melhorar o humor e a disposição da paciente; b) Treinar habilidades assertivas direcionadas ao relacionamento amoroso, às amizades e à família; c) Reduzir a dependência nos relacionamentos; d) Aumentar as habilidades de comunicação nas relações sociais e amorosas; e) Manejar o estresse e a raiva; f) Resolver problemas (identificar ramo de estudo que a paciente gostaria de trabalhar); g) Melhorar a falta de motivação com a profissão; h) Melhorar a motivação e organização com os estudos. Na fase intermediária/final nortearam-se para: i) Melhorar a autoimagem negativa; j) Questionar as crenças disfuncionais; l) Conseguir terminar o relacionamento extraconjugal; m) Prevenir recaídas e manter ganhos da terapia.

Metodologia

Instrumentos

Como instrumentos de mensuração do humor foram utilizados: o Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), o Inventário de Depressão de Beck (BDI) e a Escala de Desesperança de Beck (BHS), propostos por Beck et al. (1997) e validados para o português por Cunha (2001).

Para a avaliação do repertório de habilidades sociais pré e pós-treinamento de habilidades sociais (THS) foi utilizado o Inventário de Habilidades Sociais (IHS), desenvolvido por Z. A. P. Del Prette e A. Del Prette (2001).

Foram estruturadas 10 sessões de THS, sendo as temáticas retiradas e adaptadas do Manual de treinamento de habilidades sociais, de Caballo (2003), da seguinte forma: a) Sessão 1:Psicoeducação sobre que é habilidade social; b) Sessão 2:Diferenciação dos três estilos de comportamentos (passividade, agressividade e assertividade); c) Sessão 3: Conhecendo os próprios direitos e pensamentos bloqueadores por meio de vídeos; d) Sessão 4: Habilidades empáticas por meio de discussão e vídeos; e) Sessão 5: Habilidades de automonitoramento (como perceber a hora certa de expressar-se ou não); f) Sessão 6: Habilidades comunicativas - como manter conversações, fazer pedidos, dar feedback; g) Sessão 7: Como negar pedidos; h) Sessão 8: Como expressar desagrado; i) Sessão 9: Como enfrentar críticas; j) Sessão 10: Como expressar opiniões pessoais.

Durante as 10 sessões de treinamento de habilidades, foram utilizadas diferentes técnicas, como: questionamento de pensamentos automáticos e crenças disfuncionais, análise de vantagens e desvantagens de executar ou não certos comportamentos, busca de evidências, custo e benefício, resolução de problemas, treino de exposição, role-play invertido, tarefas de casa com auto-observação e registro. As técnicas foram inseridas a cada sessão de maneira isolada e/ ou combinada, conforme a necessidade.

 

RESULTADOS

Foram realizadas 42 sessões de psicoterapia semanais com monitoramento do humor a cada sessão por meio da aplicação dos inventários Beck (BDI, BAI, BHS). Ao longo da terapia, estabeleceu-se uma boa relação terapêutica, sendo o tratamento facilitado pela disposição da paciente em mudar.

A partir desse treinamento, muitos progressos foram alcançados. A paciente passou a perceber sua passividade ou agressividade nas relações sociais e amorosas e o quanto sofria por ceder e/ou ser agressiva. Percebeu as consequências dos seus comportamentos passivo e agressivo, que eram o afastamento das pessoas e a forma de tratamento do seu parceiro amoroso, o que acaba por agravar sua depressão.

A melhora no repertório de habilidades sociais pode ser observada por meio da avaliação pré e pós com o IHS. Antes do THS, a paciente apresentou os seguintes escores: a) Enfrentamento e autoafirmação de risco (F1) = 35; b) Autoafirmação na expressão de sentimentos (F2) = 35; c) Conversação e desenvoltura social (F3) = 85; d) Autoexposição a situações novas (F4) = 15; e) Autocontrole da agressividade (F5) = 15 e um escore total final de 50.

Após o THS, foram observados os seguintes escores: a) Enfrentamento e autoafirmação de risco (F1) = 35; b) Autoafirmação na expressão de sentimentos (F2) = 40; c) Conversação e desenvoltura social (F3) = 97; d) Auto exposição a situações novas (F4) = 50; e) Autocontrole da agressividade (F5) = 60 e um escore total final de 60.

A pontuação pré e pós-teste citada ilustra um aumento na pontuação de todos os itens do IHS, com exceção do item enfrentamento e autoafirmação de risco. A paciente passou a cobrar, de forma assertiva, as pessoas, incluindo o parceiro, as amigas, os familiares, percebendo que às vezes era atendida e outras vezes não.Também começou a questionar mais o parceiro, a falar o que pensava, a exigir seus direitos ante as relações sociais, conseguindo obter respostas mais diretas das pessoas, o que pode ter contribuído para a autoafirmação de sentimentos e uma maior desenvoltura nas relações sociais em geral.

Além disso, passou a observar que havia momentos adequados e inadequados de conversar sobre assuntos importantes, passando a apresentar uma melhor leitura do ambiente. Passou a colocar-se no lugar das pessoas, evitando conflitos e comunicando sua preocupação nas relações sociais. Tais habilidades colaboraram para que conseguisse falar o que pensava de maneira assertiva, contendo a agressividade e/ou evitando ser excessivamente passiva nas relações. Outro ganho refere-se à diminuição do tom agressivo (ironia, tom de voz, reclamações constantes) que utilizava em muitos momentos com suas amigas, resultando na reconciliação com uma amiga com a qual anteriormente havia brigado.

Observou-se também a melhora no humor verificada por meio dos inventários Beck (BDI, BAI, BHS). Os escores obtidos mostraram-se cada vez mais baixos quando comparados àqueles apresentados no início do tratamento, mesmo diante de situações perturbadoras e/ou diante da demora para a resolução do impasse que vivenciava com seu parceiro amoroso. No meio do processo psicoterápico, os escores progressivamente diminuíram até zerar, indicando a estabilização do humor. A partir do momento em que os escores das escalas zeraram, estas não foram mais aplicadas em toda sessão, voltando-se a aplicá-las somente nas avaliações periódicas, as quais foram realizadas a cada 6 sessões e mantiveram-se zeradas. A Figura 1, a seguir, mostra o gráfico do humor da paciente.

 

 

É interessante pontuar que a paciente recusou o encaminhamento para avaliação psiquiátrica proposto pela psicóloga devido à resistência em ser medicada, optando por obter progressos apenas com a terapia de forma isolada. A terapeuta apenas concordou com essa decisão por verificar que a paciente não se encontrava em risco e respondeu à terapia.

Além do treino de habilidades sociais, o questionamento de crenças disfuncionais também colaborou para a flexibilização cognitiva e consequente melhora do humor. A paciente passou a apresentar crenças mais flexíveis e funcionais, como:"se cobro as pessoas, posso conseguir ou não o que quero, mas pelo menos tentei";"melhor ficar sozinha do que mal acompanhada"; "estou solteira por que me envolvi com pessoas erradas"; "as pessoas que gostam de nós nos dão atenção sem precisarmos cobrá-las".

Após o questionamento de crenças, a paciente apresentou um padrão de crenças mais funcionais e menos rígidas, contribuindo progressivamente para mudanças em seu repertório comportamental, incluindo não procrastinar o término da relação e a independência ante o parceiro.Tais modificações colaboraram para o aumento da percepção da paciente dos seus próprios recursos e da sua autoconfiança, culminando no término da relação extraconjugal que lhe causava bastantes prejuízos.

Com a melhora do humor e a reestruturação cognitiva, a paciente inseriu atividades prazerosas e novos desafios em sua rotina (frequentava a academia, saía para teatro, cinema e com as amigas, ministrava palestras em sua área de formação), aumentando, consequentemente, sua sensação de prazer e satisfação.

 

DISCUSSÃO

Com base nos resultados apresentados e mediante análise das intervenções, a paciente obteve ganhos terapêuticos importantes. Tais dados corroboram a literatura prévia, apontando que intervenções da abordagem da TCC e a associação destas com o THS são efetivas para a melhora do quadro depressivo (Campos, Del Prette, & Del Prette, 2014).

Um importante indicador do sucesso terapêutico relacionou-se à melhora do humor depressivo. Tais dados puderam ser observados na terapia cognitiva, pois, sendo baseada em evidências, foi possível mostrar objetivamente a melhora no estado de humor (Cardoso, 2011; Camargo & Andretta, 2013; Powell et al., 2008).

Além da estabilização do humor, a paciente passou a apresentar respostas mais habilidosas e menos agressivas ou passivas nas relações sociais, culminando, por exemplo, no término da relação extraconjugal e na reconciliação com uma amiga. Tais dados confirmam dados da literatura que apontam que indivíduos com sintomas depressivos podem ter déficits no repertório de habilidades (Dattilio, Kazantzis, Shinkfield, & Carr, 2011; Ross, Shochet, & Bellair, 2010; Snyder, Balderrama-Durbin, & Fissette, 2012), além de pensamentos e crenças disfuncionais (Prado 2012; Scher et al., 2006; Monzani da Rocha, de Matos Silvares, & Del Prette, 2012; Campos et al., 2014) que contribuem para a piora do humor depressivo. E também que tais déficits em habilidades sociais podem constituir um fator de vulnerabilidade para piora dos sintomas de depressão (Fernandes, Falcone, & Sardinha, 2012).

Ana Clara apresentava déficits de habilidades sociais que impactaram suas relações afetivas, conforme observou o estudo de Prado (2004) de que dificuldades nas relações sociais ou amorosas ocorrem quando um dos parceiros assume comportamentos disfuncionais agressivos ou passivos. O autor aponta que a agressividade pode ser vista tanto na forma física quanto na verbal (uso da voz e da ironia para se conseguir o que deseja), já a passividade acontece geralmente quando um dos parceiros assume uma postura submissa, não conseguindo expressar suas vontades, necessidades ou opiniões. No caso apresentado, a paciente oscilava entre esses dois comportamentos disfuncionais (agressividade e passividade) e beneficiou-se com o treino de assertividade aplicado em sua terapia. Ainda nessa linha, Sanders, Halford e Behrens (1999) verificaram associações importantes entre a presença de déficits de comunicação e brigas nas relações sociais e amorosas, apontando que déficits não somente em componentes verbais, mas também em não verbais (contato visual, expressões faciais de emoção, posturas corporais, contato físico), influenciam na qualidade dessas relações, o que corrobora a importância do treino de habilidades sociais que considera tais aspectos.

O histórico de vida da paciente contribuiu para a construção e ativação de uma série de crenças disfuncionais a respeito de não ser amada, ser rejeitada e não ter valor. Tal maneira de pensar contribuiu para o desenvolvimento de algumas estratégias, como a dependência das relações/amigos, a procrastinação (tanto em romper relações desfavoráveis como nos aspectos acadêmicos e profissionais) e comportamentos passivos e agressivos. Nesse sentido, a flexibilização cognitiva também auxiliou na mudança comportamental da paciente, bem como em uma mudança no quadro de humor depressivo, em concordância com o estudo de Camargo e Andretta (2013).

O fato de a paciente ter recorrido à terapia individual de forma isolada, recusando-se a seguir um tratamento psiquiátrico conjuntamente, pode ser uma das possíveis explicações para a terapia ter se estendido em mais de 40 sessões. Apesar de vários autores descreverem que não há diferenças nos resultados de tratamentos combinados (farmacoterapia e psicoterapia) e apenas psicoterapia (Segal, Vincent, & Levitt, 2002), outros consideram que o tratamento combinado tem melhores resultados (Khan, Faucett, Lichtenberg, Kirsch, & Brown, 2012).

Por fim, um grande aliado da terapia foi o fato de a paciente estar motivada a melhorar e ter apresentado um forte desejo de desvincular-se da relação extraconjugal. Além disso, a qualidade da aliança terapêutica contribuiu para uma boa adesão da paciente ao tratamento, culminando nos bons resultados da terapia.

Uma observação importante diz respeito à utilização de intervenções em habilidades sociais, as quais, mesmo sendo o foco principal do presente estudo de caso, não foram utilizadas como ferramentas isoladas no tratamento clínico. Outras intervenções, como a reestruturação cognitiva e a resolução de problemas, também foram importantes e contribuíram para a melhora do humor e as modificações cognitiva e comportamental.

Como limite do estudo, aponta-se o delineamento de estudo de caso, que impossibilita a generalização dos resultados. Por fim, intervenções sobre a prevenção de recaídas no transtorno depressivo deveriam ter sido mais sistematicamente aplicadas ao longo da terapia devido às múltiplas recaídas da paciente e não apenas nas sessões finais.

 

CONCLUSÃO

O processo de intervenção terapêutica do treinamento das habilidades sociais constituiu-se como um importante aliado em seu processo de aprimoramento ou aquisição de habilidades sociais. Contribuiu para a melhora do humor e a redução dos sintomas da depressão, resultando no término do envolvimento extraconjugal que era disfuncional para a paciente e no aumento do repertório de habilidades assertivas.

Vale ressaltar que o treino de habilidades sociais, embora muito efetivo no presente estudo de caso, não foi utilizado como ferramenta única de intervenção, visto que a reestruturação cognitiva e a resolução de problemas foram importantes ferramentas auxiliares no processo de melhora do humor da paciente.

Estudos futuros sobre essa temática são necessários, principalmente no que tange à utilização de delineamentos longitudinais, a fim de avaliar uma possível relação causal entre a presença de déficits em habilidades sociais e a depressão.

 

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Correspondência:
Centro de Terapia Cognitiva de Ribeirão Preto, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
Avenida dos Bandeirantes 3900
CEP 14048-900

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 08 de abril de 2016. cod. 422.
Artigo aceito em 26 de novembro de 2016.

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