Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
ISSN 1808-5687 ISSN 1982-3746
Rev. bras.ter. cogn. vol.12 no.1 Rio de Janeiro jun. 2016
https://doi.org/10.5935/1808-5687.20160009
ENTREVISTA
Intervenções auto-guiadas baseadas na internet: uma entrevista com o Dr. Thomas Berger
Rodrigo T. LopesI; Thomas BergerII
IDoutor em Psicologia Clínica, Universidade do Minho, Portugal - (Professor adjunto do Programa de Pós-graduação em Psicologia Universidade Católica de Petrópolis, RJ, Brasil) - AdHoc - MG - Brasil
IIDoutor em Psicologia Clínica, Universidade de Freiburg, Alemanha - (Professor adjunto do Departamento de Psicologia Clínica e Psicoterapia, Universidade de Berna, Suíça)
RESUMO
A internet constitui uma forma de comunicação humana cada vez mais indispensável e cotidiana. Há sólidas evidências mostrando a eficácia das intervenções síncronas e assíncronas via internet para diversos problemas psicológicos e de saúde, inclusive quando comparadas com intervenções face-a-face. Apesar de alguns esforços isolados, a pesquisa acerca das intervenções psicológicas a distância no Brasil encontra-se esparsa. Por outro lado, a mediação da internet por psicólogos já foi regulamentada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), que permite intervenções a distância limitadas, não só com finalidades experimentais. O professor doutor Thomas Berger, da Universidade de Berna na Suíça, se dedica à prática e ao estudo dos tratamentos mediados pela internet desde 2005 e tem desenvolvido várias intervenções psicológicas online, a maioria assíncrona. Nessa entrevista ele fala da eficácia dos tratamentos via internet, da relação terapêutica, da pesquisa sobre o tema e como os psicólogos europeus e suíços especificamente estão usando esse formato de atendimento psicológico.
Palavras-chave: terapia cognitivo-comportamental, terapia online, panorama, intervenção assíncrona baseada na internet.
Intervenções auto-guiadas baseadas na internet: uma entrevista com o Dr. Thomas Berger
A comunicação humana cada vez mais mediada pela tecnologia e afeta nossa vida diária. Não é de se admirar que a psicoterapia, como forma de relacionamento humano, também seja afetada pela tecnologia. Há um forte corpo de evidências que mostra a eficácia das intervenções psicológicas baseados em tecnologias de comunicação, como a internet, para problemas e distúrbios psicológicos e de saúde (eg., Cuijpers, Donker, van Straten, Li, & Andersson, 2010). A eficácia destas intervenções é comparável às intervenções face a face para os mesmos problemas. Embora a pesquisa sobre este tópico tenha sido realizada extensivamente em alguns países (Andersson, Hesser, Hummerdal, Bergman-Nordgren, & Carlbring, 2013; Berger et al., 2011; Berger & Andersson, 2013; Spek et al., 2007), a pesquisa no Brasil está em sua infância (Pieta & Gomes, 2014). Por outro lado, a utilização da internet por psicólogos encontra-se regulamentada através da resolução 011/2012 (Conselho Federal de Psicologia, 2012) e acredita-se que essa prática tem crescido exponencialmente (Pieta & Gomes, 2014). Aos psicólogos brasileiros é permitido o uso da internet como uma ferramenta para intervenção em contextos de pesquisa e em formatos de intervenção focados, breves e informativos.
O Dr. Thomas Berger, da Universidade de Berna, na Suíça, estuda o tema das intervenções baseadas na internet desde 2005. Ele foi recentemente reconhecido pela Sociedade para a Pesquisa em Psicoterapia com um prêmio pelas importantes contribuições feitas no campo da investigação em psicoterapia. Além de ter publicado vários artigos importantes sobre as intervenções baseadas na internet, o Dr. Berger desenvolveu e adaptou várias intervenções para o ambiente online. Ele é membro do conselho da Sociedade Européia de Intervenções na Internet (ESRII) e é membro do conselho editorial de revistas importantes neste domínio, como por exemplo, a Internet Interventions.
RL: Você pode nos contar um pouco sobre sua formação profissional? Você consegue se lembrar do que chamou sua atenção no formato baseado na internet da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)?
TB: Durante meu treinamento de psicoterapia em TCC, trabalhei como terapeuta em um estudo investigando a eficácia da TCC face a face para pacientes que sofriam de transtorno de ansiedade social. Especialmente durante a parte psicoeducacional deste tratamento, muitas vezes tive a impressão de que os pacientes não eram capazes de se concentrar inteiramente no conteúdo do que estava sendo dito durante a terapia. Devido à sua desordem, os pacientes estavam nervosos nesse ambiente face a face, concentrando-se em seu próprio comportamento, e não no conteúdo da sessão. Assim, eu pensei que poderia ser melhor realizar a parte educacional do tratamento de uma outra maneira. Isso foi em 2005 e, juntamente com Eleonore Hohl e Franz Caspar, começamos a desenvolver uma plataforma baseada na internet para tratar a fobia social. Esta plataforma incluiu uma parte de auto-ajuda composta de vários módulos auto-guiados com bastante material psicoeducacional e exercícios da TCC. Também incluiu um sistema de mensagem segura através do qual um terapeuta ajudava os pacientes enquanto eles faziam o seu caminho trabalhando através do plataforma. Este tipo de tratamento é denominado tratamento de auto-ajuda guiado e a maioria dos estudos no campo de tratamentos baseados na internet têm sido conduzidos com essa abordagem. Ficamos surpresos com os resultados promissores que recebemos em nossos estudos-piloto, de modo que decidimos prosseguir com esse trabalho e recebemos financiamento para pesquisa. Além disso, nós não éramos os únicos naquele tempo trabalhando nesse campo da pesquisa, porque um grupo sueco e um grupo australiano começaram até mesmo mais cedo. Em 2009, fui para a Suécia dedicar os meus estudos de pós-doutoramento em um dos principais grupos de investigação neste domínio (com o Dr. Gerhard Andersson, da Universidade de Linköping).
RL: Pode nos dizer que tipo de trabalho você faz no momento? Você tem pesquisado? Você também tem uma prática clínica online?
TB: Eu me definiria como pesquisador, mas as fronteiras entre pesquisa e prática não são claras. Essencialmente, minha equipe e eu estamos desenvolvendo programas de tratamento baseados na internet e depois fazendo estudos com diferentes questões de pesquisa. Por exemplo, estamos atualmente testando se o apoio dos próprios usuários através de um fórum online aumenta a eficácia de um tratamento auto-guiado baseado na internet; se tal tratamento também pode ser também fornecido através de um aplicativo de smartphone ou ainda como o tratamento baseado na internet pode ser combinado com a psicoterapia convencional face a face. Eu não tenho uma prática online, mas, claro, tratamos clientes com transtornos mentais diagnosticados em nossos estudos realizados na Universidade de Berna.
RL: No Brasil, temos diretrizes muito rígidas sobre em que situações as intervenções baseadas na internet podem ser usadas pelos psicólogos. Por exemplo, só é permitido em ambientes experimentais, em intervenções de curto prazo e focadas em problemas. Você pode nos contar um pouco sobre o ambiente suíço para as intervenções baseadas na internet? É permitido ao profissional psicólogo prestar o serviço de terapia cognitivo-comportamental auto-guiada no formato online (iTCC)? É algo que os clínicos realmente usam em sua prática diária? É normalmente bem aceito pelos clientes?
TB: Em geral e internacionalmente, as intervenções baseadas na internet ainda não estão bem implementadas em ambientes regulares de saúde, com algumas exceções, como a Suécia, Holanda ou Austrália. Assim, a iTCC tem sido fortemente pesquisada nos últimos anos, mas ainda não é disseminado em grande escala. Na Suíça, profissionais regulares são autorizados a oferecer tratamentos através da internet. No entanto, o iTCC não é pago pelos seguros de saúde suíços. Existem terapeutas que oferecem terapia baseada na internet para particulares, mas a situação é muito dispersa, de modo que é difícil manter uma visão geral. A questão sobre a aceitação de intervenções baseadas na internet por parte dos clientes não é fácil de responder porque deixamos os pacientes decidirem qual o formato que preferem. Em nossos estudos, incluímos somente participantes para os quais uma intervenção baseada na internet é pelo menos uma opção aceitável. Nós não sabemos muito sobre as preferências do paciente na Suíça, mas em um recente estudo sueco, os pacientes preferiram o tratamento da internet ao tratamento em grupo. Outra observação é que aceitação e preferências mudam durante o curso de um tratamento dependendo se o tratamento funciona ou não.
RL: Que tipo de intervenções baseadas na internet estão disponíveis hoje?
TB: Por um lado, existem abordagens em que a internet é usada para se comunicar com uma pessoa física do outro lado da conexão, como a terapia online via bate-papo, e-mail ou videoconferência. Por outro lado, existem intervenções que utilizam a internet para fornecer informações e programas auto-guiados interativos que não requerem qualquer contribuição de um clínico. Como mencionado acima, uma combinação destas duas possibilidades é muitas vezes observada: nos chamados programas de auto-ajuda guiada, a apresentação de um programa de auto-ajuda baseado na internet é combinada com um contato mínimo com o terapeuta regular (muitas vezes via e-mail). Além disso, durante os últimos anos, houve um crescente interesse em tratamentos que combinam tecnologias baseadas na web com a psicoterapia tradicional face a face. No entanto, a investigação sobre estas abordagens misturadas ainda é escassa.
RL: Tenho a impressão de que a maioria das intervenções baseadas na internet provêm da TCC. Esse é realmente o caso? Se sim, por que você acha que isso acontece? As intervenções da TCC são mais adequadas para serem "traduzidas" para ambientes online?
TB: De fato, a maioria das intervenções avaliadas neste campo baseiam-se na TCC. No entanto, tem havido estudos recentes mostrando que a psicodinâmica, o tratamento de fobia a afetos e a psicoterapia interpessoal funcionam bem para depressão e ansiedade. Também é importante notar que existem várias formas de TCC. Por exemplo, existem vários estudos sobre Terapia da Aceitação e Comprometimento (ACT) através da internet. A TCC pode ser especialmente adequada para ser conduzida através da internet por causa de sua abordagem diretiva com muitos elementos psicoeducacionais e trabalhos de casa, mas como mencionado acima, existem agora outras opções.
RL: Que transtornos ou problemas foram tratados com sucesso com a iTCC? Existem distúrbios mais adequados para serem tratados com este formato psicoterapêutico do que outros?
TB: Existem hoje estudos com resultados promissores para todos os transtornos mentais mais comuns, tais como ansiedade, humor, alimentação e distúrbios do sono. Mas há também tratamentos bem sucedidos para problemas de medicina comportamental como o zumbido (tinnitus), síndrome do intestino irritável ou dor crônica. Neste ponto, não há nenhuma resposta definitiva para a questão para que transtornos os tratamentos baseados na internet são especialmente adequados ou especialmente inadequados. Existem condições como o transtorno de ansiedade social para o qual mais de 22 ensaios controlados randomizados indicam bons resultados, comparáveis aos resultados obtidos com os tratamentos face a face. Há dois anos atrás, soluções baseadas na internet seriam avaliadas como inapropriadas para o transtorno de personalidade borderline ou outras condições psiquiátricas severas tais como a esquizofrenia e o transtorno bipolar. Atualmente, existem vários grupos que trabalham em intervenções baseadas na internet para essas populações de pacientes.
RL: Parece então que a intervenção baseada na internet atrai um interesse especial de clientes com problemas de ansiedade social.Por que é esse o caso? E não seria um paradoxo tratar um problema de interação social através de uma ambiente com alguns "traços antissociais"?
TB: De fato, o transtorno de ansiedade social é um dos transtornos mais pesquisados no campo dos tratamentos baseados na internet. Concordo que não é óbvio que as intervenções baseadas na internet funcionariam para pacientes com transtorno de ansiedade social.Verificou-se que as pessoas com fobia social utilizam a internet extensivamente, e poderia argumentar-se que estes tratamentos reforçam a sua evitação de contato com as pessoas. Por outro lado, os programas são baseados na TCC e incluem a exposição a situações da vida real. Em nossos estudos, encorajamos os usuários a testar a realidade explicitamente em situações da vida real que eles normalmente evitariam. Na nossa experiência é que muitas pessoas com ansiedade social conseguem procurar a exposição externa com a orientação de uma intervenção baseada na internet. Além disso, a segurança percebida de um ambiente familiar aos ansiosos sociais na frente do computador pode facilitar a fase de aprendizagem necessária na TCC.
RL: Há um perfil de cliente que se beneficiará mais de um tratamento se feito pela internet?
TB: Infelizmente, não há uma resposta clara a essa pergunta também. Até recentemente, a maioria dos estudos se concentraram em estabelecer a eficácia da iTCC e existem apenas alguns estudos sobre preditores e moderadores de resultados no momento presente. Além disso, os potenciais preditores de resultado geralmente não foram encontrados de forma consistente entre os estudos, mas essa inconsistência nos achados também é conhecida entre os pesquisadores em psicoterapias face a face. Existem vários estudos que mostram que as expectativas positivas dos pacientes estão associadas a um melhor resultado. Uma conclusão do nosso grupo é que a atividade online no programa de auto-ajuda no início do tratamento é preditiva do resultado. Assim, o monitoramento do comportamento online dos participantes pode ser importante e facilmente feito em abordagens online. No entanto, a literatura sobre preditores de resultados ainda é muito limitada para tirar conclusões firmes.
RL: Existem contra-indicações?
TB: Pacientes com tendências suicidas são geralmente excluídos do tratamento, uma vez que o terapeuta não tem meios para reagir adequadamente a distância.
RL: Há estudos comparando a eficácia das intervenções baseadas na internet com as intervenções face a face?
TB: Sim, de fato, uma recente revisão sistemática e metanálise identificou 13 estudos que comparam diretamente a iTCC auto-guiada com o tratamento presencial, e há mais estudos quando se incluem outros formatos de tratamento baseados na internet além da iTCC auto-guiada. Os estudos são sobre o transtorno de ansiedade social, transtorno do pânico, depressão, fobia específica, insatisfação corporal, zumbido ou disfunção sexual.
RL: E a qual conclusão esses estudos chegam?
TB: A metanálise, e também outros estudos, indicam claramente que a iTCC e os tratamentos face a face produzem efeitos globais equivalentes. No entanto, o número de comparações diretas ainda é pequeno e existem muitos transtornos para as quais a iTCC ainda não foi comparada com o tratamento presencial.
RL: Os clínicos que assistem clientes através da internet muitas vezes relatam que a maioria das pessoas que procuram tratamentos online, dada a escolha, preferirá usar mensagens de texto do que usar voz ou imagem em tempo real. Você também vê isso em sua prática?
TB: Em um dos nossos estudos recentes, os participantes foram capazes de escolher entre o contato regular por e-mail ou contato semanal por chamadas telefônicas com seus terapeutas. Apenas 2 dos 27 participantes escolheram os telefonemas.
RL: Você tem uma explicação para isso?
TB: Alguns dos participantes indicaram razões de tempo para não escolher a opção de telefonema, uma vez que chamadas telefônicas precisam ser agendadas e e-mails podem ser lidos e escritos a qualquer momento. Outros disseram que o feedback por escrito satisfazia todas as necessidades. Lembro-me de um participante nos dizer que ele manteve a participação secreta de seus familiares e um contato telefônico semanal sem informar a família teria sido um problema. Assim, a maior conveniência da comunicação assíncrona baseada em texto parece ser importante.
RL: É bem demonstrado na literatura da pesquisa em psicoterapia a forte correlação entre a qualidade da aliança terapêutica a o resultado clínico. Existe uma diferença na forma como a aliança terapêutica acontece em tratamentos baseados na internet e como você acha que isso pode afetar os resultados?
TB: Nós não sabemos muito sobre as diferenças qualitativas entre a aliança terapêutica estabelecidas nos tratamentos baseados na internet comparados com os tratamentos convencionais face a face. No entanto, já existe bastante pesquisa quantitativa mostrando que as classificações de alianças de clientes são bastante altas em tratamentos baseados na internet, comparáveis às classificações da aliança em tratamentos face a face. Ou seja, os clientes tendem a confiar e apreciar seus terapeutas online. Provavelmente, este não é um fato tão surpreendente se considerarmos quantas pessoas encontram seus parceiros íntimos e constroem todos os tipos de relacionamentos através da internet hoje em dia. No entanto, ainda não é muito claro se a aliança faz tanta diferença para o resultado final. Há estudos que encontram uma associação entre a aliança e o resultado, e outros que não o fazem. Nossos próprios resultados indicam que há diferenças entre diferentes clientes em quão importante a aliança é para o resultado.
RL: Quais são as áreas que ainda faltam pesquisar nesse momento?
TB: Dado que a eficácia dos tratamentos baseados na internet tem sido demonstrada repetidamente, a investigação está agora a enfrentar novos desafios. Algumas das questões são para quem e como as intervenções baseadas na internet funcionam melhor, como essas intervenções devem e podem ser implementadas na prática regular e como elas devem complementar e ser combinadas com tratamentos presenciais. Atualmente, há muita discussão sobre os tratamentos misturados, a combinação de intervenções online e presenciais. No entanto, quase não existem estudos sobre esta questão, com algumas exceções notáveis (ver www.ecompared.eu). Outras questões são o papel que o contato terapeuta desempenha nas intervenções baseadas na internet, se os tratamentos administrados por smartphones podem adicionar algo às abordagens existentes, como a adesão ao tratamento pode ser melhorada, especialmente as intervenções de auto-ajuda não guiadas e, finalmente, se os tratamentos baseados na internet também funcionam para outros grupos como crianças ou idosos.
RL: Como você visualiza o impacto da internet na prática clínica do terapeuta comum?
TB: Acredito que será bastante normal para os terapeutas fornecer alguns elementos do tratamento online. A disseminação de tratamentos misturados, onde vemos nossos pacientes em nossa prática, mas também têm tratamento e comunicação pela internet, é um cenário bastante realista para o futuro próximo.
REFERÊNCIAS
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 04 de maio de 2016. cod. 426.
Artigo aceito em 26 de novembro de 2016.