INTRODUÇÃO
Em janeiro de 2020 foi declarado um estado de emergência global em saúde em virtude de uma nova doença infecciosa causada pelo SARS-CoV-2, a COVID-19 (WHO, 2020). A doença, que possui alta capacidade de propagação, acabou se tornando uma pandemia. Como forma de evitar o contágio e reduzir a propagação do vírus, diversos países adotaram o distanciamento físico (Wu et al., 2020), que acarretou impactos negativos nas relações sociais. Nesse contexto, vários setores da sociedade, entre eles as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI), precisaram se adaptar às medidas de segurança, reformulando suas rotinas.
No Brasil, o Ministério da Saúde publicou uma Nota Técnica com orientações para as ILPI a fim de evitar o contágio da COVID-19 (Brasil, 2021). As recomendações consistiram, por exemplo, em: restrição de profissionais e voluntários que prestam serviços periódicos e da circulação em áreas comuns; suspensão do acesso de visitantes com diagnóstico para COVID-19, febre ou sintomas respiratórios; e fornecimento de orientações de higiene e segurança para os residentes (Brasil, 2021).
Seguir essas recomendações é indispensável, pois, em pessoas com 60 anos ou mais, observa-se uma maior probabilidade de agravamento da COVID-19 e maior taxa de mortalidade (Liu et al., 2020). Entre idosos, os institucionalizados possuem ainda mais vulnerabilidade, já que apresentam maior propensão para desenvolver comorbidades e estão em constante convivência grupal em ambientes fechados (Brasil, 2021).
Apesar de fundamentais, essas recomendações podem, aliadas ao medo da doença, à ausência de tratamentos preventivos e a outros problemas socioeconômicos (insegurança alimentar etc.), constituir riscos e agravos em saúde mental. O distanciamento físico, requerido para a prevenção da COVID-19, pode acarretar isolamento social, que, por sua vez, tende a aumentar a solidão e os sintomas depressivos, que comumente estão associados a outros problemas de saúde (Oliveira et al., 2021), como transtornos de ansiedade, declínio cognitivo e mortalidade (Gorenko et al., 2021).
Intervenções que visam reduzir, por exemplo, isolamento social, solidão e sintomatologia depressiva experimentados por idosos durante a pandemia também precisam respeitar essas recomendações de distanciamento físico. Tem-se, portanto, um círculo vicioso. Assim, utilizar recursos remotos, por meio de terapia autoguiada, intervenções administradas por telefone ou videochamada, tornam-se opções viáveis para a prestação de serviços gerontológicos (Gorenko et al., 2021), incluindo psicoterapia no contexto atual.
A prestação de serviços psicológicos por meio de tecnologias da informação e comunicação (TIC), isto é, telepsicologia, é relativamente recente, sobretudo com idosos. No Brasil, a regularização do uso das TIC para mediar a atuação profissional em Psicologia ocorreu com a Resolução CFP nº 11/2012 (CPF, 2012). Com o passar do tempo e os estudos sobre a eficácia e utilidade do uso de recursos digitais na área (p. ex., Pieta & Gomes, 2014), o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou outras resoluções: Resolução CFP, nº 11/2018 e nº 04/2020. Esta está em vigor atualmente e dispõe sobre a regulamentação de serviços psicológicos prestados por meio de TIC, com tópicos específicos para a atuação durante a pandemia de COVID-19.
A despeito da urgência na prestação desses serviços em virtude da pandemia, é mister contar com evidências empíricas de sua eficácia e efetividade. A produção científica acumulada nos últimos anos demonstra que, sobretudo quando a abordagem é cognitivo-comportamental, a psicoterapia mediada pela internet é eficaz e efetiva e há similaridade entre a relação terapêutica online e a presencial (Pieta & Gomes, 2014).
Com idosos, tem predominado o uso de estratégias auto-administradas, contato por e-mail ou telefone, e não psicoterapia contínua de forma remota (Fischl et al., 2017; Tomasino et al., 2017). O objetivo das intervenções tende a ser o aumento da participação social (Fischl et al., 2017) e do bem-estar (Proyer et al., 2014), bem como a diminuição de sintomas depressivos (Proyer et al., 2014; Tomasino et al., 2017). Especificamente com idosos institucionalizados, investigações sobre intervenções psicológicas mediadas por TIC são ainda mais raras. Uma exceção é o estudo de Ying et al. (2021), com idosos chineses residentes em ILPI, que passaram por uma intervenção em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) mediada por internet. Gorenko et al. (2021) também trazem contribuições sobre o tema, apresentando uma análise sobre esse tipo de prática profissional.
Tendo em vista (1) os efeitos dos protocolos de prevenção da COVID-19 na saúde mental de idosos institucionalizados, (2) a carência de estudos sobre intervenções mediadas pela internet com esse grupo e (3) os resultados positivos obtidos em pesquisas sobre intervenções remotas com enfoque cognitivo-comportamental (Pieta & Gomes, 2014) e em Psicologia Positiva com idosos (Proyer et al., 2014), este relato descreve uma experiência de intervenção online com residentes de ILPI. As bases teóricas da prática foram, evidentemente, a TCC e a Psicologia Positiva.
A Experiência
A experiência descrita aborda uma intervenção online realizada em grupo com idosos residentes de uma ILPI, nomeada neste artigo como “Instituição”. A intervenção ocorreu nos meses de outubro a dezembro de 2020 e era parte de uma parceria entre a Instituição e a Universidade ... e a Universidade [Omissões para manter avaliação duplo cega.].
Após funcionários observarem efeitos negativos da pandemia de COVID-19 nos “comportamentos e humor” dos residentes, a Instituição estabeleceu parceria com serviços de psicologia das universidades, que planejaram e implantaram a extensão aqui relatada.
Todos os 25 idosos da Instituição foram convidados a participar. Os que concordaram passaram por um rastreio (ver a seção Os Rastreios) do estado psicológico geral. Com base nos resultados, eles foram divididos em uma de três intervenções remotas: (1) psicoterapia individual; (2) oficinas de estimulação cognitiva; ou (3) oficinas de psicologia positiva com enfoque cognitivo-comportamental (OPPCC). Este artigo relata a experiência da OPPCC.
A Instituição
Como é bastante comum no Brasil (ver Camarano, 2020), trata-se de uma ILPI privada sem fins lucrativos, com atividades que atendem ao interesse público, ou seja, uma organização da sociedade civil. Assim, é mantida tanto com recursos públicos (convênios, emendas parlamentares etc.) quanto com doações e trabalho voluntário.
O espaço físico abrange as “casas” dos idosos, refeitório, capela, áreas ao ar livre, enfermaria e bazar, onde os materiais confeccionados pelos residentes são expostos e comercializados. A Instituição oferta uma variedade de atividades para os idosos, incluindo, por exemplo, atividade física, artes (p. ex., pintura), jogos, filmes e atividade religiosa. Em virtude da pandemia de COVID-19, algumas delas, sobretudo as conduzidas por voluntários, foram suspensas.
Os residentes da Instituição possuem mais autonomia que a comumente observada em pessoas que residem em outras ILPI.Antes da pandemia, frequentavam a unidade básica saúde e, quando necessário, o Centro de Atenção Psicossocial, gerenciavam a própria vida financeira, dirigindo-se, por exemplo, aos bancos, e recebiam visitas em suas “casas”. Com a pandemia de COVID-19, o cotidiano dos residentes mudou substancialmente, pois, para respeitar a Nota Técnica do Ministério da Saúde com orientações para as ILPI prevenirem o contágio pelo SARS-CoV-2 (Brasil, 2021), as atividades externas foram interrompidas e as internas diminuídas drasticamente, reduzindo a autonomia e as interações sociais.
As Idosas
A Tabela 1 resume algumas características demográficas, de saúde e institucionalização das cinco idosas atendidas nas OPPCC. Além de interesse, elas deveriam ter disponibilidade para serem atendidas no dia e horário disponíveis, cognição preservada e acuidade auditiva e visual suficientes para videochamadas. Também foi priorizado o atendimento de quem tivesse um diagnóstico prévio de depressão.
Idosa | Idade | Escolaridade | Doenças | Tempo na Instituição |
---|---|---|---|---|
S1 | 69 | Ensino Superior | Depressão, Ansiedade, Hipertensão, Diabetes Mellitus, Incontinência urinária | 1 ano |
S2 | 79 | Ensino Médio (Curso técnico) | Depressão, Hipertensão, Cardiopatia, Hipotireoidismo | 9 anos |
S3 | 84 | Ensino Fundamental | Depressão, Dorsalgia Crônica, Osteoporose, Constipação Intestinal, Hipotireoidismo | >20 anos |
S4 | 77 | Ensino Fundamental | Depressão, Hipertensão, Osteopenia, Artrose, Deformidade na coluna, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, Catarata | >10 anos |
S5 | 80 | Ensino Médio | Depressão, Ansiedade, Hipertensão, Diabetes, Osteopenia, Insônia | 2 anos |
Para que as participantes pudessem interagir melhor com a equipe de psicologia por meio da tela de um notebook, propôs-se que os grupos deveriam ter três participantes no máximo. Assim, foram constituídos, aleatoriamente, dois grupos (G1 e G2) com três integrantes cada. A proposta foi enviada para uma funcionária da Instituição, que fez uma sugestão de alteração nas participantes, a fim de que G1 e G2 contassem com idosas com mais afinidade.A esse respeito, Freitas (2019) afirma que idosos institucionalizados integrantes de um grupo já têm uma relação construída e estarão juntos não só no momento da intervenção, mas em todos os outros. Como uma das residentes que comporia o G2 foi hospitalizada pouco antes do início das atividades, ele contou com a participação de apenas duas idosas (S4 e S5).
Os Rastreios
As idosas passaram, incialmente, por um rastreio (cognição, sintomatologia depressiva, bem-estar psicológico etc.), também realizado por videochamada, porém individualmente. A principal dificuldade foi a baixa qualidade da internet utilizada pela Instituição.As chamadas apresentavam falhas de conexão, sendo necessário, em diversos momentos, repetir as perguntas para que fossem compreendidas. Ademais, percebeu-se a falta de familiaridade das idosas com aparelhos eletrônicos, como notebook, e videochamadas. Nesses casos, o auxílio de uma funcionária da Instituição foi fundamental. Esses e outros problemas foram analisados por Gorenko et al. (2021) e constituem barreiras à implementação de atividades remotas em ILPI. Apesar disso, as idosas conseguiram se adaptar e o rastreio foi realizado de modo bem-sucedido. Isso fica evidenciado, por exemplo, no tempo médio utilizado para esse procedimento: cerca de 40 minutos no rastreio e de 30 após a finalização das OPPCC.
Utilizaram-se, no rastreio das condições psicológicas dos idosos institucionalizados, cinco instrumentos: Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) (Brucki et al., 2003), Escala de Satisfação com a Vida (ESV) (Alburquerque et al., 2010), Escala de Afetos Positivos e Negativos (Gouveia et al., 2019), Escala de Depressão Geriátrica (GDS-15) (Almeida et al., 1999) e versão brasileira da Philadelphia Geriatric Center Morale Scale (PGCMS-Br) (Freitas et al., 2016). Para participação nas OPPCC foram selecionados aqueles com cognição preservada (MEEM), níveis médio ou baixo de satisfação com a vida (ESV) e bem-estar psicológico (PGCMS-Br) e rastreio para depressão (GDS-15). Ressalta-se que esses instrumentos foram reaplicados uma semana após as OPPCC somente nas cinco idosas.
As Oficinas
As OPPCC ocorreram no turno da tarde em uma sala privativa da área administrativa da própria Instituição. Essa permitiu melhor acesso à internet e dispunha de mesa com notebook e cadeiras, itens fundamentais para a realização da intervenção. Há que se esclarecer, porém, que a ILPI não possuía computadores e outras TIC que pudessem ser utilizados pelos residentes, sendo necessário recorrer a equipamentos emprestados por uma das universidades parceiras. Ademais, a baixa qualidade do serviço de internet adiou por dois meses o início das atividades.
Como mencionado, as OPPCC foram baseadas na TCC e na Psicologia Positiva, especificamente nas forças de caráter (FC). A TCC é uma abordagem que (1) enfatiza a colaboração e a participação ativa de terapeuta e cliente, (2) é atenta ao tempo, o que significa que os clientes iniciam o tratamento com a perspectiva que ele acabará, (3) é educativa e, portanto, a psicoeducação é um recurso bastante utilizado, e (4) enfatiza o positivo, uma vez que estudos atuais evidenciam a importância da emoção e cognição positivas em diversos tratamentos (Beck, 2022). As sessões são estruturadas e os planos de ação – elementos que permitem a ligação entre o encontro anterior e o seguinte – constituem recursos importantes de serem incluídos em cada sessão (Beck, 2022).
O modelo teórico da TCC é modelo cognitivo. Ele propõe, em linhas gerais, que o pensamento distorcido (que influencia o humor e o comportamento) é comum a todos os transtornos psicológicos (Beck, 2022). Assim, ainda que indiretamente, as idosas participantes das OPPCC foram constantemente incentivadas a identificar e relatar o que pensavam sobre determinada força, por exemplo, e a analisar seu pensamento de forma mais realista e adaptativa. Entende-se que por meio dessa estratégia experimenta-se um decréscimo na emoção negativa e no comportamento mal adaptativo (Beck, 2022).
Já a Psicologia Positiva propõe ampliar o foco das investigações científicas e intervenções psicológicas, que têm dedicado pouca atenção aos aspectos positivos da vida. Este movimento propõe que emoções positivas, bem-estar e virtudes também sejam focos de intervenções e pesquisas psicológicas, e não apenas o alívio do sofrimento (Seligman et al., 2005). Ademais, salienta a importância da promoção de saúde mental e não só a remediação (Seligman et al., 2005).
As FC constituem um dos conceitos chaves da Psicologia Positiva, são traços de personalidade que refletem a identidade pessoal e, quando utilizadas, geram consequências positivas para si (p. ex., aumento do bem-estar) e para outros, contribuindo para o bem coletivo (Niemiec, 2017). Considera-se a existência de 24 FC (Niemiec, 2017), sendo que, nesta experiência, foram enfocadas as seis que apresentam mais correlações positivas com satisfação com a vida e bem-estar psicológico e correlações negativas com sintomatologia depressiva em idosos brasileiros (Omissão para manter avaliação duplo cega): Amor, Curiosidade, Esperança, Gratidão, Perdão e Vitalidade.
Cada encontro, exceto o primeiro e o último, enfocou uma dessas FC e todos apresentaram uma estrutura previamente definida (Tabela 2). A intervenção contou com oito sessões de 60 minutos cada, que ocorreram duas vezes por semana. Esclarece-se que as OPPCC ocorreram em dias e horários previamente acordados com a Instituição, a fim de não atrapalhar as atividades e que algum funcionário estivesse disponível para, se preciso, ajudar nos aspectos técnicos, como acessar o link, ajustar a câmera do notebook de modo que as idosas visualizassem a equipe e as terapeutas enxergassem de forma satisfatória as participantes.
Encontro | Descrição |
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1º | Apresentação das participantes e da equipe → Verificação de expectativas com relação à OPPCC → Realização de contrato com o grupo → Psicoeducação sobre Psicologia Positiva: exploração e aprofundamento → Estabelecimento de metas (p. ex., uma ou duas) → Esclarecimento de dúvidas → Fechamento/ Devolutiva → Plano de ação: Escala de Forças de Caráter (Noronha & Barbosa, 2016). |
2º Esperança | Revisão do plano de ação → Retomada do contrato e enquadramento → Psicoeducação sobre Esperança: exploração e aprofundamento → Retomada das metas estabelecidas no encontro 1 → Fechamento/ Devolutiva → Plano de ação: Melhor eu possível. |
3º Vitalidade | Revisão do plano de ação → Psicoeducação sobre Vitalidade: exploração e aprofundamento → Retomada das metas estabelecidas no encontro 1 → Fechamento/ Devolutiva → Plano de ação: O que te mantém “viva” e animada? |
4º Curiosidade | Revisão do plano de ação → Revisão das forças já trabalhadas e sua importância → Uso de pistas para abordar a força alvo do encontro, sem nomeá-la → Psicoeducação sobre Curiosidade: exploração e aprofundamento → Questionamento sobre músicas que gostam → Retomada das metas estabelecidas no encontro 1 → Fechamento/ Devolutiva → Plano de ação: Identifique algo que você gosta de fazer e procure novas formas de fazê-lo. Ou converse com alguém que saiba algum assunto ou atividade de seu interesse. |
5º Amor | Revisão do plano de ação → Música → Psicoeducação sobre Amor: exploração e aprofundamento → Retomada das metas estabelecidas no encontro 1 → Fechamento/ Devolutiva → Plano de ação: Expresse seu amor, por exemplo, por meio de gestos físicos (abraços, beijos etc.) ou por mensagens (e-mail, carta, WhatsApp etc.). |
6º Perdão | Revisão do Plano de ação → Psicoeducação sobre Perdão: exploração e aprofundamento → Retomada das metas estabelecidas no encontro 1 → Fechamento/ Devolutiva → Plano de ação: Peça perdão ou desculpa para alguém. |
7º Gratidão | Revisão do Plano de ação → Música → Psicoeducação sobre Gratidão: exploração e aprofundamento → Retomada das metas estabelecidas no encontro 1 → Fechamento/ Devolutiva → Plano de ação: Entrega da carta de gratidão. |
8º | Revisão do plano de ação → Fechamento das OPPCC → Avaliação qualitativa das OPPCC → Devolutiva sobre o grupo e individualizada, com as principais FC de cada. |
No primeiro encontro, foi feito o enquadre, incluindo a apresentação das participantes e da equipe, que foi composta por uma terapeuta (psicóloga com formação em TCC), uma coterapeuta (psicóloga) e uma observadora (estudante de graduação em psicologia), e o contrato com o grupo, isto é, explicação sobre a frequência com que o grupo ocorreria e o horário dos encontros. Em seguida, as expectativas quanto à OPPCC foram abordadas.
No enquadre, ainda foi reforçada a importância do sigilo sobre o que é partilhado no grupo e do respeito com as demais participantes. Reitera-se que quando intervenções são realizadas em ILPI, o sigilo e o respeito devem ser enfatizados, pois os idosos continuarão convivendo e interagindo entre si e com outros residentes após os encontros (Freitas, 2019).
Depois da realização do enquadre e mapeamento das expectativas, procedeu-se à psicoeducação sobre Psicologia Positiva. Para abordar esse tema, foram feitas perguntas às idosas a fim de conhecer suas crenças [para a TCC, as cognições, tanto adaptativas quanto desadaptativas, ocorrem em três níveis: pensamentos automáticos, crenças intermediárias e crenças centrais (Beck, 2022)] e experiências com serviços psicológicos. Questionou-se, por exemplo, o que faz um psicólogo e se já fizeram terapia. Como todas as participantes já haviam vivenciado um processo psicoterapêutico, foi feito um aprofundamento desse tópico, indagando sobre o motivo que as fizeram buscar por esse profissional e como se sentiram com a terapia. A partir disso, deu-se início à psicoeducação, propriamente dita, sobre a Psicologia Positiva. As idosas foram estimuladas a identificar e nomear suas forças e qualidades positivas. Como elas já se conheciam, observou-se, sobretudo no G1, que, ao não conseguir nomear qualidades pessoais positivas, as outras participantes tendiam a mencionar.
Seguindo, foi proposto que estabelecessem uma ou duas metas individuais para a OPPCC, uma vez que a proposição de objetivos é um aspecto importante para o tratamento nessa abordagem. A terapeuta e coterapeuta ajudaram na operacionalização dessas metas e estimularam as participantes a refletirem sobre como cada FC enfocada poderia contribuir para atingi-las.
Após, foram esclarecidas eventuais dúvidas e realizada uma devolutiva sobre a participação das idosas no grupo, o conteúdo abordado etc. Estes procedimentos foram adotados no final de todos os encontros. Por fim, o plano de ação acordado com as participantes foi o preenchimento da Escala de Forças de Caráter (EFC) (Noronha & Barbosa, 2016). Ela foi entregue em formato impresso, para ser preenchida até o encontro seguinte. A escolha por essa forma de preenchimento foi feita considerando a escolaridade e, para prevenir eventuais dificuldades visuais, a impressão foi realizada com fonte aumentada.
O segundo encontro iniciou-se com a revisão do plano de ação. Nesse momento, constatou-se que algumas participantes (S1, S3, S4 e S5) não conseguiram preencher toda a EFC. Dessa forma, ficou acordado que, durante a semana, seriam agendados dia e horário para que algum membro da equipe de psicologia auxiliasse no preenchimento. Devido à falta de familiaridade das idosas com TIC (p. ex., scanner e e-mail) e ao sigilo, foi necessário que um integrante da equipe responsável pelas OPPCC retirasse as Escalas preenchidas na portaria da ILPI, postergando o uso da informação coletada para a última sessão.
Feita a revisão do plano de ação e a retomada do enquadre com o grupo, isto é, importância do sigilo, do respeito, de falar uma participante por vez (aspecto ainda mais necessário em intervenções mediadas pela internet), deu-se início ao trabalho psicoterapêutico com a FC alvo do segundo encontro: Esperança. Inicialmente foi apresentada a frase “Seja positivo, mesmo quando os outros não são”. Este momento teve como objetivo refletir sobre esta FC e o quanto elas se consideravam pessoas esperançosas. Com este procedimento, foi possível conhecer as crenças das participantes e trabalhar as distorções cognitivas. Esclarece-se que o conceito de distorções do pensamento foi abordado brevemente, em diversas sessões, após relatarem suas cognições sobre os temas pedidos. Também foi ensinado e reforçado o uso da técnica de exame de evidências do pensamento.
Em seguida, pediu-se às idosas que dessem exemplos da presença de Esperança em suas vidas. Uma frase disparadora dessa reflexão é “Uma porta se fecha, outra porta se abre”. Por meio dessa afirmação, pede-se às pessoas que se recordem de momentos em sua vida, em que um acontecimento negativo gerou consequências imprevistas positivas (Peterson, 2006).
A atividade seguinte contemplou a articulação entre as metas estabelecidas no primeiro encontro e a Esperança, sendo as idosas questionadas sobre como essa FC poderia contribuir para o alcance de suas metas. Sempre que preciso, as terapeutas recordavam as participantes do que haviam estabelecido como metas e estimulavam o registro escrito. Ressalta-se que essa estratégia foi utilizada em todos os encontros seguintes.
Aproximando-se do fim da sessão, foi feito o fechamento e dada uma devolutiva às participantes sobre suas contribuições e participação no dia. Como plano de ação, foi pedido que imaginassem e escrevessem sobre o “melhor eu possível”, considerando a vida pessoal, as amizades, a família e outras áreas importantes da vida. Nesse encontro, as participantes receberam cadernos, pastas, canetas etc. para registrar os planos de ação e fazer anotações sobre as discussões realizadas nas OPPCC.
O terceiro encontro começou com a revisão do plano de ação. Em seguida, a fim de explorar as crenças a respeito da Vitalidade, FC alvo da sessão, questionou-se quais pessoas (p. ex., familiares, amigos, “pessoas famosas”) as participantes consideravam modelos de vitalidade. Todas identificaram pelo menos um modelo e justificaram o porquê de suas escolhas por meio de características dessas pessoas. A partir disso, foi possível indagar sobre quais dos atributos identificados nos modelos as participantes também consideravam ter ou já terem manifestado ao longo da vida. A fim de que as vivências dessa FC fossem reforçadas, a terapeuta aprofundou, neste momento, a reflexão a respeito das características de vitalidade que não estavam mais presentes e que, eventualmente, poderiam ser “resgatadas”, bem como sobre as que se mantinham. Para reestruturar possíveis distorções cognitivas relacionadas à Vitalidade, foram apresentadas características dessa FC propostas em Freitas (2019), como “sensação de estar viva e cheia de entusiasmo” e “energia do corpo e da mente”.
Em seguida, foram retomadas as metas estabelecidas na primeira sessão e questionado a respeito de como a Vitalidade poderia contribuir para seu alcance. Após, foi realizado o fechamento do encontro, com devolutiva para as idosas. Como plano de ação, ficou acordado de identificassem e escrevessem “o que as mantém vivas e animadas”. Estimulou-se que vivenciassem, até o próximo encontro, alguns dos aspectos identificados.
A quarta sessão também foi iniciada com a revisão do plano de ação. Em seguida, as participantes foram questionadas sobre as FC já trabalhadas até aquele momento das OPPCC e a importância delas em suas vidas. Realizada de forma breve, esta atividade teve como objetivo resgatar e reforçar as aprendizagens anteriores. Em seguida, foi comunicado às participantes que, naquele encontro, elas deveriam descobrir qual FC seria enfocada a partir das discussões realizadas. Para tanto, foi indagado se buscavam por novidades, se tinham interesses por muitas coisas e se sentiam que estavam abertas às experiências. No G1, uma das participantes rapidamente identificou que o encontro abordaria a Curiosidade.
Para explorar as cognições e aprofundar a reflexão individual e coletiva, foi pedido às participantes que relatassem quanto se consideravam curiosas e se, em situações em que utilizaram essa força, foram reprimidas. Após, foi questionado sobre o lado virtuoso e o não honroso dessa FC, destacando os benefícios que podem ser obtidos por meio de sua experiência virtuosa. Cumpre mencionar que a Curiosidade está entre as cinco FC mais relacionadas com a felicidade e a satisfação com a vida (Freitas, 2019).
Antes do fechamento do encontro, as idosas foram questionadas sobre as músicas que gostavam de ouvir. Isso foi pedido para que a equipe de psicologia pudesse preparar a sessão seguinte com base nos interesses das idosas. Também foram retomadas as metas estabelecidas no primeiro encontro, questionando como a Curiosidade poderia ajudar em sua concretização, e realizado o fechamento com devolutivas. Para que pudessem escolher qual gostariam de praticar, foram apresentadas, dessa vez, mais de uma opção para o plano de ação. Foi proposto, por exemplo, que identificassem algo que gostavam de fazer e procurassem novas formas de fazê-lo ou conversassem com alguém sobre um assunto específico de interesse delas.
Como planejado, o quinto encontro foi iniciado com a revisão do plano de ação. Constatou-se que ofertar mais de uma possibilidade para essa atividade não foi benéfico, acabando por reduzir sua realização. Assim, as idosas foram novamente estimuladas a pensarem em algo que teriam curiosidade de descobrir ou aprofundar durante a semana e a buscarem aprender mais sobre isso.
Após análise do plano de ação e a fim de estimular a discussão sobre o Amor de forma lúdica, a coterapeuta cantou uma música que representava essa FC. As idosas foram questionadas sobre diferentes tipos existentes de amor (entre irmãos, pais e filhos, amigos, por animais, pela natureza) e formas de demonstrá-lo. Depois desse momento, questionou-se como o Amor poderia ajudar na concretização das metas estabelecidas no primeiro encontro e, em seguida, foi realizado o fechamento da sessão, com as devolutivas. O plano de ação combinado consistiu em pedir que expressassem seu amor por meio de gestos físicos (p. ex., abraços e beijos) ou mensagens (e-mail, WhatsApp etc.).
O sexto encontro iniciou-se com a revisão do plano de ação, que foi seguida pela psicoeducação sobre o Perdão. Como forma de explorar as cognições relacionadas a essa FC, as participantes foram questionadas se já perdoaram alguém, como foi, o sentimento gerado e os desafios que identificam para perdoar. Também foram indagadas sobre a importância do auto perdão e de serem perdoadas por outras pessoas.
Finalizada a psicoeducação, foram relembradas as metas estabelecidas no início da intervenção e questionado sobre como o Perdão poderia contribuir para sua concretização. Em seguida, realizou-se o fechamento da sessão, com devolutivas e estabelecimento do plano de ação. Este consistiu em pedir perdão ou desculpa (palavra mais utilizada pelas participantes) para alguém que desejassem e ainda não tivessem tido a oportunidade de fazê-lo.
No penúltimo encontro, que começou com a revisão do plano de ação, foi enfocada a Gratidão. Como disparador desse momento de exploração e aprofundamento da FC, foi utilizada a música “Gracias a la vida” (Parra, 1966). A partir dela, as idosas foram questionadas sobre coisas boas que aconteceram no dia e na semana pelas quais eram gratas. Em ato contínuo, foi pedido que escrevessem uma carta de gratidão. Foi apresentada, ademais, a opção de a Gratidão ser expressa de outros modos, como poesia e/ou desenho, uma vez que algumas já haviam demonstrado essas habilidades ou interesse por elas. As idosas foram orientadas a pensarem em uma pessoa a quem são muito gratas, mas que ainda não tinham agradecido devidamente. Após essa atividade, foi solicitado que, como plano de ação, entregassem, lessem ou, caso a pessoa não fosse acessível, “mentalizassem” o que fizeram para a pessoa alvo. Por fim, foram retomadas as metas iniciais, questionado sobre o auxílio da Gratidão para a realização dessas metas e feito o fechamento da sessão com devolutivas para as participantes.
O último encontro das OPPCC foi iniciado, como de costume, com a revisão do plano de ação. Em seguida, todo o processo foi retomado de modo sintetizado, relembrando os temas abordados e explorando as aprendizagens. As idosas foram questionadas sobre o que mais gostaram, memorizaram etc. Dando continuidade, foi pedido para que fizessem uma avaliação qualitativa da intervenção, informando sobre o quanto consideraram relevantes as FC trabalhadas e se e como foram modificadas a partir das OPPCC. Por fim, a equipe realizou uma devolutiva sobre o grupo e cada idosa. No último caso, além do percurso durante o processo, foram expostas e explicadas as principais forças de cada idosa identificadas por meio da EFC.
Considerações Finais
Ofertar serviços psicológicos por meio de TIC representa uma proteção em relação aos riscos e agravos diretos e indiretos da COVID-19 tanto para os idosos, especialmente os de ILPI, quanto para os profissionais. Psicólogos também se contagiam com o Sars-CoV-2, têm medo e morrem com essa doença. Ademais, sofrem com o isolamento físico, a morte de pessoas queridas, a impossibilidade de exercer a profissão e a crise econômica decorrentes da pandemia. Porém, a literatura científica tem dado pouca atenção ao papel protetivo da telepsicologia para a saúde dos trabalhadores. Desse modo, é necessário asseverar que, a despeito das limitações, as OPPCC constituíram, para a equipe, uma prática profissional autêntica, rica, ética, socialmente compromissada, desafiadora, gratificante e segura.
O relato de experiência descrito sinaliza ser possível a realização bem-sucedida de intervenções psicológicas mediadas por internet com idosos institucionalizados. As OPPCC se configuram como uma alternativa às intervenções “tradicionais”, realizadas presencialmente e que enfocam emoções negativas e sintomas. De modo geral, elas proporcionaram às participantes o despertar para as FC trabalhadas e a possibilidade de utilizá-las em situações cotidianas, inclusive em contexto de institucionalização. As OPPCC podem ter contribuição, ainda, na melhora de outras variáveis, como bem-estar psicológico, satisfação com a vida e sintomas depressivos. Para corroborar essas hipóteses, contudo, estudos com amostras representativas de idosos institucionalizados e com grupos de comparação são necessários.
Além das contribuições da telepsicologia com idosos residentes em ILPI, diversas barreiras, como atitudes em relação às tecnologias necessárias, acesso à tecnologia, experiências e habilidades limitadas no uso de TIC e necessidade de envolvimento de outras pessoas (ver Gorenko et al., 2020), precisam ser transpostas. Na experiência relatada os serviços psicológicos ofertados só foram possíveis graças ao fato de uma das universidades fornecer os equipamentos necessários e uma funcionária da Instituição se disponibilizar de ajudar em todos os encontros (p. ex., conectar à internet, posicionar o notebook da melhor forma possível, ficar atenta ao celular caso algum membro da equipe precisasse entrar em contato durante as OPPCC etc.).
A escassez de literatura científica nacional e internacional representa outra barreira expressiva para a telepsicologia com residentes de ILPI. Especialmente no Brasil, este contexto possui especificidades que dificultam a transferência de conhecimentos teórico-prático produzidos para outras coortes etárias e/ou condições de vida que não a asilar.
Apesar de não ser o foco deste artigo, menciona-se, por exemplo, que duas idosas apresentaram menos sintomas depressivos quando responderam a GDS-15 pós-OPPCC, passando da condição de rastreadas para não rastreadas, uma se manteve na condição de não rastreada e duas continuaram rastreadas para depressão. “Copo meio cheio ou meio vazio?” Não é possível afirmar. A resposta precisa ser dada por meio de pesquisas com delineamento experimental ou, pelo menos, quase-experimental, pois elas testarão, de fato, a eficácia e efetividade da combinação de TCC e Psicologia Positiva para reduzir sintomas depressivos e promover bem-estar psicológico de residentes de ILPI.
Além das contribuições teórico-técnicas, espera-se que a experiência descrita represente uma denúncia em relação ao antigo descaso das políticas públicas brasileiras de proteção social, inclusão digital e em saúde destinadas àqueles que estão na velhice. A dívida digital no Brasil e em outros países periféricos é abissal, sendo que os idosos, especialmente os residentes em ILPI, constituem um dos principais grupos excluídos da “comunidade digital”. Superar essa exclusão é um imperativo, uma vez que ela inviabiliza, por exemplo, o acesso à educação, à saúde e às “novas” formas de relacionamento social que podem diminuir a solidão na velhice.