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Arquivos Brasileiros de Psicologia

 ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. v.61 n.3 Rio de Janeiro dez. 2009

 

RELATO DE PESQUISA

 

Modelagem do estímulo-modelo para estabelecer relações condicionais arbitrárias em macacos-prego (Cebus apella)

 

Sample stimulus shaping procedure to establish arbitrary conditional relations in capuchin monkeys (Cebus apella)

 

 

Ilara Reis Nogueira da CruzI; Katarina Bonfim KataokaII; Ana Cláudia de Oliveira CostaIII; Marilice Fernandes GarottiIV; Olavo de Faria GalvãoV; Romariz da Silva BarrosVI

IUniversidade Federal do Pará (UFPA), Brasil
IIUniversidade Federal do Pará (UFPA), Brasil
IIIUniversidade Federal do Pará (UFPA), Brasil
IVUniversidade Federal do Pará (UFPA), Brasil
VUniversidade Federal do Pará (UFPA), Brasil
VIUniversidade Federal do Pará (UFPA), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Discriminações condicionais arbitrárias são difíceis de obter com sujeitos não humanos. Este estudo avalia o procedimento de modelagem do estímulo. Foram realizados dois Experimentos. No Experimento I, dois macacos-prego, M12 e M15, adquiriram com rapidez as discriminações, e um terceiro sujeito (M09) requereu longo treino. No Experimento II, o procedimento foi modificado e um novo treino foi feito com o sujeito M09, resultando em melhora no seu desempenho. Foram, entretanto, constatadas digressões de controle de estímulos, dificultando o término do processo de modelagem. Discutem-se variáveis de procedimento que são cruciais na pesquisa de controle de estímulos com animais e pessoas com atraso, ou limitações, no desenvolvimento.

Palavras-chave: Discriminação condicional; Modelagem de controle de estímulos; Cebus apella.


ABSTRACT

Arbitrary conditional discriminations are difficult to obtain in non-human subjects. This study evaluates the efficacy of sample stimulus shaping procedure. Two experiments were carried out. In Experiment I two capuchin monkeys, M12 and M15, acquired quickly the discriminations, and a third subject, M09, required longer training. In Experiment II, the procedure was modified and a new training with M09 was carried out, and M09 performance improved. However, lack of stimulus control coherence was found, precluding the conclusion of the shaping process. Key procedural variables in stimulus control research and intervention with non-humans and people with developmental disabilities are discussed.

Keywords: Matching to sample; Stimulus control shaping; Cebus apella.


 

 

Os primeiros estudos realizados na área de pesquisa posteriormente denominada de "aprendizagem sem erros" foram conduzidos por Terrace (1963). Em tais estudos, estratégias de ensino que utilizavam esvanecimento (fading in ou out) dos estímulos eram empregadas no treino de discriminações simples com pombos. Posteriomente, Sidman e Rosenberg (1967) documentaram a eficiência da técnica ao ensinar sequências de posições seriais a dois macacos Rhesus. Ampliando a aplicação do procedimento, Sidman e Stoddard (1967) utilizaram, com sucesso, um programa de fading para ensinar 19 participantes com idade entre 9 e 14 anos, portadores de deficiência mental, a discriminar entre círculo e elipse. As crianças que participaram na condição de fading apresentaram menos erros, enquanto o desempenho das que não participaram indicou, inclusive, padrões incompatíveis com o controle de estímulos adequado. Eles, assim, descreveram uma classe de procedimentos, usados para desenvolver novas relações estímulo-resposta, à qual chamaram de modelagem de estímulos.

As técnicas de aprendizagem sem erro foram estendidas ao ensino de discriminação condicional. Em um estudo de Schilmoeller et al. (1979), quarenta crianças com idades entre 4 e 5 anos, divididas em gupos, aprendiam discriminações condicionais visuais com procedimentos de modelagem do estímulo (aqueles que modificam a forma dos estímulos ao longo das apresentações), com procedimentos de fading (que modificam a intensidade dos estímulos), e em aprendizagem por tentativa e erro. Os resultados documentaram maior efetividade da modelagem de estímulos, quando comparada com fading e tentativa e erro. Indicaram, também, que uma história de treino com fading ou com tentativa e erro podia dificultar a aprendizagem modelagem de estímulo.

Como foram sendo desenvolvidas outras técnicas além do fading, Mcllvane e Dube (1992) sugeriram a utilização da expressão "modelagem de controle de estímulos" para referência genérica a uma série de procedimentos que arranjam gradualmente mudanças progressivas (na forma, na intensidade, no tamanho dos estímulos) com a finalidade de produzir transferência de controle de estímulos (ou seja, para que o controle exercido por um determinado estímulo sobre o comportamento passe a ser exercido por outro com forma, intensidade ou tamanho diferente). Esses procedimentos têm sido utilizados na pesquisa com participantes humanos como uma proposta menos complexa e exaustiva do que a mera tentativa e erro, para viabilizar o estabelecimento de relações condicionais arbitrárias no repertório comportamental do sujeito.

Dentre os procedimentos de modelagem de controle de estímulos, está o de modelagem do estímulo-modelo, utilizado por Zygmmont et al. (1992) com participantes humanos. Por esse procedimento, inicialmente efetua-se o treino de emparelhamento ao modelo por identidade com um dado conjunto de estímulos (B, por exemplo) e, então, a forma dos estímulos-modelo vai sendo modificada até que a relação entre modelo e comparação correta seja não mais por identidade, mas sim arbitrária. Assim, os estímulos-modelo inicialmente apresentados vão, em passos graduais, tendo sua forma modificada até que se transformem em outro conjunto de estímulos (A, por exemplo), estabelecendo-se dessa forma, no fim do treino, relações condicionais arbitrárias entre estímulos de um conjunto A e estímulos de um conjunto B.

De acordo com o modelo descritivo de Sidman e Tailby (1982, ver também SIDMAN, 2000), o ensino de relações condicionais arbitrárias é necessário para a avaliação da emergência das propriedades comprobatórias da equivalência de estímulos (reflexividade, simetria e transitividade). Desempenho preciso em discriminações condicionais arbitrárias é, contudo, difícil de obter com sujeitos não humanos e com participantes humanos com desenvolvimento atípico e severamente atrasado.

O objetivo do presente estudo foi aplicar o procedimento de modelagem do estímulo-modelo com sujeitos não humanos, de maneira que se pudesse verificar a eficácia dessa modalidade de ensino no estabelecimento de relações condicionais arbitrárias em três macacos da espécie Cebus apella (macaco-prego). Serão descritos a seguir dois experimentos. No primeiro deles, três macacos-prego foram submetidos ao procedimento de modelagem do estímulo-modelo para treino de emparelhamento ao modelo arbitrário. No Experimento II, uma variação do procedimento utilizado no Experimento I foi utilizada em novo treino de emparelhamento arbitrário com novos estímulos com um dos sujeitos que já havia participado do Experimento I e mostrado dificuldade de aprendizagem das relações condicionais por meio do procedimento usado, apresentando, ao longo do treino, um desempenho que frequentemente se encontrava abaixo do critério de precisão estipulado, o que tornou necessária, em alguns momentos do treino, a utilização de etapas intermediárias, que visavam a facilitar a transição entre um passo e outro.

Assim, diante dos resultados obtidos no primeiro experimento com o sujeito M09, um dos objetivos do Experimento II foi avaliar se a utilização do procedimento de máscara (melhor descrito abaixo), ao longo do processo de modelagem do estímulo-modelo, pode garantir o estabelecimento das relações de controle programadas.

Com relação às possíveis relações de controle que podem se desenvolver durante treino discriminativo, estudos para avaliar o estabelecimento de relações de controle por seleção e rejeição no desempenho de emparelhamento ao modelo demonstraram que o treino de discriminação condicional pode determinar que o sujeito escolha um estímulo de comparação por intermédio da rejeição de outro estímulo de comparação (MCILVANE ET AL., 1987).

O procedimento denominado procedimento de máscara ou procedimento comparação vazia (Mcllvane et al., 1987) é caracterizado pela substituição, ora do estímulo estabelecido como positivo (S+), ora do estímulo negativo (S-), por um estímulo vazio (geralmente uma janela em branco).

Nessa direção, Goulart et al. (2005) realizaram um estudo utilizando pela primeira vez um procedimento de máscara com primatas não humanos da espécie Cebus apella. Noprimeiro experimento do estudo, o objetivo foi verificar as relações de controle que haviam sido estabelecidas durante um treino de discriminação simples; no segundo, a máscara foi utilizada no treino para indução de controle misto (ou seja, controle por seleção e rejeição ao mesmo tempo) com os mesmos sujeitos utilizados no experimento anterior.

Os desempenhos exibidos pelos sujeitos neste estudo mostraram que o procedimento de máscara é útil não só para verificação, como também para induzir o estabelecimento de relações de controle no repertório de macacos-prego em procedimentos de discriminação simples.

Segundo Sidman (1987), em procedimentos de discriminação condicional, o uso de apenas dois estímulos de comparação facilita o desenvolvimento do controle apenas por rejeição nas relações treinadas. Considerando o uso bem-sucedido do procedimento de máscara para avaliar e determinar relações de controle com macacos por Goulart e cols. (2005, acima descrito) e considerando que, com o sujeito M09, no Experimento I, foram utilizados apenas dois estímulos de comparação, o objetivo do Experimento II foi o de avaliar a eficácia do procedimento de modelagem do estímulo-modelo com tripla escolha e com procedimento de máscara para facilitar o desenvolvimento de controle misto nas relações treinadas no emparelhamento ao modelo.

 

EXPERIMENTO I

Este estudo foi uma tentativa de ensino de emparelhamento arbitrário ao modelo sem atraso e com duas escolhas a macacos-prego, usando o procedimento de modelagem do estímulo-modelo (ZYGMONT ET AL., 1992).

Método

Sujeitos

Foram utilizados três macacos-prego adultos jovens, Guga (M09), Cothó (M12) e Louis (M15). Todos os sujeitos possuíam história experimental em treino de mudanças repetidas de discriminações simples, emparelhamento ao modelo por identidade e testes de identidade generalizada. M15 também já tinha história de emparelhamento arbitrário pelo procedimento de modelagem do estímulo-modelo e de teste de simetria. Cada um dos sujeitos era alojado em uma gaiola-viveiro de 2,5 m x 2,5 m x 2,5 m junto com outros três animais da mesma espécie. Eles tinham livre acesso à água e eram alimentados uma vez ao dia. A dieta consistia de uma variedade de frutas, legumes, raízes, castanhas, além de ovos, leite e complementos vitamínicos e ração. As condições de alojamento e manejo dos animais foram aprovadas junto a comitê de ética e ao IBAMA.

Situação e equipamento

Foi utilizada uma câmara experimental medindo 0,80 m x 0,80 m x 0,70 m. Na parede frontal da câmara experimental, havia uma janela de 0,26 m x 0,26 m, na qual estava acoplado um monitor de tela sensível ao toque, por meio do qual eram apresentados os estímulos e registradas as respostas. O assoalho, o teto e a parede lateral esquerda da câmara experimental foram construídos de tela de aço tipo moeda. Na parede lateral esquerda localizava-se uma porta de 0,35 m x 0,20 m, que funcionava como entrada e saída do sujeito.

Acoplado à câmara experimental, encontrava-se um microcomputador AMD K6 150. As sessões eram programadas em um aplicativo intitulado Treino de Relações (TREL V. 2.1), para uso em experimentos envolvendo o treino de relações entre estímulos. Um dispensador automático de pelotas de açúcar sabor banana de 190 mg foi utilizado para consequenciar as escolhas corretas.

Procedimento

Todos os sujeitos passaram por um procedimento de modelagem do estímulo- modelo a partir de um procedimento de emparelhamento ao modelo por identidade. A apresentação dos estímulos-modelo era sucessiva e a dos estímulos de escolha simultânea e sem atraso. O intervalo entre tentativas era de seis segundos. O procedimento de emparelhamento ao modelo por identidade consiste na apresentação de tentativas nas quais o participante deve escolher, entre os estímulos de comparação, aquele que é idêntico ao modelo. Cada tentativa se inicia com a apresentação do estímulo-modelo. Respostas ao estímulo-modelo produziam a remoção deste e a apresentação de dois ou mais estímulos de comparação. Respostas de escolha do estímulo de comparação idêntico ao modelo (S+) eram reforçadas e a tentativa encerrada. Respostas a quaisquer dos estímulos diferentes do modelo (S-) encerram a tentativa sem reforçamento. No procedimento de emparelhamento arbitrário ao modelo, tanto o S+ quanto os S- são diferentes do modelo, e a relação modelo-comparação é arbitrariamente definida pelo experimentador.

Era exigido que o desempenho dos sujeitos atingisse precisão igual ou superior a 90% de acertos por três sessões consecutivas, para que fosse submetido ao passo seguinte da modelagem ou para que passasse de uma fase para outra do treino.

Quando o desempenho do sujeito não alcançava o critério estabelecido por três sessões consecutivas, eram realizados passos intermediários, com sessões compostas de tentativas apresentando tanto estímulos do passo de treino corrente quanto estímulos do passo anterior. Eventualmente era necessário modificar alguma(s) característica(s) do(s) estímulo(s) para facilitar a generalização entre o passo anterior e o passo corrente, ou ainda para evitar a generalização entre S+ e S-.

O procedimento de modelagem do estímulo-modelo empregado no Experimento I foi realizado em dez passos com os sujeitos M09 (Guga) e M12 (Cothó), e em 13 passos com o sujeito M15 (Louis). Em todos os casos, o ensino iniciou com um emparelhamento ao modelo por identidade e, em passos graduais, os estímulos apresentados como modelo do Conjunto B eram alterados em sua forma, de modo que se transformassem nos estímulos do Conjunto A. Dessa forma, ao final do treino, os estímulos do Conjunto A eram apresentados como modelo e os do Conjunto B como comparação. Assim, por meio de modificações na dimensão "forma" dos estímulos, partia-se de uma discriminação por identidade para uma discriminação arbitrária. Nesse procedimento, naturalmente enquanto permanecem partes dos estímulos-modelo originais ou formas assemelhadas a eles, o responder pode ser controlado pela identidade ou semelhança entre essas partes e o correspondente estímulo de comparação. Quando não há mais partes (formas) remanescentes do estímulo-modelo original, o emparelhamento é arbitrário. Obviamente, isso pode ocorrer antes mesmo do fim do processo de modelagem, ou seja, antes de o estímulo em modificação (B, por exemplo) ser completamente transformado (em A, por exemplo).

A Figura 1 ilustra o procedimento adotado, apresentando parcialmente as mudanças efetuadas nos estímulos ao longo do processo de modelagem. Os estímulos apresentados na Figura 1 foram utilizados na modelagem com os sujeitos M09 (Guga) e M12 (Cothó). Com o sujeito M15, o mesmo procedimento foi usado com outros estímulos, não apresentados na Figura 1. Em todos os casos, as mudanças nas formas dos estímulos ocorreram simultaneamente para ambas as relações (B1 para A1 e B2 para A2)

Resultados e Discussão

Os resultados do Experimento I relativos aos sujeitos M12 e M15 são apresentados na Figura 2 e os relativos ao sujeito M09, na Figura 3. As figuras apresentam a precisão do desempenho dos sujeitos (em percentual de acertos) em cada um dos passos do procedimento de modelagem do estímulo-modelo, desde o Passo 0 (no qual o emparelhamento ao modelo era por identidade) até o passo final da modelagem (no qual o emparelhamento era completamente arbitrário).

O sujeito M12 concluiu os dez passos de treino em 53 sessões. A precisão do desempenho caiu no Passo 4 (como mostra a Figura 2) e, então, foi necessário retornar ao Passo 3 e criar passos intermediários (Passos 3b e 3c) para que se pudesse avançar para o Passo 4 de maneira mais gradual. Ao longo de todo o processo, a precisão da discriminação envolvendo os estímulos B2 e A2 foi mais estável do que aquela envolvendo os estímulos B1 e A1 (ver Figura 2).

O sujeito M15completou os 13 passos de treino em 58 sessões. A precisão do desempenho declinou na passagem do Passo 7 para o Passo 8. Por isso, foi necessário retornar ao Passo 7 e depois criar passos intermediários (Passos 7a e 7b, conforme Figura 2), nos quais foram realizadas mudanças mais sutis na forma dos estímulos, diminuindo a diferença entre os passos 7 e 8. A partir de então, a precisão do desempenho manteve-se consideravelmente acima do nível de acaso, entre 70% e 100% de acertos, até o final do treino. Em semelhança ao observado com M12 e com M15, ao longo de todo o processo, a precisão da discriminação envolvendo os estímulos B2 e A2 foi mais estável do que aquela envolvendo os estímulos B1 e A1 (ver Figura 2).

Os resultados obtidos com M12 e M15 indicam que o procedimento foi eficaz para o treino das discriminações condicionais arbitrárias, considerando que o nível de precisão do desempenho ao longo do treino ficou frequentemente acima de 50% (nível de acaso).

Os resultados permitem dizer que, em grande medida, o principal objetivo do procedimento, que era ensinar emparelhamento arbitrário com uma frequência reduzida de erros, foi atingido, tal como relatado por Zygmont et al. (1992). Além disso, o número total de sessões para conclusão do treino (53 para M12 e 58 para M15) foi substancialmente menor que o número de sessões necessárias para treinar o mesmo tipo de discriminação em experimento anterior sem o uso do procedimento de modelagem do estímulo-modelo (107 sessões para um dos sujeitos e 147 sessões para o outro) com dois outros macacos-prego da mesma espécie (ver BARROS, 1998).

O sujeito M09 completou os dez passos de treino em 112 sessões. Esse número é substancialmente maior que o que foi encontrado com os demais sujeitos (ver Figura 3) e é comparável ao número de sessões realizadas por Barros (1998), que não usou procedimento de modelagem de controle de estímulo para treinar emparelhamento arbitrário com macacos-prego

Apesar de M09 ter apresentado desempenho preciso no Passo 0 (treino de emparelhamento ao modelo por identidade) e do procedimento prever mudanças muito graduais nos estímulos, o processo de modelagem foi claramente mais difícil com ele. A precisão do desempenho ficava frequentemente acima do nível do acaso, mas, frequentemente abaixo do critério de 90% exigido para progressão ao passo seguinte (ver Figura 3), tendo sido, então, necessário utilizar etapas intermediárias nos Passos 5, 6 e 7. Ao longo de todo o processo de modelagem, houve alternâncias de momentos em que a precisão da discriminação B2-A2 era ligeiramente maior que B1-A1 e vice-versa.

A variabilidade observada durante o processo de aquisição das discriminações condicionais para M09 sugere que, neste caso, o procedimento não foi eficiente para reduzir os erros. A alta frequência de erros observada no desempenho de M09 no decorrer do procedimento de modelagem poderia, então, estar relacionada ao desenvolvimento de relações de controle não programadas pelo experimentador, levando, portanto, à necessidade de graduar ainda mais os passos de modelagem para esse sujeito.

 

EXPERIMENTO II

Procedimentos de emparelhamento ao modelo com dois estímulos de comparação ou de escolha possibilitam o desenvolvimento de dois tipos de relações de controle entre o estímulo-modelo e o de comparação correto (reforçado): controle por seleção do estímulo positivo (S+) ou controle por rejeição do estímulo negativo (S-) (SIDMAN, 1987). Em procedimentos de emparelhamento ao modelo, espera-se que o sujeito selecione a comparação correta sob controle por seleção. Porém, o controle por rejeição do S-também produz reforçamento. Assim, dado um determinado estímulo-modelo, o sujeito pode responder rejeitando o estímulo de comparação negativo e tocando no outro estímulo exibido, mesmo que seu desempenho não esteja sob controle das características desse estímulo. Esse tipo de relações de controle foi descrito por Johnson e Sidman (1993) e já foi documentado em macacos-prego (GOULART ET AL., 2005). Se controle por rejeição ocorre, as mudanças graduais na forma dos estímulos tornam-se inefetivas, considerando que, por várias tentativas, apesar de a precisão do desempenho ser alta, o desempenho do sujeito pode não estar sob controle das características do estímulo que está sendo gradualmente modificado, o que pode produzir falhas em passo seguinte, quando o controle por aquele estímulo se tornar provável, em função dessas flutuações de relações de controle que podem ocorrer.

O Experimento II do presente estudo explora essas duas possibilidades explicativas para o desempenho de M09. Adicionalmente, no Experimento II, o procedimento de modelagem de controle de estímulos foi um pouco mais gradual que nos experimentos anteriores, sendo realizados em 15 passos.

Método

Sujeito

Foi utilizado como sujeito o macaco M09 (Guga), descrito no Experimento I.

Situação experimental e equipamento

Os mesmos do Experimento I.

Procedimento

No Experimento II o sujeito foi submetido a treino das relações condicionais com novos estímulos (C1D1, C2D2 e C3D3), por meio de um procedimento de modelagem de controle de estímulo realizado em 15 passos, nos quais os estímulos inicialmente apresentados como modelo (Conjunto D) tinham suas partes substituídas por partes dos estímulos do Conjunto C, de modo que, ao final do processo, a discriminação fosse arbitrária CD (ver Figura 4). Diferentemente do experimento anterior, eram apresentados dois conjuntos com três estímulos de comparação cada um, e o sujeito deveria apresentar desempenho igual ou maior que 90% em cada uma das discriminações condicionais em uma única sessão para que fosse submetido a um teste de relação de controle com o procedimento de máscara e, só então, avançava para o passo seguinte do treino. Os estímulos utilizados neste experimento são apresentados na Figura 4.

Resultados e Discussão

O sujeito M09 concluiu 12 dos 15 passos previstos para modelagem de controle de estímulos em 13 sessões. A precisão do desempenho do sujeito ficou entre 90% e 100% de acertos do Passo 1 ao Passo 12 (ver Figura 5). Em todos esses passos, portanto, foi executada apenas uma sessão de treino em cada um dos passos para alcançar o critério de precisão de forma que, na sessão seguinte, o sujeito era submetido aos testes de relações de controle que intercalavam os passos.

No Passo 13, a precisão do desempenho do sujeito declinou e foram necessárias seis sessões para que fosse submetido ao teste de relações de controle. Os erros registrados eram frequentemente nas relações C2D2 e C3D3. Quando realizado, o teste de relações de controle não evidenciou controle misto, o que remeteu à criação de um passo intermediário composto por 50% de tentativas do Passo 12 e 50% do Passo 13. Mesmo após retomar rapidamente (em apenas uma sessão) o Passo 13, o sujeito continuava a responder de forma consistente à relação C1D1 e a errar sistematicamente nas duas outras relações. Em função dos erros persistentes, o sujeito M09 não foi submetido aos dois passos subsequentes da modelagem.

Esses dados sugerem que, em alguma medida, as mudanças de procedimento em relação ao Experimento I (quais sejam, o uso de tripla escolha, a verificação de relações de controle ao longo do procedimento de modelagem e a maior gradação), com o sujeito M09, podem ter sido favoráveis no sentido de reduzir a frequência de erros na aquisição de discriminações condicionais arbitrárias, o que foi observado nos Passos 1 a 12. A transição por esses 12 passos de treino com M09 foi bem mais rápida no Experimento II, quando comparada com a no Experimento I.

Contudo, os erros sistemáticos observados no desempenho de M09 no Passo 13 nos fizeram atentar para uma característica do procedimento que pode justificar esses erros. Diferentemente do Experimento I, no Experimento II as mudanças nos estímulos consistiam em substituições de faixas do estímulo original por porções correspondentes do estímulo substituto. Esse processo foi efetuado, iniciando-se pelas porções mais inferiores dos estímulos até a substituição total com as trocas das porções mais superiores dos estímulos, nos passos finais da modelagem.

Esse fato pode ter determinado que, ao logo do processo de modelagem, o desempenho do sujeito fosse controlado mais fidedignamente pelas porções não modificadas dos estímulos (porções superiores), as quais permaneceram inalteradas até os passos finais da modelagem. Essa característica do procedimento pode, portanto, ter determinado uma digressão de controle de estímulos não programada pelo experimentador. Fatos como esse podem ser comuns em outros procedimentos de treino discriminativo (com ou sem modelagem), mas frequentemente não são detectados. O uso de técnicas de esmaecimento (fading in ou fading out) pode, de maneira similar, permitir a manutenção do controle do comportamento pelos aspectos dos estímulos que estão sendo esmaecidos tanto quanto possível, de maneira que erros persistentes podem surgir em um ponto muito avançado do procedimento.

 

DISCUSSÃO GERAL

A pesquisa sobre variáveis de procedimento que podem contribuir para dificuldades de produzir repertórios como o emparelhamento ao modelo em sujeitos não humanos pode gerar conhecimento importante para evitar conclusões precipitadas sobre a suposta incapacidade de determinadas espécies (ou indivíduos) para aprender certos repertórios. A postulação de limites biológicos para aprendizagem de repertórios discriminativos como os aqui relatados (e principalmente repertórios generalizados ou emergentes como a identidade generalizada e a formação de classes de equivalência) deveria ser precedida de uma verificação cuidadosa sobre se existem variáveis de procedimento que estejam dificultando a aquisição de tais repertórios. Em outras palavras, somente se forem descartadas variáveis de procedimento que estejam dificultando a aprendizagem dos repertórios é que se poderá, fidedignamente, falar em limites biológicos de determinadas espécies para aprender este ou aquele repertório.

O presente estudo é parte do esforço corrente no sentido de prover procedimentos mais adequados para o ensino de repertórios como o de emparelhamento arbitrário ao modelo com sujeitos com pouca história de treino discriminativo em condições comparáveis àquelas do laboratório, como é o caso dos macacos-prego cativos usados nos experimentos aqui relatados. O desenvolvimento de tecnologia de ensino desse tipo de repertório com sujeitos não humanos com pouca ou nenhuma digressão de controle de estímulos pode favorecer grandemente (1) a pesquisa sobre a formação de classes de estímulos com animais, a qual é importante para, por exemplo, dirimir a controvérsia teórica sobre o papel da linguagem na formação de classes de equivalência (ver, por exemplo, SIDMAN, 2000) e (2) a pesquisa e a intervenção com crianças com desenvolvimento severamente atrasado e repertório verbal rudimentar.

Estudos subsequentes aos aqui relatados deverão explorar a possibilidade do desenvolvimento de controle do comportamento restrito às porções não modificadas de um estímulo em um procedimento com modificações graduais de estímulo, como hipotetizado acima. Além disso, em estudos posteriores sobre procedimento de modelagem do estímulo- modelo no treino de relações arbitrárias é recomendável o uso (1) do procedimento de máscara ao longo dos passos de modelagem para avaliar e determinar relações de controle compatíveis com o planejamento experimental; (2) de pelo menos três estímulos de comparação como alternativas de escolha no procedimento de emparelhamento ao modelo; (3) de mudanças globais nos estímulos ao longo de todo o processo de modelagem, com o objetivo de evitar o controle do comportamento exclusivamente por partes não modificadas dos estímulos ao longo de diversos passos.

 

REFERÊNCIAS

BARROS, R. S. Controle do comportamento por relações entre estímulos em Cebus apella. 1998. Tese (Doutorado em Psicologia Experimental) Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.        [ Links ]

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Endereço para correspondência
Ilara Reis Nogueira da Cruz
E-mail: ilaracruz@yahoo.com.br

Katarina Bonfim Kataoka
E-mail: katarinakataoka@hotmail.com

Ana Cláudia de Oliveira Costa
E-mail: acoc2@yahoo.com.br

Marilice Fernandes Garotti
E-mail: marilicegarotti@uol.com.br

Olavo de Faria Galvão
E-mail: ofgalvao@gmail.com

Romariz da Silva Barros
E-mail: romarizsb@comcast.net

Submetido em: 01/10/2008
Revisto em: 13/07/2009
Aceito em: 01/09/2009

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