Arquivos Brasileiros de Psicologia
ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.66 no.2 Rio de Janeiro 2014
ARTIGOS
Paternidade no Brasil: revisão sistemática de artigos empíricos
Paternity in Brazil: a systematic review of empirical articles
Paternidad en Brasil: una revisión sistemática de artículos empíricos
Mauro Luís VieiraI; Carina Nunes BossardiII; Lauren Beltrão GomesIII; Simone Dill Azeredo BolzeIV; Maria Aparecida CrepaldiV; Cesar Augusto PiccininiVI
IDocente. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil
IIDoutoranda. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil
IIIDoutoranda. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil
IVDoutoranda. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil
VDocente. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis. Estado de Santa Catarina. Brasil
VIDocente. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil
Endereços para correspondência
RESUMO
O objetivo deste estudo foi caracterizar a produção de artigos empíricos envolvendo o tema paternidade e sua contribuição para o desenvolvimento infantil e para a família, publicados entre 2000 e 2012 em revistas brasileiras indexadas nas bases IndexPsi, SciELO e PePSIC. Utilizaram-se os descritores "pai", "paternidade" e "paterno". Cem artigos foram analisados integralmente. Em 70% deles, os autores utilizaram análise qualitativa dos dados. Constatou-se a preferência pelo método de levantamento de dados (60%) e pela entrevista como técnica de coleta (47%). Dentre os temas investigados, destacam-se: gestação, parto e pós-parto (25%), exercício da paternidade (22%), desenvolvimento infantil (15%), adolescência (14%) e concepções acerca do comportamento paterno (13%). Sugere-se que estudos futuros investiguem o pai em diferentes configurações e cenários e o compartilhamento de funções na família, integrando as abordagens quantitativa e qualitativa e envolvendo estudos longitudinais.
Palavras-chave: Paternidade; Pai; Família.
ABSTRACT
The aim of this study was to characterize the production of empirical articles involving the paternity issue and their contribution to child development among family members, published between 2000 and 2012 in Brazilian journals indexed in the databases IndexPsi, SciELO and PePSIC. Father, paternity and paternal were the descriptors used. One hundred articles were fully analyzed. The qualitative data analysis was used in 70% of them. Data collection was the preponderant method (60%) and interview was the most used collection technique (47%). Among the topics investigated include: pregnancy, delivery and postpartum (25%), exercise of parenthood (22%), child development (15%), adolescence (14%) and conceptions of paternal behavior (13%). It is suggested that future studies investigate the paternal participation and the sharing of roles in the family, integrating quantitative and qualitative approaches and involving longitudinal studies.
Keywords: Paternity; Father; Family.
RESUMEN
El objetivo del estudio fue caracterizar la producción de artículos empíricos relacionados con el tema de la paternidad y su contribución al desarrollo del niño y de la familia, publicados entre 2000 y 2012 en revistas brasileñas indexadas en bases de datos IndexPsi, SciELO y PePSIC. Los descriptores usados fueron: "padre", "paternidad" y "paternal". Un centenar de artículos fueron analizados en su totalidad. En el 70% de ellos, los autores utilizaron el análisis cualitativo de los datos. Se observó la preferencia por el método de recolección de datos (60%) y por la entrevista como técnica de recogida (47%). Entre los temas investigados se destacan: embarazo, parto y puerperio (25%), el ejercicio de la paternidad (22%), el desarrollo del niño (15%), la adolescencia (14%) y conceptos sobre el comportamiento paternal (13%). Estudios futuros deben investigar al padre en diferentes contextos y la división de papeles en la familia, la integración de los enfoques cuantitativos y cualitativos y los estudios longitudinales.
Palabras-clave: La paternidad; Padre; Familia.
A concepção de paternidade tem se modificado ao longo da história das sociedades ocidentais contemporâneas. A partir da década de 1970, com a ascensão do novo modelo econômico industrial e a consolidação do movimento feminista, os questionamentos das desigualdades de gênero, o avanço dos métodos contraceptivos e o incremento massivo das mulheres no mercado de trabalho fazem emergir a exigência de um pai mais envolvido com sua criança (J. H. Pleck & E. H. Pleck, 1997). Inseridas no mundo do trabalho, as mulheres deixam de dedicar-se exclusivamente à casa e à família, enquanto os homens passam a ocupar o espaço privado de forma mais efetiva, envolvendo-se no cuidado dos filhos e nas tarefas domésticas (Bandeira, Goetz, Vieira, & Pontes, 2005; Staudt & Wagner, 2008).
O termo com o qual J. H. Pleck e E. H. Pleck (1997) descrevem esse novo modelo de paternidade, que tem como marca central a divisão de responsabilidades pela criação dos filhos, é o de pai cogenitor. Do pai cogenitor da década de 1970 eram esperados o envolvimento com as crianças, auxílio à mãe nos cuidados físicos diários e na educação dos filhos, sem estereótipos de gênero, e a participação no desenvolvimento da criança, desde o nascimento até a fase adulta. Esse modelo é considerado ideal até os dias de hoje e é ele que tem impulsionado várias investigações científicas (Bandeira et al., 2005). Conforme Lamb (1997), o pai não necessariamente desempenha todas as tarefas em igualdade com a mãe, mas é esperado que ele cuide, brinque, instrua e demonstre afeto e amizade por suas crianças. O padrão ideal que vem se constituindo passa então a ser o de um pai com funções múltiplas, mais participativo e envolvido, que, além de brincar, também educa (Bandeira et al., 2005).
Nas últimas décadas, verifica-se o crescimento contínuo do número de famílias em que ambos os pais trabalham fora de casa, o que acarreta mudanças na dinâmica familiar e, consequentemente, na redefinição dos papéis parentais (Dantas, Jablonski, & Féres-Carneiro, 2004). Segundo Lewis e Dessen (1999), a paternidade pode ser analisada a partir de três perspectivas: 1) tradicional, 2) moderna e 3) emergente. No primeiro caso, o pai tem papel de provedor, disciplinador, e o envolvimento com os filhos é restrito. No segundo, a função do pai está relacionada com o desenvolvimento moral, acadêmico e emocional dos filhos. E, finalmente, no modelo de paternidade emergente, o envolvimento do pai com os filhos e família é ativo em várias esferas do cuidado e educação das crianças, além da participação efetiva nas atividades domésticas.
Ainda que possa haver questionamentos acerca de quais são os modelos de paternidade existentes, merecem destaque os aspectos de continuidade e de ruptura em relação ao modelo paterno tradicional. Resultados de pesquisas ora indicam expressivo envolvimento do pai com a família, ora sinalizam distância entre o ideal de comportamento paterno e o real, com a figura paterna pouco se envolvendo no cuidado prestado aos filhos e nas tarefas domésticas (Gomes & Resende, 2004; Oliveira & Silva, 2011; Staudt & Wagner, 2008). Dessa forma, dentre os desafios prementes de homens e de mulheres, está a reinvenção e redefinição do lugar do pai no contexto familiar (Bornholdt, Wagner, & Staudt, 2007).
Em função dessa participação mais abrangente e efetiva do pai no contexto familiar, surge uma questão: qual é sua relevância para o desenvolvimento dos filhos? Estudos têm mostrado que a figura paterna é importante para o desenvolvimento infantil (Bossardi & Vieira, 2010; Manfroi, Macarini, & Vieira, 2011). Em revisão da produção científica nacional e internacional indexada, Cia, Williams e Aiello (2005) concluem que o pai tem papel importante não só no desenvolvimento infantil, mas na família como um todo, incluindo aspectos da conjugalidade.
Em virtude das mudanças ocorridas no conceito de paternidade, na função do pai quanto ao cuidado e ao desenvolvimento infantil, e também devido ao consequente aumento de pesquisas enfocando a relação pai-criança nos últimos anos, aponta-se a necessidade de uma revisão de literatura que permita identificar a produção que envolve a participação paterna em contexto nacional. Revisões anteriormente realizadas apontaram que os estudos que focalizam o papel do pai ainda se apresentam em menor número em relação à produção internacional e também às que abordam a maternidade (Borsa & Nunes, 2011; Cia et al., 2005; Souza & Benetti, 2009).
Conforme Oliveira e Silva (2011), há um crescimento, a partir de 2004, no número de estudos que tratam do pai ou que, pelo menos, descrevem suas especificidades na literatura das ciências humanas e da saúde no Brasil. O estudo de revisão de publicações científicas sobre o tema paternidade entre os anos de 2000 a 2007 de Souza e Benetti (2009) destaca, além do crescimento do interesse pelo estudo da figura paterna, a pluralidade de contextos e situações associadas à temática. As autoras ressaltam que as pesquisas encontradas foram unânimes na compreensão da importância do envolvimento e participação masculina no cuidado dos filhos e concluem que o tema paternidade se constitui em importante foco de interesse para a compreensão das relações familiares e das condições de desenvolvimento infantil.
Dessa forma, o propósito desta revisão é apresentar um panorama abrangente e detalhado da produção brasileira de artigos derivados de pesquisas sobre o pai a partir de 2000, indicando os temas mais pesquisados e os principais resultados que permitem identificar a contribuição paterna para o desenvolvimento infantil e para a família. A fim de atingir essa meta, foi realizada análise metodológica dos artigos encontrados, visando apresentar o parâmetro de desenvolvimento da pesquisa, além de ressaltar relações e contradições entre seus resultados, bem como assinalar os temas que têm recebido pouca atenção, apontando lacunas na produção nacional. É necessário destacar que a presente revisão envolve, além da análise dos resumos, a apreciação dos artigos na íntegra, tendo em vista que nem todos os resumos disponibilizam informações sobre as escolhas metodológicas. Ademais, a leitura integral dos textos permitiu uma análise mais aprofundada acerca dos resultados apresentados.
Cabe ressaltar o importante impacto científico de estudos de revisão da literatura, visto que oferecem um cenário amplo acerca de determinada temática, a partir do qual é possível identificar áreas de concentração de pesquisas, como também aquelas pouco exploradas. Parte-se do pressuposto de que os artigos oferecem resultados atuais e relevantes, permitindo, portanto, o mapeamento do estado da pesquisa na área da paternidade.
Método
Realizou-se um levantamento dos artigos sobre a temática paternidade publicados entre 2000 e 2012. A busca ocorreu no mês de setembro de 2012, nas seguintes bases de dados: The Scientific Electronic Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC) e Index Psi Revistas Técnico-científicas (IndexPsi), todas elas indexadas no portal Biblioteca Virtual de Psicologia (BVS-Psi). Os descritores selecionados para o rastreamento das publicações foram "pai", "paternidade" e "paterno". Anteriormente à definição dos descritores, foram consultados a Terminologia em Psicologia da BVS-Psi e o sítio dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), da BVS. Os termos "pai" e "paternidade" estavam indexados em, pelo menos, um dos sítios supracitados. Apesar do descritor "paterno" não ser encontrado na lista de terminologias da BVS, sua inclusão ocorreu por se referir a variável de interesse deste estudo.
Realizado o levantamento da produção científica em bases de dados previamente selecionadas, ocorreram os seguintes procedimentos: exclusão dos materiais que não correspondiam aos critérios referentes à disponibilização de texto completo em português e à obrigatoriedade de tratar-se de artigo publicado a partir de 2000; leitura dos resumos e primeira seleção dos artigos relacionados ao objetivo do presente estudo; leitura integral dos artigos selecionados para apreciação das categorias de análise e seleção definitiva do material componente do corpo de trabalho.
Os resumos encontrados foram importados para o software EndNote X4. Ocorreu então a retirada de duplicados e a seleção daqueles que atendiam aos critérios previamente estabelecidos. Os artigos selecionados para a análise compreenderam apenas estudos empíricos com texto completo disponível em língua portuguesa e que apresentassem resultados e discussões acerca da figura paterna, mesmo que a paternidade não fosse o tema central. Foram excluídos livros, capítulos de livros, resenhas, teses, dissertações, além dos artigos teóricos e daqueles sem texto completo disponibilizado. Nos casos de dúvida, o resumo passava para a fase de refinamento da busca, quando os artigos eram lidos na íntegra para se avaliar se atendiam aos critérios mencionados. Por fim, os artigos lidos integralmente foram classificados com relação a: ano de publicação, participantes, delineamento metodológico (método, técnica de coleta de dados, tipo de estudo e análise de dados), tema investigado e principais resultados.
A partir da análise dos resumos dos artigos, foram criadas categorias temáticas, de acordo com similaridades nos assuntos abordados, a fim de se organizar a apresentação dos temas investigados e dos principais resultados. Inicialmente, foram criadas 16 categorias, as quais passaram por um processo de reavaliação após a releitura dos artigos, de modo que algumas delas foram aglutinadas e outras foram expandidas, mediante consenso entre juízes, restando para análise e apresentação final apenas oito categorias. Esse processo de refinamento ocorreu devido à percepção de que algumas das categorias iniciais tratavam de uma mesma temática.
Resultados
Foram encontrados 1.447 trabalhos. O descritor "pai" apresentou o maior número de publicações (1.027), sendo 560 no SciELO, 255 no IndexPsi e 212 no PePSIC. Com o termo "paternidade" obtiveram-se 130 documentos no SciELO, 106 no IndexPsi e 58 no PePSIC. "Paterno" foi o descritor que proporcionou menos resultados: 65 no SciELO, 33 no IndexPsi e 28 no PePSIC. Do montante total, 347 publicações foram excluídas por serem duplicadas e, após avaliação dos critérios de inclusão e exclusão, 170 foram selecionadas para leitura integral. Destas, 70 foram desconsideradas após uma segunda apreciação, por não apresentarem informações específicas a respeito da paternidade no contexto brasileiro ou por se tratar de artigos teóricos. Dessa forma, os resultados e discussões baseiam-se na análise de 100 artigos empíricos.
Ano de publicação
O ano que apresentou maior número de publicações foi 2009 (19%), seguido dos anos de 2006 (17%), 2008 (15%), 2010 (13%), 2005, 2007 e 2011 (12% cada), 2002 (8%), 2004 (7%), 2003 (5%), 2001 (4%) e 2000 (1%). A busca referente aos nove primeiros meses de 2012 registrou sete artigos publicados (7%). Optou-se por iniciar a busca a partir de 2000 em função do aumento considerável da produção sobre paternidade neste século. Na primeira busca, sem delimitação de data, foram encontrados apenas 14 artigos sobre a temática anteriores ao referido ano.
Participantes
O pai foi o principal respondente em 46% das pesquisas, pai e mãe foram investigados em 26% dos estudos, e em 10% os filhos foram os respondentes. A mãe respondeu com relação ao pai em 5% das pesquisas, e pai, mãe e filhos foram abordados em 5% dos artigos analisados. No restante dos artigos (8%), as fontes de informação foram homens sem filhos, profissionais de saúde, avós, além de comerciais, filmes e músicas.
Delineamento metodológico
O método mais empregado nos estudos foi o levantamento de dados (que utiliza instrumentos como questionários ou entrevistas para acessar o fenômeno em questão), com destaque para a utilização de entrevistas. A ampla maioria das pesquisas foi de natureza transversal e recorreu à análise qualitativa dos dados. A Tabela 1 apresenta informações sobre a caracterização metodológica dos 100 artigos analisados.
Temas investigados e principais resultados
A fim de organizar a apresentação dos resultados das pesquisas, foram criadas categorias temáticas, conforme similaridades nos temas abordados pelos artigos. Dentro de cada categoria temática serão apresentados os principais resultados dos artigos de forma articulada. A Tabela 2 traz os temas abarcados pelas categorias e a porcentagem de estudos pertencente a elas.
Paternidade, gravidez, parto e puerpério
Fazem parte dessa categoria 25 estudos. Três artigos mostraram que os pais estiveram envolvidos de diversas maneiras durante a gestação de suas companheiras, estando emocionalmente conectados à gestante e ao bebê. Em um dos artigos analisados, alguns pais já haviam construído a imagem mental do bebê e manifestaram preocupações quanto à saúde da criança. No entanto, em outro artigo, houve pais que encontraram dificuldades quanto ao envolvimento com o filho, apresentando baixa ligação emocional com a gestação. Após o nascimento, o envolvimento nos cuidados do bebê não se mostrou tão efetivo quanto planejado, embora houvesse grande proximidade e afeto na relação pai-criança. A presença de indicadores da síndrome de couvade foi tema de outro artigo. Aumento do apetite, nervosismo e mau-humor entre os pais investigados evidenciaram a complexidade da transição para a paternidade e a importância de se conhecerem as vivências e sentimentos do pai durante a gestação de seu filho/a, permitindo o sentimento de inclusão e ajudando o homem a elaborar o novo papel no ciclo de vida.
A investigação da participação do pai no parto foi tema de quatro estudos. Um deles indicou que os homens entendem que estar presente, dar carinho e usar palavras de apoio faz parte do papel de ser acompanhante. Os estudos indicaram a necessidade de incentivo à participação do pai no momento do parto, bem como da preparação dos serviços de saúde para o trabalho com as famílias. Acerca do período puerperal, dois estudos constataram que o homem cuida de sua companheira, reconhecendo que tanto ela quanto o recém-nascido requerem dedicação e tempo após o parto. No que se refere a eventos não normativos do puerpério, outro estudo destacou a depressão pós-parto e salienta que é possível que o pai, quando engajado, possa amenizar os efeitos da depressão materna nas relações familiares. De modo geral, os pais relataram que se preparam financeiramente para a chegada da criança e desempenham papel de provedor no intuito de garantir o sustento familiar. Um artigo ressaltou a alta prevalência de famílias nas quais o pai não tem envolvimento ativo no cuidado do filho, especialmente quando a relação conjugal é conflituosa e a mãe não exerce função remunerada.
Exercício da paternidade
Vinte e dois artigos compõem essa categoria. Oito pesquisas evidenciaram a coexistência de modelos familiares em que há o compartilhamento de tarefas pelo pai e pela mãe, e dois estudos indicaram que as mães são as responsáveis diretas pelos cuidados dos filhos. Conforme os resultados de dois artigos, embora seja relatado maior envolvimento paterno com as crianças, não há participação equivalente no que concerne às tarefas domésticas, ainda percebidas pelos homens como pertencentes ao universo feminino. Três artigos destacaram que, mesmo nos casos em que o homem divide as tarefas de cuidado e domésticas com as esposas, o papel do pai como provedor e supervisor moral continua se sobressaindo. Dessa forma, outros dois estudos concluíram que a visão do pai cuidador, carinhoso, presente e envolvido com seus filhos soma-se à função de disciplinador e provedor financeiro da família.
Dois estudos caracterizaram e compararam as estratégias de socialização de pais e de mães e concluíram que ambos adotam práticas educativas similares. Em uma dessas pesquisas, homens e mulheres relataram utilizar com maior frequência práticas indutivas, em detrimento das coercitivas, e em outra, ambos apontaram a preferência por estratégias de ação centradas em si, em vez daquelas centradas no contexto, ou seja, priorizavam ser ou oferecer modelos de comportamento aos filhos, proporcionar boas oportunidades sociais e dar educação de qualidade.
Três estudos investigaram as variáveis que exercem influência no exercício da paternidade. Os resultados das três pesquisas indicam que os fatores trabalho, escolaridade dos pais, condições e ambiente social de convivência, bem como relacionamento familiar, parecem estar associados ao envolvimento paterno. A satisfação no relacionamento conjugal e a convivência frequente com os filhos também parecem favorecer o engajamento do pai.
Paternidade e desenvolvimento infantil
Quinze pesquisas tratam da paternidade em relação ao desenvolvimento infantil. Um dos artigos mostrou que parece haver relação positiva entre envolvimento dos pais nas atividades escolares, culturais e de lazer do filho e o desempenho acadêmico de crianças. O envolvimento parental aparece também associado com menor índice de hiperatividade e de problemas de comportamento e maior repertório de habilidades sociais da criança.
Outro estudo apontou que a ausência paterna pode gerar conflitos no desenvolvimento psicológico. Ainda acerca dos efeitos da ausência paterna, outro artigo abordou a experiência de uma criança pequena que tem seu o encarcerado e evidenciou, por meio dos relatos das crianças, a importância da figura paterna na vida da família, bem como as dificuldades desencadeadas pela necessidade de reorganização familiar após a prisão. Em um dos artigos, registrou-se que, nas situações em que o pai não participou efetivamente da escolha profissional dos filhos, esses tenderam a eleger alguma figura substituta ou identificaram a mãe como influência significativa.
Em outra publicação analisada, os estilos parentais percebidos por filhos adolescentes como negligente, indulgente ou autoritário tiveram associação significativa com uso de drogas. Quando tais estilos de educação são desempenhados pelas mães, aumenta em três vezes a chance de que o filho adolescente faça uso de drogas, sendo que o papel do pai não aparece com essa mesma relevância. O estilo autoritativo (democrático) por parte da figura paterna aparece associado ao não uso de drogas pelos filhos.
Paternidade e adolescência
Dentre os 14 estudos que tratam dessa temática, 12 se referiram a pais adolescentes e, no restante, são os filhos adolescentes que responderam a respeito do pai. Com relação ao pai adolescente, três pesquisas discutiram o planejamento e a desejabilidade da gravidez juntamente com a parceira, bem como a utilização de métodos contraceptivos e preventivos, enfatizando a necessidade de políticas públicas sobre direitos sexuais e reprodutivos que possam orientar os adolescentes a desempenhar seu papel de maneira efetiva. Em dois artigos, a companheira foi apontada como responsável pela gravidez ou pela sua prevenção, remetendo ao antigo padrão de atribuição de responsabilidade reprodutiva à mulher.
Três pesquisas apontaram que os pais adolescentes sentiram-se satisfeitos com a condição de pai e afirmaram apego aos filhos, mesmo levando em conta o aumento de responsabilidades, acreditando que ser pai envolve trabalhar e sustentar as crianças, além de acompanhá-las, educá-las e prepará-las para a vida. Quatro estudos enfatizaram a importância de apoiar os homens nessa fase para que possam experimentar a paternidade responsável e indicaram que a família contribui tanto para fornecer suporte quanto para transmitir modelos de papéis parentais. Numa comparação entre as paternidades adolescente e adulta, dois estudos apontaram resultados semelhantes entre os grupos, indicando que a idade não pareceu ser fator determinante para a vivência da paternidade. Ademais, assim como os homens adultos, os pais adolescentes também identificaram a figura paterna como a principal responsável pelo provimento econômico da família.
Com relação à opinião dos filhos adolescentes acerca do pai, em um dos estudos os filhos indicaram conversar pouco ou nada com o pai, em comparação com conversar com a mãe, e, mesmo sendo avaliado de forma positiva, o pai parece ocupar lugar periférico na vida do adolescente no que se refere às questões mais íntimas. Outra pesquisa apontou a importância da função paterna em disciplinar e transmitir normas sociais e que, quando essa função não é assumida, os adolescentes demonstram intolerância e falta de limites que culminam na violência expressa no contexto escolar.
Concepções acerca do comportamento paterno
Treze artigos estão englobados nessa categoria. A percepção da figura paterna como afetuosa e participativa na criação dos filhos esteve presente em quatro pesquisas, assim como sua necessidade de ajustar-se às contraditórias demandas do papel tradicional e do modelo contemporâneo do novo pai. Em outro estudo, concepções de mães chefes de família entrevistadas sobre a paternidade remetem à valorização da perspectiva de pai presente e participativo, superando o modelo de provedor e destacando sua função de educador e de autoridade, cabendo-lhe a tarefa de estabelecer limites e de impor regras de conduta. Todavia, também foram identificadas, em dois artigos, noções baseadas no modelo patriarcal, visto que a maternidade é associada à sensibilidade e à submissão, enquanto a paternidade é relacionada à força e à atividade.
De acordo com o relato de mães em uma das pesquisas, embora percebam a dedicação dos pais na interação com as crianças, especialmente em atividades conjuntas, tais como brincar, cantar e conversar, nem todas as reconheceram como atividades de cuidado. No que tange à participação nas tarefas domésticas, os resultados de outra pesquisa indicaram que os pais consideram que sua participação concreta é a ideal, enquanto as mães esperam mais empenho de seus companheiros. Pais e mães consideraram que o ideal de comportamento paterno está distante do real nos aspectos didáticos e de interação social. Entretanto, com relação à disciplina (identificada como domínio de maior participação paterna), avaliaram que o ideal corresponde ao comportamento real do pai.
Em quatro artigos, foram os filhos os respondentes. De acordo com relatos de crianças publicados em um artigo, o pai real não condiz com o ideal em aspectos referentes a cuidado e interação, especialmente nas famílias em que os pais são separados. Assinalaram que o pai ideal seria mais envolvido nos cuidados e se dedicaria mais a brincadeiras e diversão. Em outro artigo, no qual os autores coletaram informações de jovens universitários, houve identificação de papéis parentais tradicionais, indicando a mãe como principal responsável pelos cuidados dos filhos e pelas tarefas domésticas. O pai desempenha a tarefa de brincar com filhos menores e fornecer suporte emocional para toda a família, enquanto a função de prover o sustento familiar passa a ser compartilhada por pais e mães.
Paternidade, deficiência e hospitalização
Nove estudos contemplam essa categoria. Destaca-se a predominância da Síndrome de Down como foco das investigações, visto que três artigos abrangeram essa temática. De forma geral, as pesquisas evidenciaram a importância da figura paterna para o desenvolvimento dos filhos, sendo que três delas ressaltaram o elevado envolvimento do pai no tratamento da criança. Embora o pai tenha alto envolvimento com os filhos, dois artigos destacaram que ele parece desempenhar papel apenas de colaborador nas tarefas de cuidado dos filhos e da casa, prestando auxílio ocasional à mãe.
Os resultados de quatro artigos evidenciaram a continuidade da divisão tradicional de papéis parentais, já que revelam serem os pais os principais provedores do sustento financeiro da família, dispondo de menos tempo, em relação às mães, para ficar com os filhos. Um estudo concluiu, a partir do relato dos participantes, que pais e mães aproveitam de forma diferenciada os momentos que passam com suas crianças, sendo que os pais, ao contrário das mães, investem mais em atividades de lazer, em detrimento das atividades de cuidados básicos.
Os sentimentos relativos à descoberta do diagnóstico e os comportamentos de rejeição foram relatados pelos pais em uma pesquisa. Em outro estudo, concluiu-se que a figura paterna parece adotar postura de proteção das companheiras e da relação mãe-bebê, bem como de principal responsável pela manutenção do otimismo em toda a família quanto ao tratamento da criança enferma. Ressaltou-se, em um dos artigos analisados, a importância de investir no vínculo entre profissionais de saúde e o pai, promovendo sua participação no tratamento da criança e informando-o sobre formas de estimular adequadamente seu filho. Um artigo destacou a carência de pesquisas nacionais acerca de variáveis relacionadas ao pai em famílias de crianças com necessidades especiais, indicando um caminho promissor para futuros estudos.
Paternidade e masculinidade
Os quatro artigos que tratam da paternidade dentro da perspectiva de gênero retrataram o novo pai que surge em função da redefinição da identidade masculina frente à emancipação feminina. São evidenciadas transformações gradativas, ao longo dos anos, nos papéis masculinos, principalmente no que se refere à paternidade. De acordo com uma pesquisa, os homens passaram a ser mais responsabilizados por suas ações na esfera doméstica, e, quanto ao envolvimento no cuidado dos filhos, valoriza-se a igualdade entre os sexos e o ideal de pai amigo e participante. Em outro estudo, os autores ressaltaram que a paternidade não diz respeito somente a ter filhos, mas está relacionada à capacidade de sustentá-los e educá-los. Em duas pesquisas os autores concluíram que o modelo tradicional de paternidade convive com um novo modelo em que o vínculo afetivo é valorizado desde a gestação.
Paternidade em configurações familiares não tradicionais
Nesta categoria são apresentados os resultados de quatro pesquisas. Frente à diversidade de configurações, essas pesquisas enfatizaram que a definição de família vai além das variáveis biológicas e dos laços de consanguinidade, perpassando as formas de união, de intimidade nas relações, de moradia e o compartilhamento de renda, entre outras. Sendo assim, o tipo de conformação familiar depende das interações estabelecidas entre os genitores, da presença ou ausência de filhos, biológicos ou adotivos, da coabitação, da característica de união e de a família ser extensa ou monoparental.
No contexto de pais e mães divorciados ou separados, uma pesquisa demonstrou que as mães são mais envolvidas com seus filhos do que os pais, além de coabitarem com as crianças. Observou-se também o interesse de pesquisadores pela investigação da experiência do pai adotivo e do padrasto. Três pesquisas ressaltaram as dificuldades do processo de adoção legal e a tentativa de superação da falta dos laços consanguíneos por meio do fortalecimento dos laços afetivos. Dois artigos ainda referiram que as mães, mesmo inseridas no mercado de trabalho, são as principais responsáveis pelo cuidado dos filhos adotivos e pela realização de tarefas domésticas, enquanto os pais assumem o papel de ajudantes e se ocupam prioritariamente do suporte econômico da família.
Discussão
A paternidade tem sido cada vez mais considerada nas pesquisas sobre famílias. Evidenciou-se aumento no número de artigos envolvendo a temática, especialmente a partir de 2005, corroborando os resultados dos estudos de revisão sistemática de Souza e Benetti (2009) e de Borsa e Nunes (2011). Esse dado parece ser o reflexo da maior participação do pai na família e no lar, quando comparado com o pai de algumas décadas atrás (Cia et al., 2005).
Em termos metodológicos, constatou-se o predomínio da abordagem qualitativa de dados. Tal achado vem ao encontro dos resultados obtidos em outro levantamento, em que as publicações nacionais totalizaram 50 artigos qualitativos e apenas nove quantitativos (Souza & Benetti, 2009). Em consequência dessa escolha epistemológica, foi evidenciada a preferência pelo levantamento de dados, utilizando questionários e/ou entrevistas na maioria dos estudos. Vale ressaltar que a entrevista, aberta ou semiestruturada, foi escolhida como única técnica de coleta de dados em quase metade das publicações, sendo que em outros estudos ela foi utilizada em associação a outras técnicas.
A partir da constatação de que há preferência por delineamentos qualitativos nas pesquisas brasileiras sobre paternidade, surgem alguns questionamentos: seriam os métodos qualitativos os mais indicados para se alcançar uma compreensão mais realística sobre a paternidade? Ou a escolha do delineamento metodológico tem relação com a tradição científica de cada país? Essas são questões complexas que precisariam de ampla análise, baseada em indicadores de pesquisas no Brasil e no exterior. Nesse sentido, o estudo de revisão da literatura internacional sobre paternidade na adolescência de Levandowski (2001) encontrou que, em cerca de 90% das pesquisas, utilizou-se a abordagem quantitativa, sendo o questionário o instrumento de coleta mais empregado. Tal viés metodológico é explicado pela tradição dessa abordagem nos Estados Unidos, onde a maioria dos estudos foi realizada.
No presente artigo, parte-se do pressuposto de que ambas as abordagens - qualitativa e quantitativa - possuem vantagens e limitações. Embora seja importante ter uma compreensão mais particularizada do objeto de estudo pesquisado (abordagem qualitativa), também é necessário conhecer de forma mais ampla como o fenômeno se caracteriza (abordagem quantitativa). Especificamente no caso do estudo da paternidade, é relevante saber como o homem vivencia e significa a sua experiência com seus filhos no contexto familiar. Da mesma forma, é necessário identificar quais são as configurações de paternidade existentes no contexto macrossocial, como, por exemplo, na cidade, estado ou país. Além disso, as pesquisas brasileiras precisam investir mais em estudos longitudinais que permitam identificar, principalmente, a importância da presença paterna na vida dos filhos.
É relevante destacar também quem são os personagens que participam como fontes de informação sobre o fenômeno paternidade. Em função da importância que a linguagem tem para o ser humano, uma das primeiras alternativas para o acesso às pessoas é criar um contexto favorável à escuta qualificada. Na presente revisão constatou-se que a maioria das pesquisas teve a figura paterna como principal informante, o que permite supor que os pesquisadores brasileiros vêm privilegiando o discurso do pai acerca de suas percepções com relação à paternidade.
Acerca das temáticas trazidas pelos artigos analisados, destacaram-se, por ordem de ocorrência: a) paternidade, gravidez, parto e puerpério; b) exercício da paternidade; c) paternidade e o desenvolvimento infantil; d) paternidade e adolescência; e e) concepções acerca do comportamento paterno. Assim, conclui-se que os resultados das pesquisas realizadas em diferentes contextos (divórcio, adoção, adolescência, deficiência, pré-natal, nascimento ou puerpério) indicam que o papel tradicional de homem provedor do suporte econômico e emocional prevalece, acompanhado do desejo de maior participação direta no cuidado com os filhos. A fim de melhor explorar esse dado, é necessário buscar dados em contextos variados e com diferentes participantes.
O papel paterno parece se encontrar em processo de redefinição, sendo que de um lado encontram-se as exigências do papel tradicional de pai e, de outro, demandas de maior participação e envolvimento (Gomes & Resende, 2004). Em relação ao período gestacional, por exemplo, alguns pais podem demonstrar dificuldades em atender integralmente a esse novo papel de maior participação e envolvimento (Piccinini, Silva, Gonçalves, Lopes, & Tudge, 2004). Embora a parturiente considere a presença de seu companheiro na sala de parto como importante referência emocional (Motta & Crepaldi, 2005), muitas mulheres ainda não incluem e motivam seus companheiros a participarem do período gestacional e até mesmo após o nascimento do bebê. Salienta-se a importância da sensibilização dos setores de saúde e de educação como parte fundamental para a inclusão do pai no pré-natal, parto e pós-parto e, em última instância, na atenção às necessidades da criança (Crepaldi, Andreani, Hammes, Ristof, & Abreu, 2006).
Com relação ao exercício da paternidade, os resultados indicam que, de modo geral, os pais concebem a paternidade como novo encargo social ainda fortemente vinculado à função de provedor material e moral da família, mesmo que vivenciem um processo de transição em que se mesclam o modelo do pai tradicional e outro mais atual, que abrange também as dimensões afetiva e de cuidado. Esses resultados estão em consonância com o estudo de Bornholdt et al. (2007). O desequilíbrio entre homens e mulheres, no que se refere à participação nos afazeres de casa, é evidenciado em outras pesquisas nacionais (Brasileiro, Jablonski, & Féres-Carneiro, 2002; Crepaldi et al., 2006; Gomes & Resende, 2004; Jablonski, 2010). Apesar de os pais da atualidade estarem mais envolvidos com a família e o lar (Cia et al., 2005), há ainda caminhos a percorrer na direção de maior igualdade entre os gêneros e de equilíbrio de responsabilidades com as mulheres (Wagner, Pedrebon, Mosmann, & Verza, 2005).
O terceiro tema mais investigado foi a relação entre paternidade e o desenvolvimento infantil. Esse interesse pode ser explicado em função de outros resultados. Se as pesquisas estão indicando que o pai está mais participativo, então a próxima questão que se coloca é: qual é a influência do pai no desenvolvimento de seu filho/a? Os resultados dos artigos indicam alguns apontamentos sobre a influência da presença ou da ausência da figura paterna na vida dos filhos, mas observa-se a escassez de estudos que investiguem quais aspectos específicos do desenvolvimento infantil são influenciados pelo pai, especialmente no que se refere à produção nacional (Cia et al., 2005).
Acerca da paternidade na adolescência, muitas questões podem dificultar o processo de tornar-se pai, entre elas a preparação para a paternidade, a necessidade de abdicar da liberdade para se dedicar à família e de ter que trabalhar e assumir responsabilidades. Embora os pais adolescentes sejam, muitas vezes, classificados como ausentes, estudos têm demonstrado que eles vêm assumindo o seu papel acompanhando as mães nesse processo (Levandowski & Piccinini, 2006). O estudo dessa temática, além de revelar questões sociais relevantes, permite a identificação das necessidades dos jovens a fim de que possam desempenhar de forma mais efetiva o papel paterno em idade precoce (Levandowski & Piccinini, 2006).
No que tange às concepções acerca do comportamento paterno, a análise dos artigos aponta que, embora estejamos em processo de mudança sobre o que se espera de um pai e de uma mãe, e o compartilhamento de funções e tarefas ocorra mais frequentemente nas famílias, as figuras do pai provedor financeiro da família e da mãe responsável pelos cuidados emocionais e afetivos parecem perdurar (Gaertner, Spinrad, Eisenberg, & Greving, 2007). Nesse sentido, Lewis e Dessen (1999) ressaltam que em muitas sociedades os pais continuam a ser os responsáveis pelo provimento financeiro das famílias e pouco se envolvem nos cuidados diretos dos filhos. Nas sociedades contemporâneas ocidentais, mesmo que exista a exigência de que os homens se envolvam ativamente no contexto familiar, ainda é forte a crença de que são incapazes de cuidar dos filhos adequadamente. Essa contradição leva, muitas vezes, à exclusão do pai das tarefas de cuidar e à falta de reconhecimento de seu engajamento no cuidado (Crepaldi et al., 2006).
A respeito da paternidade relacionada à deficiência ou à hospitalização de um filho, as pesquisas ressaltam a importância de intensificar estudos que tratem do tema e que procurem compreender o impacto que essa condição exerce sobre a experiência paterna. Além disso, é necessário que sejam desenvolvidas pesquisas que se proponham a investigar e compreender tanto o papel do pai na família como no ambiente das crianças (Silva & Aiello, 2009). Ademais, Henn e Piccinini (2010) destacam que estudos envolvendo a deficiência geralmente apresentam limitações, pois não se centram nos sentimentos e na participação efetiva de pais e mães, além de apresentarem resultados pouco consistentes.
Os resultados das pesquisas sobre a paternidade em configurações familiares não tradicionais ratificam a noção de que transformações sociais e econômicas ocorridas nas últimas décadas acarretaram mudanças nas funções e papéis parentais e impulsionaram o aumento de configurações familiares que divergem da tradicional - formada por pai, mãe e filhos. Novas configurações familiares estão sendo delineadas, e essas alterações repercutem no comportamento parental (Jablonski, 2010). Dessa forma, o conceito de família tem se transformado, procurando retratar as relações estabelecidas na sociedade atual (Jablonski, 2010; Wagner et al., 2005). Pouco se conhece acerca das diferentes configurações existentes, sendo necessário, portanto, intensificar as pesquisas que buscam compreender as funções que podem ser desempenhadas pela figura paterna, independentemente de ser ou não pai biológico, do sexo masculino ou feminino e dos laços de parentesco ou consanguinidade com a criança. O que se espera é que as pesquisas ampliem o conceito de família e também as definições de papéis de cada membro envolvido.
As alterações que ocorreram no exercício da paternidade influenciaram a identidade masculina, perpassando questões relativas a valores e crenças (Jablonski, 2010). As transformações familiares geraram expectativas e cobranças em relação ao homem, tanto nas suas funções de pai como de esposo. Pais que possuem atitude liberal em relação às atribuições masculinas e femininas têm influência positiva sobre as várias dimensões do engajamento paterno e, especialmente, sobre a participação nos cuidados básicos da criança (Turcotte & Gaudet, 2009). Mesmo que se evidencie um momento de transição que se encaminha para maior participação paterna, mulheres e homens ainda são identificados em uma prática conservadora que delimita certa diferenciação nos papéis de gênero (Brasileiro et al., 2002).
Cabe destacar que são diversos os olhares teóricos que podem contribuir para o estudo da temática da paternidade. Ademais, os resultados aqui apresentados evidenciam a diversidade de ângulos de investigação adotados pelas pesquisas, desde a relação do pai com a gravidez, perpassando pela questão da adolescência, desenvolvimento infantil, hospitalização ou deficiência de um filho, até as questões de gênero, masculinidade e as diferentes configurações familiares.
O modo de investigar e compreender as funções parentais produzirá resultados variados que juntos contribuem para melhor explicar o objeto de estudo como um todo. O conhecimento precisa avançar no sentido de explorar as mais variadas temáticas sobre diversos olhares. Nesse sentido, a discussão com outras áreas do conhecimento, como as ciências sociais, pode aprofundar a compreensão sobre o tema da paternidade. A antropologia, por exemplo, traz importantes contribuições, na medida em que busca uma ampliação do conceito de família e da noção de laços de parentesco, que podem ser utilizados para melhor explicar os diferentes tipos de configurações familiares e de relações existentes na atualidade (Fonseca, 2008).
Neste estudo de revisão, foram levados em consideração tanto os aspectos metodológicos das pesquisas quanto seus resultados. Ressaltam-se algumas limitações, relacionadas à maior apreciação de aspectos importantes, tais como a definição do tipo de configuração familiar utilizada, a delimitação do contexto social e econômico, além do destaque da área de conhecimento que conduz as reflexões. Diante dos resultados apresentados, pode-se dizer que o cenário de pesquisas em família no Brasil ainda precisa evoluir para que seja possível compreender as definições dos modos de participação de cada um dos seus membros.
É necessário ampliar o foco das investigações e das discussões, procurando compreender a figura paterna desde os seus atributos pessoais (personalidade, experiência pessoal, idade, escolaridade, renda), considerando as questões sociais e de interação com os pares (figura materna, história familiar, padrões de interação familiar intergeracionais e comunidade), além de aspectos macrossociais, como fatores contextuais e culturais. Pretende-se com isso alavancar pesquisas que forneçam subsídios e respostas ao que ainda não se conhece e acrescentar diferentes resultados a variadas temáticas, tais como as que envolvem as configurações familiares e a experiência de cada pai.
Conclusões
De modo geral, a análise empreendida indica que o exercício da paternidade passa por um período de transição, em que há o reconhecimento da importância da figura paterna para o desenvolvimento da criança e da necessidade de que o pai participe de maneira ativa nos cuidados dos filhos. Todavia, ainda se mantêm aspectos dos papéis parentais tradicionais, na medida em que o pai é caracterizado como ajudante da mãe, conferindo a ela a responsabilidade majoritária pela criação dos filhos.
Aponta-se a necessidade de que pesquisas futuras avancem em termos de metodologia e instrumentos empregados. Indica-se a realização de pesquisas longitudinais que se proponham a evidenciar as repercussões do pai no desenvolvimento infantil, principalmente no que se refere ao comportamento social das crianças. Ressalta-se a relevância da utilização de estudos observacionais que investiguem o fenômeno de modo direto e em situações específicas, bem como de instrumentos de medida próprios para acessar o pai. Por fim, recomenda-se intensificar estudos nas diversas configurações familiares, especialmente naquelas em que o pai não está presente fisicamente e/ou emocionalmente, e investigar com profundidade os fatores que podem exercer influência no envolvimento paterno.
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Endereços para correspondência:
Mauro Luís Vieira
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Carina Nunes Bossardi
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Lauren Beltrão Gomes
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Simone Dill Azeredo Bolze
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Maria Aparecida Crepaldi
maria.crepaldi@gmail.com
Cesar Augusto Piccinini
piccinini@portoweb.com.br
Submetido em: 12/03/2013
Revisto em: 27/03/2014
Aceito em: 06/04/2014