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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.66 no.2 Rio de Janeiro  2014

 

ARTIGOS

 

O cárcere obsessivo: o pensamento como ato*

 

The obsessive jail: the thought as an act

 

La cárcel obsesiva: el pensamiento como acto

 

 

Camila Peixoto FariasI; Marta Rezende CardosoII

IPós-Doutoranda. Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Santa Maria. Estado do Rio Grande do Sul. Brasil
IIDocente. Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica. Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Estado do Rio de Janeiro. Brasil

Endereços para correspondência

 

 


RESUMO

Na neurose obsessiva há regressão tópica do ato ao pensamento, que passa a ser sustentado por uma energia normalmente reservada às ações, ganhando assim valor de ato. Nosso objetivo neste artigo é analisar os elementos metapsicológicos envolvidos nessa problemática. Destacaremos a articulação entre o processo de pensamento e o sentimento de onipotência, articulação de especial relevância em nosso estudo da neurose obsessiva. Procuraremos mostrar que tanto a manipulação do pensamento quanto os rituais obsessivos implicam a inibição do ato. O pensamento é o terreno em que se manifesta um dos aspectos mais importantes da Zwangsneurose: a compulsão. Tentaremos investigar qual seria a natureza singular dessa compulsão nessa modalidade de neurose.

Palavras-chave: Neurose Obsessiva; Pensamento; Onipotência; Ato; Compulsão.


ABSTRACT

In obsessional neurosis there is topical regression from the act to the thought that then becomes supported by an energy usually reserved for actions, thereby gaining the value of an act. Our goal in this article is to analyze the metapsychological elements implicated in this problem. We will highlight the link between the process of thought and the feeling of omnipotence; articulation that has particular relevance to our study of obsessional neurosis. We will try to show that both the manipulation of thought and the obsessive rituals implicate the inhibition of the act. Thought is the ground where one of the most important aspects of Zwangsneurose appears: the compulsion. We will try to investigate what is the unique nature of this compulsion in this kind of neurosis.

Keywords: Obsessive neurosis; Thought: Omnipotence; Act; Compulsion.


RESUMEN

En la neurosis obsesiva hay regresión tópica del acto al pensamiento, que pasa a ser sostenido por una energía normalmente reservada a las acciones, obteniendo con ello el valor de acto. Nuestro objetivo en este artículo es analizar los elementos metapsicológicos implicados en este asunto. Vamos a poner de relieve la relación entre el proceso de pensamiento y el sentimiento de omnipotencia, articulación de particular relevancia para nuestro estudio de la neurosis obsesiva. Trataremos de mostrar que tanto la manipulación del pensamiento como los rituales obsesivos implican la inhibición de la acción. El pensamiento es el terreno donde se manifiesta uno de los aspectos más relevantes de la Zwangsneurose: la compulsión. Vamos a tratar de investigar cuál es la naturaleza única de esta compulsión en este tipo de neurosis.

Palabras clave: Neurosis obsesiva; Pensamiento; Omnipotencia; Acto; Compulsión.


 

 

Na neurose obsessiva, o pensamento apresenta dois traços fundamentais: a sexualização e a ruminação obsedante. Sustenta Freud (1910/2006) que se opera nesse caso um recalque prematuro das pulsões de ver e de saber, elemento que julga ter grande relevância e se mostra essencial no entendimento das determinações da tendência à intensa sexualização do pensamento.

Pretendemos investigar o que estaria na base dessa tendência. Para realizar esse objetivo, apresentaremos uma reflexão eminentemente teórica cujo modelo metodológico é do tipo qualitativo, a partir de uma perspectiva hipotético-dedutiva. De acordo com o método que orienta o pensamento freudiano, as considerações metapsicológicas estão necessariamente articuladas com o registro da psicopatologia. Ao nos debruçarmos sobre a singularidade do processo de pensamento na neurose obsessiva, estaremos atentos ao que se encontra em jogo no funcionamento psíquico dos sujeitos em questão, privilegiando aspectos intrapsíquicos e intersubjetivos, atentos à vinculação entre os planos da dinâmica e economia pulsionais e o das relações objetais.

Voltemo-nos, então, para os fundamentos da referida tendência à sexualização do pensamento na neurose obsessiva.

Freud (1910/2006) propõe a existência de estreita relação entre o processo de pensamento e a pulsão de saber, deixando claro que seria mediante a ajuda da pulsão de saber que o ato viria a ser substituído por atos preparatórios de pensamento. No entanto, ele não chega a aprofundar essas proposições, deixando-as indicadas, entretanto, como pistas de pesquisa que vieram incitar a nossa reflexão.

A pulsão de saber se manifesta, inicialmente, pela curiosidade infantil. Esta, aliada aos seus desdobramentos ao longo da vida infantil, está inicialmente ancorada no plano da relação primária. A maneira pela qual a curiosidade infantil será encaminhada nessa relação revela-se fator determinante para o destino da pulsão de saber no psiquismo e, portanto, para a constituição do processo de pensamento.

No início o funcionamento do aparelho psíquico é inteiramente orientado pela busca de satisfação, submetido ao princípio de prazer e à lógica do processo primário. Seu objetivo principal é evitar o acúmulo de excitações, o que é realizado principalmente através da motilidade, da descarga das excitações. O bebê encontra-se em uma condição de impotência, completamente dependente do mundo externo, do outro. A presença do outro é fundamental para a realização da ação específica e, assim, para a experiência primária de satisfação.

Em um primeiro momento a alucinação do objeto é seguida pela apresentação efetiva do objeto materno, em função dos cuidados que dispensa ao bebê. No momento em que este busca o seio, encontra-o, o que cria uma ilusão de onipotência. Essa é a condição que permite o recurso à realização alucinatória do desejo. Porém, Freud (1900/2006) nos alerta que esse modo primitivo de funcionamento do psiquismo deve ser substituído por um modo de funcionamento mais bem adaptado à realidade. É a ausência da mãe que possibilitará a continuidade da estruturação psíquica. A ausência, porém, deverá ser transitória: ausência da satisfação esperada.

Torna-se necessário ao aparelho psíquico adquirir a possibilidade de lidar com o aumento de tensão de uma forma mais elaborada, o que só será possível mediante a inserção do processo secundário. A descarga passa a ser evitada, o aparelho devendo suportar um acúmulo maior de excitação cujo objetivo é articular uma ação motora que modifique adequada e intencionalmente o mundo externo. O pleno desenvolvimento do processo secundário e, assim, do pensamento está diretamente ligado ao sucesso do recalque da experiência de perda.

Essa operação comanda o nascimento do julgamento, do pensamento, da linguagem e, consequentemente, da ação dirigida ao mundo externo visando ao prazer. A experiência subjetiva de perda do objeto é o que possibilita o encontro com o desejo do outro, com a figura materna como objeto total. O confronto com esse desejo pode ser considerado a primeira e mais fundamental expressão da realidade. Segundo Freud (1925/2006), a perda dos objetos que outrora trouxeram satisfação é a condição essencial para a efetivação do teste de realidade.

Essa passagem transcorre de forma lenta e progressiva, não sem implicar muitas tentativas de se restabelecer o estado anterior de onipotência. Acrescenta Dorey (1981) que o principal recurso utilizado pelo bebê, em sua tentativa de ocultação da vivência de perda, se dá através da sua identificação com a posição de objeto de desejo materno, com a retomada, desse modo, da dominância de uma relação de tipo direto, imediato, exclusivo.

A recusa materna dessa identificação do bebê à posição de objeto de seu desejo instaura uma separação radical. Opondo-se a essa posição identificatória de tipo absoluto, a mãe indica o terceiro, o pai, como objeto ao qual seu desejo é dirigido; isso permite que a experiência da perda do objeto se inscreva em novo contexto significativo, com valor de a posteriori. Abre-se assim a possibilidade de metaforização da perda do objeto, de valor essencial para a qualidade do funcionamento psíquico.

O desejo materno tornar-se-á um enigma para o bebê, enigma que ele tentará desvendar. Isso caracteriza a transformação do desejo dirigido à mãe em desejo de saber; saber diz respeito, em última instância, ao desejo materno. O interesse do bebê passa a dirigir-se ao pai, à relação estabelecida entre pai e mãe, da qual ele é excluído. Essa mutação revela-se decisiva para a constituição do processo de pensamento. Como pontua Dorey (1988), o desejo de saber está diretamente ligado, portanto, à configuração edipiana, sendo que o sentido último dessa curiosidade adviria, em grande parte, da interrogação acerca de suas origens. O desejo de saber se manifesta através da pulsão de saber.

 

"Amadurecimento" precoce: rumo a uma dúvida torturante

Como apontamos anteriormente, a curiosidade infantil é a principal expressão da pulsão de saber. Investigando o desejo materno, o sujeito vem a se confrontar com o interdito paterno, com o pai como objeto do desejo materno (Freud, 1910/2006). Isso limita, regula a curiosidade, retira a problemática do incesto de seus domínios, deixando-a livre para exercer sua atividade, sem os entraves ligados aos conflitos próprios à sexualidade infantil. Porém, quando a relação com o objeto materno traz a marca da sedução traumática, a criança tende a um amadurecimento precoce. Esse amadurecimento defensivo se dá particularmente pela hipertrofia do registro do pensamento, pela intensificação da curiosidade, que se manifestará, especialmente, na exacerbação da investigação sexual, de caráter defensivo.

Nesse contexto, o desejo materno não se constitui como enigma para o bebê: ao contrário, torna-se violento, passa a comportar uma dimensão excessiva, incestuosa. A regulação do desejo de saber fica prejudicada, a interdição paterna não se dá de forma consistente, e a curiosidade torna-se ainda mais intensa, pois é invadida pelos conflitos ligados à sexualidade infantil, o que determinará o recalque precoce da pulsão de saber. Esse recalque precoce constitui significativo elemento para podermos situar os fundamentos dessa sexualização do pensamento, que tem lugar na neurose obsessiva (Freud, 1910/2006).

As ideias de Dorey (1988) vêm em nosso auxílio para elaborarmos essa última indicação de Freud. Contaminada pelos conflitos próprios à sexualidade infantil, o destino da pulsão de saber é o recalque precoce; porém, em função de sua violência, ela contorna a barreira do recalque e vem a se apresentar de maneira deformada e entravada, imprimindo às operações do pensamento a marca da angústia e do prazer, próprios à atividade sexual.

Há aqui fracasso parcial do recalque, que autoriza uma espécie de aceitação intelectual do recalcado, possibilitando o retorno da pulsão de saber que então invade o pensamento com os violentos conflitos ligados à sexualidade infantil. A compulsiva ruminação obsessiva seria a expressão de tal invasão. A pulsão de saber retorna sob a forma particular da atividade intelectual, que muitas vezes passa a ser expressão maior de toda a vida libidinal do sujeito. Isso se dá mediante funcionamento compulsivo, e a atividade de investigação pode substituir totalmente a atividade sexual, o que lhe confere caráter entravado, sendo impedido seu desenvolvimento. A inteligência e a possibilidade de sublimação permanecem neutralizadas, tendo o pensamento se tornado campo de batalha entre a pulsão de saber e as defesas egoicas (Dorey, 1988).

Por um lado, há a intensificação da busca pelo saber; por outro, um movimento contrário que põe em dúvida o saber. O sujeito passa a não confiar em suas investigações, instaurando-se, assim, perpétuo e compulsivo circuito de investigações. A dúvida parece constituir o recurso encontrado pelo ego para defender-se dos conflitos.

O neurótico obsessivo parece fazer de tudo para não saber o que deseja realmente saber. A principal consequência da dúvida é a impossibilidade de fazer escolhas, levando ao adiamento infindável de qualquer decisão, paralisando a ação. Trata-se, entretanto, de um adiamento distinto daquele que seria próprio do processo secundário em que a ação vem a ser mediada pelo trabalho de pensamento, com vistas ao prazer.

"A não ação do processo secundário é um compasso de espera, um intervalo temporário que, mais do que substituir a ação, precede-a e aprimora-a" (Gurfinkel, 2005, p. 262). O processo de pensamento se torna o palco do conflito entre a pulsão de saber e a dúvida; em última instância, o palco sobre o qual se trava o embate entre o ego e o pulsional, ancorando justamente as compulsivas ruminações obsessivas.

O torturante aprisionamento na dúvida e a impossibilidade da tomada de decisão implicam severa paralisação da esfera da ação, indefinidamente adiada, posto que o pensamento não realiza a sua função original - a de mediar a ação - ; ao contrário, impossibilita-a, mantendo-a como tabu, fortemente inibida.

 

Regressão à onipotência: a contribuição de Ferenczi

Encontramos na obra de Ferenczi contribuições importantes acerca da problemática da onipotência narcísica, apontando caminhos que não chegaram a ser trilhados por Freud. De acordo com Ferenczi, os neuróticos obsessivos permanecem presos a uma problemática de onipotência incondicional: "Pois o que é onipotência? É a impressão de ter tudo o que se quer e de não ter nada a desejar" (Ferenczi, 1913/1992, p. 42). A obsessão representa justamente o retorno a um estágio em que desejar é idêntico a agir, no sentido da realização do desejo.

O neurótico obsessivo é descrito como alguém que, à semelhança da criança, não renuncia à onipotência do pensamento, onipotência incondicional. Mantém-se aprisionado, defensivamente, ao estágio no qual os desejos se realizam magicamente através de transformações autoplásticas - estágio anterior à aquisição do sentido de realidade.

Ferenczi (1913/1992) sublinha o descompasso existente entre a linguagem do adulto e a da criança, assim como os efeitos traumáticos derivados desse descompasso. Em A criança mal acolhida e sua pulsão de morte (Ferenczi, 1929/1992), aborda os efeitos negativos que um acolhimento inicial pouco amoroso poderia causar no psiquismo do bebê. As consequências de tal circunstância vão desde pessimismo e aversão à vida até o surgimento de doenças capazes de levar à morte. Um dos pontos mais importantes de seu entendimento da etiologia da neurose obsessiva reside no peso dado ao outro, às primeiras relações.

Para Ferenczi (1933/1992), toda criança, no início da vida, vai se deparar com confusão entre sua linguagem e a dos adultos. A sexualidade infantil organiza-se como linguagem da ternura, marcada pelo lúdico, etapa que antecede uma sexualidade que estaria sob o primado da genitalidade. Já a linguagem adulta organiza-se como linguagem da paixão, regida pelo primado da genitalidade, marcada por recalcamentos e por sentimento de culpa. O adulto pode ser dominado por seus desejos e, sendo assim, pode vir a impô-los violentamente à criança.

O autor indica os dois modos pelos quais o mundo adulto impõe sua linguagem ao bebê: pela sedução, de maneira terna, suave e gradual, ou pela via da intimidação, de maneira violenta e cristalizadora. A sedução levaria a criança a buscar significações para suas vivências, a participar de um mundo de simbolizações que, pouco a pouco, vai sendo descortinado. Quando não se revela excessiva e intimidadora, a linguagem do adulto exerce sobre a criança pressão traumática cujo caráter é, no entanto, estruturante, uma vez que aciona uma exigência de trabalho ao psiquismo, levando-o a produzir representações.

Já a intimidação rouba a fala da criança, cristaliza a palavra, impedindo que seja pronunciada e possa produzir novas representações, fazendo com que determinados elementos fiquem clivados, situados à parte do universo simbólico. Na situação de intimidação, a criança vê-se exposta, de maneira violenta, às paixões (sexuais) do adulto, a uma linguagem excessiva. Portanto, dependendo da forma como dirige seus cuidados ao bebê, a mãe poderá instaurar modos de relação que corresponderiam à sedução ou à intimidação. Isso vai depender da qualidade e da intensidade de seus afetos em diferentes momentos, e também das estratégias inconscientes de desejo presentes nesses cuidados. São processos que terão forte influência sobre as estratégias de sobrevivência no decorrer da vida psíquica do sujeito.

Ferenczi (1933/1992) pensa a questão da intimidação relacionando-a à noção de desmentido. No desmentido, uma história contada pela criança (relacionada a um fato real de natureza sexual) é relegada pelo adulto ao plano da mentira - o adulto trata o acontecimento como ficção, não como real. Desse modo, a situação vivida fica sem possibilidade de compreensão pela criança.

Em consonância com as ideias de Reis (2004), consideramos que, embora muitas vezes esteja referido a um abuso sexual stricto sensu, o desmentido não se restringe a essa circunstância. Também pode se fazer presente nas situações em que o adulto não cumpre seu papel de intérprete, quando desmente e desqualifica o vivido da criança, não só o seu prazer ou sofrimento, mas também o seu modo de ver e significar o mundo. Em outras palavras, o desmentido diz respeito ao não acolhimento da singularidade da criança, quando o adulto lhe impõe uma linguagem excessiva, traumática.

A fonte da intimidação não seria a exigência de renúncia às satisfações pulsionais - conforme as leis edipianas - , mas sim a resposta à ternura da criança com uma linguagem situada à margem da lei. Ao situar o bebê na posição de objeto do seu desejo, a mãe o expõe a uma linguagem violenta. Essa exposição constitui uma das principais bases da neurose obsessiva. Sobre esse aspecto, relativo à posição do sujeito, tendendo a ser colocado como objeto do desejo da figura materna, poder-se-ia fazer menção às contribuições lacanianas a respeito da noção de falo e da função fálica. Porém, sendo a linha de argumentação deste artigo apoiada em referencial tão diverso daquele orientado pelo pensamento de Lacan, enveredar por esse caminho representaria certamente desconsiderar as bases desse outro sistema teórico no qual se insere a noção de função fálica.

De acordo com a visão que orienta nossa reflexão, desejamos enfatizar os aspectos traumáticos próprios à gênese da neurose obsessiva, os quais, em nosso ponto de vista, são decorrentes, em primeiro lugar, do modo de relação estabelecido com o objeto primário. A esse respeito, mostra Kristeva (1988) que a mãe do obsessivo tende a colocá-lo na posição de objeto de seu desejo, proposição que possui, no nosso entender, estreita sintonia com as ideias de Ferenczi. A reatualização do sentimento de onipotência é um recurso que o ego vem acionar como defesa para fazer frente ao traumático e, particularmente, à perda do objeto, já que esta resultaria em vivência de aniquilamento, de despedaçamento psíquico.

Segundo Ferenczi (1923/1993), para se defender do sofrimento decorrente do desmentido, o obsessivo amadurece à força, torna-se sábio, um bebê sábio. O bebê sábio designa a criança que luta contra um adulto agressor que não a reconhece em sua diferença. Diante de um perigo, ela pode realizar, por clivagem, uma identificação prematura com o papel de adulto, passando a cuidar do eu ferido, a protegê-lo. Essa situação é pensada a partir da ideia de uma clivagem da inteligência na criança infeliz, que se exprime pela hipertrofia do pensamento.

Ao se referir a esse processo, o autor menciona interessante metáfora. Fala de um fruto que se tornaria precocemente maduro e saboroso por ter sido ferido por um pássaro. Do mesmo modo, a parte clivada do ego torna-se adulta, protetora e previdente, buscando o domínio constante do outro para não se deixar por ele surpreender. Em contrapartida, clivada dessa primeira, resta intacta uma outra parte, aquela que corresponde à criança frágil e assustada, que permanece operando sob a lógica da ternura. Torna-se, então, solícita, amável, prestativa, pronta a cuidar dos outros, com maturidade incompatível com sua idade biológica. Esse processo o autor denomina progressão traumática.

Como esse amadurecimento se dá de forma abrupta e defensiva, não consistente, o ego apela à hipertrofia do pensamento, defesa apoiada num movimento de regressão do agir ao pensar e que permite a manutenção do sentimento de onipotência. O processo de pensamento desvia-se, assim, de sua função, colocando-se a serviço de uma função defensiva e adquirindo, por esse meio, valor de ato.

 

Tabu do toque: inibição da ação

No plano da realidade psíquica, estabelece-se a identidade entre pensamento e ato. Opera-se na neurose obsessiva importante deslocamento do pensamento do crime (desejo proibido) ao crime de pensamento (desejo percebido como ato realizado). Surge a figura do criminoso em pensamento e inocente em ato (Laplanche, 1987).

O desejo passa a ser articulado ao crime, e não à interdição, fazendo com que o ego lute incessantemente para impedir sua satisfação para evitar a ação dirigida ao objeto. A proibição dirige-se tanto aos impulsos eróticos quanto aos agressivos. O tabu de tocar condensa assim o não gozarás e o não matarás, condenando o sujeito à inibição da ação, pois nenhuma ação dirigida ao objeto é permitida. Esse parece ser o mandamento fundamental da religião particular do obsessivo (Gurfinkel, 2005). A possibilidade de realização de um ato articulado ao mundo externo, que vise ao prazer - o objeto - , é inibida.

Na neurose obsessiva há inibição específica cujo caráter é patológico. Tal inibição é operada pelo ego como medida de precaução contra o encontro com o objeto, contra a satisfação pulsional. Em outras palavras, como precaução contra a realização de um crime já cometido em pensamento.

Gurfinkel (2005) propõe uma comparação entre neurose obsessiva e neuroses por ele denominadas impulsivas, comparação que nos parece muito pertinente e nos auxilia a entender a inibição da ação, de caráter patológico, própria à neurose obsessiva. Nesta, a exigência pulsional não resulta em ato, ao contrário das neuroses impulsivas, em que há justamente hipertrofia da ação: a ação precede e/ou substitui o pensamento. A excitação pulsional conduz inevitavelmente ao ato que elimina a tensão. A eliminação da dor e da tensão sobrepõe-se aqui à busca do prazer. A forma como a excitação pulsional é experimentada diferencia-se da neurose obsessiva em função de sua irresistibilidade.

Nas neuroses impulsivas há o predomínio da ação impulsiva e irrefreável, semelhante ao modo de funcionamento do homem primitivo. O agir reduz-se a uma dimensão puramente econômica, com a eliminação de todo trabalho representacional. Agir é não falar, não pensar, mas apenas descarregar a tensão psíquica que não pôde ser processada. A resposta imediata através da ação atrofia o processo de pensamento, sendo, ao mesmo tempo, o resultado de tal atrofia, movimento que seria próprio ao regime do processo primário. Enquanto permanecer essa busca da descarga imediata das excitações, não haverá lugar para a predominância do processo secundário.

Assim, para Gurfinkel (2005), na neurose obsessiva agir é falar demais, revelar; é, acrescentaríamos nós, realizar o desejo, cometer um crime. Quando a interdição não é interiorizada de forma consistente, o ato passa a se confundir, no plano subjetivo, com um ato criminoso a ser inibido, proibido. Portanto, embora em ambas as patologias o sujeito sinta-se compelido a agir, a maneira como isso se dá nas duas situações clínicas é inteiramente distinta. Nas neuroses impulsivas, o sujeito entrega-se ao ato; na neurose obsessiva, o ego faz de tudo para evitá-lo, só o permitindo sob forma ritualizada. A energia que deveria dirigir-se ao ato dirige-se ao pensamento. O tocar, que assume caráter imperativo nas neuroses impulsivas, é sujeito a violentas inibições e proibições na neurose obsessiva.

Se na neurose obsessiva a ação é adiada indefinidamente por uma defesa de autoproteção, possibilitada pela reclusão na caverna dos pensamentos, no outro caso (neuroses impulsivas) é a ação de descarga que serve como defesa contra a atividade de pensamento (Gurfinkel, 2005, p. 270).

Se, por um lado, o neurótico obsessivo não é dominado por uma ação de descarga primitiva, intolerante ao adiamento e à suspensão da descarga de excitação, por outro, ele não atinge um modo de funcionamento psíquico efetivamente regido pelos processos secundários: "o pensamento não é mais uma atividade preparatória e organizadora de uma ação mais eficaz, mas, enquanto fim em si mesmo, tem sua natureza pervertida" (Gurfinkel, 2005, p. 263).

Haveria na neurose obsessiva uma perversão do circuito do pensar-agir, uma fixação no meio do percurso em direção à constituição do processo secundário; a finalidade última de busca de prazer por meio de uma ação articulada no mundo externo é abandonada. Parece-nos especialmente rica essa ideia de fixação no meio do percurso em direção à constituição do processo secundário. Ela se entrecruza com a noção de progressão traumática, de Ferenczi (1923/1993), processo que, como assinalamos, implica o amadurecimento egoico abrupto e defensivo cuja consequência é, dentre outras, a hipertrofia do pensamento. Esse "salto" na constituição do processo secundário se dá à custa do comprometimento de suas funções.

O pensamento perde o elo com a ação desejada e planejada; o que deveria ser um meio (para a ação) acaba por se tornar um fim em si mesmo. A manipulação das representações não se coloca a serviço de efetiva elaboração, por se constituir como defesa extrema contra a excitação pulsional. A soma de excitação permanece na esfera psíquica, conferindo caráter compulsivo aos pensamentos, fazendo com que o ego permaneça em constante estado de alerta.

Além de seu aspecto defensivo, a manipulação do pensamento comporta também satisfação (Fédida, 2003). O pensamento tem sua natureza pervertida, sua sexualização sinaliza tal perversão. "Os 'prazeres' preliminares do pensamento preparatório se tornam, em analogia à concepção freudiana inicial da perversão, um fim em si mesmo, em detrimento da ação (ou, se quisermos, da sexualidade genital)" (Gurfinkel, 2005, p. 263). Na neurose obsessiva, o toque ao objeto está interditado, mas a manipulação do pensamento permite ao sujeito uma satisfação substitutiva, autoerótica. A sexualização do pensamento fica atrelada ao tabu de tocar.

Além de exigir contrainvestimento permanente por parte do ego, essa cristalização do pensamento conduz, gradativamente, a embotamento perceptivo e anestesia corporal. As percepções são solicitadas como confirmações da realidade interna, auxiliando a manutenção da fantasia de onipotência. A possibilidade de ação do obsessivo reduz-se aos rituais, atos submetidos à sua religião particular, ao mandamento principal por ela instituído: a proibição do tocar.

 

O império da inação

A vida dos obsessivos é repleta de rituais, restrições cumpridas por ocasião de certas ações da vida cotidiana, de maneira sempre semelhante ou com variações regulares. Essas atividades dão a impressão de ser simples formalidades e dessa maneira são sentidas também pelos próprios sujeitos, que, porém, não são capazes de dispensá-las. Tudo se passa como se fosse um ato sagrado, impossível de ser negligenciado.

Os rituais obsessivos obedecem a leis desconhecidas que regulam o permitido e o proibido, qual uma religião particular. Freud (1907/2006) destacara que tais rituais originam-se do sentimento de culpa, colocando em evidência seu caráter expiatório, punitivo. Por outro lado, indicara que são, justamente, a repetição deslocada do ato proibido, como satisfação substitutiva.

Vale sublinhar uma característica particularmente importante dos rituais obsessivos: na maioria das vezes, estes ocorrem em dois tempos, o segundo anulando o primeiro. Fazer e anular é sequência inútil quanto ao seu resultado. O ato obsessivo resulta da sobreposição de duas ações contrárias que se anulam, marca de sua dimensão bifásica. Quando essa tendência é levada ao extremo, muitas vezes não mais é possível perceber a sobreposição das duas ações, mas apenas a ausência de ação - seu efeito (Gurfinkel, 2005).

Na construção sintomática na neurose obsessiva, não há conciliação entre as tendências opostas que estão em jogo. Pelo contrário, elas se manifestam de forma isolada, sem conciliação (Freud, 1909/2006). A impossibilidade de conciliação entre as tendências opostas foi atribuída por Freud, inicialmente, à intensa ambivalência que caracteriza essa patologia. Como pontuam Pirlot e Cupa (2012), Freud justamente assinala o mecanismo da anulação retroativa, entendendo os atos compulsivos como atos em dois tempos, sendo o primeiro anulado pelo segundo, movimento no qual se revela um conflito de ambivalência.

Freud (1926/2006) descreve esse mecanismo, próprio à neurose obsessiva, como tendência a desfazer o que foi feito, aliando-o à técnica do isolamento. Nesse texto, analisa longamente a singularidade da formação do sintoma nessa patologia, tendo em vista justamente sua complexidade, marcando, quanto a esse aspecto, seu traço diferencial em relação à histeria. Afirma que na neurose obsessiva

a técnica de desfazer o que foi feito é encontrada pela primeira vez nos sintomas 'bifásicos', nos quais uma ação é cancelada por uma segunda, de modo que é como se nenhuma ação tivesse ocorrido, ao passo que, na realidade, ambas ocorreram (Freud, 1926/2006, p. 120).

A anulação retroativa, através da qual se busca apagar o acontecimento e o isolamento, que rompe as conexões de pensamento, expressa a dificuldade do ego, por sua especial fragilidade, em chegar a uma conciliação entre tendências opostas.

Após 1920, essa impossibilidade de conciliação veio justamente a ser relacionada, de maneira estreita, à presença de uma desfusão pulsional, à ação pronunciada da pulsão de morte, provocada pela regressão. Os componentes sádicos do pulsional passariam a agir de forma autônoma, desligados da pulsão sexual.

Acreditamos que a ação da pulsão de morte pode ser depreendida a partir da violenta dimensão compulsiva em ação nos rituais obsessivos. Trata-se desse estranho do qual o obsessivo se queixa: é mais forte do que eu e não posso evitar, referindo-se aos seus rituais, o que coloca fortemente em relevo a ação feroz de uma dimensão compulsiva, imperativa. Porém, a compulsão apresenta-se aqui de forma singular. Subjacente aos rituais obsessivos, há um imperativo que conduz à ação, que a obriga de forma implacável, mas que ao mesmo tempo a restringe, limita, dando à ação um aspecto hiperlimitado, entravado.

Segundo Assoun (1994), os rituais obsessivos evidenciam o estabelecimento interno de um contrato compulsivo marcado por um imperativo de dever fazer, tendo como pano de fundo um interdito de não poder fazer. O autor indica o desenvolvimento de intensa moralidade na neurose obsessiva, proporcional à intensidade da excitação pulsional que o ego tenta dominar. A moralidade seria a responsável por instituir esse freio inibidor à dimensão compulsiva. A compulsão fica justaposta à interdição.

O único ato permitido é aquele submetido à religião particular do obsessivo, ato expiatório, destinado a expiar a culpa pelo crime de pensamento, que serve, simultaneamente, de precaução contra a realização de novos crimes. Isso se dá porque a interdição se estabelece na neurose obsessiva através da punição: os atos expiatórios indicam a repetição do crime de forma deslocada e a punição por sua realização.

O ritual obsessivo carrega em si a violência da excitação pulsional e a busca do ego por seu domínio; em outras palavras, põe em relevo tanto um demônio em ação quanto a religião que tenta exorcizá-lo. Trata-se de enfrentamento que, em função de sua violência, transbordou os limites psíquicos e se apresenta em ato - ato ritualizado. Pensamos, com Gurfinkel (2005), que os rituais obsessivos são da ordem da inação, como um não à ação em função da ameaça que ela representa. "Os atos obsessivos são neste sentido um arremedo de ato, uma substituição patológica do ato humano livre" (Franco, 2005, p. 156). O obsessivo é aquele que vive à margem do ato, aprisionado em suas ruminações.

O afeto não vem a ser transposto para o corpo na busca de investimento alternativo capaz de proporcionar satisfação através de formação de compromisso. Pelo contrário, ele se enquista no ego sob a forma de poderoso contrainvestimento que visa a enfrentar a exigência pulsional. Ocorre o que poderíamos chamar de frenesi da ligação, da representação, ao qual o ego fica aprisionado. Esse aspecto está relacionado à forma singular pela qual a compulsão à repetição se apresenta na neurose obsessiva, como desenvolveremos a seguir.

 

Singularidade da compulsão obsessiva

As primeiras reflexões de Freud sobre a compulsão se dão no contexto da neurose obsessiva, sendo a compulsão aspecto preponderante nessa patologia, claramente indicado em sua denominação na língua alemã: Zwangsneurose. A compulsão surge na teoria freudiana diretamente ligada ao retorno do recalcado e ao sentimento de culpa, ou seja, inserida na dinâmica do conflito psicossexual. Porém, o Zwang que a neurose obsessiva põe em evidência passou a interrogar a teoria freudiana, ao indicar um aspecto do funcionamento psíquico ignorado até então.

Assoun (1994) destaca que o termo Zwang designa a utilização de violência, seja corporal ou psíquica, e fala de uma exigência interna de agir, de caráter imperativo. A ideia de uma pressão inelutável exercida a partir do mundo interno evidencia a íntima articulação existente entre compulsão e o próprio conceito de pulsão. O caráter repentino e disruptivo das compulsões indica a singularidade da temporalidade dos processos psíquicos envolvidos. O imediatismo é resultado da precariedade dos mecanismos de elaboração psíquica convocados. A compulsão, assim, coloca em evidência um demônio que age no interior do sujeito.

O reconhecimento do caráter demoníaco da compulsão problematiza de maneira decisiva essa noção: é através da compulsão que Freud terá acesso a algo mais elementar, mais originário, mais pulsional: a compulsão à repetição. Está em ação nas compulsões um deslizamento para uma compulsão à repetição, permitindo a entrada da pulsão de morte na teoria freudiana. Segundo Assoun (1994), a compulsão que a neurose obsessiva, de maneira inquestionável, põe em relevo permite o aprofundamento da compreensão da problemática pulsional. Como acrescenta Chervet (2011), a compulsão traduz uma exigência de natureza endógena, inerente às tendências próprias ao psiquismo, a seu componente sexual, podendo ser despertada por exigências externas.

A noção de compulsão à repetição foi um dos principais alicerces para a construção da segunda teoria pulsional. Em 1920 Freud indica que o efeito compulsivo procede do efeito do trauma, do pulsional que não pôde ser dominado, e sua intensidade é proporcional a essa força traumática (Freud, 1920). "A compulsão à repetição aparece não somente como um estancamento do tempo, mas como um assassinato do tempo, cicatriz de um trauma primitivo sempre vivo e de fato jamais cicatrizável" (Green, 2011, p. 69).

A postulação de uma compulsão à repetição e sua articulação ao traumático nos interroga acerca da singularidade da compulsão em ação na neurose obsessiva. A dimensão do ato ganha destaque nesse contexto como forma de fazer frente a essa força que se impõe ao sujeito sem que ele possa dominá-la. Os rituais obsessivos dão notícia desse demoníaco que age a partir do interior, do imperativo interno inescapável que obriga ao ato; neste caso, porém, trata-se de um ato ritualizado.

Na neurose obsessiva, a dimensão do ato encontra-se preponderantemente inibida, a possibilidade de ação reduzida aos rituais obsessivos. Nesse contexto, o pensamento adquire valor de ato, ato compulsivo, o que indica que seu funcionamento também é regido pela compulsão à repetição. Assoun (1994) nos adverte que a compulsão a repetir é tributária da pulsão de morte, mesmo que a ela se acrescente a obtenção de prazer, como no caso dos rituais e ruminações obsessivos. Estamos, portanto, diante de uma economia de repetição assentada na ação da pulsão de morte.

A justaposição da interdição à compulsão à repetição engendra uma forma singular de esta última apresentar-se tanto no registro do ato quanto no do pensamento: através de atos ritualizados e da manipulação incessante do pensamento.

Há, na neurose obsessiva, uma tendência à multiplicação das defesas, à criação de novos sintomas que vão se deslocando, mas a serviço da manutenção de um estado de inação - o que a torna a mais típica das neuroses de defesa. Os mecanismos de defesa não são abandonados após terem protegido o ego durante as fases do conflito defensivo; ao contrário, esse múltiplo processo defensivo resultará em alterações do ego, tendendo cada vez mais a cristalizar seu funcionamento. Essas alterações consistem no "conjunto das limitações e das atitudes anacrônicas adquiridas pelo ego durante as fases do conflito defensivo, e que repercutem desfavoravelmente nas suas possibilidades de adaptação" (Laplanche & Pontalis, 2001, p. 15).

A capacidade de síntese se vê restrita à repetição compulsiva das sínteses já efetuadas pelo ego. Ocorre uma cristalização, destrutiva, pela via da compulsão à repetição, no caso da própria tendência do ego à síntese, como forma de "dominação" da irrupção pulsional, fazendo prevalecer uma inércia psíquica mortífera, um modo de funcionamento psíquico refratário à mudança, reforçado pelas formações reativas e pelo isolamento. Portanto, a repetição compulsiva das sínteses já realizadas pelo ego põe em relevo a ação da compulsão à repetição subjacente a ela, e que a comanda.

Os aspectos patológicos passam a integrar o espaço egoico, dificultando seu abandono. Como alerta Fédida: "Não nos esqueçamos, evidentemente, que por mais penoso que seja o sofrimento da doença, temer-se-ia abandoná-lo, como se devesse abandonar sua identidade, com o risco de ser pura e simplesmente aniquilado" (Fédida, 2003, p. 153).

A intensa exigência pulsional intensifica a ameaça à unidade narcísica; a essa ameaça o ego responde pela exacerbação da repetição das sínteses já realizadas, visando à manutenção de suas fronteiras. A manipulação incessante do pensamento expressa e serve justamente a essa repetição, obstruindo a abertura para uma efetiva elaboração. Estamos diante de um tratamento autocrático da excitação pulsional, pela manipulação do pensamento: tentativa de tratamento do psíquico pelo psíquico, com forte tendência à exclusão do outro.

O ego, diante dos elementos traumáticos que passam a habitar o psiquismo e a ameaçar suas fronteiras, tenta, paradoxalmente, erigir fronteiras hiper-rígidas, pouco porosas, visando proteger-se, visando manter a distância entre ele e o outro, entre ele e o objeto. Trata-se de forma singular de enfrentar a exigência pulsional: pela exacerbação da repetição das sínteses já realizadas, pelo contrainvestimento maciço das fronteiras egoicas. Vemos aqui uma busca incessante e violenta por um controle narcísico, e o ego se torna prisioneiro do circuito defensivo que construiu, o qual vem a se tornar um cárcere para si mesmo. Uma morte por síntese?

Laplanche indica que "[...] certamente que há uma morte do psiquismo por desintegração, morte pela pulsão de morte, mas há também morte do psiquismo por rigidificação e síntese excessivas, morte do psiquismo pelo ego" (Laplanche, 1987, p. 154). Na neurose obsessiva, o caráter destrutivo da resposta egoica nos permite deduzir a violência do pulsional que age subjacente a ela. E, além disso, evidencia que esse caráter mortífero infiltra a própria resposta egoica a essa exigência, resposta que se dá pela intensificação da compulsão à síntese, provocando o encarceramento egoico.

Esse aspecto põe em evidência a paradoxal forma de defesa narcísica que a intensificação da compulsão à síntese engendra: o encarceramento da subjetividade, que estaria, paradoxalmente, a serviço da manutenção da vida. Logo, empenhado na luta pela vida, o obsessivo não pode viver.

 

Referências

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Endereços para correspondência:
Camila Peixoto Farias
pfcamila@hotmail.com
Marta Rezende Cardoso
rezendecardoso@gmail.com

Submetido em: 12/09/2013
Revisto em: 05/03/2014
Aceito em: 06/03/2014

 

 

* Artigo referido à tese de doutorado da autora, "Domínio e Culpa na neurose obsessiva: marcas da destrutividade", orientada pela coautora no PPG Teoria Psicanalítica, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defendida em 2013, com o apoio da CAPES.