Pesquisas e Práticas Psicossociais
ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.1 São João del-Rei jan./março 2017
Editorial
Maria de Fátima Aranha de Queiroz e MeloI; Marília Novais da Mata MachadoII; Sheila Ferreira MirandaIII
Ie-mail:fatimaqueiroz.ufsj@gmail.com
IIe-mail:marilianmm@gmail.com
IIIe-mail: sheilaze@gmail.com
O primeiro número da Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais, de 2017, desponta num momento de incertezas para a política brasileira que repercute com enorme impacto na vida do cidadão comum, nos seus direitos, nas suas relações de trabalho, na sua formação pessoal e profissional e nas suas expectativas quanto ao porvir.
O conteúdo desta publicação reflete a tentativa de incluir e respeitar os coletivos que fazem parte dessa complexa composição a que chamamos de sociedade. Em movimento, as universidades públicas lutam pela manutenção de sua existência e pelos princípios éticos que regem o propósito de construir um conhecimento que resulte em práticas cada vez mais inclusivas.
Os estudos que apresentamos remetem às políticas públicas de saúde, assistência social e educação que sequer sabemos se ou como continuarão existindo no contexto de neoliberalismo exacerbado que se impõe neste momento. Todo um conjunto de saberes e práticas psicossociais, construído e colocado à prova nessas áreas, tem sido publicado pela PPP nos últimos anos, validando o nosso compromisso com a formação das novas gerações de profissionais da Psicologia.
O trabalho do psicólogo, nos Centros de Referência em Assistência Social (Cras), nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), nas escolas ou nas instituições para abrigar idosos e crianças, é abordado neste número e tem sido pauta recorrente nas discussões que apresentamos aos nossos leitores, numa interlocução constante com a área da Assistência Social. Outra temática que insiste na sua crescente visibilidade é o trabalho do psicólogo diante de situações de violência, seja contra crianças, adolescentes ou mulheres, notadamente para com pobres e negros, fato que se naturalizou em nosso país, colocando em xeque valores humanos e perspectivas de um futuro digno para jovens que frequentemente incorrem em situações de delito. Para além desses temas, propostas terapêuticas e práticas cotidianas são levantadas como foco de estudo e experimentação nos artigos que se seguem.
"Homicídios conjugais na grande Florianópolis: notícias publicadas no diário catarinense" é resultado de pesquisa realizada por Lucienne Martins-Borges, Júlia de Freitas Girardi e Mariá Boeira Lodetti, da Universidade Federal de Santa Catarina, que visou realizar, em reportagens jornalísticas publicadas no jornal de maior circulação na região, um mapeamento dos casos de homicídios conjugais cometidos na Grande Florianópolis, de 2000 a 2010, para identificar as principais variáveis envolvidas.
Patrícia Fonseca de Oliveira, Walter Melo Júnior e Marcos Vieira-Silva, da Universidade Federal de São João del-Rei, em "Afetividade, Liberdade e Atividade: o tripé terapêutico de Nise da Silveira no Núcleo de Criação e Pesquisa Sapos e Afogados", propõem um conjunto conceitual para discutir a reabilitação psicossocial de cidadãos em sofrimento psíquico, tendo como objeto de análise os discursos dos integrantes do Núcleo de Criação e Pesquisa Sapos e Afogados, de Belo Horizonte, MG, Brasil, que trabalha com teatro e cinema e é formado por usuários da rede de saúde mental.
"Internet, cultura do consumo e subjetividade de jovens", de Marisa Irene Siqueira Castanho e Terezinha José Inácio Zorzim, do Centro Universitário FIEO, apresenta resultados de uma pesquisa sobre a influência dos meios de comunicação - mídia-internet - na construção de subjetividades de jovens universitários com idade entre 18 e 29 anos, a partir da análise dos conteúdos e expressões trazidas por eles em questionários e em um espaço de conversação na modalidade de grupo focal.
"O cotidiano do psicólogo em um Núcleo de Apoio à Saúde da Família: relato de uma experiência" tem como autora Ana Carolina Perrella, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, psicóloga num Núcleo de Atenção à Saúde da Família (Nasf) localizado no sudoeste da Bahia, que buscou compreender as forças atuantes na prática do psicólogo a partir da análise de elementos considerados importantes para se pensar a experiência vivida.
María Paula Juárez, da Conicet Universidad Nacional de Río Cuarto, Argentina, apresenta, no artigo "A dinâmica do conhecimento popular em saúde: suas manifestações no nível de atenção primária. O caso particular da pediatria", um estudo exploratório de quatro casos de médicos pediatras de nível de atenção primária dos Serviços de Saúde pública da cidade de Río Cuarto (Córdoba, Argentina), na relação estabelecida com as mães consultantes vivendo em ambientes pobres.
"Colonialidade e práticas cotidianas em Minas Gerais", de Vera Lucia Ermida Barbosa e Maria Inácia D'Ávila, Universidade Federal do Rio de Janeiro, analisa o cotidiano de resistência sob a "colonialidade", valendo-se de conceituações do Grupo Modernidade/Colonialidade Latino-americano, de teorizações de Michel de Certeau e da narrativa de Dona Maria, moradora do povoado do Bichinho, em Minas Gerais.
Vilsiane Almeida Sarruf Pini e Luciana Albanese Valore, da Universidade Federal do Paraná, em "O desamparo na construção do futuro de jovens em programas de assistência social", investigam os sentidos atribuídos ao futuro e à construção de um projeto de vida no discurso de jovens em um Centro de Referência de Assistência Social de uma pequena cidade do interior, no sul do país. Entrevistas e análises do discurso apontaram os sentimentos de desamparo dos jovens.
Em "Banda 6.0: a experiência da música na terceira idade", Priscila Valverde Fernandes, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e as pesquisadoras Edna Salgado Grangeiro e Maria Natividade Sá Alves da Silva, da Prefeitura Municipal de Vitória, mostram como a criação de uma banda de música em um Centro de Convivência da Terceira Idade atuou positivamente na garantia da qualidade de vida de idosos.
"Atendimento psicossocial a crianças e adolescentes em situação de violência: o psicólogo e a rede de atenção", de Etiene Oliveira Silva de Macedo e Maria Inês Gandolfo Conceição, da Universidade de Brasília, apresenta um estudo de caso de uma família em situação de vulnerabilidade social e de violência física, que demandou da psicóloga que a atendeu um posicionamento estratégico no diálogo com outros profissionais e instituições da rede de atendimento.
Emerson Diógenes Medeiros, Universidade Federal do Piauí, Elba Celestina do Nascimento Sá, Universidade Federal do Ceará, Renan Pereira Monteiro e Walberto Silva Santos, ambos da Universidade Federal da Paraíba, e Estefânea Élida da Silva Gusmão, Universidade Federal de Pernambuco, em "Valores humanos, comportamentos antissociais e delitivos: evidências de um modelo explicativo", pesquisaram com uma amostra de 207 universitários as relações entre valores humanos, comportamentos antissociais e condutas delitivas e apontaram a importância dos valores na predição de condutas desviantes.
"O extermínio de jovens negros pobres no Brasil: práticas biopolíticas em questão", cuja autoria é de Flávia Cristina Silveira Lemos, Rafaele Habib Souza Aquime, Ana Carolina Farias Franco e Pedro Paulo Freire Piani, todos da Universidade Federal do Pará, apresenta e analisa, sob a perspectiva da biopolítica foulcaultiana, o crescente e massivo genocídio de jovens pobres e negros que, acrescido ao aprisionamento dessa população, cria uma condição de insegurança e aponta a indiferença em relação a esse quadro no contexto brasileiro. Desta forma, o texto abre possibilidades de questionamentos dessa realidade e discute o estigma direcionado a esses sujeitos face aos processos de discriminação social e econômica, intentando apresentar algumas práticas possíveis que a Psicologia vem realizando para dar visibilidade a esse acontecimento.
"A formação acadêmica do psicólogo e a construção do modo de Atenção Psicossocial", artigo escrito por Daniel Rodrigues e Ednéia José Martins Zaniani, ambos os autores da Universidade Estadual de Maringá, traz os resultados de uma pesquisa sobre a formação acadêmica em Psicologia e sua contribuição para a construção da proposta da Atenção Psicossocial que norteia a Política de Saúde Mental no Brasil, investindo em duas frentes de análise: das produções científicas, especialmente artigos acadêmicos que versam sobre o tema, e currículos de seis cursos de graduação em Psicologia, sendo cinco de instituições públicas e um de instituição privada. De modo geral, os autores contemplam o debate de que a formação profissional, ainda balizada no modelo clínico, liberal-privado, caminha na direção da Saúde Pública, apresentando gradativamente sua proposta e oportunizando experiências na rede substitutiva da saúde mental.
O artigo, "Gestão social e desenvolvimento local: algumas considerações sobre a experiência do MST na luta pela gestão social da escola", de autoria de Adilene Gonçalves Quaresma, da Universidade Federal de Minas Gerais, apresenta a análise sobre a relação entre educação-desenvolvimento local e gestão social da escola na experiência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Minas Gerais. A análise leva-nos a concluir que, no espaço da implantação do seu projeto de educação existe uma disputa entre uma concepção de gestão social da escola e da educação defendida pelo MST e o modelo gerencial do Estado, o que se configura como um desafio a ser superado pelo Movimento.
"Discursos sobre família e a formação para o trabalho social no Centro de Referência da Assistência Social, de autoria", de Rafaela Rocha da Costa e Maria de Fatima Pereira Alberto, ambas do Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre o Desenvolvimento da Infância e Adolescência (Nupedia),, da Universidade Federal da Paraíba, realizou uma análise dos discursos dos profissionais de Psicologia e Serviço Social dos Centros de Referência da Assistência Social (Cras) sobre família e a formação recebida para o trabalho social com famílias. Neste sentido, o texto apresenta, de maneira inovadora, a dificuldade dos profissionais em trabalhar com novos modelos de família, revelando discursos de uma prática profissional higienista, assistencialista, eugenista e que patologiza o cotidiano.
Acompanhando a discussão da área de assistência social, rosa cristina ferreira de souza e amábille das neves inácio, ambas da universidade do sul de santa catarina, buscaram, a partir do texto "Entre os muros do abrigo: compreensões do processo de institucionalização em idosos abrigados", compreender o processo de institucionalização em idosos abrigados, constatando que esta produz efeitos negativos, como a mortificação do eu e disciplinamento, nas dimensões identidade/corpo dos idosos, que se traduzem na necessidade de se repensarem as perspectivas e práticas inerentes às instituições de longa permanência, no sentido de transformar positivamente esses espaços e oferecer a esses sujeitos um cuidado diferenciado e adequado às suas necessidades.
Este número inaugura a transformação de Pesquisas e Práticas Psicossociais em revista quadrimestral. Esse movimento foi necessário a fim de atender aos numerosos professores, pesquisadores e práticos que apostam na PPP como veículo de divulgação de seus escritos, reflexões e experiências práticas. Para essa empreitada, continuamos a contar com o inestimável apoio do Setor de Editoração da UFSJ.