Pesquisas e Práticas Psicossociais
ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.1 São João del-Rei jan./março 2017
Entre os muros do abrigo: compreensões do processo de institucionalização em idosos abrigados
Inside the shelter walls: understanding the institutionalization process of elderlies sheltered
Entre los muros del abrigo: comprensiones del proceso de institucionalización en mayores abrigados
Rosa Cristina Ferreira de SouzaI; Amábille das Neves InácioII
IDoutora em Ciências da Linguagem pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Psicóloga e Professora do Curso de Psicologia da Unisul. E-mail: rosa.cristina@unisul.br
IIGraduada em Psicologia pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Psicóloga. E-mail: amabille_ni@hotmail.com
RESUMO
Este estudo buscou compreender o processo de institucionalização em idosos abrigados, em uma cidade do Sul de Santa Catarina, na perspectiva da Psicologia Social. Quanto ao método, a pesquisa assumiu abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso. Para a coleta de dados, utilizou-se observação participante acerca da dinâmica institucional e entrevistas semiestruturadas com cinco residentes. Os dados foram analisados por meio da técnica de Análise de Conteúdo. Foi possível constatar que a institucionalização produz efeitos negativos - mortificação do eu e disciplinamento - nas dimensões identidade/corpo dos idosos. Efeitos esses, intensificados à medida que se estende o tempo de permanência do idoso na instituição. Essas compreensões se traduzem em necessidade de se repensar as perspectivas e práticas inerentes às instituições de longa permanência (ILPIs), no sentido de transformar positivamente esses espaços e oferecer ao idoso institucionalizado um cuidado que promova bem-estar biopsicossocial.
Palavras-chave: abrigo; idosos; institucionalização; psicologia social.
ABSTRACT
In this study we searched understand the institutionalization process of sheltered elderlies in a town in Southern Santa Catarina, under the Social Psychology perspective. Regarding to the method, the research had qualitative approach in a case study. For data collection we used participating observation on the institutional dynamics and semi structured interviews with five residents. The data were analyzed through the Content Analysis technique. It was possible notice that institutionalization produces negative effects - mortification of the self and disciplining - on elderlies' identity/body dimensions. These effects are intensified according as the length of stay in the institution is extended. These comprehensions are traduced in necessities to re-think the perspectives and practices on the Elderly Institutions for long length in order to change these spaces in a positive way and offer a care that promote biopsychosocial welfare to institutionalized elderlies.
Keywords: shelter; elderlies; institutionalization; social psychology.
RESUMEN
Este estudio he buscado comprender el proceso de institucionalización de mayores que viven en abrigos en una ciudad del Sur de Santa Catarina en la perspectiva de la Psicología Social. La investigación fue de abordaje cualitativa del tipo estudio de caso. Para la colección de datos fue utilizada la observación participante sobre la dinámica institucional y entrevistas semiestructuradas con cinco residentes. Los datos fueron analizados por medio del Análisis de Contenido. Fue posible observar que la institucionalización produce efectos negativos - mortificación el yo y disciplinamiento - en las dimensiones identidad/cuerpo de los mayores. Esos efectos son intensificados en la medida que el tiempo de permanencia del mayor se extiende en la institución. Esas comprensiones se traducen en la necesidad de repensar las perspectivas y prácticas acerca de las Instituciones de Larga estancia para mayores, con el objetivo de cambiar, de manera positiva, eses espacios y ofrecer cuidados que puedan traer el bienestar biopsicosocial a los mayores institucionalizados.
Palabras-clave: abrigo; mayores; institucionalización; psicología social.
Introdução
A longevidade é um fenômeno cada vez mais observado mundialmente, emergindo em diferentes contextos e sendo vivenciada de múltiplas formas pela população idosa. Para o Ministério da Saúde, o envelhecimento populacional é um processo natural e irreversível, marcado pela mudança da estrutura etária da população, que resulta em um maior número de pessoas acima de uma idade estabelecida como critério na definição de idoso (Brasil, 2010). No Brasil, com a conquista da Política Nacional do Idoso, Lei nº 8.842, considera-se idosa a pessoa com sessenta anos ou mais (Brasil, 1994). Essa determinação se mantém no Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741 (Brasil, 2003). A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2005) corrobora esse parâmetro - sessenta anos - para países em desenvolvimento, porém nos países desenvolvidos o critério aumenta para sessenta e cinco anos.
Estatisticamente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014a), em 2012, os idosos (a partir dos sessenta anos) representavam 12,6% da população total. Em 2013, essa representação subiu para 13,0% da população total, sendo a Região Sul com o índice mais expressivo (14,5%) e a Região Norte, menos expressivo (8,8%). Quanto à expectativa de vida do brasileiro, em 2013 estimou-se uma média de 74,9 anos para ambos os sexos, sendo para o sexo masculino 71,3 anos, e para o sexo feminino 78,6 anos (IBGE, 2014b). Esses dados confirmam a tendência do envelhecimento populacional no Brasil, que está intimamente relacionado a uma reorganização na constituição familiar - mulheres ocupando mais o mercado de trabalho e diminuição do número de filhos por família, ou seja, menor índice de natalidade - e maior expectativa de vida (Camarano, 2014).
A partir da ampliação dos estudos sobre o tema, foram construídas diversas conceituações que pudessem clarificar o envelhecimento como processo inerente ao ser humano. Conforme Zimmerman (2000), envelhecer implica em transformações biopsicossociais, sendo entendido como um processo multifatorial, natural e gradativo, logo, à medida que a idade de uma pessoa avança, tornam-se mais intensos os traços do envelhecimento. Vitta (2003) endossa essa perspectiva considerando que, concomitante ao processo de envelhecer - universal a todos os seres humanos - é possível que o indivíduo continue em um processo de desenvolvimento, envelhecendo de forma saudável e ativa.
Diferenciar o envelhecimento que segue um curso "normal" ou "patológico" também tem sido objeto de discussão. Neri (2003, p. 34) explica que
Velhice normal significa ausência de patologias biológicas, em contraposição à patológica, caracterizada por degenerescência associada a doenças crônicas, a doenças e síndromes típicas da velhice e à desorganização biológica que pode acometer os idosos. Falar em velhice ótima significa tomar como fonte de referência algum estado ideal de bem-estar pessoal e social. (grifos da autora)
Pelegrino (2009) pontua que a senescência se refere ao modo normal de envelhecer, quando o corpo passa por transformações esperadas de acordo com sua idade. Difere de senilidade - modo patológico de envelhecer, marcado por doenças comprometedoras da funcionalidade. Em uma perspectiva de desenvolvimento, "envelhecer satisfatoriamente depende do delicado equilíbrio entre as limitações e as potencialidades do indivíduo o qual lhe possibilitará lidar, em diferentes graus de eficácia, com as perdas inevitáveis do envelhecimento" (Neri, 2003, p. 13).
Nesse sentido, compreende-se que a velhice demanda cuidados especiais, o que inclui atenção à dimensão física, psicológica e social, de forma integrada. Quanto às especialidades desenvolvidas em relação ao envelhecer, Zimerman (2000) destaca a diferença entre gerontologia, um estudo geral do envelhecimento; de geriatria, referente à área da medicina dedicada aos processos de doença que ocorrem nessa faixa-etária.
Muitas são as exigências a propósito de garantir o bem-estar da pessoa idosa e o contexto brasileiro, que, embora com avanços, ainda está distante de suprir de forma integrada as reais necessidades dessa parcela da população (Camarano & Mello, 2010). Diante disso, não se pode deixar de pensar os lugares onde o idoso recebe cuidados e vivencia sua velhice. Nesse estudo, o olhar será direcionado às Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), que se constituem, cada vez mais, como uma alternativa de moradia aos idosos.
Estudos acerca de idosos institucionalizados ou da institucionalização de idosos têm sido produzidos com maior ênfase nos últimos dez anos. O Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2008a) produziu o "Relatório de Inspeção a Instituições de Longa Permanência para Idosos", buscando avaliar as condições de algumas instituições do País. Foi lançado o livro Cuidados de Longa Duração para a População Idosa: um novo risco social a ser assumido?, organizado por Camarano (2010), em parceria com o Ipea, abordando os vários aspectos que envolvem o idoso na atualidade, especialmente a institucionalização (no que se refere ao preconceito, ao "abrigar ou retirar", à fiscalização das condições da instituição). Esse livro ainda traz uma pesquisa importante de caráter censitário, intitulada "Condições de funcionamento e infraestrutura das Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil", produzida por Camarano et al. no período de 2007 a 2009. No meio acadêmico, podem-se citar duas dissertações relevantes que abordam a institucionalização. Uma intitulada Qualidade de vida em Instituições de Longa Permanência: considerações a partir de um modelo assistencial, de autoria de Queiroz (2010), em que se buscou investigar a qualidade de vida dos idosos residentes em uma ILPI. A outra, intitulada Vivendo no asilo: uma etnografia sobre corporalidade e velhice, de Limont (2011), em que se buscou compreender a ligação entre corpo e envelhecimento dentro de uma instituição.
Conceitualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa, 2004, p. 2) define uma ILPI como
Instituição mantida por órgãos governamentais e não governamentais, destinada a propiciar atenção integral em caráter residencial com condições de liberdade e dignidade, cujo público alvo são as pessoas acima de 60 anos, com ou sem suporte familiar, de forma gratuita ou mediante remuneração.
É importante destacar que a Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, aprova a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, classificando o abrigo institucional para idosos (Instituição de Longa Permanência para Idosos) como Serviço de Proteção Social de Alta Complexidade, oferecido pelo Sistema Único de Assistência Social (Brasil, 2009).
De acordo com Camarano, Kanso, Mello e Carvalho (2010), a denominação Instituições de Longa Permanência para Idosos foi proposta pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia em substituição às diversas nomenclaturas existentes - asilos, abrigos, retiros, casa de repouso. A nova denominação é derivada da expressão lançada pela Organização Mundial de Saúde: Long-Term Care Institution, e foi sugerida no sentido de estimular uma nova configuração de instituição para idosos, que articule a rede de assistência social e a rede de saúde - assumindo uma função híbrida -, na construção de um espaço multidisciplinar e integrado. No entanto, a realidade mostra que a maioria das instituições não se autodenomina ILPI, como é o caso do local onde se desenvolveu esta pesquisa, denominado "abrigo".
Embora muitas vezes vistas com preconceito, essas instituições emergem de um contexto social em que a família e o Estado, por diversos motivos, não assumem as demandas dos idosos, tornando-se, para muitos deles, a opção que lhes garantirá cuidado e um lugar seguro para viver. Assim, trata-se de uma alternativa que não tem função - ao menos não deve ter - de retirar as responsabilidades do núcleo familiar, mas reorganizar os papéis de cada instância da sociedade, de modo que a proteção à pessoa idosa seja garantida (Camarano & Scharfstein, 2010).
Diante da crescente demanda às ILPIs e, por conseguinte, de idosos institucionalizados, somos provocados a compreender como esses sujeitos vivenciam o cotidiano na (da) instituição. Parte-se do pressuposto que, além de experimentar seu envelhecer, a pessoa idosa é submetida aos aspectos institucionalizantes que produzem efeitos negativos em sua identidade. Tais aspectos são aqui delimitados a partir dos conceitos: identidade, em Antônio Ciampa (1987); mortificação do eu, em Erving Goffman (2005); e disciplinamento, em Michel Foucault (1996).
Trata-se, portanto, de uma preocupação que vai além da dimensão individual: a dimensão social. "Entre os muros do abrigo" existe uma dinâmica inerente, própria do lugar que "institui". Porém, o enfoque desse estudo está no "instituído": os idosos.
O idoso institucionalizado: identidade e corpo
Do que é feita a pessoa que atravessou as barreiras do tempo e agora vive entre os muros de um abrigo? Como ela vivencia o cotidiano na instituição? Como sua identidade e seu corpo vão sendo marcados pelo estar institucionalizado? Nessas inquietações, deseja-se caminhar.
No movimento de compreender o processo identitário do ser humano, Ciampa (1987) caminha com uma afirmação fundamental: "Identidade é metamorfose. E metamorfose é vida" (p. 128). Metamorfose remete a uma transformação, um desenvolvimento que se estende por toda a vida, e nesse metamorfosear, a identidade de cada pessoa é construída nas relações sociais. Assim, uma identidade é produto e produtora de um contexto social. Em primeira instância, tem-se uma concepção de identidade como um conjunto de traços indeléveis, cristalizados em cada qual. Posteriormente, ao contrário de estática, é possível percebê-la como um processo contínuo, incessante.
Aqui, a identidade de cada idoso emerge de um contexto - o abrigo - considerado, em traços suaves, uma instituição total, já que para Goffman (2005, p. 16) "em primeiro lugar, há instituições criadas para cuidar de pessoas que, segundo se pensa, são incapazes e inofensivas; nesse caso estão as casas para cegos, velhos, órfãos e indigentes". Entre as características desse tipo de instituição, existe a tendência de "fechamento". Significa dizer que existe uma barreira - que vai além da solidez dos muros, existe aí uma barreira social - entre o mundo interno da instituição e o mundo externo. Além disso, todas as atividades, cada passo do indivíduo acontecem dentro de um único ambiente, em uma mesma atmosfera cerceada pela coletividade, obedecendo a uma estrita rotina, sob a imposição de regras e uma única direção.
Em consequência da permanência nessas instituições, o sujeito inicia um processo de distanciamento de si que Goffman (2005, p. 24) nomeia como mortificação do eu.
O novato chega ao estabelecimento com uma concepção de si mesmo que se tornou possível por algumas disposições sociais estáveis no seu mundo doméstico. Ao entrar, é imediatamente despido do apoio dado por tais disposições... O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado... A barreira que as instituições totais colocam entre o internado e o mundo externo assinala a primeira mutilação do eu.
A vida dentro de uma instituição pressupõe regras, normas, condutas adequadas ou consideradas aceitáveis, portanto a forma como o interno encontra de lidar com essas diretrizes poderá resultar em dois tipos de ajustamentos, conceitualmente divididos em ajustamento primário e ajustamento secundário. Quando o sujeito incorpora naturalmente as imposições da instituição, mantendo uma conduta que colabore na organização do seu ambiente, pode-se dizer que ele se ajustou primariamente. No entanto, se o sujeito não aceita as imposições (mesmo que parcialmente) e se comporta por meio da transgressão, ou seja, burlando aquilo que está posto (mesmo que muitas vezes de forma imperceptível), então seu ajustamento é considerado secundário (Goffman, 2005).
Além da mortificação do eu trazida por Goffman (2005) - em que a identidade do sujeito é submetida ao movimento da instituição total, portanto mortificada -, existe para Foucault (1996) um disciplinamento que dociliza o corpo. O disciplinamento utiliza dispositivos que limitam a atividade corporal, produzindo, por meio do controle, corpos dóceis.
Para garantir uma disciplina que exerça poder e autoridade, são dispostas duas regras fundamentais: "a arte das distribuições" e "o controle da atividade". A arte das distribuições compreende a forma funcional como o indivíduo é distribuído no espaço, ou seja, definir estrategicamente o local que ele irá ocupar, organizando o ambiente. Já o controle da atividade corresponde ao estabelecimento de horários, criando uma rotina que irá otimizar o tempo (Foucault, 1996).
Diante do exposto, pressupõe-se que, no idoso institucionalizado, a identidade metamorfoseada dê lugar ao processo de mortificação do eu, perpassando um corpo que sofre disciplinas. Nesse sentido, nosso estudo caminha com a seguinte pergunta: como se dá o processo de institucionalização em idosos abrigados em uma cidade do sul de Santa Catarina? A partir dessa questão estabeleceu-se como objetivo geral: compreender o processo de institucionalização em idosos abrigados. E como objetivos específicos: descrever a rotina à qual o idoso abrigado é submetido; identificar, nas práticas inerentes ao funcionamento do abrigo, os aspectos da institucionalização; identificar, nas expressões verbais e não verbais do idoso abrigado, os aspectos da institucionalização; comparar os aspectos da institucionalização entre os idosos com diferentes períodos de permanência no abrigo.
Método
Quanto ao delineamento, trata-se de uma pesquisa de campo do tipo estudo de caso, de cunho exploratório. O estudo assume abordagem qualitativa, salientando-se que, "além de ser uma opção do investigador, justifica-se, sobretudo, por ser uma forma adequada de entender a natureza do fenômeno social" (Richardson, 1999, p. 79). A abordagem qualitativa, muitas vezes, "dirige-se à análise de casos concretos em suas peculiaridades locais e temporais, partindo das expressões e atividades das pessoas em seus contextos locais" (Flick, 2009, p. 37).
A instituição pesquisada constitui-se em um abrigo para idosos, entidade de cunho assistencial e filantrópico, localizado em uma cidade com aproximadamente 100 mil habitantes, ao sul de Santa Catarina. O abrigo possui capacidade para 50 internos. As instalações são divididas em 1º pavimento, 2º pavimento, anexo e área externa. No 1º pavimento, encontram-se cozinha equipada, refeitório, sala de estar, quatro dormitórios com instalações sanitárias, dois quartos individuais, duas enfermarias com instalações sanitárias, farmácia e posto de enfermagem, vestiário com instalação sanitária para os servidores, sala de visitas, sala da presidente, área interna, onde está localizada a gruta para orações e reflexões. No 2º pavimento, estão localizados uma sala de estar, dois banheiros e três quartos. Anexo ao prédio sede há uma lavanderia, uma sala para assistência social, uma sala de costura, uma sala para fisioterapia, um depósito para equipamentos e ferramentas e produtos de limpeza, um banheiro e dois lavabos. A área externa é ampla e arborizada.
No período de realização da pesquisa, a instituição abrigava quarenta e sete internos, 23 homens e 24 mulheres. A equipe de funcionários contava com nove auxiliares de limpeza, seis técnicas de enfermagem, uma enfermeira, uma assistente social, uma nutricionista, um motorista e um auxiliar administrativo.
Coleta de dados
Quanto ao procedimento de coleta de dados, optou-se pela observação participante e pela entrevista semiestruturada, objetivando ampliar a identificação de elementos que oferecessem consistência ao estudo. Segundo Neto (2001, p. 57), "entre as diversas formas de abordagem técnica do trabalho de campo, destacamos a entrevista e a observação participante, por se tratarem de importantes componentes da realização da pesquisa qualitativa". A observação participante foi realizada durante seis meses, sendo quatro horas semanais, com o objetivo de olhar a instituição em sua totalidade, em sua dinâmica de funcionamento - incluindo equipe diretiva, funcionários, residentes e seus familiares.
No que se refere à entrevista semiestruturada, do total de 47 residentes do abrigo, seis foram selecionados, constituindo uma amostra intencional, ou seja, "os elementos que formam a amostra relacionam-se intencionalmente de acordo com certas características, no plano e nas hipóteses formuladas pelo pesquisador" (Richardson, 1999, p. 161). Para tanto, utilizou-se como critério de seleção dos entrevistados: diferentes períodos de permanência do residente na instituição, ser legalmente autônomo e ter disponibilidade para responder à entrevista. Dos seis idosos selecionados, cinco aceitaram participar (a idosa com mais tempo de permanência no abrigo - 20 anos - se negou a responder à entrevista). Os cinco idosos entrevistados estão na faixa etária entre 65 e 94 anos, com diferentes períodos de permanência no abrigo, a saber: P1, Sr. de 86 anos (residente do abrigo há quatro meses); P2, Sra. de 65 anos (residente do abrigo há seis meses); P3, Sra. de 85 anos (residente do abrigo há um ano e meio); P4, Sra. de 69 anos (residente do abrigo há três anos); P5, Sra. de 94 anos (residente do abrigo há seis anos).
Aspectos éticos
Norteando-se pela Resolução CNS nº 466/12 do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa, os aspectos éticos implicados foram problematizados e a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina (CEP - Unisul). As instituições envolvidas - universidade e abrigo - assinaram a Declaração de Ciência e Concordância das Instituições Envolvidas. Além disso, os participantes da entrevista receberam orientação sobre os procedimentos e autorizaram a coleta dos dados por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, além de consentirem a gravação de voz.
Análise dos dados
Analisaram-se os conteúdos das observações e das respostas das entrevistas com a utilização da técnica de Análise de Conteúdo (Bardin, 1994). As categorias de análise foram determinadas a priori.
Os dados obtidos na observação participante e na entrevista semiestruturada são aqui apresentados e analisados à luz da fundamentação teórica proposta, especialmente nos conceitos: identidade, em Ciampa (1987); mortificação do eu, em Goffman (2005); e disciplinamento, em Foucault (1996). Para tanto, foram estabelecidas duas categorias de análise: mortificação do eu e disciplinamento do corpo.
Resultados e discussão
No decorrer da coleta de dados, foram identificados na dinâmica do abrigo: clara divisão entre a equipe dirigente (que exerce controle) e os instituídos (que são submetidos ao controle); realização de todas as atividades em um mesmo local, existindo uma ruptura com o mundo externo; o estabelecimento de uma rotina diária; o fator coletividade é marcante, por vezes causando a perda da privacidade e determinando práticas que possam atender a um maior número de pessoas possível. Essas características corroboram o conceito de instituição total proposto por Goffman (2005). Entende-se que estar submetido à institucionalização pressupõe transformações na identidade, de forma que nela gere um apagamento gradual, ao qual o autor define como mortificação do eu.
Inicialmente, foi possível perceber, entre os muros do abrigo, duas lógicas de tempo: uma acelerada,1 assumida pela equipe diretiva e funcionários que transitam com o objetivo de fazer funcionar a engrenagem da instituição; outra desacelerada,2 assumida pelos idosos que ali fazem morada, instigando-nos a compreender como eles vivenciam o envelhecimento dentro do abrigo. Esses dois movimentos num mesmo local revelam a essência de uma instituição total: "um híbrido social, parcialmente comunidade residencial, parcialmente organização formal" (Goffman, 2005, p. 22).
A rotina diária no abrigo é bem estruturada com horários demarcados, especialmente os momentos das refeições. Os idosos acordam entre 6h e 8h30min. Os banhos acontecem pela manhã, iniciando por volta das 7h. O café da manhã é servido às 8h. O almoço dos acamados começa às 11h, e a partir das 11h30min é servido para os demais. No período das 12h às 14h, a maioria dos residentes descansa. Os idosos são chamados para o café da tarde por volta das 14h30min. O jantar dos acamados começa às 17h, e a partir das 17h30min é servido para os demais. Por volta das 20h é oferecida aos idosos a ceia. Entre as refeições principais são disponibilizados lanches àqueles que desejam.
Percebeu-se que os residentes dificilmente questionam a rotina estabelecida pelo abrigo, embora em entrevista tenham emergido descontentamentos. Sobre o horário do banho, P4 diz: "De manhã que eu não gosto! De manhã, bem cedo, quatro ou cinco horas é a hora do banho. Aí é frio. É bem cedo! Devia de ser mais tarde, né? Mais quentinho" (P4, Sra. de 69 anos). Já em relação ao intervalo entre as refeições, P5 expressa: "Eu não gosto porque é cedo demais e eu não tenho fome, é muito justo, é muito perto" (P5, Sra. de 94 anos).
A forma de seguir essa rotina está ligada ao nível de dependência de cada idoso. Assim, aqueles com mais autonomia, por exemplo, podem escolher o momento de tomar banho ou chegar um pouco depois para as refeições.
Dos idosos emergem descontentamentos e desejos que se entrelaçam, misturam-se. Entre os desejos, um é marcante: o desejo de liberdade. Uma idosa diz que a semana foi a "pau e pedra", "parada", por isso estava se sentindo trancada e desejava sair um pouco do abrigo. Observou-se que, quando se trata de alguma atividade externa - passear na casa dos familiares, ir ao médico, ir ao banco -, os idosos ficam ansiosos e animados, porém, quando propostas atividades internas - jogos, pintura, recreação -, eles se mostram sem interesse ou desmotivados. Grande parte do tempo, os residentes estão comendo, assistindo televisão ou dormindo, o que revela ociosidade.
Ainda sobre as limitações do ir e vir, a entrevistada P4 diz: "Ó, me sinto presa! Me sinto numa cadeia... Não posso pegar o ônibus aqui na frente e ir lá na casa da minha mãe" (P4, Sra. de 69 anos). Outra entrevistada endossa, associando a instituição a um internato.
Não era nada do que eu pensei de bom... Aqui eu tô comparando assim como aquelas meninas que foram pro (colégio interno),3 diz que ficavam lá, e quando saíam de lá diziam que era um horror... Achei que eu fosse ter uma vida mais liberada, que eu nunca tive. (P2, Sra. de 65 anos)
Essas falas ilustram a ruptura existente entre os idosos e os acontecimentos além dos muros do abrigo, indicando a primeira mutilação do eu, como propõe Goffman (2005).
Com frequência, os idosos manifestam também o desejo de ir embora do abrigo e, principalmente, retornar às suas casas de origem. Falam de suas famílias que, por diversos motivos, não podem lhes oferecer cuidado. Sabem da falta de condições financeiras para manter um cuidador, e são gratos pela assistência oferecida pelo abrigo. Mas, ainda assim, desejam ir embora. Não fazem da instituição um lar. É como se não houvesse o sentimento de pertença. É como se ali não criassem raízes.
Entre os entrevistados, todos foram unânimes em declarar que ali residem não por vontade própria, e sim por não terem outra opção. Na fala a seguir, embora o idoso tenha sua própria casa, os familiares (com seu consentimento) optaram por encaminhá-lo ao abrigo, já que não poderiam oferecer o cuidado necessário.
Se a gente puder sair daqui é muito melhor... Cá pra nós... Eu não tô aqui na marra. Se eu quiser eu peço pra elas me tirar daqui, entendeu? Mas eles acham, eles têm uma intenção que a gente é obrigado a viver aqui porque aqui que é a casa do idoso. Mas eu sou proprietário de duas moradas... Ah! Nem se compara!... Eu preferia minha casa porque lá eu tinha uma vizinhança de qualidade boa, bastante gente da família. (P1, Sr. de 86 anos)
Por diversas vias, manifestam insatisfações. Seja pela fala, pelo olhar, ou até mesmo por um sorriso que oculta sentimentos desagradáveis. Expressões verbais e corporais revelam "apagamentos do eu" muitas vezes imperceptíveis. Uma idosa reclamou das roupas escolhidas para ela naquele dia. Chorando, definiu suas vestes como "indecentes", pois eram muito largas no corpo. Isso se deve ao fato de os idosos compartilharem os guarda-roupas, fazendo com que as roupas se misturem.
Outra vez, a mesma idosa falou sobre suas louças e talheres, nunca utilizadas por ela, e sobre o desejo de comer com garfo e faca. No abrigo, pratos e canecas são de plástico e são disponibilizadas apenas colheres, com a justificativa de serem instrumentos mais seguros e de fácil manuseio para os idosos. Porém, muitos idosos teriam condições de se alimentar com garfo e faca, sendo o uso da colher inapropriado para determinados alimentos (como espaguete e alimentos mais sólidos). Dessa forma, a padronização e a dificuldade em reconhecer as singularidades reforçam o processo de mortificação do eu.
Conforme Goffman (2005), além da perda identitária e emocional sofrida em uma instituição total, existe a perda material (daquilo que não pôde trazer ou manter consigo), surgindo a necessidade de objetos que assegurem traços próprios da identidade.
Um conjunto de bens individuais tem uma relação muito grande com o eu. A pessoa geralmente espera ter certo controle da maneira de apresentar-se diante dos outros. Para isso, precisa de cosméticos e roupas, instrumentos para usá-los, ou consertá-los, bem como de um local seguro para guardar esses objetos e instrumentos - em resumo, o individuo precisa de um "estojo de identidade" para o controle de sua aparência pessoal. (Goffman, 2005, p. 28)
É importante salientar que cada idoso possui sua cama (de solteiro) e um criado mudo com chave, ambos com modelo padrão. Fazem desse criado mudo um "estojo de identidade", onde guardam aquilo que ainda podem chamar de seu, mesmo diante de tantas perdas emocionais e materiais.
Dessa forma, o cotidiano dos idosos é permeado por desejos e descontentamentos que não assumem função de reivindicação. Segundo os residentes, é inútil expressar sentimentos e pensamentos, pois já perceberam que não são ouvidos. Em entrevista, P2 fala sobre a dificuldade em poder conversar com a responsável do abrigo.
Ó, pra reclamar eu não tenho liberdade. Eu já sentei naqueles bancos ali da salinha, umas três vezes, esperando ela conversar. Quando eu cheguei na porta dela pra entrar, aí ela disse que tinha muito papel pra assinar, foi o mesmo que me dar um empurrão assim. Ela não disse assim: espera um pouquinho que a gente te atende. Ela disse assim: eu tô cheia de papel pra assinar! (P2, Sra. de 65 anos)
Na instituição, existe um olhar voltado muito mais para suprir as necessidades básicas dos idosos (como alimentação, higiene, cuidados médicos, moradia), em uma dimensão assistencial material,4 do que escutá-los em seus desejos e inquietações, buscando proporcionar bem-estar psicossocial. Assim, quando a escuta é negada, a identidade também é negada, existindo aí um encurvamento aos desejos que não são próprios de cada um, e sim pertencentes ao coletivo.
Ciampa (1987) conceitua a identidade como um processo de metamorfose, de constante desenvolvimento, em que o dispositivo mantenedor dessa constante transformação é chamado reposição. Ou seja, a partir da posição em mim (aquilo que de meu já está posto), a reposição alimenta e atualiza meus traços identitários. Condizente com esse pensamento, espera-se que uma pessoa idosa tenha sua identidade em constante transformação, metamorfoseada, já que se pressupõe desenvolvimento também no envelhecer. Porém, diante do encurvamento ao qual essa pessoa é submetida em uma ILPI, a metamorfose dá lugar ao apagamento do "ser", à mortificação do eu.
Para um eu mortificado, um corpo docilizado, uma identidade lentamente mutilada habita um corpo que sofre disciplinas. Um processo alimenta o outro e vice-versa. Torna-se uma tarefa complexa dissociar esses dois processos, já que uma linha tênue os separa.
Com o intuito de otimizar o tempo, o abrigo adota práticas que resultam em disciplinamento dos idosos. Aqueles que possuem mais dependência, como os cadeirantes, são, por sua vez, mais docilizados. Estes, mesmo possuindo o controle dos esfíncteres, vão habituando-se a usar fraldas, pois os funcionários - sobrecarregados - não podem levá-los ao banheiro cada vez que necessitam. Outra situação que configura disciplinamento é o momento das refeições. Os idosos, mesmo aqueles com autonomia, aguardam ser servidos na mesa. Essa contenção, esse impedir a atividade dos corpos - neste caso de ir buscar seu próprio alimento -, no intento de manter a ordem, configuram o disciplinamento.
Métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade, são o que podemos chamar as disciplinas... A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma aptidão, uma capacidade que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. (Foucault, 1996, p.126-127)
Uma das entrevistadas, quando lhe perguntaram sobre as coisas que desejaria fazer, mas não podia, respondeu: "Ah, é muita coisa né, porque aqui sou mandada, né? Na minha casa eu fazia como eu queria. Aqui eu sou mandada, né?" (P3, Sra. de 85 anos). Quando respondeu sobre como é viver no abrigo, P5 define: "É viver como um doente, né?" (P5, Sra. de 94 anos). Essas falas revelam a submissão e desempoderamento vivenciados pelos idosos.
Nesse sentido, dispositivos como a rotina estruturada - descrita anteriormente - e práticas que não estimulam a autonomia, nem respeitam as singularidades dos idosos, constituem uma instituição que, por meio do controle, mortifica o eu e dociliza o corpo. Portanto, compreende-se que tanto a mortificação do eu quanto o disciplinamento do corpo aparecem no idoso institucionalizado, variando a intensidade entre os residentes, levando em consideração dois fatores: o nível de dependência e o tempo de permanência no abrigo. Quanto mais dependente o idoso, mais encurvado ao desejo da instituição ele se torna.
Além disso, os idosos com menos tempo de permanência no abrigo mostram-se mais resistentes à dinâmica da instituição se comparados àqueles que lá estão há mais tempo. Durante a observação, duas idosas recém-chegadas apresentavam náuseas e vômitos frequentes e negavam-se a comer as refeições oferecidas, alimentando-se pouco ou solicitando café e biscoito no lugar dos alimentos salgados. Durante o dia, ficavam a maior parte do tempo deitadas. Essa resistência a incorporar a dinâmica da instituição demonstra o ajustamento secundário proposto por Goffman (2005).
Ao permanecerem no abrigo, os idosos passam por um processo de resistência/negação e, lentamente, com o processo de mortificação do eu, começam a se ajustar à nova realidade. Esse ajustamento ao funcionamento da instituição indica o ajustamento primário. Com o longo tempo de permanência, aparecem os sinais de cansaço e desgaste, representado também nas relações interpessoais, muitas vezes conflitantes. P5 diz: "Até que no começo foi bem, não senti problema nenhum, mas ao viver com o pessoal vem, ao viver com o pessoal vem, boba. Essas mulher brigam comigo... Mas é só ao correr do tempo e do dia que aparece, tu entende?" (P5, Sra. de 94 anos).
Por fim, vale pontuar que a idosa residente há vinte anos no abrigo justificou não querer participar da entrevista, pois já estava cansada de ser objeto de estudo. Enfatizou que no início gostava de morar no abrigo, porém com o tempo a vida tornou-se mais "pesada".
Considerações Finais
Essencialmente, desejou-se nesta pesquisa compreender o processo de institucionalização em idosos abrigados. Ainda que diante da complexidade e rigor inerente à produção de saberes, algumas compreensões foram possíveis.
Verificou-se o quanto o envelhecer é permeado de preconceitos construídos culturalmente. Mesmo com os avanços e transformações da sociedade, a velhice continua sendo associada a limitações e ausência de desenvolvimento, à estagnação. Essa perspectiva é deflagrada na dinâmica do abrigo, o que inclui equipe diretiva, funcionários, residentes e seus familiares. A instituição possui dificuldade em reconhecer as potencialidades dos idosos. Estes, por sua vez, fazem da instituição o lugar de espera para os últimos anos de vida.
Constatou-se que o abrigo se constitui, em traços suaves, uma instituição total. O modo como os conceitos identidade metamorfoseada, mortificação do eu e disciplinamento estão conectados, permitiram uma leitura enriquecedora do universo do idoso institucionalizado e do processo de institucionalização em si. Nesse caso, envelhecer em uma instituição produz efeitos negativos na identidade dos idosos, já que a metamorfose - no sentido de desenvolvimento - dá lugar ao processo de mortificação do eu, perpassando um corpo que sofre disciplinas, um corpo dócil.
Ainda sobre o processo de institucionalização, a partir da mortificação do eu e o disciplinamento, observou-se que os idosos recém-chegados apresentam resistência em relação à nova realidade; já aqueles com mais tempo de permanência mostram-se mais ajustados à dinâmica da instituição. No entanto, aqueles com longo tempo de permanência apresentam um intenso desgaste emocional. Mesmo sendo gratos aos cuidados oferecidos pelo abrigo, com frequência expressam o desejo de ir embora, permitindo compreender que quanto maior o tempo de permanência no abrigo, maiores são os efeitos da institucionalização.
Sabe-se que as Instituições de Longa Permanência para Idosos têm função importante no contexto atual e, a seu modo, dentro das possibilidades, oferecem o cuidado à pessoa idosa. Nesse caso, observou-se que o abrigo assume um caráter assistencial material, priorizando suprir as necessidades básicas dos idosos, o que indica a dificuldade dessas instituições em se adequarem, em estarem compatíveis com os avanços da Política Nacional de Assistência Social. Além disso, pouca atenção é direcionada à dimensão psicológica, às necessidades emocionais dos idosos, comprometendo o seu bem-estar biopsicossocial. Essa compreensão se traduz na necessidade de repensar perspectivas e práticas institucionais, transformando positivamente esses espaços.
Outra questão a ser repensada é o fato de o abrigo não contar com psicólogo em sua equipe técnica. A presença desse profissional - aqui especialmente com enfoque psicossocial -, compondo a equipe multiprofissional, é fundamental no sentido de pensar estratégias e oferecer atenção psicológica norteada pelo principio da humanização, devendo as demandas individuais ou coletivas ser acolhidas e trabalhadas de forma especializada. Essa atenção pode ser direcionada a todos os envolvidos no contexto da instituição - equipe diretiva, funcionários, idosos e seus familiares -, primando pelo bem-estar e, consequentemente, contribuindo na fluidez do funcionamento institucional. Os idosos - protagonistas deste estudo - necessitam de profissionais essencialmente dispostos a se conectarem ao mundo deles, a escutá-los atentamente em seus desejos e inquietações, a promover desenvolvimento. Mesmo diante de um ambiente coletivo, é preciso respeitar as singularidades.
Sobre as limitações da pesquisa, a maior dificuldade se deu nas entrevistas, já que os idosos por vezes apresentaram dificuldades em manter o foco diante das questões propostas, exigindo ainda mais habilidade por parte da entrevistadora.
Este estudo não se encerra em si mesmo, mas abre possibilidades para outras pesquisas, principalmente na área da Psicologia, que muito tem a contribuir. Uma sugestão é a realização de pesquisa em ILPIs que tenham psicólogos em sua equipe multiprofissional, com o intuito de conhecer suas formas de atuação.
É pertinente findar esse ciclo com a seguinte reflexão: uma sociedade que caminha para as relações "descartáveis", esqueceu-se de olhar o "velho" de um jeito "novo". Impregnado na cultura, envelhecer ainda significa perdas, improdutividade, doença e morte. Esta pesquisa, usando as palavras de Madre Tereza de Calcutá, "é uma gota no oceano", porém o que se desejou e se deseja é olhar além, é considerar a velhice com todas as suas potencialidades e limitações, acreditando num longevo protagonista da sua sábia história.
Referências
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Recebido em 07/04/2016
Aprovado em 25/01/2017
1 Termo empregado pela autora para descrever uma observação.
2 Termo empregado pela autora para descrever uma observação.
3 Colégio interno: termo utilizado pela entrevistadora como substituto, pois entrevistada cita nome de uma instituição.
4 É importante esclarecer que a Política Nacional de Assistência Social (consonante ao Estatuto do Idoso) atua na garantia dos direitos dos cidadãos, o que inclui, além da segurança material, o fortalecimento dos vínculos (especialmente os familiares), o respeito à dignidade humana e o estímulo ao protagonismo social. No entanto, neste caso, a prática limita-se à dimensão assistencial material.