15 1Abordagens conceituais da vulnerabilidade no âmbito da saúde e assistência social 
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Pesquisas e Práticas Psicossociais

 ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.15 no.1 São João del-Rei jan./mar. 2020

 

Editorial PPP 15(1)

 

 

Larissa Medeiros Marinho dos SantosI; Isabela Saraiva de QueirozII; José Rodrigues de Alvarenga FilhoIII; Maria de Fatima Aranha de Queiroz e MeloIV

Ilarissa@ufsj.edu.br
IIisabelasq@ufsj.edu.br
IIIjoserodrigues@ufsj.edu.br
IVfatimaqueiroz.ufsj@gmail.com

 

 

Será possível o trabalho de profissionais da Psicologia sem considerar e acolher as incertezas e vulnerabilidades vividas por aqueles/as portadores/as de sofrimento psíquico a quem dedicamos o nosso trabalho? Essa é a provocação que Pesquisas e Práticas Psicossociais nos oferece neste primeiro número de 2 tendo como porta-vozes os artigos que aqui apresentamos.

Incertezas e vulnerabilidades costumam caminhar juntas numa teia em que se produz empobrecimento material e psíquico. Incertezas e vulnerabilidades se retroalimentam no ciclo da necropolítica e da negligência aos direitos humanos. Entre crises, ameaças e reformas, desenha-se um futuro incerto para o cidadão médio e principalmente para a maioria da população com recursos escassos e cada vez mais desassistida pelas políticas públicas.

Em tempos de incertezas, o conceito de vulnerabilidade, em sua polissemia, chama a atenção do leitor nos títulos dos três primeiros artigos do Sumário, desdobrando-se, desde o marco conceitual, para a questão da vulnerabilidade socioambiental das cidades em momentos de catástrofes e para a vulnerabilidade social das relações intersubjetivas no âmbito do cuidado à saúde mental. Estará presente também, de forma menos explícita, em outros artigos.

No primeiro artigo, Abordagens conceituais da vulnerabilidade no âmbito da saúde e assistência social, Magda Dimenstein e Maurício Cirilo Neto (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), por meio de revisão não sistemática da literatura e posterior análise discursiva das publicações selecionadas, destacam as principais abordagens em torno da categoria vulnerabilidade e problematizam a maneira como vêm sendo utilizadas no campo da saúde e assistência social.

No segundo artigo, intitulado Sustentabilidade afetiva em situações de vulnerabilidade socioambiental: um problema para as cidades, Gabriela Iamara Lupianhe Pereira e Sonia Regina Vargas Mansano (Universidade Estadual de Londrina) problematizam, a partir de de casos extraídos de publicações em mídias digitais, as contribuições da Psicologia em relação à vulnerabilidade socioambiental de parcelas da população e gerada por desastres naturais, cada vez mais frequente no cotidiano das cidades.

Em Afetividade e a politização da dor em territórios de vulnerabilidade social: micropolítica e a produção do cuidado, Karina Rodrigues Matavelli Rosa e Carlos Roberto de Castro e Silva (Universidade Federal de São Paulo) buscaram compreender a qualidade das relações intersubjetivas que balizam os encontros entre os sujeitos que compõem o campo micropolítico da produção de cuidado à saúde mental, em território marcado pela violência, miséria e exclusão.

Dentro e fora: tecendo reflexões sobre um hospital de custódia tem como autores Rayanne Pinto Magalhães, Sonia Elisabete Altoé (Universidade do Rio de Janeiro). Apresentam um caso clínico acompanhado durante estágio em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico para problematizar se as ações desenvolvidas durante o tratamento atendem aos princípios e às diretrizes da Reforma Psiquiátrica brasileira.

Não menos desafiante se mostra o trabalho com a vulnerabilidade das populações em situação de rua que cresce a cada dia com a falta de empregos, o desalento e o rompimento de laços familiares.

Em Psicologia na rua: delineando novas identidades a partir do trabalho com a população em situação de rua, Felipe Coura Rocha (Escola de Saúde Pública do Ceará) e Pedro Renan Santos de Oliveira (Universidade Federal do Ceará) buscaram compreender as práticas de psicólogos no trabalho com as pessoas em situação de rua na cidade de Fortaleza-CE, em contraste com as formas tradicionais do exercício da profissão.

É também sobre uma população em situação de rua de uma cidade do nordeste brasileiro que se dá a pesquisa que deu origem ao artigo Narrativas LGBT de pessoas em situação de rua: repensando identidades, normas e abjeções de Lis Paiva de Medeiros, Ana Karenina de Melo Arraes Amorim, Maria Teresa Nobre (Universidade Federal do Rio Grande do Norte). As autoras registraram, através de entrevistas, as narrativas de experiências de pessoas que se identificavam como LGBT ou que se desviavam do referencial cis-heteronormativo, explicitando graves violações de direitos, vulnerabilidades e exclusão em diferentes contextos sociais.

Corpos também trazem suas marcas identitárias e produzem pesquisas. Questões de gênero são abordadas no artigo O corpo transgênero em animações e quadrinhos: uma análise psicossocial de Alexsander Lima da Silva, Adélia Augusta Souto de Oliveira da Universidade Federal de Alagoas. Utilizando pressupostos téorico-metodológicos da Psicologia Social e dos Estudos de Gênero, investigaram os sentidos acerca do corpo transgênero em animações e quadrinhos infantojuvenis, revelando como seus personagens se utilizam de uma pluralidade identitária que permite atribuir diversos sentidos ao corpo transexual.

Em Interrogando o dispositivo de segurança na judicialização da vida: notas biopolíticas, as autoras Flávia Cristina Silveira Lemos (Universidade Federal do Pará), Dolores Galindo e Renata Vilela Rodrigues (Uiversidade Federal de Mato Grosso) analisam, em ensaio teórico, as práticas de judicialização da saúde, que passaram a ocorrer, sistematicamente, no Brasil, nos últimos anos, como um dos efeitos da biopolítica contemporânea. Mostram um aumento significativo de processos buscando compensações judiciais para grupos em condição vulnerável em relação ao acesso à saúde, resultantes do cálculo dos danos causados pela ausência da garantia da saúde como prevê a constituição brasileira.

O consumidor de crack: a influência das crenças familiares no tratamento, artigo de Paulo de Tarso Melo e Suely de Melo Santanda (Universidade Católica de Pernambuco), traz resultados de pesquisa que investigou a relação entre as crenças familiares sobre consumo de crack e a participação familiar no tratamento de seus membros. Entre os dez familiares de consumidores de crack que estavam em tratamento em uma Comunidade Terapêutica (CT) e um representante da instituição, foram investigadas crenças relacionadas ao consumo do crack, principalmente com relação à influência dos amigos, dependência química, einfluência do consumidor com o tráfico, destacando-se a importância da participação familiar no tratamento.

Luciane Marques Raupp(Universidade La Salle) é autora do artigo Redução de Danos em Rave no Rio Grande do Sul: Concepções de uma ação. Relata pesquisa que objetivou apresentar o modo de trabalho em uma ação realizada pelo Coletivo Lótus de Redução de Danos (RD), grupo que utiliza a música eletrônica, comumente encarada como incitadora do consumo de drogas psicoativas, desta vez usada em intervenções de redução de danos em festas e festivais Rave no Rio Grande do Sul.

Em Super-Heróis na fase Pré Capa/Pré-Máscara: inspiração para intervenções psicoeducacionais positivas, com base na Psicologia Positiva, os autores Gelson Vanderlei Weschenfelder (Universidade La Salle), Maria Angela Mattar Yunes (Universidade Salgado de Oliveira), Chris Fradkin (University of California, Merced), mapeando ações nacionais e internacionais, investigaram intervenções psicoeducativas e na área de saúde que utilizam super-heróis em sua fase pré-capa/ pré-máscara, período em que a maioria dos personagens fictícios viveu situações de risco antes da fase de superempoderamento. O levantamento se justifica devido à escassez de estudos sobre o tema e porque a maioria das intervenções usa o super-herói em fase de pós-empoderamento.

Os dois artigos a seguir abordam questões que afligem especialmente e recorrentemente as mulheres, tornando-as cada vez mais vulneráveis como alvo de violência e sobrecarga de atribuições.

Em Intervenção com mulheres vítimas de violência doméstica: uma revisão bibliométrica, os autores Andrezza Souza Martinez, Fernanda Monteiro de Castro Bhona, ambas pela Machado Universidade Federal de Juiz de Fora e Lélio Moura Lourenço Universidade do Minho - Braga), com o intuito de estabelecer um panorama do cenário acadêmico das diversas áreas que trabalham com a temática, realizaram uma revisão bibliométrica de literatura, utilizando artigos publicados entre 2004 e 2014 em seis bases de dados (Web of Science, PsycInfo, Scielo, Pepsic. Redalyc e Lilacs) sobre as intervenções utilizadas em casos de violência doméstica contra mulheres.

Valéria Brandão Pereira (Universidade Federal de Alagoas) e Heliane de Almeida Lins Leitão (University of Kent, Inglaterra) abordam a Sobrecarga e rede de apoio: a experiência da maternidade após a separação conjugal com base em estudos interdisciplinares sobre família, assim como no conceito de provisão ambiental desenvolvido por Winnicott e a partir do relato de seis mães, com filhos com idades entre 1 e 13 anos, após separação conjugal, constatando que que o principal impacto da separação na vida das mães é a sobrecarga de atribuições, mais atribuições.

Adoecimento e estresse no e pelo trabalho são os temas presentes nos artigos abaixo, constituindo mais uma dimensão de vulnerabilidade verificada pelos autores deste número.

Por meio de entrevistas, Iasmin Libalde Nascimento (Universidade Federal do Espírito Santo) , Thiago Drumond Moraes (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) buscaram entender relações entre o trabalho e o adoecimento de psicólogos que atuam no Sistema Único de Assistência Social. Realizaram uma aproximação entre o discurso dos psicólogos que atuam na proteção social básica, em Vitória-ES, sobre seu trabalho e a teoria da Clínica da Atividade, a fim de viabilizar a discussão sobre atividade de trabalho e os atravessamentos que a envolvem no processo de produção de saúde/doença desses profissionais, tendo como resultado o artigo Atividade de trabalho e saúde de psicólogos do SUAS: aproximações.

Estresse Ocupacional em Formadores de Professores do Ensino Básico: Estudo com Profissionais do Instituto de Formação de Professores Primários de Nampula-Moçambique, dos autores Gildo Aliante (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Mussa Abacar (Universidade Rovuma, Moçambique), é um estudo exploratório, de cunho qualitativo, que envolveu 20 professores buscando compreender os fatores do estresse ocupacional em formadores de professores do ensino básico em Nampula-Moçambique e as respectivas estratégias de enfrentamento ao fenômeno.

A Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais inicia seus trabalhos no ano de 2020 sem a colaboração oficial de Michel Montandon, sempre disponível para diagramar e postar no SEER a nossa produção, a quem parabenizamos pela aprovação no doutorado. Continuamos contando com a valiosa colaboração de Adalberto Nunes, nosso revisor, e de Rogério Lucas de Carvalho, coordenador do Setor de Editoração da Universidade Federal de São João del Rei, assim como de Elisângela Ferreira, nossa secretátia. Agradecemos também a Victor Freitas Henriques pelo trabalho que vem realizando como editor associado da revista e pelos resultados alcançados. Desejamos aos leitores que a inquietação produtiva em torno das vulnerabilidades e incertezas lançadas neste número possa mover mais pesquisas e mais trabalhos na busca pela diminuição da desigualdade e pela garantia de sobrevivências dignas.

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