Pesquisas e Práticas Psicossociais
ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.15 no.4 São João del-Rei oct./dez. 2020
Psicólogo escolar: fortalecendo a participação da família na escola1
School Psychologist: Strengthening Family Participation in School
Psicólogo escolar: fortaleciendo la participación de la familia en la escuela
Izabela da Silva DantasI; Adinete Sousa da Costa MezzaliraII
IFaculdade Marta Falcão
IIUniversidade Federal do Amazonas (Ufam)
RESUMO
Esta pesquisa investigou alguns elementos que promovem ou dificultam a participação da família na escola. Participaram da pesquisa uma professora, um avô e uma mãe. A coleta de dados consistiu de entrevistas semiestruturadas e os resultados foram analisados na perspectiva Construtiva-Interpretativa. Os resultados encontrados que fortalecem a relação família e escola foram: buscar formas diversificadas de comunicação e conhecer o contexto familiar do aluno. Com relação aos fatores que impedem a participação da família na escola, pode-se destacar: o desinteresse dos responsáveis em acompanhar as atividades pedagógicas da criança e a comunicação restrita e impessoal. Em geral, constata-se que as estratégias de intervenção do psicólogo escolar que visam à aproximação da família e a escola devem ser permeadas por espaços que assegurem diálogo e fortalecimento das relações.
Palavras-chave: Psicólogo Escolar. Família. Escola. Fortalecimento.
ABSTRACT
This research investigated the factors that promote or hinder the family's participation in school. Attended a professor, a grandfather and a mother. Contructive-Interpretive analysed the results and the Semi-structured interviews used for collecting data. The results that strengthen the relationship between family and school, were: seek diversified forms of communication and to meet the students' family. In respect to the factors that impede the participation of the Family in the school, were: parents have little involvement with the process of development of children and restricted personal communication. In general, it found that the intervention strategies of the school psychologist aimed at parents' approach to school can't be permeated by actions that put the school as a family trainer, but by intervention to ensure a space of exchange and strengthening.
Keywords: School psychologist. Family. School. Strengthening.
RESUMEN
Este estudio investigó los elementos que promueven o dificultan la participación de la familia en la escuela. Participaron una profesora, un abuelo y una madre. Se utilizó para recolectar los datos entrevistas semiestruturadas y se analizó los resultados por la metodología Constructiva-Interpretativa. Los resultados encontrados que fortalecen la relación familia y escuela, fueron: buscar formas diversificadas de comunicación y conocer la realidad de la familia. En cuanto a los factores que impiden la participación familiar en la escuela: los padres tienen poco implicación con el proceso de desarrollo de los hijos y comunicación restringida e impersonal. En general, descubrió que las estrategias de intervención del psicólogo escolar que apuntan a la aproximación de los padres a la escuela no pueden ser permeadas por acciones que colocan a la escuela como formadora de la familia, sino por intervenciones que aseguren un espacio de diálogo y fortalecimiento.
Palabras clave: Psicólogo Escolar. Familia. Escuela. Fortalecimiento.
Considerações iniciais
A contribuição da Psicologia Escolar no fortalecimento da relação família e escola é uma temática que precisa ser cada vez mais considerada no bojo das ações do psicólogo no contexto educativo. Isso porque, apesar dos avanços percebidos tanto nas pesquisas quanto nos relatos de experiências, ainda é um assunto muito demandado nos espaços escolares. Algumas pesquisas como as de Guzzo (1990), Oliveira e Marinho-Araújo (2010), Mezzalira e Guzzo (2011) e Guzzo, Mezzalira, Weber, Sant'Ana e Silva (2018) têm buscado, por meio da práxis, elencar fatores que possam favorecer ou desfavorecer a participação da família na escola, bem como propor formas de agir do psicólogo escolar com o objetivo de construir uma ação capaz de promover a vinculação entre essas duas instituições.
Para iniciar uma compreensão sobre a relação família e escola, faz-se necessário recuperar, mesmo que brevemente, a história dessa relação. Segundo Campos (2011), antes do século XVII, a família era encarregada de transmitir para os filhos a cultura e os ensinamentos científicos necessários para a sobrevivência da sociedade. A partir do século XVII, com o surgimento das máquinas, esses ensinamentos técnicos ‒ que eram passados dos mais velhos aos mais novos ‒ já não eram suficientes para a sociedade industrializada, que necessitava de mão de obra qualificada. Dessa maneira, a escola tornou-se responsável pelos ensinamentos técnicos e científicos anteriormente atribuídos à família.
No Brasil, essa relação ganhou ênfase no fim do século XIX, no início da República, com o objetivo de "civilizar" e "instruir" por meio da educação. As pessoas daquela época acreditavam que somente por meio da educação e da saúde seria possível obter uma reformulação do que era entendido como maus costumes da população. Com o advento de movimentos como o higienista e o escolanovista, a escola se aproxima da família no intuito de instruir, civilizar, normalizar os padrões familiares no país para que houvesse progresso, ou seja, o propósito não estava em propiciar uma relação em que a escola e a família trabalhassem juntas em prol do desenvolvimento do indivíduo (Campos, 2011; Faria Filho, 2000).
Essa relação de subordinação da família pela escola foi sendo construída com base na desconfiança em relação à competência da família sobre a educação de seus filhos. E destaca-se que, nesse contexto, a mulher era vista como a responsável por garantir ordem no lar e possibilitar que a família incorporasse as referências escolares (Faria Filho, 2000). Nessa perspectiva, é possível verificar que a construção ou estreitamento da relação entre família e escola mantinha-se, principalmente, em relação à instrução da família sobre as normas, o regulamento da escola e/ou o modo de agir diante das dificuldades apresentadas pelos alunos. Esse modelo, portanto, tampouco teve o intuito de promover uma relação participativa entre os dois contextos (Oliveira & Marinho-Araújo, 2010).
Diante dessa realidade, Ribeiro e Andrade (2006) explicam que historicamente o comportamento da escola de instruir e o da família de responder às expectativas da escola geraram o afastamento da família e o aumento de comportamentos punitivos e de ameaças aos filhos. De fato, é possível observar atualmente uma atitude demasiada da família em mudar o comportamento dos filhos ditos como indisciplinados e, quando esse objetivo não é alcançado, a família tende a retirá-lo da escola, diante do sentimento de vergonha pelo fracasso em discipliná-lo.
Pelo exposto, torna-se visível que muitas das ações promovidas pela escola mostram intenções de "tutelamento" dos comportamentos da família, como considera Almeida e Ferrarotto (2017). Por isso, apesar da crescente crítica dirigida às ações que prioritariamente culpabilizam a família pelo fracasso escolar, ainda é possível verificar posturas discriminatórias que analisam o desenvolvimento escolar dos alunos a partir das condições econômicas dos pais e do discurso sobre famílias desestruturadas (Ribeiro & Andrade, 2006; Almeida & Betini, 2015).
Segundo Oliveira e Marinho-Araújo (2010), há uma relação de poder entre esses dois contextos quando a escola se sente no direito de penetrar no cotidiano familiar, dando aconselhamentos de como lidar com os filhos, mas não permite que a família participe do cotidiano escolar, oferecendo contribuições para a elaboração de atividades a serem desenvolvidas com os estudantes.
É importante destacar que essa relação de poder tem sido sustentada pela ação da família em buscar na escola resoluções para os seus problemas. De acordo com Guzzo (1990), a família tem delegado à escola as resoluções de problemas por não se sentir preparada para lidar com as dificuldades encontradas no processo de desenvolvimento e aprendizagem dos seus filhos. A escola, como detentora do conhecimento, tem se utilizado dessa fragilidade familiar e procedido a partir de duas intervenções centrais: orientar os pais como proceder com os seus filhos e/ou encaminhar o problema para serviços especializados fora da escola.
A família, diante dessa situação, tem se colocado, frequentemente, submissa e não questionadora das orientações e exigências impostas pela escola. E a escola, nessa posição hierárquica do saber, geralmente, tem responsabilizado a família pelo fracasso escolar e excluído a participação dos pais no cotidiano dessa instituição (Ribeiro & Andrade, 2006). A visão de superioridade atribuída à escola pela família tem contribuído para perpetuar a dinâmica de exclusão dos pais no contexto escolar, tornando-se visível a necessidade de desenvolvimento da autonomia e da conscientização da família por meio do processo de fortalecimento, o qual, segundo Montero (2010) e Guzzo e Lacerda (2007), é um processo em que os membros de uma comunidade atuam conjuntamente a fim de desenvolverem capacidades e recursos para exercer o controle da sua situação de vida de maneira crítica e consciente, transformando a realidade do seu entorno segundo suas necessidades e, ao mesmo tempo, transformando a si mesmos.
Fortalecer a família, portanto, é desenvolver e potencializar as capacidades que se encontram em seus membros, visando superar as relações de opressão que possam existir no seu contato com a escola. Esse processo irá favorecer a sua participação ativa no contexto escolar e contribuirá para o seu envolvimento nos projetos pedagógicos, assim como em outras atividades do ambiente escolar, pois será apenas por meio de uma participação ativa da família, como esclarecem Dessen e Polônia (2007), que a escola conhecerá as práticas educativas familiares que servirão como base para realizar propostas pedagógicas que contemplem a realidade e as necessidades desse contexto familiar, respeitando as singularidades de cada criança e adolescente.
Diante disso, as estratégias de intervenções que visam à aproximação dos pais e a escola não podem ser permeadas por ações que colocam a escola como formadora da família, mas por atividades que assegurem um espaço de dialogicidade fundamentada nas ideias de Freire (1987; 1996), em que o diálogo, desprovido de correlações de força, leva à compreensão e à mudança da realidade por meio da participação de todos.
Dessa forma, percebe-se que o psicólogo escolar tem um papel fundamental nessa mediação. As pesquisadoras Oliveira e Marinho-Araújo (2010) explicam que esse profissional precisa estar atento às características que permeiam a relação família-escola, bem como propor espaços de diálogo, escutando a ambos e compreendendo os diversos atores que fazem parte dessa relação. Destaca-se ainda que essa comunicação não deve ocorrer apenas em reuniões bimestrais, mas, também, por meio de outros canais de comunicação. Isto é, as autoras defendem a responsabilização compartilhada e a importância de se investigar as concepções que a equipe gestora, professores e pais têm acerca da relação família-escola, pois cada contexto escolar apresenta as suas particularidades, que poderão ou não contribuir para a efetivação de uma relação participativa.
Outra possibilidade de intervenção nessa direção é a do psicólogo escolar promover ações direcionadas ao enfrentamento da relação de poder instituída nesse contexto. Segundo Mezzalira e Guzzo (2011), essas ações podem ser direcionadas à participação ativa dos psicólogos nas reuniões de pais, nas reuniões entre o professor e a família sobre determinada criança e nos espaços coletivos entre os professores. Tudo isso leva a pensar em formas de a família participar do cotidiano escolar, bem como a promover espaços de debates com a família sobre o seu papel e o da escola no processo de escolarização dos filhos.
Diante do que foi exposto, o presente artigo tem como objetivo investigar alguns elementos que promovem ou dificultam a participação da família na escola, para, a partir disso, apresentar propostas de ações direcionadas ao psicólogo escolar que busca a participação democrática da família na escola.
Método
Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética da UFAM (CAAE: 57090915.0.0000.0006) seguindo as normas éticas da pesquisa, de acordo com a Resolução n. 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde e a Resolução n. 010/2005 do Conselho Federal de Psicologia, que dispõe a Lei Nacional sobre a Pesquisa com seres humanos.
O cenário da pesquisa foi uma Escola Municipal de Ensino Fundamental I localizada na cidade de Manaus. Essa instituição funcionava em dois turnos, tinha oito salas de aula e atendia gratuitamente cerca de 314 alunos durante o período da pesquisa. Fizeram parte dessa pesquisa três participantes, no caso, uma professora, que estava lecionando na instituição há cinco anos; um avô, que acompanhava as atividades desenvolvidas na escola; e uma mãe. que mostrava-se resistente em participar das reuniões de pais na escola. Os três participantes eram de turmas diferentes na escola.
Para a coleta de informações, foram utilizados dois roteiros de entrevistas semiestruturados, sendo um utilizado com a professora e o outro com os familiares. Para a professora, o roteiro de entrevista teve como objetivo: a) identificar quais eram as ações da escola que possibilitavam a participação da família no contexto escolar; e b) verificar a opinião da professora sobre a participação da família na escola. Na entrevista com o avô e a mãe, o roteiro de entrevista tinha dois pontos centrais: a) investigar quem acompanhava a rotina escolar da criança; e b) analisar a opinião do sujeito entrevistado sobre a sua participação na escola, considerando os aspectos sociais e psicológicos.
Depois da apresentação do projeto e da aprovação do entrevistado para participar voluntariamente da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), deu-se início às entrevistas, que aconteceram individualmente em um espaço reservado da escola. Durante a entrevista, buscou-se estabelecer um diálogo com o participante de uma forma não diretiva, permitindo um discurso livre, ainda que seguindo um roteiro de perguntas.
Para a análise dos dados, foi elaborado um Protocolo de Análise das Entrevistas. Esse instrumento procurou identificar os trechos que contemplavam os objetivos da pesquisa, buscando interpretá-los e reuni-los em categorias sob a perspectiva construtivo-interpretativa apresentada por González Rey (2002, 2005, 2012). Destaca-se que a pesquisa tem um caráter qualitativo e os resultados analisados não serão caracterizados como finais e universais, que se esgotam em uma única pesquisa, mas como dinâmicos e abertos a novas interpretações.
Resultados e discussão
Os resultados encontrados foram organizados em três grandes categorias, sendo a primeira relativa às atividades realizadas pela escola que incluíssem a participação da família; a segunda vinculada à opinião da professora acerca do envolvimento familiar; e a terceira referente à visão dos familiares a respeito da participação familiar na escola.
1. Atividades realizadas pela escola que incluem a participação familiar
Ao perguntar sobre atividades escolares que incluem a participação familiar, os participantes manifestaram respostas diferentes que podem sinalizar interesses e/ou o grau de importância da divergência, com relação às atividades que visam à parceria família e escola.
Com relação à resposta da professora, foi possível verificar ênfase nas reuniões de pais consideradas obrigatórias e, também, em situações que exigiam a participação da família, quando solicitada pela escola. Ao analisarmos as respostas do avô e da mãe sobre os espaços que frequentam na escola, a reunião de pais é mencionada, mas há um destaque aos eventos comemorativos. Os familiares defenderam que as atividades festivas podem funcionar como um incentivo à ida a escola.
No que diz respeito às reuniões de pais, apesar de serem um espaço institucionalizado pela escola e, geralmente, destacadas nos discursos dos professores nessa escola como importantes, nem sempre tinham a adesão dos familiares. Isso pode ser explicado a partir da investigação feita por Ribeiro e Andrade (2006), ao afirmarem que esses espaços institucionalizados nem sempre são conduzidos de forma a motivar a participação da família, pois, geralmente, são identificados como chatos, cansativos e demorados, gerando, dessa forma, o desinteresse de muitos.
No que se refere ao envolvimento e interesse da família em participar dos eventos comemorativos na escola, isso pode estar atrelado ao fato de ser um momento mais informal, em que os responsáveis conseguem observar os filhos no ambiente escolar, identificando brincadeiras e amigos de sala. Além disso, é uma vivência que permite a troca de experiências entre as famílias, compartilhando a trajetória de escolarização dos filhos, identificando os limites por meio desse diálogo e as possibilidades de a escola atuar no processo de aprendizagem dos alunos.
É interessante destacar que a participação da família nos eventos comemorativos está vinculada, também, ao interesse de os filhos terem a presença dos familiares nesses eventos. Isso pode sinalizar o compromisso do avô e da mãe com o desenvolvimento social e emocional das suas crianças nesse contexto. No entanto, vale mencionar, conforme explicitado pelo avô, que a ausência dos familiares nesses eventos pode estar atrelada tanto à dificuldade da família em se ausentar do trabalho quanto às condições financeiras.
Em geral, essas informações nos levam a refletir que esses dois segmentos - família e escola - mostraram-se diferentes e, mais uma vez, torna-se visível que os interesses não são compartilhados.
2. Opinião de uma professora acerca do envolvimento familiar no contexto escolar
Neste tópico, perguntas relacionadas à participação familiar no contexto escolar foram direcionadas à professora com o objetivo de investigar como se dá esse envolvimento e/ou aproximação. A professora relata que se esforça para que os pais e responsáveis participem da escola fazendo uso de outros instrumentos, tais como o WhatsApp, para informá-los acerca do conteúdo abordado em sala de aula. Por meio desse aplicativo e de outros meios de comunicação, a educadora tem ampliando a postura tradicional de contato via bilhete ou telefonemas. Isso é importante porque, de acordo com Lima e Chapadeiro (2015), a comunicação das professoras com as família dá-se primordialmente por meio de bilhetes ou pessoalmente, e, quando necessário, via telefonema.
A utilização desse aplicativo, segundo a professora, agiliza a comunicação do feedback das atividades desenvolvidas com as crianças. Essa interação dá-se tanto no âmbito coletivo quanto individual. Isso mostra a preocupação de a professora não apenas informar, mas, também, compartilhar o que foi realizado por meio de esclarecimento das propostas pedagógicas, assim como de outras atividades que são realizadas pela classe. Além disso, a professora acredita que a escola, ao realizar o feedback das atividades, pode estimular o envolvimento da família no ambiente escolar.
Ao ser solicitada a dar sugestões de atividades que sejam capazes de estreitar a relação família-escola, a professora comentou que é complicado fazer sugestões de atividades, pois a maioria dos pais trabalham e não podem estar presentes na escola no horário administrativo. Diante disso, percebe-se que ao conhecer a realidade familiar a professora consegue pensar de forma crítica propostas que venham a atingir os responsáveis.
Com relação ao envolvimento dos pais nas atividades planejadas pela professora, a participante relata que a ausência ou desinteresse dos responsáveis com as atividades pedagógicas realizadas com as crianças na escola tem ocasionado nela um sentimento de trabalho desvalorizado. A professora menciona a necessidade dos pais se envolverem com o desenvolvimento escolar da criança e verbaliza: "os pais veem a escola como um depósito no qual apenas os professores têm responsabilidade com os alunos. Os pais não têm compromisso em olhar o caderno e o livro dos alunos".
Na pesquisa de Lima e Chapadeira (2015), os professores se demonstraram insatisfeitos com a relação família-escola, porque geralmente a família quer saber o resultado do ensino no fim do ano, ficam distantes do processo, não realizam contato e não participam das reuniões ao longo do ano. Acreditam que se os pais participassem mais do contexto escolar a comunicação não ficaria restrita à indisciplina ou às dificuldades do aluno no processo de aprendizagem.
Nessa mesma linha de pensamento, Almeida e Betini (2015) explicam que há uma crítica àquelas famílias que acabam depositando na escola toda a responsabilidade pela educação, sem assumir uma parceria efetiva para a consolidação dos objetivos de formação do estudante, os quais não se restringem aos muros da escola.
Ao investigar os sentimentos da professora com relação aos pais que mostram-se interessados nas atividades\desenvolvidas com as crianças, a docente explica:
Sinto que meu trabalho é valorizado, eu me sinto valorizada. Minha autoestima fica elevada. Mas, isto ocorre mais com a turma da manhã, com quem eu mantenho um grupo no WhatsApp; há comunhão entre a professora e os pais e sinto que há retorno. Há aquisição do esperado em 80% da turma, eu me sinto amparada.
Nogueira (2006) tem revelado em sua pesquisa que escola e família têm intensificado suas relações de modo nunca antes visto. A presença dos pais no contexto escolar e sua maior participação em atividades têm se tornado mais comum. Assim também os contatos têm se multiplicado e diversificado, seja de maneira formal, seja informal. Os canais de comunicação têm sido ampliados para além da tradicional participação nas reuniões de pais e professores. Atualmente, há palestras, "festas da família", a agenda escolar do aluno, os bilhetes, os contatos telefônicos, as conversas na entrada e na saída das aulas.
3. Visão dos familiares em relação à sua participação na escola
Com base nos relatos concedidos pelos familiares, os elementos que potencializam a proximidade entre a família e a escola abrangem: a demonstração de interesse de a escola conversar cotidianamente com a família e a escola conhecer a dinâmica familiar da criança.
É ainda corriqueiro nos depararmos com pesquisas que sinalizam procedimentos inadequados na forma da família e da escola se comunicarem. As pesquisadoras Oliveira e Marinho-Araújo (2010), Mezzalira e Guzzo (2011) e Silva e Guzzo (2019) afirmam que as reuniões de pais, promovidas pela escola, geralmente, são para a comunicação oficial sobre avisos de funcionamento, regras disciplinares ou calendário de atividades festivas e feriados, assim como sobre o aproveitamento escolar das crianças, acentuadamente, em relação às suas dificuldades e problemas de aprendizagem. Isso porque, segundo Lima e Chapadeiro (2015), a escola, no intuito de resolver e/ou evitar problemas, restringe a comunicação apenas ao que estava direcionado à educação, disciplina e aprendizagem.
A utilização de comunicações desprovidas de esclarecimentos e acolhimento aos sentimentos de insegurança presentes na convocação escolar, por exemplo, pode provocar resultados controversos na relação família e escola. De acordo com a mãe, quando há a comunicação com a escola, geralmente, ela é marcada pela formalidade e distanciamento: "Quando a escola não fala o que é e apenas pede para a gente vir à escola, a gente pensa o pior. Penso que a minha filha está mal. Venho sempre para escola com o sentimento negativo, pensando que o pior aconteceu."
Nesse tipo de situação, a mãe, por se sentir desamparada e por não perceber o clima afetivo e relacional, tende a se distanciar e a não investir os seus esforços na participação dos eventos promovidos pela escola. Observamos nesse relato uma possibilidade de encaminhamento para a ação do psicólogo escolar, no caso, promover uma comunicação afetiva, respeitosa e empática entre a família e a escola.
Outro aspecto considerado pelos familiares participantes da pesquisa foi a importância de a escola conhecer e considerar os diversos contextos familiares dos seus alunos. Cada família é única e singular e isso demanda atenção especial nos procedimentos de contato com os familiares, pois o contato com um único membro da família não é a garantia de que todos terão acesso à informação. Veja o relato da mãe a seguir:
A escola não vê que existem pais e mães que são separados, eles têm o meu número na agenda e na secretaria e, às vezes, o colégio não avisa uma das partes. O colégio tem que trabalhar isso, eles têm a ideia de família perfeita. Os psicólogos escolares também precisam trabalhar isso com a gente.
Nesse relato, nota-se que a escola continua limitada à visão de família nuclear e, por isso, tem tido dificuldade em orientar a sua prática considerando as diversidades presentes nos grupos familiares de cada aluno. A esse respeito, Palma e Strey (2015) têm esclarecido que a instituição familiar se transformou e, portanto, essas novas dinâmicas sociais afetam diretamente os contornos da relação entre a escola e a família. Para as autoras, a educação brasileira precisa ampliar o seu conceito de família como grupos heterogêneos para que todos se sintam acolhidos na escola.
Além disso, ao se posicionar de forma ética e responsável frente às mudanças familiares contemporâneas, a escola favorece interações democráticas e de respeito, o que pode contribuir para o enfrentamento de todas as formas de preconceito, violência e exclusão direcionadas aos sujeitos e situações que se apresentam como diferentes nos espaços escolares.
No relato anterior, é possível observarmos, também, uma indicação de trabalho para os psicólogos escolares. Esse profissional deve promover espaços que problematizem as consequências de um ambiente excludente no processo de desenvolvimento e escolarização de crianças e adolescentes. O sofrimento que os alunos vivenciam nas escolas por não estarem dentro do padrão instituído de família na sociedade é algo que merece atenção especial. Nesse sentido, o psicólogo escolar precisa desenvolver espaços de diálogo sobre formas contemporâneas de vida familiar. Como bem pontuam Palma e Strey (2015), além de a escola trabalhar as questões relacionadas à diversidade familiar, torna-se imprescindível entender o modo como as famílias compreendem a diversidade.
Considerações finais
No contexto escolar pesquisado, é perceptível que um bom trabalho é desenvolvido pela educadora entrevistada, e resultados positivos são notados mediante o seu esforço para estimular os pais a participarem do desenvolvimento escolar dos alunos. Notamos, porém, que nessa escola, alguns professores, tal como a instituição em si, não estão preparados para lidar com questões relacionadas à família dos alunos. A participação dos pais no ambiente escolar ainda não é tarefa muito desenvolvida pela escola. Isso é salientado quando a mãe entrevistada relata que a professora da turma de sua filha, tal como a direção da escola, não demonstra interesse em convidar os pais a participarem do ambiente escolar, culpabilizando a escola como elemento que dificulta tal relação.
Em geral, com base nas leituras feitas sobre a temática e os resultados encontrados na pesquisa, podemos inferir uma reflexão sobre a corresponsabilização da família e da escola na promoção do desenvolvimento dos alunos nos aspectos físicos, cognitivos, psicológicos e sociais. É comum escutarmos nos espaços escolares uma separação rígida das funções direcionadas à família e à escola, e isso é claramente percebido nos relatos de cobranças e desconfianças advindos desses dois segmentos. A escola sente-se pressionada pela família no âmbito pedagógico, e a família sente-se coagida no âmbito dos valores e da moralidade.
Essa visão simplista acerca dos seus papéis tem impedido escola e familiares de construir ações conjuntas, essencialmente, por acreditarem que ocupam funções completamente dissociadas, sem espaço para uma inter-relação. Um diálogo entre ambas as instituições é importante para que a participação dos pais e responsáveis seja ativa e consciente, para que mudanças no contexto escolar e comunitário sejam realizadas, tal como o desenvolvimento escolar saudável.
É diante desse contexto complexo, desafiador e carregado de possibilidades que a ação crítica e contextualizada do psicólogo escolar deve se manifestar. A partir dessa pesquisa, consideramos algumas propostas de ações que podem fortalecer a relação família e escola, são elas: (i) promover espaços que problematizem as crenças cristalizadas que dividem de forma rígida os papéis e as funções de cada uma dessas entidades; (ii) transformar as relações de poder existentes entre escola e família em relações democráticas, em que a família possa ter o seu lugar de fala legitimado e valorizado; (iii) estimular encontros com famílias, alunos e educadores para discutir as diversas formas de ser família; e (iv) promover na escola um ambiente acolhedor para que toda a comunidade escolar se sinta segura e protegida. Por fim, constatamos que as estratégias de intervenção que visam à aproximação da família e a escola devem ser permeadas por espaços que assegurem diálogo e fortalecimento das relações.
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Recebido em: 23/1/2019
Aceito em: 3/8/2020
1 Parte de um projeto de Iniciação Científica. Faculdade Martha Falcão (DeVry), Manaus (AM).