Psicologia para América Latina
ISSN 1870-350X
Psicol. Am. Lat. no.35 México jan./jun. 2021
Dispositivos para mapeamento de competências: contribuições do método de instrução ao sósia
Device for mapping skills: contributions of the method of instruction to the double
Dispositivos para el mapeo de competencias: contribuciones del método de instrucción al sósias
Raquel Alves SantosI; Bruno Leonardo Bezerra da SilvaII; Jorge Tarcísio da Rocha FalcãoIII; Erika dos Reis Gusmão AndradeIV
IUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
IIUniversidade Federal de Rio Grande do Norte (UFRN)
IIIUniversidad Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
IVUniversidad Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
RESUMO
Apresentamos dados de pesquisa aplicada no âmbito da universidade pública brasileira. Teve como objetivo investigar pressupostos teóricos conceituais para a criação de dispositivo de mapeamento de competências gerenciais. O modelo foi consubstanciado na teoria da clínica da atividade visando ao desenvolvimento da atividade através da ampliação do poder de agir de sujeitos e coletivos. O método dialógico de coanálise do trabalho, realizada em grupo e no formato adaptado à gestão pública universitária, validou o modelo conceitual e comprovou que o mapeamento de competências pode levantar conjuntos de possibilidades mobilizáveis pelo indivíduo no contexto de seu coletivo laboral. A validação do modelo permitiu verificar que houve a produção de desenvolvimento de recursos para a ação e protagonismo do trabalhador na coanálise, pois a narratividade como dispositivo operante de acesso à atividade laboral proporcionou abertura para o confronto, afetações, recriações por meio do diálogo entre trabalhador e experiências do trabalho real.
Palavras-chave: Clínica da atividade; Instrução ao sósia; Mapeamento de competências; Modelo conceitual.
ABSTRACT
Data presented here came from applied research within a Brazilian public university. It aimed to investigate conceptual theoretical assumptions towards the creation of a device for mapping management skills. The model was based upon conceptual and theoretical framework built up bay the clinic of activity, aiming to explain the development of the activity through the expansion of the power of acting of individual workers and collectives. A dialogical and co-analytical method of working activity, focusing in groups of workers validated the conceptual model and showed that the mapping of competences and tool raised diverse possibilities mobilized by the individual-worker in the context of his collective of colleagues. The validation to verify the developmental emergence of there was the production of development resources for the action and protagonist of the individual-worker in the co-analyst. Narrative data showed to be a rich material for promoting conflict with real work contexts and recreation throw dialogue among workers.
Keywords: Clinic of Activity; instruction to the double; skills mapping; conceptual model.
RESUMEN
Presentamos datos de investigación aplicada en el ámbito de la universidad pública brasileña. Su objetivo fue investigar los supuestos teóricos conceptuales para la creación de dispositivo de mapeo de competencias gerenciales. El modelo fue consustanciado en la teoría de la clínica de la actividad orientada al desarrollo de la actividad mediante la ampliación del poder de actuar de sujetos y colectivos. El método dialógico de co-análisis del trabajo validó el modelo conceptual y demostró que el mapeo de competencias puede plantear conjuntos de posibilidades podendo ser movilizadas por el individuo en el contexto de su colectivo laboral. La validación permitió constatar que hubo producción de desarrollo de recursos para la acción y protagonismo del trabajador en el co-análisis, pues la narrativa como dispositivo operativo de acceso a la actividad laboral brindó una apertura para el enfrentamiento, afectos, recreaciones a través del diálogo entre trabajador y las experiencias laborales reales.
Palabras clave: Clínica de la actividad; Instrucción al sósias; Mapeo de competencias; Modelo conceptual.
Introdução
Este artigo contém resultados relativos à investigação acerca do desenvolvimento de um modelo conceitual para o desenvolvimento de um dispositivo de mapeamento de competências de docentes/gestores e faz parte de estudo doutoral vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Trabalho (GEPET) e ao projeto de extensão "Laboratório de Desenvolvimento de Pessoas". Apresenta a análise do processo de construção do modelo conceitual para a realização do mapeamento de competências de gestores da área acadêmica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 2018.
Este processo envolveu um conjunto de pressupostos teóricos e metodológicos referenciado pela Clínica da Atividade (Clot, 2007), pressupondo a atividade como unidade de análise, em que o protagonista da análise é necessariamente o docente/gestor. O desenvolvimento do modelo conceitual aqui referido contou com a contribuição de uma equipe interdisciplinar composta pelas áreas de educação, psicologia e administração. Para isso, o ciclo de construção do protótipo do dispositivo foi fundamentado em diagnóstico de dados empíricos sobre o processo existente de mapeamento de competências de docentes/gestores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a incorporação de conceitos e metodologias levantados na pesquisa e o uso da técnica de instrução ao sósia, mobilizada com o intuito de produzir as condições propícias para uma análise da atividade realizada pelos próprios trabalhadores envolvidos.
Desta forma, a intervenção realizada na UFRN permitiu a determinação do cenário atual do processo de mapeamento de competências, a definição do perfil de docente/gestor, o mapeamento das competências a serem desenvolvidas, e forneceu subsídios para a produção de um protótipo do dispositivo de mapeamento de competências a ser utilizado na gestão universitária de pessoas.
Como suporte para essa discussão trouxemos determinado quadro teórico acerca da abordagem de competências e habilidades (Zarifian, 2010, 2012), que ancorou o desenvolvimento do modelo conceitual, possibilitando ao dispositivo levantar um conjunto de competências mobilizáveis pelo indivíduo no seu contexto laboral, a partir da construção coletiva de recursos para ação, promovendo uma abertura para o confronto, afetações, recriações por meio do diálogo entre trabalhadores no contexto de experiências do trabalho real, abarcando seus sentidos e significados.
Além da sustentação nas teorias, segundo Lopes (2009), a competência diria respeito a uma compreensão prática de situações ancoradas em conhecimentos prévios, que são transformados à medida que as situações acontecem e se modificam. Assim, a construção de um dispositivo de mapeamento de competências que ressalta a dinâmica da aprendizagem como primordial no procedimento da competência, oferece as bases de um modelo que estabelece a centralidade de uma relação dialética e interdependente entre conhecimentos e competência, em que estes se transformam ao serem confrontados com situações reais e portanto referenciadas por contextos histórico-culturais do trabalho (Zarifian, 2010; Lopes, 2009; Le Boterf 2003).
Nesse sentido, o processo de criação do protótipo foi balizado na necessidade de construção de um modelo inovador para o mapeamento de competências na gestão universitária, modelo este que contemplasse a exploração da atividade profissional do docente/ gestor em situações reais de seu cotidiano de trabalho. Ênfase especial seria, portanto, alocada na abordagem acerca de como seriam mobilizadas as várias estratégias, conhecimentos, habilidades e alternativas práticas para atender as demandas do contexto laboral do referido docente/gestor.
Face ao exposto, apresentamos, assim, os primeiros resultados advindos da utilização do protótipo do dispositivo de mapeamento de competências gerados a partir do modelo conceitual concebido com o uso da técnica Instrução ao Sósia, apontando as competências levantadas como produtos de uma construção participativa com foco desenvolvimental nos estudos da prática organizacional. Tal construção participativa tem como pressuposto a consideração dos trabalhadores como protagonistas da análise da própria atividade de trabalho, e, portanto, autores da transformação da atividade de trabalho em cooperação com especialistas, processo em que a ação e experiência são reconhecidos como elementos centrais das práticas sociais.
Metodo
Construção do modelo conceitual
A partir de demanda da UFRN ao projeto de extensão "Laboratório de Desenvolvimento de Pessoas" em realizar estudo e modelo de proposta para mapear competências da gestão universitária acadêmica da UFRN, condizente com a realidade, necessidades e características das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), vimos emergir o que propusemos chamar de "modelo conceitual para construção de dispositivo de mapeamento de competências".
Diante de tal demanda, foram estabelecidas estratégias para a construção desse novo dispositivo de mapeamento, que ocorreu a partir do seguinte percurso: 1) Formação de um Grupo de Trabalho (GT); 2) capacitação do GT sobre a temática, metodologias e métodos para uniformizar o entendimento teórico; 3) análise dos principais documentos estratégicos da UFRN, 4) a definição das competências e suas descrições e 5) validação e publicação das competências.
O ponto de partida da análise do GT foi a constatação de uma importante problemática na gestão universitária envolvendo a atividade laboral do docente/ gestor, que atualmente é caracterizada por ensino, pesquisa, extensão (indissociáveis), somadas também as inerentes ao exercício de direção, assessoramento, chefia, coordenação e assistência na própria instituição. Essas últimas foram ampliadas em 2012, pelo Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal - (Lei nº 12772/2012), por estipular que as atividades de gestão deverão ser consideradas na avaliação de desempenho para fins de progressão e de promoção na carreira.
O debate a respeito de tais questões pode ser encontrado, por exemplo, na pesquisa de Moraes (2008), que aponta, dentre outras, uma questão primordial que se coloca em relação ao docente/gestor, aquela que alude ao fato de que grande parcela dos ocupantes de funções e cargos de gestão nas universidades brasileiras é constituída por professores que, por razões e circunstâncias diversas, assumem posições administrativas sem necessariamente ter tido experiência anterior ou oportunidade de capacitação na área de gestão para a qual são convocados.
A partir dessa problemática, que direcionou a escolha teórica para a construção do modelo conceitual, os pressupostos teóricos levantados balizaram a criação do modelo conceitual que fundamentou o desenvolvimento de um dispositivo para mapeamento de competências a ser utilizado na gestão universitária. Tendo em vista o entendimento exposto e a problemática levantada para o debate acerca das competências, foi adotada a perspectiva teórica francófona acima referida (Zarifian, 2012; 2010), que considera o indivíduo no contexto mais amplo do trabalho, com seus coletivos de trabalhadores e gêneros profissionais, buscando detectar e ampliar a eficácia de processos sistemáticos e abrangentes que abarcam não somente o incremento de informações circunscritas ao indivíduo, mas também o domínio de formas socialmente compartilhadas de utilização de ferramentas (Medeiros Dantas, 2016).
Tal perspectiva alinha-se aos alicerces teóricos da abordagem histórico-cultural vygotskyana das funções mentais superiores (Vygotski, 2014) e norteia o posicionamento teórico metodológico da presente pesquisa, uma vez que atribui relevância às inteligências práticas, tendo como principal desafio "vincular o trabalho ao trabalhador" em seu contexto real de trabalho, ultrapassando a "lógica do posto de trabalho" (Zarifian, 2010, 2012).
Zarifian (2010), enfatiza a importância de se considerarem conhecimentos que devem ser mobilizados e eventualmente questionados frente à vivência (cf. Veresov, 2014) que o trabalhador possui do seu contexto de trabalho, diante dos eventos da vida real e concreta. Podemos perceber, desta forma, uma relação dialética, cogenética e interdependente entre conhecimentos e competência.
Para tanto, trazemos o entendimento sobre atividade humana fundamentado em Vygotski (2014), ao afirmar que a mesma deve ser necessariamente mediada. Tal processo de mediação é uma consequência da condição do homem enquanto ser social, ou seja, o homem se relaciona com a natureza e com outros homens através de algo que faça a mediação entre o mundo das coisas e o mundo das ideias, e não de maneira direta. Para Vygotsky (2014), a atividade humana, graças ao papel da linguagem, se configura como um dos elementos de mediação entre o sujeito e o real. As atividades humanas são operacionalizadas ao longo do desenvolvimento humano pelos signos, que são meios de comunicações e meios de conexões das funções psicológicas superiores, presentes em todo o processo de constituição do sujeito. A clínica da atividade apropria-se desses princípios para compreender o caráter inventivo próprio à atividade de trabalho, visto que Vygotsky formula que o desenvolvimento se dá pela mediação (cf. Vygotski, 2014).
Souto, Lima & Osório (2015) corroboram esse entendimento ao enfatizarem que o conceito de atividade humana está vinculado às bases materiais da existência. Estes autores entendem por "bases materiais", na linha estabelecida por Leontiev (1977; 1984) e Vygotski (2014), o embasamento da atividade em contexto real: social, histórico e cultural. A atividade conscientemente orientada só é possível, nesse contexto, se referenciada por relações sociais, a partir da história dessas relações, mediada por instrumentos e signos. É sob essa ótica, que o modelo conceitual para construção de dispositivo de mapeamento de competências recorre à definição de atividade e a perspectiva desenvolvimental utilizados na clínica da atividade (cf. Clot, 2007; 2010) como concepções centrais para auxiliar o trabalhador a planejar, projetar, renormatizar e revitalizar seus modos de produção de sentido e saúde nas suas relações e vivências no mundo do trabalho.
As compreensões tradicionais da análise do trabalho, na perspectiva da Clínica da Atividade (Clot, 2010), são ultrapassadas ao se considerar a subjetividade do indivíduo-trabalhador e o seu poder de agir diante de uma situação concreta da atividade de trabalho, em que o mesmo, ao realizar seu trabalho, possa ressignificá-lo. Desta forma, a atividade de trabalho vai muito mais além do que é prescrito formalmente, já que em cada contato com seu meio social o trabalhador transforma e é transformado por essa atividade.
Com esse viés, tal conceito de atividade retomado por (Clot 2010; Souto, Lima & Osório, 2015), constitutivo da base teórica da Clínica da Atividade, foi especificamente utilizado para efetuar recortes de análise sobre aspectos referentes a coletivo, gênero profissional e estilização das práticas na atividade laboral do docente/gestor, e subsidiaram, também, o percurso metodológico.
Nesse sentido, a Clínica da Atividade propõe não somente descrever a atividade de trabalho, mas também transformá-la, a partir dessa transformação, melhor compreendê-la. Assim, a atividade não se resume apenas ao que pode ser observado, nela está incluído um potencial derivado de outros elementos, dos impedimentos, do que foi contrariado e do que pode ser restabelecido. A atividade realizada é, portanto, uma dentre as inúmeras direções que permanecem como possíveis no real da atividade (Pinheiro, Costa, Melo & Aquino, 2016).
Clot (2010) entende a atividade como algo mais do que a tarefa realizada, pois os conflitos do real fazem parte da atividade de trabalho. A atividade exige a mobilização física e psíquica do trabalhador em face de um meio em constante variação. Assim, para realizar o seu trabalho, o sujeito faz escolhas, antecipações, improvisações e toma decisões que convocam a subjetividade no trabalho, o que se efetiva como realização de desvios inventivos que permitem que a tarefa prescrita possa ser realizada (Teixeira & Barros, 2009). Dessa forma, o trabalhador constitui a atividade e é constituído por ela. A dimensão vivida do trabalho é sempre uma criação, uma novidade, não pode ser apreendida inteiramente em palavras e escapa a qualquer tentativa de descrição, uma vez que é da ordem do inesperado.
Presumimos, desta maneira, que tal base teórica permitiu ao GT, com esse modelo conceitual (figura 01), reconhecer, através do acesso ao real da atividade realizada pelo docente/gestor, as diversas competências mobilizadas. Com esse intuito, realizamos um movimento teórico-metodológico que contempla uma abordagem dialógica em psicologias das competências humanas, tratando-se de, conforme Da Rocha Falcão (2008: 118), "um movimento em direção a uma abordagem em processos de desenvolvimento". De forma a compreender os mecanismos de desenvolvimento da atividade laboral dos docentes/gestores frente às demandas, rotinas e obstáculos enfrentados no cotidiano.
Além disso, partimos da consideração que essas situações são atravessadas por rotinas complexas, pela dinâmica do trabalho individual e coletivo, pela percepção do trabalho bem feito e pelos impedimentos que possuem potencial para afetar a saúde física e psíquica dos trabalhadores, que repercutem nas vivências envolvidas no processo de trabalhar.
A esse respeito, Zarifian (2012: 65) explica que a aprendizagem de competências e a cooperação no trabalho "passarão cada vez menos por sistemas e procedimentos que funcionam de maneira automática e, cada vez mais, por processos de entendimento recíproco". O autor utiliza a abordagem teórica francófona de competências, cujo foco desloca-se dos atributos e capacidades individuais, para o âmbito que se revela através de elementos-chaves tais como a ação e o contexto profissional e suas dimensões. Tal abordagem parte da análise das experiências dos indivíduos em situações profissionais, vinculando "o trabalho ao trabalhador" (p. 16).
De acordo com Zarifian (2010, 2012) a perspectiva tradicional acerca do que sejam competências humanas tem como foco determinado acervo de informações e experiências do indivíduo, o "capital humano" acumulado e possuído por ele. A perspectiva alternativa, de abordagem francófona, que serviu de base para o presente modelo, considera o indivíduo no contexto mais amplo do trabalho, com seus coletivos de trabalhadores e gêneros profissionais, buscando detectar e ampliar a eficácia de processos sistemáticos e abrangentes que abarcam não somente o incremento de informações circunscritas ao indivíduo, mas também o domínio de formas socialmente compartilhadas de utilização de ferramentas (Zarifian, 2012).
Na concepção de Zarifian (2010, 2012), essa superação apresenta fatores importantes no mundo do trabalho que levaram ao surgimento de tal concepção. Cabe mencionar, dentre outros, a ideia de evento, num contexto de atualidade que está em constante evolução, a exemplo das transformações no trabalho que requerem dos trabalhadores a mobilização de competências para o enfrentamento de situações imprevisíveis e inusitadas; há também a noção de comunicação, exigindo dos trabalhadores o trabalho coletivo e o compartilhamento de informações, "por acordos implícitos ou explícitos, do que tem de ser feito em conjunto e como fazê-lo, o que envolve subjetividades dos sujeitos implicados em redes de interação nitidamente mais diversificadas e complexas" (p. 79); deve ser mencionada a ideia de serviços, com o intuito de "especializar-se para satisfazer e até antecipar as necessidades dos clientes", emergindo como uma modalidade de redefinição profunda das condições da produtividade, representando um esforço de trabalhar em função de um "cliente" que vai avaliar o que foi produzido, guiando, desta forma, o direcionamento do processo produtivo (Zarifian, 2010, p. 97).
Assim, de acordo com Zarifian (2010), o desafio que o modelo de competências se propõe enfrentar, é o da volta do trabalho para o trabalhador, e para tanto, o autor apresenta três elementos que sustentam uma definição multidimensional de competência nesse contexto:
a) competência como construto balizador da reabsorção do trabalho e da tomada de iniciativa do indivíduo trabalhador nas situações profissionais com as quais ele se confronta; b) competência como manifestação de "Inteligência prática" na abordagem das situações - o trabalhador mobiliza os recursos da organização, mas também seus próprios recursos de "sujeito que age". Esse processo deve acontecer de modo simultâneo e transformador, refletindo um recuo da prescrição, além de possibilitar que o trabalhador seja mais autônomo e envolvido na sua prática, possa submeter os conhecimentos adquiridos ao real das situações e, desta forma, se apropriar de seu processo de trabalho; c) competência como capacidade de assumir responsabilidades e de articular redes de atores numa co-responsabilidade frente aos desafios impostos pelos incidentes de trabalho e suas implicações em determinada situação real da cultura. Em resumo a competência não poderia ser vista como circunscrita a um indivíduo, mas como um conjunto de possibilidades que o transforma em unidade de análise principal; em suma, a competência humana não poderia ser vista como circunscrita a um indivíduo, deslocando o foco da competência circunscrita ao posto de trabalho, como preconizado pelo modelo taylorista. Tal modelo considera um distanciamento do indivíduo em relação ao seu trabalho, trabalho este constituído por um rol de tarefas repetitivas, mecânicas e pré-determinadas (p. 98).
Lopes (2009) corrobora essa perspectiva e destaca a valorização de saberes que ultrapassam a prescrição do trabalho ou do conhecimento formal, e vão além da dicotomia simples "indivíduo" e "sociedade". Nesse ponto de vista uma concepção de "tarefa", de atividade pré-definida e pré-estabelecida passa a ser superada, rumo a uma visão que incorpora uma "conduta pertinente dos acontecimentos", definidos por Zarifian (2010) como "algo contínuo, emergente, de baixa imprevisibilidade e dependente da situação" (p.72).
Nesse viés, além da sustentação na concepção de Zarifian (2010, 2012), cabe considerar o que Clot (2010) denomina caráter clínico de análise da atividade de trabalho. Nesse entendimento, Clot propõe a implementação de um dispositivo metodológico destinado a tornar-se um instrumento que vai aprofundar e examinar a complexidade dos fenômenos, associando o sujeito à análise de sua atividade de trabalho, uma vez reconhecida a interação do indivíduo-trabalhador com o objeto estudado (a atividade de trabalho), cabendo portanto ao indivíduo trabalhador o papel do analista na situação estudada (Clot & Leplat, 2005).
Diante do exposto, entendemos que na clínica da atividade (Clot, 2007; 2010), analisar o trabalho é mais do que avaliar a resposta dos trabalhadores às prescrições. Seria, então, analisar o trabalho considerando a forma singular como o trabalhador atualiza a atividade em uma experiência e aumente seu poder de ação em relação ao trabalho e aos seus coletivos, deixando de ser mero receptor de prescrições, normas e regras, para ser co(construtor) de novas normas, e meios de cri(ação) em seu ofício.
É sob essa ótica, que o presente estudo recorre ao conceito de atividade e a perspectiva desenvolvimental utilizados na clínica da atividade, tais como eles vêm sendo formulados por Clot (2007, 2010) e colaboradores, como concepções centrais do processo de trabalhar. Nessa linha teórico-metodológica a atividade (de trabalho) é mais do que a atividade realizada, observável diretamente, mensurável para fins de avaliação de produtividade. A análise da atividade, nesse entendimento, se realiza como situada, coletiva e necessariamente inovadora.
Seguindo esta concepção, alguns elementos ou operadores teóricos relacionados à atividade e sua análise são fundamentais, como prescrições, atividade realizada (atividade real), possibilidades não realizadas da atividade (real da atividade), gênero profissional, coletivo de trabalho, estilo pessoal profissional e a perspectiva do trabalho bem feito.
A partir do entendimento delineado, toda e qualquer unidade de análise da psicologia (nesse contexto o trabalho), enquanto ciência direcionada para a concepção do desenvolvimento e aprimoramento dos processos psicológicos superiores (a qual se apoiam as competências), atende necessariamente, segundo Clot (2010, a quatro instâncias que estão inter-relacionadas, conforme tabela 01.
Partindo-se dessas instâncias e considerando Clot (2007), o trabalho configura-se como uma atividade triplamente dirigida: dirigida pelo sujeito, para o objeto e para a atividade dos outros, com a mediação do gênero. Ou melhor, entendemos que a análise da atividade de trabalho deverá contemplar a dinâmica apresentada na tabela 01, a partir de uma concepção de que o trabalho é realizado por indivíduos visando ou envolvendo outros indivíduos, em distintos contextos históricos, culturais e econômicos e ambientes de trabalho, mediado pelas tarefas, instrumentos, bem como fundamentado em modos de ação construídos e reconhecidos por um gênero profissional.
Para Clot (2007, 2010), a atividade também possui uma dimensão pessoal (projetos, desejos, sentidos), impessoal (tarefas prescritas e normas da atividade ou da instituição), interpessoal (as relações), e transpessoal (referindo-se a um gênero profissional), como por exemplo, as normas que orientam a ação, "uma história que não é apenas a história dos sujeitos concernidos, mas a história de um ofício (métier) que não pertence a ninguém em particular, mas pela qual todos, no entanto, se sentem responsáveis" (Clot, 2010: 73).
De acordo com Clot (2007), a práxis clínica sobre a atividade de trabalho deve considerar a arquitetura do ofício profissional (métier) com sua dinâmica desenvolvimental nas diversas dimensões dialógicas no qual o trabalho se dá.
De acordo com Zarifian (2010), o modelo de gestão por competências deve estar alinhado a essas novas demandas do processo de trabalhar, orientando elementos-chave, tais como a ação, o contexto profissional e suas dimensões. Heloani (2003) corrobora esse entendimento, quando relata que a partir da análise do fazer dos indivíduos em situações profissionais, podemos conduzir as experiências das pessoas ao alcance das metas e objetivos traçados, e, principalmente, contribuir para auxiliar o trabalhador a planejar, projetar, renormatizar e revitalizar seus modos de produção de sentido e saúde nas suas relações e vivências no mundo do trabalho.
A construção do protótipo baseado no modelo
Tomou-se nesse estudo, conforme apresentado nas seções anteriores do presente artigo, um conjunto de pressupostos teóricos e metodológicos retirados da Clínica da Atividade (Clot, 2007), em que a subjetividade e atividade são matérias-primas e produtos em um mesmo processo. Um dos principais diferenciais da utilização dessa abordagem é sua perspectiva clínica e a consideração sobre o fazer do trabalho a partir da interação entre prescrições formais e informais, regras, contextos e realidade da atividade laboral. Essa metodologia preconiza métodos que permitam ao trabalhador desenvolver sua capacidade de agir sobre o ambiente de trabalho e sobre si mesmo, integrando a subjetividade na análise do trabalho (Clot, 2010; Zarifian 2010).
Isso é possível na medida em que as duas vertentes têm as bases teóricas ancoradas na concepção de homem como ser social, histórico e constituído nas e constituinte das relações sociais.
Face ao exposto, a metodologia Clínica da Atividade, de acordo com Clot (2010), tem o propósito de favorecer o acesso dos sujeitos ao real da atividade a partir da utilização de métodos como dispositivos de intervenção. Dentre eles a Instrução ao Sósia (IaS), método que foi desenvolvido por Ivar Oddone (2015) e apropriado por Yves Clot com o objetivo de conceber as condições propícias para uma análise da atividade realizada pelos trabalhadores. Essa estratégia foi utilizada no modelo conceitual de mapeamento para promover a exploração da atividade profissional do docente/ gestor em situações reais de seu cotidiano de trabalho, bem como possibilitar uma coanálise do trabalho, em que o trabalhador seja o protagonista e tomado como ativo nesse processo de análise da atividade. A partir dela, investigou-se como seriam mobilizadas as várias estratégias, conhecimentos, habilidades e alternativas práticas para atender as demandas de tal contexto, de forma que a pesquisa sobre o trabalho fosse clínica, no sentido de ser situada, e também no sentido de que deveria produzir efeitos de desenvolvimento de recursos para a ação do trabalhador.
Em observância a essas concepções, o método estruturado para a intervenção foi qualitativo e dialógico-discursivo e contou com vinte (20) participações de docentes/gestores, com a proposição de três estudos.
O primeiro estudo buscou mapear e analisar o perfil dos professores gestores, modelos e cenários da gestão universitária numa perspectiva qualitativo-exploratória, com aplicação de entrevistas semiestruturadas com o docente-gestor (Anexo A) e estudos realizados em dados do sistema da universidade (SIGRH/UFRN). Tais resultados serviram de base para o segundo estudo, que buscou investigar e analisar na atividade laboral o que está prescrito, o realizado e as possibilidades não realizadas, utilizando análise documental, observação participante e aplicação da técnica Instrução ao Sósia (IaS) realizada em grupo e no formato adaptado ao campo pesquisado. O terceiro estudo integrou os achados dos dois primeiros e os analisou partindo dos referenciais teóricos adotados. Como resultados buscamos lançar luz sobre a atividade laboral do docente/gestor enquanto trabalho para além das fragmentações e dispersões presentes no contexto, contribuindo assim com docentes de diferentes áreas, para o aprofundamento da compreensão de sua atividade profissional em IFES como algo que poderá decorrer das suas possibilidades de agir. O exercício de uma abordagem referenciada pela Clínica da Atividade "supõea instalação de um dispositivo desenvolvimental: a organização de uma nova atividade se superpõe à atividade ordinária que se busca transformar e compreender, ou melhor, transformar como indispensável para comprender" (Osório da Silva, 2016: 50).
Com base nos referidos estudos, o GT acima descrito adotou inicialmente um cronograma de reuniões para pesquisa, discussão e planejamento dos alicerces teóricos do Mapeamento de Competências pretendido, utilizando-se de leituras de artigos, dissertações, teses e estudos de caso.
Definida a base teórica, o próximo passo foi estabelecer a metodologia e métodos de Mapeamento em si. Com a continuidade das reuniões do grupo responsável, foi construindo um modelo coerente não apenas com os preceitos da Clínica da Atividade, mas também com a realidade das IFES. Como resultado do emprego dos supracitados estudos (1, 2 e 3) e métodos de investigação/produção, foi desenvolvido pelo GT o seguinte modelo, (figura 2), estruturado em etapas:
Etapa 1 – Análise regimental das atribuições dos gestores acadêmicos nas categorias: diretor de centro acadêmico, chefe de departamento acadêmico, coordenador de curso de graduação e pós-graduação; e dos resultados de Levantamento de Necessidade de Capacitação realizado com os gestores em 2017.
Etapa 2 – Entrevistas semiestruturadas com grupo de secretários dos docentes/gestores pertencentes às categorias em apreço, objetivando levantar subsídios para a estruturação do roteiro da etapa seguinte (Anexo B), identificando elementos, desafios e estratégias centrais utilizadas por tais gestores;
Etapa 3 – Instrução ao sósia realizada em grupo, conforme os itens:
a) foram organizados 04 grupos, um para cada categoria, composto por 05 gestores selecionados para refletir vivências de experiências na gestão. Um gestor foi o instrutor e os demais docentes/gestores foram os observadores; e 01 membro do Grupo de Trabalho foi o "sósia" do gestor;
b) a etapa 3 foi conduzida tendo por base uma questão disparadora: "O que você faz num dia particularmente difícil do trabalho como gestor?";
c) a instrução foi gravada em áudio e vídeo, num contexto que lhes permitam pensar o trabalho, com o objetivo de propiciar aos docentes/gestores mais conhecimento sobre si mesmo e sobre a sua atividade;
d) ao final, os observadores foram questionados pelo grupo de trabalho sobre a instrução realizada: "Vocês se identificaram com o que foi dito? / O que vocês fazem de diferente, e como?";
A IaS realizada em grupo permitiu aos observadores, no momento da instrução, uma autoconfrontação com a atividade laboral narrada pelo sósia. Através de tal técnica, foi solicitado ao docente/gestor que descrevesse, em detalhes, como operacionaliza sua atividade, tanto o habitual, como os imprevistos. O papel do sósia foi o de direcionar o docente/gestor, buscando obter tanto a descrição da situação, como a da conduta nela adotada. O sósia teve, ainda, a função de
"desconhecedor" da atividade e, assim, colocou para o instrutor os possíveis obstáculos com os quais se confrontaria num dia de trabalho.
Desta forma, o docente/gestor, ao descrever sua ação habitual e se deparar com situações imprevistas colocadas pelo sósia, foi conduzido a refletir sobre a atividade e as escolhas que realiza quando se está em determinada situação de trabalho. Evidenciando, portanto, o uso de estratégias, experiências, conhecimentos e habilidades aprendidos nos mais diferentes contextos (formais-escolares ou informais), considerando as interações com os outros indivíduos e os amplificadores culturais utilizados necessários à realização do real da atividade laboral.
Etapa 4 – Análise dos dados e definição das competências;
Para a intervenção foi utilizado o método dialógico-discurso, que se constitui em analisar o discurso considerando o relacional, o que está em movimento, o que está além do visível e do que foi dito, sendo organizada, no que diz respeito ao seu conteúdo e significação, fora do indivíduo, ou seja, pelas condições extraverbais do meio social.
Com a finalidade de realizar o estudo detalhado e interpretativo das competências do docente/gestor nos apoiamos na análise de conteúdo embasada em Bakthin (2003) e na articulação com os estudos sobre o trabalho, mais especificamente, a clínica da atividade baseada no escopo de Clot (2007, 2010), quando define que a atividade de trabalho vai muito mais além do que é descrito formalmente e que o trabalhador transforma e é transformado por essa atividade em cada contato com seu meio social.
Com o auxílio de ferramenta informatizada consideramos a análise a partir de marcas do trabalho: "falas e/ou imagens registradas em áudio, vídeo, ou outros modos de registro". (Souto, Lima & Osório, 2015: 13). Tal análise e os três estudos realizados nos possibilitou organizar categorias e/ou subcategorias de competências que auxiliaram na realização de inferências e não somente constatações, abarcando as condições contextuais de sua produção e dando sentidos à comunicação. De acordo com Bakthin (2003) a análise de conteúdo possibilita uma articulação dialética dos dados empíricos com os fundamentos teóricos, no afã de compreender o conteúdo que emerge dos dados. O material de análise foi composto pelo discurso produzido pelo instrutor e o sósia, e, posteriormente, pelas narrativas do confronto realizado pelo grupo formado por cada cargo de gestão. A análise se deu na articulação entre as categorias e/ou subcategorias de competências e as narrativas: tema, discurso citado e as noções de normas antecedentes, renormalizações, trabalho prescrito, real do trabalho, poder de agir, gênero e estilo de atividade advindas do estudo sobre o contexto de trabalho. A reflexão possibilitou chegar a quatro categorias e a um quantitativo de competências (subcategorias) para cada cargo, conforme tabelas 02 e 03, seguindo as seguintes fases:
• Fase 1 – leitura e organização inicial dos materiais recolhidos; definição do corpus de análise (seleção e demarcação do que será analisado); Elaboração de hipóteses, objetivos e indicadores preliminares;
• Fase 2 – sistematização de categorias de análise e de unidades de sentido, tendo como base os objetivos e as hipóteses preliminares;
• Fase 3 – avaliação material para a extração de indicadores úteis ao objetivo de significação do texto; consolidação, sistematização, tratamento e julgamento das interpretações de conteúdo explícito e as inferências oriundas do conteúdo latente.
Assim, o objetivo final da análise de conteúdo realizada foi interpretar os resultados obtidos relacionando-os ao próprio contexto de produção e aos objetivos da presente pesquisa.
Seguindo esse entendimento, o uso do método dialógico-discursivo aplicado à análise de dados combinado com a técnica de Instrução ao Sósia (IaS), realizada em grupo e no formato adaptado ao contexto da gestão pública universitária, e os dados oriundos dos três estudos, validaram o modelo conceitual e comprovaram que o mapeamento de competências pode levantar não apenas um grupo de competências coerentes com a realidade de trabalho da universidade, mas também conectadas com as competências organizacionais, considerando os atravessamentos de ordem subjetiva, laboral (considerando os riscos psicossociais identificados) e social.
Etapa 5 – Validação, revisão e consolidação das competências conforme os itens:
a) foram convidados para esta etapa representantes: os instrutores e um membro de cada grupo da etapa 3, totalizando 4 encontros;
b) as competências mapeadas na etapa 4 foram validadas junto aos representantes, que puderam ratificar ou sugerir alterações;
c) Nessa etapa também foi possível dar início aos trâmites éticos protocolares, como assinatura de termos de consentimento e autorização da análise de dados e divulgação dos resultados.
Nesta etapa, para nortear o posicionamento teórico metodológico da presente pesquisa partimos do pressuposto de que a lógica competências está atrelada ao contexto concreto onde são praticadas, deste modo, na sua construção.
Resultados
De acordo com o debate teórico apresentado, a gestão pessoal das situações histórico-culturais e a dimensão contextual do trabalho possuem uma função determinante. Logo, supera-se a noção tradicional de competência centrada somente no acervo acumulado pelo indivíduo durante a sua trajetória de formação e experiência prática, em detrimento do entendimento ancorado em uma perspectiva de construção da competência na qual se mesclam aspectos sócio-histórico-culturais e contextuais envolvidos no ambiente de trabalho em que o trabalhador está imerso.
Em consequência disso, as soluções mobilizadas pelo GT e os protagonistas (docentes/gestores) em um trabalho coletivo possibilitaram a construção
do modelo conceitual e promoveram o mapeamento do "rol" de competências para a gestão acadêmica da UFRN, conforme tabela 04. Esse processo de diagnóstico de competências conduziu à validação do modelo conceitual, que embasou a produção de um dispositivo para mapeamento de competências adequado e adaptado ao contexto da gestão universitária, com processos gerenciais e práticas de governança permeadas pelo desafio de lidar com rotinas complexas e estruturadas em uma gestão colegiada.
Considerações finais
Pensar um modelo conceitual para mapeamento de competências em que o docente/gestor pudesse refletir sobre a sua atividade de trabalho e aprender de forma colaborativa com base na sua participação ativa de construção de conhecimento sobre a sua atividade, de modo a compreendê-la e transformá-la por meio da narrativa de situações reais de trabalho tornou-se essencial.
No entanto, percebemos que a lógica competências, no atual contexto neoliberal, como coloca Zarifian (2012), está comprimida entre a aparelhagem burocrática destinada a controlar que a animar uma nova lógica, bem como possui uma interpretação estritamente individualizante. Essas dificuldades são indicadoras das vias de uma mudança muito profunda nas relações sociais nas organizações, que a lógica competência, tal como aqui propusemos defini-la, no contexto da psicologia do trabalho, estimula. Constatamos com esse estudo que a lógica competências opõe-se às versões neoliberais de trabalho, tratando-a, segundo Zarifian (2012) com o "rótulo" de procedimento competência.
Com a consecução da proposta aqui apresentada foi possível promover o diálogo teórico metodológico e epistemológico com a psicologia do trabalho de base histórico-cultural clínica, pressupondo a atividade (nesse contexto o trabalho) como unidade de análise e, desta forma, a construção de um modelo de mapeamento de competências para os gestores acadêmicos nas categorias definidas, baseado no escopo da Clínica da Atividade.
Com esse debate teórico, pôde-se realizar um mapeamento de competências para docentes/gestores acadêmicos que oferecesse não apenas um grupo de competências coerentes com a realidade de trabalho das IFES, mas também conectadas com as competências institucionais e com a realidade de trabalho dos docentes/gestores acadêmicos, que emergiram como (co)analistas das mudanças ocorridas na sua atividade laboral.
Além disso, devido à utilização de uma fundamentação condizente com a nova lógica de competência (Zarifian, 2012, 2010) e os aportes teóricos e metodológicos da clínica da atividade, por meio da experiência de intervenção realizada na UFRN, foi possível, a partir da interação de um coletivo que identificou as principais problemáticas, prescrições formais e informais, regras, contextos e realidades laborais da gestão acadêmica universitária e que chama a atenção pela singularidade em um campo marcado por discursos e práticas gerenciais tradicionais, a identificação, a validação e problematização das competências mobilizadas pelos docentes/ gestores no exercício do trabalho.
Ao enfatizarmos a nova lógica de competência e a perspectiva clínica de análise coletiva da atividade, o trabalho exerceu uma função psicológica, configurando-se como fonte de saúde, já que ao falar sobre o trabalho, ao refletir sobre as suas escolhas, os analistas (docentes/gestores) puderam produzir o desenvolvimento de sua atividade em um espaço democrático e participativo de fala e escuta das diferentes práticas e discursos, ampliando o conhecimento sobre o campo e, de forma localizada e concreta, contribuindo com as mudanças nos processos laborais e de subjetivação necessários para a efetivação da atividade laboral. Diante dos impasses, das controvérsias e dos conflitos, conseguiram promover uma mobilização clínica de competências e encontrar saídas potentes, o que aponta para a possibilidade de desenvolvimento e da ampliação do seu poder de agir.
Paralelamente, os grupos de estudo e de trabalho, o Laboratório de Desenvolvimento de Pessoas e as demais frentes de ação engajadas para a elaboração dessa proposta contribuíram e contribuem para a formação dos discentes e servidores envolvidos e para a consolidação e estreitamento de vínculos institucionais.
A partir das competências obtidas pela proposta aqui apresentada, tabelas 2 e 4, foi possível alimentar as políticas de capacitação, seleção, movimentação, sucessão e avaliação de desempenho, bem como contribuir na construção de metodologias para mapeamento de competências nas IFES, oferecendo uma alternativa inovadora, bem embasada teoricamente e facilmente adaptável para diferentes contextos de trabalho e públicos.
Ademais, a presente investigação pode fornecer subsídios para aperfeiçoar estratégias formativas, avaliativas e de fortalecimento do diálogo na categoria profissional. Tais subsídios, além de colaborarem para a ampliação de uma política de fomento para a área de gestão de pessoas no serviço público federal, possibilitam expandir a discussão acerca da gestão por competência no contexto das IFES.
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Contato com os autores:
Rua Alfredo Dias de Figueiredo, 1249, Ponta Negra
Natal-RN, Brasil
CEP: 59.092-510
Telefone: +55(84) 9 9997-8395
Recebido em: 22/02/2021
Reformulado em: 25/04/2021
Aceito em: 27/06/2021
Sobre os autores:
Raquel Alves Santos
Servidora e doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1809-6069
Bruno Leonardo Bezerra da Silva
Servidor e doutorando em Educacão pela Universidade Federal de Rio Grande do Norte (UFRN)
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7428-7727
Jorge Tarcísio da Rocha Falcão
Docente e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidad Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2798-3727
Erika dos Reis Gusmão Andrade
Docente e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidad Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5296-8481
Anexo 1
Entrevista Semiestruturada
1) Dentre as atividades previstas para o trabalho do (a) gestor (a) quais são efetivamente desempenhadas?
2) Há atividades a mais que essas que são realizadas pelo gestor?
3) Que atividades deveriam ser realizadas, mas não são? Por quais motivos elas não são realizadas?
4) Quais os principais desafios enfrentados na direção/coordenação? Por quê?
5) Como o (a) gestor (a) trabalha para realizar essas atribuições? Que estratégias adota?
6) Você percebe diferenças no desempenho das atribuições entre gestores experientes e inexperientes? Como cada um deles enfrenta os obstáculos do trabalho? As estratégias são diferentes?
7) Como ocorre o planejamento estratégico da unidade? A gestão considera os documentos institucionais?
8) Especificidades técnicas de cada diretoria/coordenadoria implicam na necessidade de formação também específica – como isso se relaciona com o cargo e a função?
9) Como os gestores assessoram as Pró-reitorias/Staff em suas áreas específicas de atuação?
Pontos de Interesse:
1) Criar, orientar e acompanhar normas, políticas, diretrizes e legislações;
2) Trabalhar em conjunto com as demais Pró-Reitorias;
3) Orientar e comunicar a comunidade acadêmica sobre assunto de sua responsabilidade;
4) Responder demandas judiciais/auditorias;
5) Articular ações/parcerias com instituições externas.
Anexo 2
Roteiro
• Conhecimento institucional e domínio técnico-operacional (legislação e mudanças nas normas) e das práticas de gestão
• Relações (dependência, confiança) com a secretaria e assessoria (gestão do conhecimento e acesso às informações de outras unidades)
• Relação com as demais unidades
• Conciliação do âmbito acadêmico com a função de gestor (progressão)
• Gestão de pessoas e de conflitos
• Comunicação (excesso de reuniões e reuniões improdutivas; transparência e socialização das ações da gestão)
• Situações jurídicas/judiciais
• Adesão às capacitações e outras ações da gestão pessoas
• Planejamento (acompanhamento e controle) e gestão do orçamento
• Gestão do tempo (imprevisibilidade, agenda, dedicação exclusiva)
Questões disparadoras
― Suponha que eu seja seu sósia e irei substitui-lo (a) em um dia particularmente difícil no trabalho de gestão. Quais instruções você deveria me transmitir para que ninguém perceba a sua substituição? (Clot, 2007, pp. 144).
• O que normalmente é solicitado para que eu faça?
• Quais os conhecimentos que eu preciso ter para facilitar o desempenho das minhas funções?
• Como devo agir com os (as) secretários (as) e assessores (as)?
• Como devo agir com as demais pessoas sob minha gestão?
• As atividades que preciso realizar estão de acordo com as atribuições de pró-reitor?
• Quais estratégias eu devo usar para conciliar as atividades acadêmicas com a função de gestor?
• Quais atividades da gestão não consigo realizar? E quais comportamentos não consigo demonstrar? (Por não ter autonomia [falta de conhecimento, relações de poder] ou por não dar tempo?...)
• Quais atividades que eu não deveria fazer?
• O que eu gostaria de fazer na gestão, mas não faço?