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Epistemo-somática

versão impressa ISSN 1980-2005

Epistemo-somática v.4 n.2 Belo Horizonte dez. 2007

 

ARTIGOS

 

Medicina baseada em evidências. Psicologia hospitalar baseada em evidências? uma análise das relações entre psicologia hospitalar e pesquisa epidemiológica

 

Evidence based medicine. Evidence based hospital psychology? an analysis of the relationship between hospital psychology and epidemiological research

 

Medicina basada en evidencias. ¿Psicología basada en evidencias? un análisis de las relaciones entre psicología hospitalaria y investigación epidemiológica

 

Médecine fondée sur des évidences. Psychologie hospitalière fondée sur des évidences? une analyse des rapports entre psychologie hospitalière et recherche épidémiologique

 

 

Glória Heloise Perez *

Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Vivemos o domínio do discurso da ciência que se presentifica nas pesquisas. A medicina contemporânea opera com base em evidências. A conduta médica deve estar baseada nos resultados recentes das pesquisas epidemiológicas. A medicina baseada em evidências valoriza a objetividade da ciência em contraposição à subjetividade do médico. E, apesar de nesta concepção a doença ser localizada no corpo e pressupor uma dissociação corpo-mente, são aceitos os resultados de pesquisas mostrando a influência de características psicológicas e do comportamento no curso e desenvolvimento de doenças somáticas. A incorporação desse tipo de conhecimento ao saber médico determinou a inserção do psicólogo e do psicanalista no contexto hospitalar, o que os coloca no diálogo com a pesquisa epidemiológica. Apresentando um percurso de experiência em pesquisa epidemiológica em psicologia hospitalar, discute-se sua realização como estratégia de inserção da subjetividade na ordem médica.

Palavras-chave: Pesquisa, Hospital, Psicologia Hospitalar.


ABSTRACT

Presently is the time of the science speech dominion, what can be seen by the researches' importance. Contemporary medicine works on evidences. Medical procedures must be based in the most recent epidemiological investigations' results. Evidence based medicine appraises the objectivity of science much more than the doctor subjective perceptions. Besides in this conception, illness be localized in body which functions apart from mind, the results of investigations that point out psychological and behavior characteristics influence in the course and the development of somatic disease are considered. The incorporation of this information to the medical knowledge introduced the psychologist and the psychoanalyst in the hospital, what engages them in a dialogue with epidemiological research. An experience of epidemiological investigations in hospital psychology is presented to discuss its accomplishment as a strategy to the insertion of the subjective in the medical order.

Keywords: Research, Hospital, Hospital Psychology.


RESUMEN

Vivimos el dominio del discurso de la ciencia, el cual se manifiesta a través de las investigaciones. La medicina contemporánea opera a partir de evidencias. La conducta médica debe estar basada en los recientes resultados de las investigaciones epidemiológicas. La medicina basada en evidencias valora la objetividad de la ciencia en contraposición a la subjetividad del médico. Y, a pesar de que en esta concepción, la enfermedad es localizada en el cuerpo y presupone una disociación cuerpo -mente, son aceptados los resultados de investigaciones mostrando la influencia de características psicológicas y del comportamiento en el curso y desarrollo de enfermedades somáticas. La incorporación de este tipo de conocimiento al saber médico determinó la inserción del psicólogo y del psicoanalista en el contexto hospitalario, lo que los coloca en el diálogo con la investigación epidemiológica. Presentando un recorrido de experiencia en investigación epidemiológica en psicología hospitalaria, se discute su realización como una estrategia de inserción de la subjetividad en el orden médico.

Palavras clave: Investigación, Hospital, Psicología Hospitalaria.


RÉSUMÉ

Nous vivons dans le domaine du discours de la science; ce fait est mis en lumière à travers les recherches sur divers sujets. La médecine contemporaine agit à partir d'évidences. La conduite médicale doit être basée sur les résultats récents des recherches épidémiologiques. La médecine fondée sur les évidences met en valeur l'objectivité de la science par opposition à la subjectivité du médecin. Et, même si, de ce point de vue, la maladie doit être placée dans le corps et présupposer une dissociation entre le corps et la pensée, on accepte les résultats des recherches montrant l'influence de caractéristiques psychologiques et du comportement au cours et dans le développement de maladies somatiques. L'incorporation de ce type de connaissance au savoir médical a déterminé l'insertion du psychologue et du psychanalyste dans le contexte hospitalier, ce qui les place dans le dialogue avec la recherche épidémiologique. En présentant un parcours de l'expérience de recherches épidémiologiques en psychologie hospitalière, on discute sa réalisation comme une stratégie d'insertion de la subjectivité dans l'ordre médical.

Mots clés: Recherche, Hôpital, Psychologie hospitalière.


 

 

A era do domínio do discurso da ciência

O estar no mundo na era da pós-modernidade é modulado pelo discurso da ciência. A tecnologia, os objetos de consumo, a medicina, o comportamento, tudo se conduz com base nos resultados das últimas pesquisas. Se na Idade Média a vida era orientada pela religião, hoje é orientada pelos resultados estatísticos das pesquisas.

Parece que é a ciência moderna que tem a função, na cultura contemporânea, de eliminar a profunda angústia que acomete o ser humano por viver num mundo em constantes e imprevisíveis transformações.

A ciência moderna apóia-se na idéia de uma realidade externa constituída fundamentalmente de regularidades, regidas por leis matemáticas independentes do sujeito do conhecimento. Assim, cria-se um mundo de certezas no qual podemos calcular a probabilidade de um evento e aumentar ou diminuir tal probabilidade, e dessa maneira assegurarmos que os sucessos passados nos sirvam de guias para outros futuros (Ferreira, 2002, p. 245).

Considerando esse paradigma podemos inferir que o assombroso desenvolvimento da medicina teria sido impulsionado pelo desejo de imortalidade. Millan (2002) analisa que se antes buscávamos a eternidade pela adoração aos deuses, hoje acreditamos encontrá-la ocupando o lugar da própria divindade. Desvendando os mistérios do nosso corpo, cuidando dele e apagando dele as marcas do envelhecimento, acalentamos a ilusão de nossa própria imortalidade, pois nos equiparamos à imagem divina da criação. Assim, saciamos o nosso apetite de eternidade, a busca da permanência e da imortalidade.

 

A medicina baseada em evidências

Desde a década de 1980, preconiza-se que a prática médica deve ser realizada baseando-se em evidências, ou seja, os elementos norteadores para a elaboração de um diagnóstico, bem como a indicação da conduta terapêutica, deverão estar norteados pelos resultados de estudos de análise de risco-benefício e experimentos clínicos randomizados e controlados, publicados em periódicos especializados. "Princípios epidemiológicos (aliados a princípios de bioestatística) devem ser aplicados às concepções, julgamentos, intuições, conhecimento, lógica e experiência prévia" (Avezum, 1998, p. 5).

Esses estudos, que geram as evidências, são realizados utilizando o método científico, princípio fundamental da Ciência Moderna, das Ciências Naturais. Cabe salientar dois pontos principais que caracterizam o método científico: a) propõe ações que garantam a reprodutibilidade do experimento, ou seja, deve-se garantir que esse experimento possa ser reproduzido para ser possível obter os mesmos resultados; b) a matemática é o método utilizado para a análise dos dados obtidos.

Analisando o paradigma da medicina baseada em evidências, observa-se a valorização da objetividade da ciência em contraposição à subjetividade do médico, uma vez que aquilo que se preconiza como essencial e importante no tratamento médico é reproduzir os ditames dos últimos postulados científicos. Dessa mesma maneira aplica-se ao atendimento médico o que postula o método científico. Na pesquisa, propõe-se que, reproduzindo-se os passos do pesquisador, se chegará ao mesmo resultado. No tratamento médico, aplicando-se os resultados das pesquisas para esse paciente, se obterá o mesmo resultado terapêutico (não importa muito que seja outro médico, nem que seja outro paciente).

 

A psicologia adentra o hospital

A cultura fornece explicações e respostas para o nascimento, a morte e a doença. Enquanto na cultura grega, a gênese do mal é atribuída aos deuses, pois teriam enlouquecido os homens, no cristianismo as transgressões empreendidas pelos indivíduos aos preceitos divinos é que estariam na origem daquela experiência (Birman, 2007). Na medicina do século XXI o funcionamento do corpo e o estilo de vida são incluídos no processo do adoecimento, pois assim apontam as evidências científicas. E, apesar de nessa concepção a doença ser localizada no corpo e pressupor uma dissociação corpo-mente, são aceitos os resultados de pesquisas mostrando a influência de características psicológicas e do comportamento no curso e desenvolvimento de doenças somáticas. A incorporação desse tipo de conhecimento ao saber médico determinou a inserção do psicólogo e do psicanalista no contexto hospitalar.

Assim, apesar de a psicologia e a psicanálise não trabalharem com evidências científicas, os resultados das pesquisas epidemiológicas que apontaram para a interferência de elementos, como fatores de personalidade, do estresse, da ansiedade, do estilo de vida, dentre outros, no desenvolvimento da doença somática e na adesão ao tratamento, serão muito responsáveis pela entrada do psicólogo e do psicanalista na instituição hospitalar.

Desse modo, a atuação do psicólogo e do psicanalista no contexto da ordem médica os convoca ao diálogo com a pesquisa epidemiológica, pois são os dados de pesquisa que constituem o reconhecido saber na medicina ocidental contemporânea e também são eles que sustentam a inserção desses profissioanis nesse contexto. A questão é saber como se situam o psicólogo e o psicanalista, inseridos no contexto hospitalar, como interlocutores nesse diálogo.

 

Pesquisas em Psicologia Hospitalar: um percurso

Em meu percurso de trabalho no hospital, a demanda por pesquisa está presente praticamente como condição de inserção na instituição.

Trabalho há mais de duas décadas em um hospital universitário, referência na América Latina para a sua especialidade -cardiologia. Sendo um hospital universitário, tem uma missão que vai para além da assistência. Está comprometido na sua essência com o ensino e a pesquisa, com a geração e transmissão do conhecimento. No passado, a pesquisa ficava reservada a esses centros. Hoje, a realidade é bem diferente. Graças ao crescimento da importância da pesquisa na medicina, vemos centros de pesquisa sendo criados até mesmo em hospitais particulares. Assim, a pesquisa e a publicação científicas fazem parte das tarefas do psicólogo, assim como dos outros profissionais nessa instituição.

Observa-se que sempre foi uma realidade do Serviço de Psicologia ser procurado pela equipe médica com pedidos para a realização de pesquisas. As sugestões de temas para investigação abrangem estudos de características psicológicas associadas às doenças, de repercussões psicológicas na vivência de doenças, tratamento cirúrgicos ou invasivos, de eficácia de intervenção, etc.

Na realidade atual, detecta-se o crescimento da importância da investigação científica na medicina pela tendência de avaliar cada rotina da assistência com um projeto de pesquisa, constatando-se que esta quase chega a ser mais importante do que a própria assistência. Parte-se da premissa de que de nada vale a assistência se ela não é avaliada cientificamente, e, principalmente, em razão da necessidade de publicação científica, se ela não é comunicada ao meio científico. Vivemos a máxima: "Publico, logo existo."

Reflexões sobre a identidade do psicólogo hospitalar: Percurso de um grupo de psicólogas (Perez, 1985a). Este é o título do primeiro estudo de que participamos, tendo sido apresentado como tema-livre no II Encontro Nacional de Psicólogos da Área Hospitalar. Éramos quatro aprimorandas. Elaborar um artigo com base na reflexão das situações do nosso cotidiano e apresentá-lo num congresso foi a maneira encontrada para lidar com as ansiedades e angústias em nossa atuação profissional, naquele momento.

Nosso trabalho de conclusão do aprimoramento em Psicologia Hospitalar (Perez, 1985b) foi uma resposta à solicitação da equipe médica de Cardiogeriatria para investigar os benefícios psicológicos do condicionamento físico em idosos. Pudemos entender que o interesse médico nessa investigação sustentava-se na busca de fatores positivos do condicionamento físico em idosos, uma vez que não se observavam evidências de benefícios cardiovasculares, e, sim, efeitos iatrogênicos no aparelho osteoarticular, provocados pela atividade fisica na idade avançada. Era 1984, a cardiologia no Brasil começava estudar as especificidades do idoso. Realizamos entrevistas com o objetivo de identificar o significado da atividade física para esses idosos participantes do Programa de Condicionamento Físico. Apontamos como resultados que benefício psicológico pode referir-se a um processo interno completamente diferente para cada um, compelindo à introdução da singularidade do sujeito na análise da questão. Enquanto para alguns a realização da atividade física era ansiógena e frustrante porque provocava o encontro com a perda de capacidades físicas decorrentes do adoecer e do envelhecimento, para aqueles que haviam elaborado essas perdas a realização da atividade física era benéfica, pois lhes trazia a possibilidade de manutenção do seu melhor potencial em termos de capacidades físicas.

Este estudo, que na verdade não partiu de um interesse genuíno da equipe médica pelos aspectos psicológicos, configurou-se como uma primeira e importante oportunidade de sensibilizar o cardiologista quanto à influência da subjetividade na saúde como um fator contingente.

Nessa época, em que a atuação do psicólogo no hospital ainda era pouco conhecida, também fazíamos estudos visando caracterizar uma forma de trabalho. Realizamos o estudo Atendimento pré e pós-cirúrgico a grupos de pacientes cardiopatas (Bonato, 1983), no qual se analisou o relato de 50 sessões de atendimento a grupos de pacientes cardiopatas internados e cujo objetivo era conhecer os temas mais frequentemente emergentes. Este estudo nos confirmou que o grupo se configurava como um espaço para os pacientes expressarem seus medos, fantasias e expectativas frente a cirurgia, hospitalização e na relação com a equipe multiprofissional e onde a troca de experiências e o trabalho terapêutico favorecia o alívio de ansiedade e a elaboração psíquica do processo de adoecer. A realização deste estudo possibilitou-nos avaliar nossa prática e colocá-la num formato possível de divulgação e discussão, ponto importante na construção de uma forma de trabalho no contexto hospitalar, uma realidade até então pouco desenvolvida em nosso país.

Outra pesquisa que realizamos, buscando caracterizar a população cardiopata, foi o estudo das relações entre depressão e infarto do miocárdio (Perez et al. 2005). Elegemos o estudo da depressão por ser um quadro altamente prevalente e ter uma relação complexa com a cardiopatia, pois apontam as pesquisas epidemiológicas que, além de se comportar como fator de risco para o desenvolvimento da doença, também é fator influente da morbidade e da mortalidade.

Estes dados, que apontaram uma população mais vulnerável aos quadros depressivos, trazem uma implicação clínica para os cardiologistas, pois eles têm dificuldades para diagnosticar depressão na população de coronariopatas, uma vez que os sintomas depressivos tendem a se superpor aos da doença cardíaca.

Esse estudo, financiado pela Fapesp, foi muito reconhecido e valorizado na instituição por tratar-se de uma investigação, no Brasil, de algo que está sendo estudado em outros países e por ter uma aplicação prática para a clínica em cardiologia, que é ajudar o cardiologista a identificar a depressão.

Por ocasião da implantação de tratamento de tabagismo, o Serviço de Psicologia foi procurado para caracterizar as necessidades da população a ser tratada e desenvolver um projeto de trabalho. Investigamos a interferência de fatores psicológicos na manutenção do tabagismo em portadores de doença arterial coronária (Perez et al., 1995). Observamos que 75% deles fazem uso do cigarro como uma maneira de lidar com tensões psíquicas e apresentam-se ambivalentes com relação à sua motivação para a abstinência, pois revelam que querem parar de fumar, mas não têm nenhum plano para isso. Esse dado nos permitiu demonstrar que o tratamento médico do tabagismo teria pouca eficácia, caso se restringisse apenas a uma intervenção medicamentosa para evitar a síndrome de abstinência.

Nosso objetivo com esta pesquisa foi demonstrar ao cardiologista, utilizando instrumentos validados em pesquisas com este tema, que muitos fumantes têm uma relação de adição com o cigarro, por isso o tratamento médico não conseguiria atingir seus objetivos. Utilizamos a pesquisa quantitativa, buscando comprovação na epidemiologia daquilo que sabíamos da psicanálise, como forma de capturar o olhar do médico para o sujeito que fuma.

O tratamento do tabagismo é uma questão que inquieta os cardiologistas, pois, segundo as pesquisas, é um dos mais importantes fatores interferentes na morbidade, mortalidade e qualidade de vida na doença arterial coronária. A cessação de fumar tem importante impacto na mortalidade e morbidade. E, apesar do desenvolvimento de vários tipos de medicamentos, a eficácia do seu tratamento continua bastante limitada. Observamos, no entanto, que os estudos epidemiológicos realizados com fumantes portadores de doença arterial coronária focalizavam a investigação de características sociodemográficas e características clínicas, excluindo completamente a consideração de qualquer característica de ordem psíquica. Buscando chamar a atenção de alguma forma para a importância da vida psíquica nesse sintoma investigamos se, para fumantes com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, sintomas depressivos, ansiedade, estresse, auto-eficácia, consumo de álcool, de café e percepção de risco de doença cardíaca, são fatores associados ao tabagismo e se essas características funcionam como fatores prognósticos da manutenção do hábito de fumar seis meses pós-evento cardíaco.

O estudo identificou, dentre outras características, que os fumantes infartados negam mais fortemente do que os não-fumantes que o hábito de fumar tenha influenciado o desenvolvimento da sua doença cardíaca, bem como possa afetar sua saúde no futuro ou complicar a evolução da doença, caso eles não parem de fumar (Perez et al., 2007a).

Os resultados também demonstraram que, se por um lado o impacto psicológico de ter um infarto agudo do miocárdio é fator preditivo de cessação de fumar para a maioria dos fumantes, a depressão será o grande fator preditivo de recaída no tabagismo após a alta hospitalar (Perez et al., 2007b). Considera-se que esses dados também podem contribuir para algum tipo de aproximação do cardiologista ao sujeito que adoece do coração. Entendemos como constatação desse fato o convite da coordenadora do Programa de Tabagismo para analisarmos essas variáveis psicológicas na sua pesquisa sobre a efetividade do medicamento bupropiona no tratamento do tabagismo em cardiopatas (Issa et al., 2007).

Atualmente, estamos envolvidos com um projeto de pesquisa que avalia a eficácia da intervenção multiprofissional no tratamento da síndrome metabólica. O tratamento dessa doença é importante para evitar o desenvolvimento de outra mais grave, como o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral. Trata-se da avaliação da eficácia de um atendimento grupal multiprofissional (Sharovsky et al., 2005). Um aspecto bastante importante desta pesquisa é que o grupo de médicos envolvidos são pesquisadores de laboratórios de genética e biologia molecular, portanto ainda mais distantes da subjetividade. Os dados obtidos têm apontado resultados mais favoráveis nesta abordagem, quando comparados com a consulta médica, analisados em nível de biologia molecular. Esses resultados têm incluído questões da ordem psíquica na pauta das reuniões da equipe, o que pode ser tomado como mais uma conquista para a inclusão da subjetividade na medicina.

 

Medicina baseada em evidências. Psicologia Hospitalar baseada em evidências?

Essa experiência profissional nos leva a analisar a relação da psicologia e da psicanálise no contexto hospitalar diante da pesquisa, uma realidade que se impõe a nós. Realizar ou não realizar pesquisas epidemiológicas? Por quê? Para quê? Deveríamos nos enveredar também pelo caminho das evidências científicas?

A pesquisa epidemiológica em psicologia hospitalar é uma estratégia. Estratégia de inserção da subjetividade na ordem médica. Na era das patologias do vazio representativo (Lisondo, 2004), é comum o sofrimento manifestar-se no corpo. Temos uma desvalorização do mundo mental e a desqualificação do sofrimento psíquico. Muitas manifestações do sofrimento psíquico na cultura da pós-modernidade não são entendidas como algo da subjetividade, mas como algo a ser curado com a objetividade de um medicamento.

Assim, parece-me que fazer pesquisas na mesma linha que a medicina é uma estratégia. Nosso saber sobre a subjetividade e os meandros do funcionamento psíquico nos permitem elaborar projetos de pesquisas epidemiológicas, buscando "evidências" da relação entre fatores psiquicos e doenças somáticas. Essas "evidências" têm força para sensibilizar os médicos para a necessidade de atendimento psicológico. O doente, por sua vez, tende a procurar o psicólogo ou o psicanalista, cumprindo a "prescrição médica". Podemos afirmar que essa tem sido uma forma importante de voltar a atenção do sujeito para a sua vida psíquica. Assim, temos a oportunidade de abordar patologias que jamais procurariam um psicanalista.

Como salienta Serge Lesourd,1 "por vezes a técnica médica pode ser escutada como uma ditadura à qual a psicanálise deve oferecer resistência. Mas não é possível fazer resistência ficando do lado de fora".

 

Referências

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Recebido em: 30/09/2007
Aprovado em: 10/10/2007

 

 

Sobre a autora:

* Psicóloga-chefe do Ambulatório e Unidade de Emergência do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Especialista em Psicossomática e Psicologia Hospitalar. Doutoranda pelo Departamento de Psiquiatria da Unifesp. São Paulo, SP, Brasil. Endereço eletrônico: gloria.perez@incor.usp.br.
1 Comunicação oral na conferência A evacuação do sujeito nas "parlottes" das tecnociências médicas, proferida no III Fórum Internacional Psicanálise e Hospital. Belo Horizonte, 24/8/2007.

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