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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

 ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.1 no.2 Juiz de fora dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Atitudes em relação à ecologia em jovens de diferentes países e estados brasileiros1

 

Attitudes toward ecology in youth from five countries and five brazilian states

 

 

Angela M. B. Biaggio2; Luciana Karine de SouzaI,*; Janine Kieling MonteiroII; Cleonice P. S. CaminoIII

IUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG
IIUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS
IIIUniversidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB

 

 


RESUMO

Dois estudos sobre atitudes em relação à ecologia são descritos, pertencentes à terceira e última etapa de uma investigação mais ampla. O primeiro estudo comparou as atitudes ecológicas de jovens de cinco estados brasileiros; o segundo estudo, de jovens de cinco países. Para ambos utilizou-se um questionário sobre atitudes em relação ao meio-ambiente. Os dados foram analisados através de análise de conteúdo. Foram comuns às amostras brasileiras temas como desmatamento, cuidado com fauna e flora, água dos rios como essencial à vida, e um desconhecimento sobre o uso da energia nuclear. Encontraram-se mais associações significativas nas amostras de jovens gaúchos e fluminenses. Na comparação entre países, foram comuns os temas: prejuízos à natureza; separação do lixo; preservação da Amazônia e da água dos rios; e solução a problemas de poluição industrial, uso da energia nuclear e extinção de espécies. As amostras da Alemanha, Chile e Brasil foram as que demonstraram mais atitudes favoráveis à natureza. A aplicação prática da investigação de atitudes em relação à ecologia é contribuir para o desenvolvimento de programas de educação ecológica e campanhas pró-ambientais, que abordem questões pertinentes não apenas em âmbito local, mas também nacional e internacional.

Palavras-chave: Atitudes, Ambiente, Ecologia, Natureza, Estudo Intercultural


ABSTRACT

Two studies compared attitudes toward ecology among youngsters from: 1) five states in Brazil (Amazonas, Joao Pessoa, Minas Gerais, Rio de Janeiro, and Rio Grande do Sul), and 2) five countries (Brazil, Chile, Germany, Portugal, and the United States). A questionnaire about attitudes toward the environment was used to collect data, which was analyzed by content analysis. The Brazilian samples from the first study highlighted deforestation, caring for fauna and flora, and the importance of river water as essential to life; nonetheless, they ignored the use of nuclear energy. Significant associations were found between some categories and samples from Rio de Janeiro and Rio Grande do Sul, according to chi-square tests. In the second study, common categories were found among the five samples investigated: damages to nature; garbage selection; protection of the Amazon region and river water; and solution to problems related to industrial pollution, nuclear energy, and extinction of species. Samples from Germany, Chile, and Brazil showed more pro-nature attitudes than the remaining samples. The investigation about attitudes toward nature may contribute to the development of pro-environmental campaigns and educational programs that discuss important local, national, and international issues on ecology.

Keywords: Attitudes, Environment, Ecology, Nature, Intercultural Study


 

 

Este trabalho apresenta a terceira e última etapa de uma pesquisa que investigou atitudes em relação à ecologia em jovens de diferentes estados brasileiros e diferentes países. Na primeira etapa da pesquisa, investigou-se a relação entre maturidade de julgamento moral e maturidade ecológica, encontrando-se correlação positiva significativa entre ambas. Observou-se também que a maturidade ecológica correlacionou-se positivamente com o avanço etário (Biaggio et al., 1998).

Na segunda etapa do projeto, conduziu-se um estudo experimental que objetivou promover, em adolescentes, atitudes ambientais favoráveis através de debates de dilemas ecológicos (Biaggio et al. 1999). Neste estudo experimental, obtiveram-se resultados parciais em função da intensidade de participação dos jovens nas discussões.

Na terceira e última etapa da pesquisa, relatada no do presente texto, são descritos dois estudos que compararam as atitudes em relação à ecologia em jovens de cinco estados brasileiros (Amazonas, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, no estudo 1) e de cinco países (Alemanha, Brasil, Chile, Estados Unidos e Portugal, no estudo 2). Primeiramente descrevemse estudos empíricos similares disponíveis na literatura. Em seguida, relatam-se os dois estudos. Ao final, são traçadas considerações comparandose os resultados de ambos os estudos, bem como das implicações educacionais deles advindas.

De acordo com Hutchison (2000), "as decisões que tomamos como espécie e como membros de uma comunidade de alcance planetário determinarão, nas próximas décadas, a viabilidade em longo prazo de nossa espécie e do planeta como um todo" (p. 22). Considerando-se que os jovens de hoje estarão futuramente tomando decisões sobre questões ecológicas, entende-se pertinente investigar como vários problemas ambientais, que atualmente já se apresentam às sociedades, são por eles compreendidos.

Ao mesmo tempo, dado que problemas ecológicos têm o potencial de prejudicar não apenas a sociedade que o abriga, mas também as demais sociedades e as gerações futuras, como salienta Hutchison (2000), entende-se pertinente comparar as atitudes ambientais de diferentes culturas. Nesse sentido, são apresentados estudos de distintos países que apresentam comparações acerca de atitudes em relação a questões ecológicas.

Azuma (1994) analisou as influências filosóficas e religiosas nas atitudes em relação à natureza de japoneses. Segundo o autor, a atitude básica dos japoneses em relação à natureza é simbiótica, ou seja, há uma tendência em atribuir sentimentos a objetos inanimados e a personificá-los, comportamento reforçado através da socialização. Esta relação com o ambiente possui, na concepção de Azuma, aspectos positivos e negativos. De um lado, o amor e o respeito à natureza presentes na cultura japonesa restringiu significativamente a sua exploração. De outro lado, a postura dos japoneses de procurar não interferir na natureza pode conduzir a um desequilíbrio no sentido de que a intervenção com a finalidade de proteção é uma forma positiva de controle. O autor concluiu salientando que os japoneses devem analisar seu conceito de natureza e estimular sua preservação pelo bem da humanidade atualmente e das próximas gerações, na mesma direção do argumento de Hutchison (2000).

Hallin (1995) entrevistou 39 adultos com elevada atividade pró-ambiental e 10 com baixa atividade. Foram identificadas três resistências ao engajamento em ações pró-ambientais: falta de tempo, ausência de retorno financeiro e inconveniência. O autor salientou a necessidade de se prosseguir com o desenvolvimento de medidas de avaliação de atitudes ambientais e de estratégias para promover o comportamento pró-ambiental.

Chan e Yam (1995) investigaram a relação entre atitudes ambientais e comportamento em 552 adultos de Hong Kong. Mais especificamente foram analisados conhecimento ambiental, afeto, compromisso verbal e compromisso real com o ambiente. O afeto explicou muito mais o comportamento real do indivíduo do que a sua quantidade de conhecimento sobre o meio. De posse destes resultados, os autores concluíram que o governo deveria se basear mais no apelo emocional do que no cognitivo ao desenvolver campanhas e programas em defesa do ambiente.

Austin (1994) investigou a influência da ética ambiental na tomada de decisão por americanos caucasianos e indo-americanos. A autora destacou que a característica central da ética ambiental dos indo-americanos é a noção de reciprocidade, ou seja, de que a "Terra" cuida dos seres humanos, e os seres humanos cuidam da "Terra". Outro aspecto importante observado por Austin foi a presença marcante de uma ética intergeracional, baseada na tomada de decisão levando-se em consideração as conseqüências para as gerações futuras das tribos. Nas suas conclusões, a autora considerou que as culturas cujo sistema de crenças relaciona as pessoas com o mundo natural aplicam esta ética a decisões modernas com respeito a questões ecológicas. Por outro lado, indivíduos que não possuem tal sistema apóiam-se, por exemplo, em decisões do tipo custo-benefício. Austin ressalta que, para que as decisões sejam sentidas como questões morais, as pessoas necessitam perceber uma relação ética entre si e as demais entidades naturais do planeta.

Páramo e Gómez (1997) exploraram as atitudes pró-ambientais de 105 universitários da Colômbia. Com relação a intervenções sobre o ambiente, os estudantes destacaram a necessidade de compromisso individual e de ações governamentais. Além disso, os participantes admitiram estarem mais motivados para agir sobre problemas globais nacionais e mundiais do que sobre questões ambientais na própria universidade. Segundo os autores, "a noção de ambiente se associa mais com os aspectos da biodiversidade, do desenvolvimento sustentável e da contaminação ambiental do que com os aspectos sociais da problemática ambiental" (p. 259).

Corral, Obregón, Frías, Piña e Obregón (1994) compararam as competências pró-ambientais de 342 universitários mexicanos e 603 norteamericanos. Os participantes mexicanos demonstraram competências significativamente maiores nas áreas de controle de pó e fumaça, uso racional de recursos e de áreas verdes. Os norteamericanos, por sua vez, destacaram-se nas áreas de desenho arquitetônico e de controle de dejetos sólidos. Os autores ressaltam que, mesmo em se tratando de duas culturas diferentes, ao se considerar cada uma em separado não se dispõe de dois grupos homogêneos, pois cada um se sobressaiu em diferentes aspectos. A maior preocupação de Corral e colaboradores, contudo, é, para além de comparar culturas, "desenvolver programas de intervenção efetivos que tenham como finalidade propiciar uma mudança na conduta humana destrutiva" (p. 416).

Bloom (1995) analisou dados internacionais de opinião pública sobre questões ecológicas. Tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento, as pessoas manifestaram que as condições ambientais continuam piorando, expressaram preocupação com a qualidade ambiental, e revelaram uma vontade de tomar responsabilidade pela situação. Nesta mesma direção, Rasinski, Smith e Zuckerbraun (1994) investigaram o apoio do público com relação a gastos governamentais com o ambiente. Participaram 12.857 cidadãos, de 16 a 92 anos de idade, provenientes de nove países (Austrália, Alemanha, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Hungria, Irlanda do Norte, Israel, Itália e Noruega). Dentre os principais resultados, os autores notaram que os mais jovens e com maior escolaridade apóiam mais os gastos com o ambiente.

A literatura empírica sobre atitudes favoráveis à natureza, embora ainda escassa, revela especificidades culturais (Austin, 1994; Azuma, 1994; Chan & Yam, 1995; Corral et al., 1994; Páramo & Gómez, 1997); fatores que desestimulam o comportamento pró-ambiental, como a passividade (Azuma, 1994) e ausência de ganho financeiro (Hallin, 1995); a preocupação com problemas ecológicos de países desenvolvidos bem como em desenvolvimento (Bloom, 1995); e o apoio maior de jovens no investimento à natureza (Rasinski, Smith & Zuckerbraun, 1994). O presente trabalho procurou integrar vários dos aspectos explorados na literatura empírica referida. Buscou-se investigar similaridades e distinções nas atitudes em relação à ecologia de jovens de diferentes culturas e subculturas. Assim, o estudo 1 relata a investigação com jovens de cinco estados brasileiros; o estudo 2, com jovens de cinco países.

Estudo 1: Atitudes em relação à ecologia em jovens de cinco estados brasileiros

O objetivo deste estudo foi de comparar as atitudes em relação à ecologia em estudantes de cinco estados brasileiros. Participaram 189 estudantes, distribuídos em cinco grupos, por estado, apresentados na Tabela 1.

Todos os participantes eram estudantes de instituições de ensino públicas ou privadas. Os adolescentes estudavam na 8ª série do ensino fundamental ou na 1a série do ensino médio, enquanto os adultos atendiam a cursos universitários variados. Não foi possível obter uma amostra de universitários da Paraíba para compor o grupo de adultos. As amostras foram coletadas nas cidades de Belo Horizonte (MG), João Pessoa (PB), Manaus (AM), Niterói (RJ) e Porto Alegre (RS).

Utilizou-se um questionário com dez questões semi-abertas sobre problemas ambientais, elaboradas com base na entrevista de Howe, Kahn e Friedman (1995) e em versões utilizadas em estudos anteriores (Biaggio, et al., 1998; Biaggio, et al., 1999). As questões foram as seguintes: 1) Você costuma pensar sobre a natureza e o meioambiente? O que é que você pensa?; 2) Você costuma conversar sobre o meio-ambiente? Quais são os assuntos nessas conversas? Descreva-os:; 3) Você ou sua família atualmente faz algo para ajudar o meio-ambiente? Que tipo de coisa você ou sua família faz e como faz isso? Qual a importância disso?; 4) O que você pensa sobre a questão da Amazônia e sua preservação ou desmatamento?; 5) Qual a sua opinião sobre a questão da poluição industrial?; 6) O que você pensa sobre a utilização de agrotóxicos na agricultura?; 7) O que você conhece sobre a utilização da energia nuclear? E o que você acha dessa utilização?; 8) O que você pensa sobre a extinção (ou desaparecimento) de algumas espécies vegetais e animais?; 9) Você acha que a qualidade da água dos rios é uma questão importante? Por quê?; 10) Você se acha responsável pela conservação da natureza? Por quê?

Os questionários foram respondidos individualmente, anonimamente, em aplicação coletiva durante um período de aula. As respostas dos participantes foram submetidas à análise de conteúdo (Bardin, 1977) com a finalidade de se obter categorias de respostas. Cada categoria, para ser criada, precisou abranger no mínimo três respostas de conteúdo semelhante, e para cada resposta de cada questão é possível identificar pelo menos uma categoria. Calcularam-se freqüências e porcentagens de respostas por categoria, considerando-se os 189 jovens, e também por Estado. Grupos de três juízes analisaram conjuntamente os dados de cada questionário na busca de um consenso na categorização. Testes de qui-quadrado foram calculados (ao nível de significância de 0,05) para investigar associações entre categorias e Estados.

 

Resultados

A Tabela 2 apresenta, para as questões 1, 2 e 3 do instrumento, as porcentagens de respostas nas categorias que apresentaram mais de 10% de respostas do total de participantes dos cinco estados brasileiros (n = 189). São destacadas as associações significativas encontradas através do teste de qui-quadrado, com a indicação da porcentagem da amostra (Estado) na categoria envolvida na associação detectada.

 

 

Na questão 1, foi possível observar que dos 189 jovens que participaram do estudo, 73 (39%) pensam sobre destruição quando pensam na natureza e no meio-ambiente. O teste de quiquadrado demonstrou associação significativa entre a amostra do RJ e a categoria preocupação, na qual os jovens fluminenses foram responsáveis por 57% das 38 respostas encontradas para esta categoria [χ2 (4, N = 189) = 49,21, p = 0,001].

Na questão 2, sobre os tópicos das conversas sobre natureza e meio-ambiente, a associação significativa encontrada foi entre a amostra da PB e cuidado com fauna/flora [χ2 (4, N = 189) = 16,92, p = 0,002], sendo este Estado responsável por 42,5% das respostas da categoria. Na questão sobre comportamentos de ajuda ao meioambiente, a amostra do RS destacou-se em separação do lixo (55%) [χ2 (4, N = 189) = 47,70, p = 0,001] e em cuidado com fauna/flora (45%) [χ2 (4, N = 189) = 10,53, p = 0,032].

A Tabela 3 apresenta os resultados para as questões do instrumento que se dedicaram a temas específicos (questões 4 a 9).

Como se pode notar na Tabela 3, na questão sobre a Amazônia a amostra do RS salientou a necessidade por controle/punição (27,5%) mais do que as demais amostras [χ2 (4, N = 189) = 15,30, p = 0,004]. Com relação à poluição industrial (questão 5), os jovens do RJ salientaram mais a necessidade de se encontrar soluções para este problema ambiental (48%), na comparação com os participantes dos outros estados [χ2 (4, N = 189) = 15,75, p = 0,003]. Os prejuízos do uso dos agrotóxicos foram mais citados pela amostra da PB (50%) [χ2 (4, N = 189) = 18,76, p = 0,001], ao passo que a necessidade por controle/punição foi mais referida pelos gaúchos (27,5%) [χ2 (4, N = 189) = 19,81, p = 0,001].

A maioria dos jovens da amostra do AM (93,5%) não soube responder à questão sobre a energia nuclear (questão 7) ou a deixou em branco [χ2 (4, N = 189) = 20,57, p = 0,001]. A amostra do RJ, ao mesmo tempo em que destacou os prejuízos (45%) do uso desta energia [χ2 (4, N = 189) = 23,61, p = 0,001], também salientou que se trata de um mal necessário (31%) [χ2 (4, N = 189) = 16,32, p = 0,003]. Na questão 8, a amostra da PB mencionou mais os prejuízos (50%) conseqüentes da extinção [χ2 (4, N = 189) = 20,79, p = 0,001], e os estudantes do RJ salientaram a falta de conscientização (53%) envolvida no uso [χ2 (4, N = 189) = 33,19, p = 0,001]. Na questão sobre a qualidade da água dos rios, as amostras do RS e de MG destacaram-se na categoria essencial à vida, com 62,5% e 64%, respectivamente [χ2 (4, N = 189) = 16,17, p = 0,003].

A questão 10 perguntava ao participante se ele se percebia como responsável pela conservação da natureza e por quê. A maioria dos estudantes respondeu positivamente (85%). Duas categorias de justificativas se destacaram na amostra total: responsabilidade de todo ser humano (39%) e ser humano é parte da natureza (18,5%). Os jovens do RJ mencionaram mais a justificativa da responsabilidade de todos (53%) do que os demais participantes [χ2 (4, N = 189) = 12,65, p = 0,013]. Já os estudantes do RS foram os que mais citaram que sua responsabilidade sobre a natureza se deve ao fato de o ser humano fazer parte dela (35% do total de respostas dos estudantes gaúchos a esta última questão), na comparação com os participantes dos outros estados [χ2 (4, N = 189) = 16,97, p = 0,002].

Duas categorias de respostas necessitam de maior esclarecimento sobre sua construção. As categorias intituladas de respostas simples agrupam respostas como "isto é errado, uma coisa séria, um grande problema, etc." ou "é importante, é muitobonita, etc.", ou seja, respostas simplificadas, sem conteúdo específico para formar uma categoria válida. Quanto à categoria de respostas em branco, cabe mencionar que na questão sobre a qualidade da água dos rios foram encontradas 13% de respostas nesta categoria, isto é, mais de 10% do total. Este resultado repetiu-se apenas na questão sobre energia nuclear, mas não foi levado em consideração para análise como no caso desta última. As porcentagens por estado identificaram que a amostra do AM apresentou 39% de respostas em branco na questão sobre a qualidade da água dos rios.

 

Discussão

Aspectos comuns às amostras

Uma leitura das porcentagens totais das categorias permite identificar as atitudes em relação à ecologia em jovens de cinco estados brasileiros. Assim, segundo os participantes do estudo 1, costuma-se pensar na destruição da natureza e conversar sobre o problema do desmatamento, e ajuda-se o meio-ambiente através do cuidado com a fauna e a flora. Quanto a problemas específicos, à Amazônia é associada uma atitude de preservação; à poluição industrial, a necessidade por solucioná-la; ao uso de agrotóxicos, os prejuízos; à extinção de espécies, igualmente os prejuízos; e à qualidade da água dos rios, o fato de ela ser essencial à vida. Quando ao uso da energia nuclear, ainda que a maioria dos 189 participantes não a conheça, foi salientado o prejuízo advindo de sua utilização. Finalmente, quando à responsabilidade pela natureza, a atitude dos jovens brasileiros participantes do estudo foi de considerar-se responsável pelo fato de todo ser humano ser responsável por ela.

Considerando-se as cinco amostras, note-se que a atitude de preservação se fez presente como resposta a cinco questões (1, 2, 4, 8 e 9). Considera-se, também que a categoria cuidado com fauna/flora na questão 3, pela similaridade de conteúdo entre preservar e cuidar, complementa a atitude referida, aumentando para seis o número de questões que estimularam o surgimento da idéia de preservação. Ao mesmo tempo, os problemas ambientais relacionados à Amazônia, à poluição industrial e ao uso de agrotóxicos na agricultura (respectivamente, nas questões 4, 5 e 6) suscitaram atitudes de controle e de punição para solucionálos ou manejá-los. De outro lado, denota-se a referência constante a aspectos negativos associados à problemática ambiental, refletidos nas categorias sobre prejuízos (questões 4, 5, 6, 7, 8 e 9) ou sobre conteúdos relacionados a prejuízos, como destruição, desmatamento e poluição (questões 1 e 2). Assim, percebe-se que as atitudes de preservação e de preocupação com prejuízos perpassaram praticamente as respostas a todo o questionário. São atitudes básicas e complementares, mas que necessitam ser ultrapassadas por atitudes mais amadurecidas e detalhadas em conteúdo, que advêm, sobretudo, de informação sobre os temas abordados e de intervenções educativas.

As ações pró-ambientais empreendidas pelo participante em sua vida diária suscitaram duas categorias diferenciadas com relação ao tratamento do lixo (questão 3): colocar o lixo no local adequado e separar o lixo para reciclagem. Pode-se considerar, em termos de maturidade ecológica, que a atitude de separar o lixo pressupõe a atitude de colocar o lixo em local adequado. Esta última atitude consiste, na verdade, no pré-requisito para a primeira. Dessa forma, os indivíduos que não mencionam reciclagem necessitam de informações sobre este processo e de um trabalho de promoção de atitudes ambientais favoráveis. Isto dependerá de dois fatores: da existência do serviço de reciclagem na cidade e de programas educacionais sobre ecologia nas escolas.

Com respeito aos problemas ambientais abordados, observou-se que a problemática envolvida no uso da energia nuclear não é um tema discutido pela população, na comparação com os demais temas. Isto ocorre provavelmente pela falta de conhecimento sobre o que é energia nuclear, como funciona, e quais os benefícios e prejuízos da sua utilização. Mais uma vez, denota-se a necessidade de um plano direcionado à educação ecológica dos jovens nas escolas com fundamentação em dados sobre o conhecimento da população sobre estas questões.

Especificidades das amostras

Foram observadas diferenças nas atitudes em relação a questões ecológicas entre as amostras dos cinco estados brasileiros. Primeiramente, chamam a atenção as seis associações significativas detectadas entre os jovens da amostra do Rio de Janeiro e categorias de cinco questões (metade do questionário): a preocupação com a natureza; o desenvolvimento de soluções para o problema da poluição industrial; a energia nuclear como um mal necessário que traz prejuízos; a falta de conscientização subjacente à extinção das espécies; e a responsabilidade de todos os seres humanos pela natureza. Uma possível justificativa para o destaque da amostra fluminense nestas atitudes é o fato desta ser composta, entre outros, por jovens da cidade de Niterói, possuir maior contato com uma natureza exuberante que atrai não apenas o cidadão, mas também milhares de turistas anualmente. Provavelmente, a exposição diária ao relevo da região, o clima favorável ao desfrute das praias quase o ano todo, e os benefícios do turismo no desenvolvimento da cidade são fatores que podem ter influenciado as atitudes dos jovens fluminenses no presente estudo. Mais especificamente, com relação ao resultado sobre energia nuclear é interessante notar que, além de ter sido a única amostra a se destacar no tema, os jovens do RJ demonstraram uma certa ambivalência com respeito à questão: destacaramse tanto na menção a prejuízos do uso da energia nuclear como na referência à sua utilização como um mal necessário (que prejudica, mas traz ganho). A localização das usinas nucleares de Angra dos Reis no estado do RJ provavelmente exerce influência nas atitudes dos habitantes deste estado.

Outra amostra que se destacou no estudo 1 foi a de jovens gaúchos, envolvidos em seis categorias, de cinco questões (3, 4, 6, 9 e 10). Este jovem ajuda o meio-ambiente através do cuidado com fauna/flora e com a separação do lixo; propõe mais controle e punição nos crimes ambientais na região amazônica, bem como no uso de agrotóxicos na agricultura; justifica a importância da qualidade da água dos rios por ser essencial à vida; e sente-se responsável pela conservação da natureza porque o ser humano é também parte dela. O destaque dos participantes do RS nestas atitudes pode estar ligado a alguns fatores históricos, sociopolíticos e mesmo geográficos, como: os 15 anos de implantação da coleta seletiva de lixo (separação do lixo seco para reciclagem) em Porto Alegre (de onde a amostra provém); a intensa produção agropecuária no RS (uma vez chamado de "celeiro do Brasil"), tanto em nível industrial como familiar (categorias sobre cuidado com fauna/flora, e controle/punição quanto ao uso de agrotóxicos); os conflitos históricos e atuais por posse de terra (com possível influência sobre a atitude de controle/punição no desmatamento da Amazônia); e, finalmente, a presença do (lago) Rio Guaíba, que banha e abastece a capital gaúcha (relacionada à questão da qualidade da água dos rios ser essencial à vida). Estes fatores, agrupados, também podem estar relacionados ao destaque da amostra do RS na responsabilidade pela conservação da natureza em função de o ser humano ser parte dela.

Está-se levando em consideração a possibilidade de as atitudes associadas significativamente às amostras de jovens do RS e do RJ estarem fundamentadas em um maior envolvimento sócio-político com as questões ambientais (por exemplo, políticas governamentais e turismo). Neste sentido, pode-se compreender que, em regiões onde tal envolvimento não seja tão intenso, o trabalho com educação ambiental nas escolas e as campanhas voltadas à sociedade deva ser conduzido com maior extensão e intensidade. Ao mesmo tempo, em regiões como os estados do RJ e do RS, a natureza está diretamente envolvida com a população (seja na agricultura ou no turismo), conferindo ao investimento em atitudes e ações pró-ambientais (para prevenir ou intervir) o potencial para serem mais rápidos e eficazes. É provável que um investimento governamental voltado a programas educacionais e ao turismo com foco em atitudes mais favoráveis ao ambiente se faça ainda insuficiente em locais onde a população já se encontra intimamente ligada à natureza, como no caso das amostras de Manaus e de João Pessoa. A título de exemplo, na questão sobre a preservação da Amazônia, a amostra do Amazonas não se destacou das demais em nenhuma categoria desta questão. Além disso, os jovens do AM foram os que mais apresentaram respostas em branco na questão sobre a qualidade da água dos rios.

Com relação aos participantes da Paraíba, julga-se que a relação das suas respostas com as questões 2, 6 e 8 - que revelam, respectivamente, o cuidado com a fauna, a preocupação com a poluição ambiental e a preocupação com os prejuízos causados por agrotóxicos - é devida, sobretudo, à atuação da APAN - Associação dos Amigos da Natureza. Esta Associação foi fundada em 1978 e, desde então, tem desempenhado um papel importante na preservação do meio ambiente através de várias lutas. Conforme declaração da expresidente da APAN, Paula Frassinete (1998), dentre estas lutas destacam-se passeatas, denúncias, campanhas contra desmatamento, contra a destruição de espigões, contra a poluição dos rios, etc. Note-se ainda que os resultados da Paraíba encontrados neste trabalho são semelhantes aos encontrados por Vikan, Camino e Biaggio (2004, citados por Vikan, Biaggio & Camino, 2005), que revelaram uma preocupação dos paraibanos com o meio ambiente semelhante a dos gaúchos e superior a dos participantes noruegueses.

Finalmente, considera-se interessante salientar que, na questão 4, sobre a preservação da Amazônia, os amazonenses não se destacaram dos demais. Acredita-se que essa ausência de destaque é devida à quantidade elevada de respostas favoráveis à preservação (independentemente da origem do entrevistado), o que revela um consenso dos brasileiros sobre a Amazônia como um patrimônio nacional.

As categorias permitem identificar temas que carecem de maior discussão no meio escolar ou acadêmico, por serem de interesse comum e de responsabilidade de todos, como referido pelos próprios participantes. A questão da utilização da energia nuclear, por exemplo, é pouco conhecida na comparação com temas mais populares como o desmatamento na Amazônia e o uso de agrotóxicos. Por outro lado, nota-se que a proximidade com regiões onde a natureza se destaca não garante, por si só, maior maturidade ecológica, sendo necessárias também políticas públicas direcionadas à educação, ao turismo, a investimentos ecologicamente responsáveis para o desenvolvimento econômico de uma dada região.

Estudo 2: Atitudes em relação à ecologia em jovens de cinco países

Neste segundo estudo, objetivou-se comparar atitudes em relação ao meio-ambiente em jovens de cinco nações diferentes. Participaram 197 sujeitos, distribuídos em cinco grupos de acordo com a nacionalidade, como mostra a Tabela 4.

 

 

Todos os participantes eram estudantes de instituições de ensino públicas ou privadas. Os adolescentes estudavam na 8a série do ensino fundamental, enquanto os adultos atendiam a cursos universitários variados. Hum adolescente (01) da amostra da Alemanha não identificou o próprio sexo no questionário. Não foi possível contar com uma amostra norte-americana de adolescentes, ficando esta amostra composta somente por adultos.

Utilizou-se o mesmo questionário do estudo 1. Para a amostra de Portugal o instrumento teve a redação adaptada para o português falado naquele país. O questionário foi traduzido para o espanhol e para o alemão, para uso com a amostra do Chile e da Alemanha. Estas duas traduções foram realizadas por colaboradores destas nacionalidades. A primeira autora traduziu o questionário para o inglês falado nos Estados Unidos, para uso com a amostra norte-americana.

O procedimento de coleta de dados foi o mesmo adotado no estudo 1. No caso das amostras estrangeiras, os colaboradores enviaram os questionários por correio convencional para a equipe de pesquisa no Brasil. Os critérios para a análise de conteúdo foram os mesmos do estudo 1. Na análise dos questionários do Chile e da Alemanha, um dos três juízes era nativo desses países. Todos os outros juízes falavam pelo menos três dos quatro idiomas envolvidos na pesquisa.

Quanto às análises estatísticas, no estudo 2 não foram efetuados testes de qui-quadrado para comparações entre amostras. Isto ocorre em virtude de que os dois estudos (relatados no presente texto) da etapa 3 da pesquisa foram analisados diferentemente e em época distinta das demais etapas (etapas 1 e 2, referidas na introdução).

 

Resultados

A Tabela 5 mostra os resultados para as questões 1 a 3. São exibidas as porcentagens de respostas nas categorias que mais se destacaram, ou seja, aquelas com mais de 10% de respostas do total de participantes (n = 197). Além disso, é indicado o país que apresentou mais respostas na maior categoria, assim como o país ou países que apresentaram categorias exclusivas, isto é, categorias originadas de respostas que só ocorreram na(s) amostra(s) em destaque.

A leitura da Tabela 5 possibilita compreender que, na questão 1, encontrou-se maior freqüência de respostas na amostra da Alemanha na categoria preservação, na qual os jovens alemães apresentaram 45% do total de respostas nesta categoria. A categoria interesses políticos e econômicos foi referida somente pelos participantes da Alemanha e representou 15% do total de respostas desta amostra específica. A interpretação dos demais itens da Tabela 5 seguem o mesmo padrão, com o asterisco indicando categorias exclusivas de alguns países.

A Tabela 6 mostra os resultados às questões sobre temas específicos (questões 4 a 9).

É interessante mencionar que na questão sobre energia nuclear a categoria não conhece obteve a menor pontuação (7,5%) entre os alemães. Finalmente, com relação à questão 10 (responsabilidade pela conservação da natureza), 91% dos 197 jovens investigados neste segundo estudo reconheceu a responsabilidade própria pela conservação da natureza. Duas categorias foram empiricamente construídas a partir das respostas apresentadas: preservação (67%) e não prejudico (17%). A categoria não prejudico destacou-se na amostra do Chile (60%), ou seja, mais da metade dos jovens chilenos mencionaram que não prejudicam a natureza e que isso demonstra sua responsabilidade com ela.

 

Discussão

Aspectos comuns às amostras

Uma leitura das porcentagens totais das categorias permite identificar as atitudes em relação à ecologia em jovens de cinco países. Assim, segundo todos os participantes do estudo 2, costuma-se pensar em preservação e poluição, conversar sobre prejuízos causados à natureza e ajudar o meio ambiente com a separação do lixo. Quanto a problemas específicos, à Amazônia é associada uma atitude de valorização da preservação; à poluição industrial, a necessidade por solucioná-la; aos agrotóxicos, sugere-se o uso de alternativas; ao uso da energia nuclear, os prejuízos advindos deste; à extinção de espécies, o desrespeito à vida animal; e à qualidade da água dos rios, o fato de ela influenciar na qualidade de vida das cidades. Finalmente, quando à responsabilidade pela natureza, a atitude dos jovens participantes do estudo 2 foi a de considerar-se responsável pela preservação desta.

Neste segundo estudo o tema preservação também esteve presente em várias questões (1, 2, 4, 8 e 10). Aliado a isso, o prejuízo à natureza igualmente apareceu, direta ou indiretamente, nas categorias de todas as questões abordadas. São exemplos diretos as categorias nomeadas de prejuízos e, indiretos, as categorias sobre destruição, malefícios e ausência de prejuízo. Isto sugere que as pessoas, sejam elas provenientes de países desenvolvidos (como Alemanha e EUA), ou em desenvolvimento (como Brasil e Chile), estão preocupadas com o tratamento inadequado que os seres humanos vem dando a seu planeta.

Especificidades das amostras

Duas amostras destacaram-se das demais no estudo 2: Alemanha e Chile. A seguir, a discussão concentrar-se-á nas atitudes dos jovens destas duas amostras. Em seguida, procurar-se-á comentar resultados advindos de nossa cultura. Ao final, são traçadas considerações finais, analisando-se conjuntamente os resultados dos dois estudos.

Os alemães foram os participantes que demonstraram mais conhecimento dos problemas abordados e atitudes favoráveis à natureza. A título de exemplo, os participantes da Alemanha foram os que mais mencionaram os prejuízos do uso da energia nuclear e os que mais se manifestarem contra este. Este resultado provavelmente reflete a proximidade dos participantes com usinas nucleares em sua região e países vizinhos. Outros resultados que demonstram atitudes favoráveis ou mais amadurecidas em relação ao meio ambiente são: o destaque para a utilização de alternativas aos agrotóxicos, para a questão da preservação e para a separação do lixo; a menção exclusiva de interesses políticos e econômicos associados a problemática ambiental e a influência da qualidade dos rios sobre a fauna/flora. Cabe mencionar também que na Alemanha o Partido Verde é uma organização política de destaque no país, o que pode estar influenciando nas atitudes da socieda

Outra amostra que se destacou no estudo foi a chilena. Os participantes chilenos citaram, com exclusividade, que suas conversas sobre a natureza envolvem os temas da preservação e da destruição da fauna e da flora, e que colaboram para o meio ambiente colocando o lixo no local adequado. Além disso, esta amostra destacou-se na atitude de não prejudicar a natureza. Pode-se considerar que o Chile é um país com uma grande riqueza natural, mas que, ao longo de sua

história, vem sofrendo com explorações políticas e catástrofes naturais (terremotos, vulcões). Além disso, possui, em seu território, o conhecido deserto de Atacama. Todas estas variáveis podem ter contribuído para que o povo chileno manifestasse mais atitudes direcionadas à importância de conservar a natureza. Quanto aos agrotóxicos, a necessidade por controle a seu uso se destacou somente na amostra brasileira, possivelmente pelo fato do Brasil ser um país com destaque em investimentos na agricultura e (ainda) com dificuldades no controle e legislação desta questão. Já o cuidado com a fauna e flora referido na questão 3, indicado como a ajuda real que os participantes empreendem em prol da natureza, pode estar relacionado com a riqueza das espécies animais e vegetais brasileiras e a conseqüente intimidade da população com elas.

Nas considerações finais a seguir pretende se discutir os resultados dos dois estudos, comparando-os entre si, articulando-os com a revisão da literatura empírica referida na introdução, e levantando questões de pesquisa e de intervenção na área da educação ambiental.

 

Considerações Finais

Inicialmente é interessante notar as semelhanças nas categorias de respostas resultantes da análise dos questionários em ambos os estudos: na questão sobre os pensamentos sobre natureza, foram comuns as categorias destruição, preservação e conscientização; com relação às conversas, as categorias conscientização, preservação, preocupação com fauna/flora (seu cuidado ou destruição) e, indiretamente, as categorias desmatamento e poluição (estudo 1) e prejuízos (estudo 2), por aproximação; na ajuda à natureza, a separação do lixo para reciclagem, a colocação do lixo no local adequado, e o cuidado com fauna/flora; com respeito à Amazônia, foram comuns a menção à preservação, aos prejuízos e respostas simples; sobre a poluição industrial, as soluções, controle, prejuízos e respostas simples; sobre agrotóxicos, o uso de alternativas, a idéia de mal necessário e o controle ao uso; quanto à energia nuclear, o desconhecimento do tema, os prejuízos e as idéias de mal necessário e de uso com precaução; na questão da extinção de espécies, a preservação, os prejuízos e as respostas simples; e, finalmente, foram comuns aos dois estudos, na questão sobre a qualidade dos rios, as categorias sobre a influência da qualidade dos mesmos na qualidade de vida das pessoas que deles dependem e o fato de serem essenciais à vida. Assim, considera-se que todos estes temas sugerem uma universalidade nas atitudes em relação à natureza, o que conduz a implicações científicas e práticas. Primeiramente científicas no sentido de que, ao se tomar contato com investigações realizadas em culturas diferentes da própria, podese ter em mente que a metodologia utilizada possui potencial para contribuir com o trabalho a populações culturalmente diversas. Da mesma forma, as intervenções e programas educativos realizados em outros países podem ser consultados e replicados, pois, como se pôde observar, há atitudes em relação à ecologia que são comuns a, no mínimo, os cinco países envolvidos no presente trabalho. As pesquisas de Bloom (1995) e de Rasinski, Smith e Zuckerbraun (1994) também vão ao encontro desta argumentação.

Quanto às especificidades das amostras, além do que já foi discutido anteriormente, denota-se uma certa semelhanças entre as amostras do Rio de Janeiro e da Alemanha no que tange a questão da energia nuclear. Os participantes destes dois países destacaram-se com atitudes tanto contrárias ao uso (categoria prejuízos da amostra do RJ, e categoria contra o uso, da Alemanha), como favoráveis sob determinadas condições (mal necessário, do RJ, e uso com precaução, da Alemanha). Cabe ressaltar também que as usinas nucleares se fazem presentes no ambiente de ambas as amostras.

Como referido na introdução, Hallin (1995) observou três argumentos principais utilizados pelas pessoas para justificar a ausência de engajamento em atividades pró-ambientais: falta de tempo, ausência de retorno financeiro e inconveniência. Com respeito ao estudo apresentado aqui, é possível que estes argumentos estejam perpassando, por exemplo, o limitado número de categorias de respostas obtido para a questão sobre a ajuda à natureza empreendida pelo participante. Assim, a busca por justificativas à ausência de comportamento pró-ambiental tornase questão de pesquisa relevante a qualquer iniciativa educativa que pretenda abordar o tema.

Sugestivos são os resultados de Chan e Yam (1995) com relação ao apelo emocional ser um mecanismo eficaz para a promoção de atitudes pró-ambientais. A menção recorrente ao cuidado com a fauna e a flora em ambos os estudos aqui apresentados pode, por exemplo, fundamentar o trabalho através do apelo emocional, primeiramente, ao cuidado com os animais e plantas em nível doméstico, para depois se ampliar ao domínio geral da natureza, bem como às outras questões relevantes à sua preservação. A preocupação com a fauna e a flora foi referida em categorias encontradas nas respostas às questões sobre temas que fazem parte de conversas sobre a natureza, e sobre a ajuda real realizada em prol da mesma.

Na concepção de Hutchison (2000), "negar totalmente a crise ambiental, argumenta-se, seria trair não apenas nosso melhor julgamento, mas também a capacidade essencial da percepção humana" (p. 22). Isto é, sem dúvida, fundamental, como se vem argumentando ao longo do presente trabalho. Contudo, como demonstra Austin (1994), faz-se necessário vincular às questões ambientais um posicionamento ético que permita que as pessoas percebam que existe uma ética não apenas entre si, mas também delas com os demais habitantes do planeta. Compreende-se que esta reciprocidade, embora necessária, não se encontra desenvolvida em todos os indivíduos. Há que desenvolvê-la, e o investimento em atitudes favoráveis à natureza também pode servir ao desenvolvimento do senso ético do indivíduo, que por ele será aplicado em todas as dimensões da vida humana, e não apenas às questões ecológicas.

Jarman e Torrance (1999) argumentam que "o militarismo e a destruição ecológica compartilham as mesmas raízes envenenadas -arrogância, dominação, conformismo e a ânsia por conter e controlar -e ambas abrangem injustiça econômica e social" (p. 15). Nesse sentido, ações e programas educativos em prol da natureza podem ser associados a intervenções educacionais direcionadas à paz e à resolução saudável de conflitos, em oposição à violência tanto em nível individual, como social e mundial (conflitos internacionais).

Kahn (1999) tem se dedicado ao estudo da relação entre ser humano e natureza, propondo um modelo teórico interdisciplinar com base em investigações empíricas e abordagens calcadas em discussões filosóficas, religiosas, biológicas, antropológicas, históricas, políticas. Conforme o autor, um relacionamento biocêntrico com a natureza requer uma compreensão de que a natureza não serve apenas à vontade humana, mas possui seus próprios direitos e faz parte de uma comunidade mais ampla na qual também se inserem os seres humanos. Assim, Kahn propôs a hipótese da biofilia (biophilia hypothesis), segundo a qual há "propensão e necessidade humana básica, geneticamente fundamentada, de afiliação com a vida" (Kahn, 1999, p.9). Com base nessa premissa, é possível investigar o relacionamento que o ser humano estabelece com a natureza.

Segundo Kahn (1999), as atitudes das pessoas sobre sua relação com a natureza e o meioambiente podem ser avaliadas conforme as justificativas dadas para questões que requerem julgamento moral acerca de situações que envolvem seres humanos e natureza. Os estudos conduzidos pelo autor em distintas culturas possibilitou a identificação de dois conjuntos de justificativas ambientais: orientação antropocêntrica (apelando aos danos ao ambiente e suas conseqüências para os seres humanos) e orientação biocêntrica (apelando a uma comunidade ecológica mais ampla da qual serem humanos fazem parte). Kahn observou atitudes comuns às duas orientações em estudos conduzidos com crianças e adultos nos EUA, Portugal e Brasil (mais especificamente no Amazonas).

A pesquisa maior intitulada "Educação moral, ecologia e pacifismo", sobre a qual relata-se na presente oportunidade a terceira e última etapa, foi influenciada pelo trabalho de Kahn (1999), como se pode observar em Biaggio et al. (1998), que descreve a primeira etapa da investigação brasileira. Kahn manteve contato com a coordenadora da pesquisa referida (primeira autora do presente texto), trocando idéias e colaborações, o que pode ser notado também pela referência dos trabalhos desta pesquisadora no livro do autor.

Embora não tenha sido objetivo desta terceira etapa da pesquisa, a última questão apresentada nos dois estudos aqui relatados (questão dez, sobre a justificativa para a responsabilidade humana pela natureza) evidencia a influência recebida a partir da colaboração com Kahn (1999). De toda forma, é possível estabelecer aproximações entre as categorias empiricamente construídas com base na respostas dos estudantes dos cinco estados brasileiros e dos cinco países e as duas grandes orientações ambientais propostas por Kahn (1999). Nesse sentido, pode-se observar, por exemplo, que embora muitas respostas parecem apresentar uma orientação antropocêntrica (p.ex., causas dano à natureza traz dano às pessoas), foi possível observar a orientação biocêntrica na categoria ser humano é parte dela, manifestada por 18,5% dos 189 estudantes dos cinco estados brasileiros descritos no estudo 1.

É desejável promover de modo eficiente o bem-estar e a cooperação do ser humano consigo mesmo e com seu semelhante, bem como com as demais espécies do planeta. O estudo das atitudes frente à natureza configura-se num primeiro passo para buscar traçar como se pode melhorar tal convivência, com base na premissa de que todos participam de uma comunidade ecológica mais ampla (Kahn, 1999). Na mesma direção, pesquisas sobre atitudes em relação à paz e à violência também vêm sendo conduzidas (Biaggio & Souza, 2001; Biaggio, Souza & Martini, 2004; Souza, Mocelin, Trindade & Sperb, 2006; Souza & Sperb, 2006; Souza, Sperb, Biaggio & McCarthy, 2006) por se tratarem de temas igualmente relevantes e carentes de maior atenção e investigação, como a relação ser humano-natureza.

 

Referências

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Recebido em: 20/01/09
Aceito em: 04/05/09

 

 

* Endereço eletrônico para correspondência: lucianak@fafich.ufmg.br
1 Dados preliminares desta pesquisa foram apresentados no 15o Encontro Bienal da International Society for the Study of Behavioral Development (ISSBD), em Berna, Suíça, e no IX Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), em Águas de Lindóia, SP.
2 In memoriam.

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