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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

 ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.2 no.2 Juiz de fora dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Sintomatologia de depressão e ansiedade em estudantes de uma universidade privada do Rio Grande do Sul

 

Depression and anxiety symptomatology in students from a private university from Rio Grande do Sul

 

 

Maríndia Brandtner; Marucia Bardagi1

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo avaliou sintomas de ansiedade e depressão em 200 estudantes universitários, iniciantes e finalistas, de uma Universidade privada do Rio Grande do Sul. Os participantes responderam ao BAI (Beck Anxiety Inventory) e ao BDI (Beck Depression Inventory) em aplicações coletivas em salas de aula. Resultados principais apontaram alta comorbidade entre depressão e ansiedade, maiores níveis de ansiedade e depressão entre as mulheres do que entre homens e índices significativamente mais altos de depressão entre alunos de início de curso do entre os de final de curso. Estes resultados apontam a importância da avaliação de aspectos relativos ao bem-estar emocional durante a graduação e da criação de serviços de apoio ao estudante.

Palavras-chave: BAI, BDI, Estudante Universitário, Ensino Superior


ABSTRACT

This study evaluated symptoms of anxiety and depression in 200 freshmen and senior university students from a private University of Rio Grande do Sul. The participants had answered to BAI (Beck Anxiety Inventory) and to BDI (Beck Depression Inventory) in collective applications in classrooms. Main results showed high comorbidity between depression and anxiety, higher levels of anxiety and depression among women than men and significantly higher rates of depression among freshmen students than among senior students. These results point the importance of the evaluation of aspects related to emotional well-being during the graduation period and of the creation of student support services.

Keywords: BAI, BDI, University Students, Higher Education


 

 

O final da adolescência e início da vida adulta é um período marcado por mudanças psicossociais importantes, entre as quais a transição de estudante de ensino médio para estudante universitário/futuro profissional. Nessa transição, os estudantes enfrentam desafios relacionais (estabelecimento de novos vínculos), acadêmicos (adaptação a um modelo diferente de avaliação e aprendizagem), vocacionais (estabelecimento de uma identidade de carreira), entre outros (Almeida & Soares, 2003).

Ao lidar com estes desafios, como indicam diversos estudos, existem vários aspectos que podem ser percebidos como estressores, independentemente do nível em que o aluno se encontra (início, meio ou final de curso), tais como o excesso de tarefas acadêmicas, a falta de motivação para os estudos e a carreira escolhida, a existência de conflitos com colegas e professores, a apresentação de trabalhos, dificuldades na aquisição de materiais e livros, entre outros (Bardagi, 2007; Carlotto, Nakamura & Câmara, 2006; Lent, Brown, Talleyrand, McPartland et al., 2002; Margis, Picon, Cosner & Silveira, 2003; Martinez & Pinto, 2005; Martinez, Pinto & Silva, 2000; Misra & McKean, 2000). Revisões de literatura no contexto acadêmico, que descrevem estudos brasileiros e internacionais, apontam percentuais entre 15 a 29% de estudantes universitários apresentando algum tipo de transtorno psiquiátrico durante sua vida acadêmica (Cavestro & Rocha, 2006; Cerchiari, Caetano & Faccenda, 2005; Fonseca, Coutinho & Azevedo, 2008).

Cerchiari et al. (2005a), por exemplo, buscaram estimar a prevalência de Transtornos Mentais Menores (TMM) em uma amostra de 558 estudantes universitários de diferentes áreas; os autores descrevem prevalência de 25% de TMM entre os estudantes, destacando-se, como transtorno principal, os distúrbios psicossomáticos, com 29%, o estresse psíquico com 28% e a desconfiança no desempenho com 26% dos casos. Inclusive, os autores indicam que estes percentuais são maiores do que os encontrados em estudos populacionais brasileiros. Os mesmos autores, em outro estudo avaliando alunos que procuraram auxílio em um serviço de saúde mental (Cerchiari, Caetano & Faccenda, 2005b), citam que o transtorno de aspecto depressivo foi o predominante e que apenas 25% dos alunos diagnosticados com algum tipo de doença psiquiátrica procuraram atendimento.

Nesse sentido, além do oferecimento de serviços de apoio ao aluno, que muitas vezes encontram-se afastados de casa, ou não sabem a quem solicitar ajuda, é importante avaliar as condições psicológicas dos alunos durante a graduação, especialmente a presença de sintomas de ansiedade e depressão, considerados os mais comuns quando se avaliam transtornos específicos. Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar a presença de sintomas de ansiedade e depressão em uma amostra de estudantes universitários de uma instituição privada do interior do RS.

No dicionário, a ansiedade está definida como proveniente do latim anxietas e quer dizer "inquietação intensa e penosa; angústia" (Larousse Cultural, 1992, p. 63). A ansiedade é um sinal de alerta que avisa o ser humano sobre um perigo que está por vir, para que este possa lançar suas defesas de lutar ou fugir. Ansiedade difere do medo, que é um sinal similar; contudo, naquele o perigo é externo, real, de origem não-conflituosa. Já na ansiedade a ameaça sentida é interna, vaga ou de origem conflituosa; é um sentimento que acompanha uma sensação eminente de perigo, advertindo as pessoas de que existe algo a temer (Batista & Oliveira, 2005). Define-se ainda a ansiedade como uma condição emocional complexa e aversiva. Para os comportamentalistas, uma resposta condicionada a estímulos comportamentais específicos é a própria definição de ansiedade; para os cognitivistas, a questão central são os pensamentos mal-adaptativos. A pessoa com ansiedade tende a superestimar o grau e a probabilidade de perigo em uma determinada situação e subestimar sua capacidade de enfrentamento da mesma, o que faz com que os sintomas fisiológicos apareçam (Kaplan, Sadock & Grebb, 1997).

Inserindo nestas definições os aspectos cognitivos, segundo Salkovskis (2004) é preciso entender que as emoções são sentidas de acordo como as pessoas avaliam-nas. O significado dos eventos para o indivíduo é o que desencadeia as emoções propriamente ditas. Conforme a teoria cognitiva, pessoas acometidas de ansiedade acreditam ser ameaçadas por um dano físico ou social, sendo irrelevante a presença real do mesmo para a experiência da ansiedade. Kendall e Warman (2004) afirmam que são as diferenças no conteúdo cognitivo que determinam e mantêm a psicopatologia. Cada transtorno tem um perfil cognitivo típico, estando as distorções cognitivas fortemente ligadas ao processamento de informação, o que gera angústia emocional. O perfil cognitivo da ansiedade envolve, em sua estrutura, crenças disfuncionais focadas em ameaça física ou psicológica ao self ou para outros significativos, com um sentimento aumentado de vulnerabilidade pessoal (Salkovskis, 2004).

Outra distinção importante, no âmbito da avaliação, é entre a ansiedade-estado, estado emocional transitório, com sentimentos subjetivos de tensão que podem variar em intensidade ao longo do tempo, e a ansiedade-traço, que seria uma disposição pessoal relativamente estável, a responder com ansiedade a situações estressantes, além de tendência a perceber mais as situações como ameaçadoras. Os transtornos de espectro ansioso representam cerca de 12,5% dos transtornos mais comuns na população (Andrade & Gorestein, 1998). Tais transtornos concentramse geralmente em jovens, com um pico de prevalência entre os 25 e os 44 anos, em sua maioria mulheres, com baixa escolaridade, nãocasadas e sem filhos. Em estudo realizado por Busnello, Pereira, Knapp et al. (1992) na cidade de Porto Alegre, verificou-se a morbidade psiquiátrica e neurológica da população urbana. A prevalência estimada de morbidade psiquiátrica nessa amostra foi de 49%, sendo os três diagnósticos mais frequentemente encontrados o transtornos do uso de substâncias psicoativas (24,6%), transtornos de ansiedade (23%) e transtornos de humor (10,7%). No âmbito do Ensino Superior, é possível imaginar que períodos de transição como a entrada na universidade e o período anterior à formatura sejam vistos como situações ameaçadoras e possam interferir negativamente sobre aspectos cognitivos como o processo de aprendizagem, a redução de atenção e da concentração, diminuindo, assim, a aquisição de habilidades (Ferreira, Almondes, Braga, Mata, Lemos & Maia, 2009).

Assim como a ansiedade, a depressão também se caracteriza como um sintoma comum entre universitários. Termo oriundo do latim depressio significa "aluimento, abaixamento de nível, causado por peso ou pressão; enfraquecimento físico ou moral; desânimo, abatimento; aumento de intensidade ou duração de tristeza" (Larousse Cultural, 1992, p. 319). Segundo Cordás (2002) o termo depressão começou a ser introduzido em dicionários médicos a partir de 1860, sendo aceito e utilizado desde esta época, restringindo cada vez mais o uso da palavra melancolia. Conforme observam Souza, Fontana e Pinto (2005), a depressão é uma das patologias psiquiátricas mais comuns, sendo conhecida em todas as culturas; ela atinge uma parte considerável da população, independentemente de sexo, idade ou etnia, e tem se constituído no fator de maior prejuízo pessoal, funcional e social da atualidade. Segundo Quintero, Garcia, Jiménez e Ortiz (2004), nos últimos anos a depressão vem sendo colocada como um dos transtornos que mais causa sofrimento à população. Em estudos realizados sobre o tema, encontram-se relacionados à depressão fatores genéticos e psicossociais, os quais se relacionam e podem até mesmo ser os mantenedores da patologia.

Conforme Clark e Steer (2004), no perfil cognitivo da depressão envolvem-se na estrutura crenças disfuncionais focadas principalmente na perda pessoal e fracasso nos domínios interpessoal e de realização; quanto ao processo cognitivo, há um aumento do processamento negativo e exclusão de informação positiva auto-referente. As avaliações são difusas, globais, absolutas e exclusivas. A atenção autofocada aumentada pode reduzir as respostas a estímulos externos. Nas cognições negativas, há pensamentos de perda e fracasso pessoal. Os pensamentos assumem a forma de auto-afirmações orientadas ao passado. Para Neto, Yacubian, Scalco e Gonçales (2001), as pessoas com depressão têm uma tendência negativa sistemática de ver a si mesmos e o mundo, o que influencia as emoções e comportamentos e mantendo os sintomas depressivos.

Em estudo realizado por Asarnow e Bates (1998), jovens depressivos descreveram percepções de inferioridade ao se referirem ao autoconceito, desempenho escolar, habilidades atléticas, bem como à aparência física. Segundo Weissinburger e Rush (2004), fracassos relacionados à carreira ou perdas de bens materiais são, de forma causal, relacionadas à depressão por pessoas autônomas. Trata-se de uma doença que pode comprometer toda a vida familiar, laborativa e social do indivíduo e que ocorre em todas as faixas etárias, sendo que, como observa Nardi (2000), as taxas estão aumentando significativamente entre jovens e idosos. No âmbito acadêmico, é comum indivíduos com depressão experimentarem diminuição do rendimento no estudo, no trabalho e em seus afazeres cotidianos (Furegato, Silva, Campos & Cassiano, 2006). Ainda, como apontam estudos gerais sobre depressão, as pessoas tendem a apresentar sentimento intenso de inadequação pessoal, baixa auto-estima e autoconfiança reduzida, o que traria prejuízos à formação profissional e ao aproveitamento da experiência acadêmica.

As associações entre ansiedade e depressão são freqüentes na literatura, que aponta alta comorbidade entre ambas (Howland & Thase, 2005; Kovacs & Devlin, 1998), por exemplo, observam que ansiedade e depressão co-ocorrem em crianças e adolescentes com ansiedade, precedendo, geralmente a depressão. Inclusive, Andrade, Gorenstein, Vieira Filho, Tung e Artes (2001) indicam a pertinência de pensar ambas as patologias dentro do modelo tripartido (Clark & Watson, 1991), em que haveria uma dimensão sobreposta entre elas, referente ao afeto negativo e representada por sintomas inespecíficos como irritabilidade e tensão; as outras duas dimensões do modelo seriam baixos níveis de afetos positivos (depressão) e hiperexcitação fisiológica (ansiedade). Nesse sentido, avaliar as duas patologias juntas, como será feito neste estudo, pode contribuir para a investigação de comorbidade. Ainda, segundo Galindo, Moreno, Muñoz e Conesa (2008), estes transtornos possuem, também, uma comorbidade elevada com abuso de substancias, como álcool e drogas, o que eleva a preocupação em relação à população universitária.

Vários estudos brasileiros avaliando presença de depressão e ansiedade em universitários indicam índices elevados para ambas as patologias. Na avaliação de depressão, Furegato et al. (2006), por exemplo, avaliaram indicativos de depressão e níveis de auto-estima entre acadêmicos de enfermagem e os percentuais encontrados entre os 224 sujeitos pesquisados, foram 10,3% para disforia, e 6,7% para depressão moderada e grave, índices segundo os autores próximos aos da população geral. Neste estudo, ainda, o Inventário de Beck (BDI), mostrou maior sensibilidade do que outros ao detectar a presença de sinais indicativos de depressão, diferenciando ausência de depressão, depressão leve/disforia, moderada e grave. Cavestro e Rocha (2006) investigaram os índices de depressão e risco de suicídio em 342 alunos de diferentes cursos, em que a prevalência de episódio depressivo maior encontrada foi de 10,5%, e de distmia de 3,3%; os autores não observaram diferenças significativas entre as taxas de prevalência dos transtornos depressivos nos três períodos dos cursos (início, meio e final). Fonseca et al. (2008) avaliaram depressão em estudantes de psicologia e encontraram uma percentagem de 14,3% dos alunos com sintomas (28 entre 196 pesquisados). Avaliando especificamente alunos de medicina, e utilizando o BDI, Rezende, Abrão, Coelho e Passos (2008) encontraram prevalência de sintomas depressivos de 79%, sendo 29% com grau leve, 31% moderado e 19,2% grave; neste estudo, os autores apontam uma correlação negativa entre sintomas de depressão, satisfação com o curso e atividades de lazer.

Nas avaliações de ansiedade, alguns índices também costumam ser considerados bastante altos em relação à população geral. Em um estudo buscando avaliar a ansiedade-traço e a ansiedade-estado de estudantes universitários, Ferreira et al. (2009) encontraram índices maiores de ansiedade em alunos das áreas biomédicas, em comparação com as áreas humanísticas e tecnológicas; as autoras apontam que o acúmulo de carga horária e demandas acadêmicas típicas desta área são desencadeadores de ansiedade nos alunos. Bandeira, Quaglia, Bachetti, Ferreira e Souza (2005) pesquisaram as relações entre ansiedade, locus de controle, auto-estima e comportamento assertivo em uma amostra aleatória de 135 universitários; os autores acharam uma correlação negativa significativa entre assertividade e grau de ansiedade, sugerindo que a ansiedade pode constituir um fator que interfere na emissão do comportamento assertivo, importante durante o período da formação universitária. Ainda, houve maiores índices de ansiedade entre os alunos de ciências humanas do que entre estudantes da área de ciências exatas. Baldassin, Martins e Andrade (2006) observaram 20,1% de traços de ansiedade alta e 79,9% de ansiedade média entre estudantes de medicina; ainda, apontaram os períodos inicial e final do curso como os mais vulneráveis. Em um estudo comparativo entre alunos universitários de São Paulo e Aracaju, Gama, Moura, Araújo e Teixeira-Silva (2008) encontraram maiores índices de ansiedade entre os alunos do nordeste, apontando a influência do ritmo de vida e exigência dos grandes centros como fator ansiogênico.

Com relação ao gênero, os estudos são consistentes em apontar maiores índices, tanto de ansiedade quanto de depressão, entre as mulheres (Andrade et al., 2001; Baldassin et al., 2006; Fioravanti, Santos, Maissonette, Cruz & Fernandez, 2006; Gama et al., 2008; Monteiro, Tavares & Pereira, 2008; Rezende et al., 2008; Santos, Almeida, Martins & Moreno, 2003). Diversos estudos apontam a prevalência de sintomas de ansiedade e depressão em mulheres, não só no meio acadêmico, mas também na população geral (Kessler, McGonagle, Zhao, Nelson, Hughes & Eshleman, 1994; Menezes & Nascimento, 2000).

Como pode-se perceber pela revisão de estudos, pesquisas avaliando aspectos de ansiedade e depressão em jovens universitários no Brasil são relativamente freqüentes, mas, como apontam Cerchiari et al. (2005) e Gama et al. (2008), tendem a se concentrar em amostras oriundas de cursos de medicina ou da área da saúde em geral, além de provenientes de grandes centros urbanos. Dessa forma, deve-se procurar diversificar as amostras universitárias e realizar estudos em diferentes regiões do país, para avaliar o impacto do contexto na manifestação dos sintomas. Nesse sentido, este estudo tem por objetivo avaliar os níveis de ansiedade e depressão em estudantes universitários de uma instituição privada do sul do Brasil e, ainda, relacionar estes níveis com variáveis acadêmicas tais como participação em atividades acadêmicas, período no curso e ter atividade remunerada.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 200 estudantes, sendo 26% (n = 52) do curso de Educação Física; 17% (n = 34) do curso de Letras; 18,5 (n = 37) de Engenharia de Alimentos; 17,5% (n = 35) de Psicologia; e 21% (n = 42) de Administração. Os estudantes, homens (27%) e mulheres (73%), com idades entre 17 e 47 anos (M = 22,2; DP = 5,01), cursavam graduação em uma universidade privada do interior do estado do Rio Grande do Sul. Os alunos foram divididos em dois grupos, um de início (primeiro e segundo semestres) (69,5%; n = 139) e outro de final (penúltimo e último semestres) de curso (30,5%; n = 61). Em sua maioria, os participantes eram solteiros (82,5%; n = 165), residiam com os pais (63%; n = 126) e tinham renda mensal entre 500 e 1000 reais (20,5%; n = 41).

Instrumentos

Para coleta de dados, foram utilizados os seguintes instrumentos:

a) Questionário Sócio-demográfico: construído para o estudo, a fim de permitir uma caracterização ampla da amostra. Solicitava-se aos participantes uma caracterização demográfica e socioeconômica (dados como sexo, idade, estado civil, moradia, renda familiar, atividade de trabalho), além de aspectos da trajetória acadêmica (satisfação com o curso, participação em atividades acadêmicas). Ainda, havia questões sobre a existência de algum problema físico crônico ou problema emocional.

b) Inventário Beck de Depressão (BDI, Beck & Steer, 1993, validado para o Brasil por Cunha, 2001): escala composta por 21 itens, os quais incluem sintomas e atitudes, cuja intensidade varia de 0 a 3, onde o maior escore possível é de 63 pontos. Tais itens referem desde sentimentos de tristeza e autodepreciação até idéias suicidas. Para Oliver e Simmons (1984, citados por Cunha, 2001), o BDI pode ser usado para triagem em população geral, utilizando-se um escore de 18 a 19 pontos como indicativo de possível depressão. Os escores do BDI, quando empregada a versão em português, ficam em: 0-11, Mínimo; 12-19, Leve; 20-35, Moderado; e de 36-63, Grave.

c) Inventário Beck de Ansiedade (BAI, Beck & Steer, 1990, validado para o Brasil por Cunha, 2001): Instrumento composto por 21 itens que avaliam sintomas de ansiedade. A avaliação é somatória, sendo a sintomatologia mais forte quanto maior o escore obtido. A soma dos escores individuais, que varia de 0-3, fica entre 0-63. Os escores ficam de 0-10, Mínimo; 11-19, Leve; 20-30, Moderado; e 31-63, Grave.

Procedimentos e considerações éticas

Trata-se de um estudo empírico correlacional. Após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética da Universidade (CEP-UFRGS 074/2008), foi feito contato com a instituição de ensino a fim de explicitar os objetivos do estudo e solicitar colaboração. Após o aceite, foram feitos contatos com as coordenações dos cursos e marcadas datas e horários (de acordo com a disponibilidade dos professores responsáveis pelas disciplinas de início e final de curso) para aplicação dos instrumentos. Para coleta dos dados, os participantes responderam aos três instrumentos em aplicações realizadas coletivamente em sala de aula. As sessões de aplicação, nas quais o BAI e o BDI foram apresentados em ordem alternada, foram precedidas de uma breve explicação dos objetivos do estudo. A participação no estudo foi voluntária e para isto, foi solicitada aos participantes a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Quando houve solicitação, após a coleta dos dados, os alunos foram encaminhados a atendimento psicológico ou de carreira. Uma vez que os questionários eram preenchidos de forma anônima, sem identificação, não houve uma devolução individual dos resultados.

 

Resultados

Os dados foram analisados estatisticamente, através do pacote SPSS 13.0. Do total de participantes, a maioria está em sua primeira graduação (83%) e exerce alguma atividade remunerada (73%); entre os que trabalham, apenas 33,9% responderam que o trabalho exercido estava ligado ao curso que freqüentam. Com relação à participação em atividades acadêmicas, a maioria (70,5%) não estava envolvida em atividades; daqueles que participam de atividades (29,5%), 9,5% exercem a atividade de monitoria, 8% têm bolsa de iniciação científica e 24% fazem estágio, sendo estas atividades não-excludentes. Testes de associação Qui-quadrado não mostraram associação entre sexo e ter atividade remunerada ou entre sexo e participação em atividades acadêmicas. Também não houve associação entre período no curso e atividade remunerada; já em relação à participação em atividades acadêmicas, há maior percentual de alunos em final de curso que se engajam em atividades do que entre alunos em início de curso (X2 = 32,79; gl = 1; p < 0,001).

Quanto aos níveis de satisfação, 31,3% se declararam muito satisfeitos com a escolha do curso, 57,1% estavam satisfeitos, 9,6% estavam pouco satisfeitos e 2% se declararam insatisfeitos com sua escolha. Em relação à presença de problemas físicos crônicos, a maioria afirmou não tê-los (97%); já em relação aos problemas emocionais, o percentual de participantes que declarou sofrer de algum problema psicológico foi de 15,5% (n = 31). Testes de associação Qui-quadrado não apontaram associação entre sexo ou período no curso e nível de satisfação com a escolha ou entre sexo e presença de problemas físicos ou emocionais. Os alunos de final de curso disseram apresentar problemas físicos crônicos com maior freqüência do que os alunos em início de curso (X2 = 3,91; gl = 1; p < 0,05); não houve associação em relação aos problemas emocionais. Os alunos de Letras com maior freqüência do que os outros disseram apresentar problemas emocionais; já os alunos de Administração e Engenharia de alimentos, com maior freqüência, disseram não ter problemas de ordem emocional (X2 = 11,46; gl = 4; p < 0,05); não houve diferenças em relação aos problemas físicos.

A Tabela 1 apresenta as pontuações mínimas e máximas, as médias, desvios-padrão e índices de consistência interna (Alpha de Cronbach) das escalas utilizadas no estudo para a amostra total e também de acordo com gênero e período no curso. Ambos os instrumentos mostraram boa confiabilidade.

Testes t de diferença de médias apontaram que as mulheres apresentaram níveis significativamente mais altos que os homens tanto em ansiedade quanto em depressão (t = -2,38; gl = 166; p < 0,02; t = -2,13; gl = 180; p < 0,04, respectivamente). Em relação ao período no curso, os alunos de início de curso apresentaram índices significativamente mais altos de depressão do que os de final de curso (t = 2,06; gl = 180; p < 0,05), não havendo diferenças para os níveis de ansiedade. Alunos dos cursos de Letras e Psicologia apresentaram níveis maiores de depressão do que os outros (F(3,181) = 2,75; p < 0,05); em relação à ansiedade, não houve diferença estatisticamente significativa, mas os alunos do curso de Letras também apresentaram médias mais altas.

A partir dos pontos de corte dos instrumentos para a população brasileira, de acordo com as indicações de Cunha (2001), a Tabela 2 apresenta os percentuais de ansiedade e depressão. Houve correlação alta entre os índices de ansiedade e depressão (r = 0,64).

 

Discussão

Este estudo buscou identificar a sintomatologia de ansiedade e depressão em uma amostra de universitários de uma instituição privada do interior do RS. Na caracterização dos alunos, o perfil dos participantes pesquisados (maioria solteiros, jovens e sem participação em atividades acadêmicas) se assemelha a outros estudos com universitários, tanto de instituições públicas quanto privadas; ainda, os bons índices de satisfação manifesta com relação aos cursos também costuma ser observado na literatura (Bardagi, 2007).

Ao serem perguntados sobre a ocorrência de problemas emocionais, cerca de 15% dos alunos responderam afirmativamente, ou seja, disseram sofrer de algum problema emocional. Esse percentual se aproxima daqueles descritos na literatura, entre 15 e 29% (Cavestro & Rocha, 2006; Cerchiari, Caetano & Faccenda, 2005; Fonseca, Coutinho & Azevedo, 2008). Como não foi avaliado, é impossível saber a quais problemas emocionais os estudantes se referem (transtornos psiquiátricos graves, TMM, estresse crônico ou outros), mas de qualquer forma, esse resultado indica um índice de sofrimento psíquico importante.

Na avaliação de ansiedade e depressão propriamente ditas, a partir dos escores do BDI, em que acima de 20 pontos pode-se considerar uma possível depressão, 17 pessoas (8% moderado; 0,5% grave) das 182 que puderam ser classificadas de forma completa, seriam diagnosticadas com depressão. Ainda que este percentual seja mais baixo do que os normalmente citado na literatura internacional (Adewuya et al., 2006; Cerchiari et al., 2005; Quitero et al., 2004), entre 9% e 30%, pode ser considerado preocupante. Ao se tratar da ansiedade, 33 dos 167 alunos que foram classificados de forma completa (19,7%) seriam diagnosticados com alguma patologia ansiosa, partindo de um grau moderado a grave. Os resultados obtidos confirmam o contexto de vulnerabilidade ao sofrimento psicológico dos alunos já apontado em outros estudos (Baldassin et al., 2006; Carlotto et al., 2006; Fonseca et al., 2008; Furegato et al., 2006; Lent et al., 2002; Martinez & Pinto, 2005; Rezende et al., 2008). Estes alunos podem apresentar prejuízos em seu desempenho acadêmico, menor envolvimento geral com a formação, dificuldades de relacionamento e aquisição de competência, o que traz uma diminuição do aproveitamento da experiência acadêmica como um todo (Asarnow & Bates, 1998; Ferreira et al., 2009; Furegato et al., 2006; Neto et al., 2001). Ainda, se pensarmos que a maioria dos alunos não procura atendimento (Cerchiari et al., 2005b), essa é uma condição que pode perdurar por um longo tempo, ou até mesmo por todo o período da graduação.

Nesse sentido, percebe-se a importância de serviços de orientação ao aluno, os quais algumas universidades oferecem, mas em caráter assistemático (Bardagi & Hutz, 2005). Estes serviços são criados com o propósito de auxiliar os alunos tanto em questões acadêmicas, vocacionais ou pessoais, mas pressupõem em sua maioria, que o aluno identifique algum tipo de sofrimento e procure o atendimento. Nesse sentido, o que acontece na maioria das vezes é que é necessário um agravamento dos sintomas ou prejuízos pessoais e sociais para que isso aconteça. São importantes a criação de mais serviços e a boa divulgação dos serviços já existentes, bem como a atenção dos professores e demais funcionários das unidades acadêmicas aos alunos a fim de contribuir para um melhor processo de auxílio ao estudante.

De forma geral, considerando-se o total de participantes, os índices de ansiedade foram maiores do que os de depressão, e a ansiedade tendeu a se manifestar de forma mais uniforme entre os alunos, independente do período no curso ou da área de formação. Já a depressão foi mais evidente em alunos de início de curso e das áreas de Humanas. Em relação às áreas de atuação, os alunos do curso de Letras e Psicologia apresentaram índices mais elevados de depressão em relação aos demais cursos. Por se tratar geralmente do contato com pessoas, preocupar-se mais com relações interpessoais, isso pode favorecer uma maior sensibilidade e vulnerabilidade às questões emocionais. Alunos dos cursos de Engenharia de Alimentos e Administração, com maior freqüência, disseram não apresentar problemas emocionais, o que nos faz pensar no quesito ligado à escolha profissional, ao perfil da ciência - exatas, onde as pessoas seriam mais orientadas ao concreto, ao que realmente existe, ao palpável, tendo menor familiaridade com a sintomatologia ou mesmo maior dificuldade em identificar aspectos de sofrimento psíquico.

Alunos de início de curso também apresentaram índices de depressão maiores em relação aos finalistas, sendo que estes também estavam engajados em menos atividades ligadas à futura profissão. Mesmo que este resultado não seja muito comum na literatura, em que os estudos ora encontram diferenças, ora não encontram (Cavestro & Rocha, 2006), pode-se pensar que o início de curso é um período de especial vulnerabilidade (Almeida & Soares, 2003). Um aluno que sofre de depressão teria um maior desinteresse pelo curso e pelas atividades ligadas a ele, o impossibilitando de realizar suas atividades com o afinco necessário, visto que a atenção autofocada aumentada pode reduzir as respostas a estímulos externos. Ainda, pode-se pensar que o início do curso apresenta rupturas acadêmicas e sociais (saída da escola, perda do grupo de amigos da adolescência, necessidade de novas posturas e novas relações), o que pode favorecer o aparecimento de melancolia e maior vulnerabilidade à depressão. Aqui, ressalta-se novamente a importância de uma boa preparação inicial do aluno que ingressa no ensino superior, uma boa acolhida por parte da instituição e do curso, inclusive como prevenção de futuros problemas psicológicos.

Os escores médios de ansiedade, neste estudo, foram significativamente maiores do que os de depressão, porém seus sintomas talvez não sejam tão debilitantes para um acadêmico quanto os da depressão, que podem fazer com que o acadêmico abandone suas atividades, saia de seu círculo social e até mesmo desista do curso. Já a ansiedade pode trazer como conseqüências deletérias para a vida do aluno os recorrentes questionamentos sobre as ameaças ao futuro, ao desempenho, à auto-eficácia, etc. Para a maioria dos acadêmicos, a universidade é um espaço novo, no qual ingressam em sua maioria muito jovens, saindo de escolas onde o ritmo de estudo é diferente e onde há menos competição, menos exigência de autonomia, o que naturalmente gera insegurança. Ainda, passam a lidar com as cobranças da família por projetos futuros. Não é possível identificar se são as questões acadêmicas ou outros fatores pessoais e familiares os desencadeadores destes sintomas, mas de qualquer forma presume-se que haja interferência destes em todos os âmbitos de vida do estudante, gerando um quadro de preocupação em relação à trajetória acadêmica do aluno.

Pôde-se observar uma alta correlação entre ansiedade e depressão, indicando comorbidade, fato já descrito em outros estudos (Howland & Thase, 2005; Kovacs & Devlin, 1998). Esse resultado aponta a vulnerabilidade dos alunos a ambas as patologias, e também a outras que se correlacionam com estas, como abuso de álcool e uso de entorpecentes (Galindo et al., 2008). Nesse sentido, a detecção precoce de dificuldades pessoais e de adaptação entre os alunos pode contribuir para um enfrentamento mais eficiente destes problemas no ambiente acadêmico.

Quanto às diferenças de gênero, as mulheres demonstraram índices mais elevados em ambas as patologias. As médias femininas mais elevadas encontradas em ansiedade são compatíveis aos resultados encontrados na literatura (Andrade et al., 2001; Baldassin et al., 2006; Fioravanti et al., 2006; Gama et al., 2008; Monteiro et al., 2008; Rezende et al., 2008; Santos et al., 2003). Não se sabe ao certo se as mulheres apresentam maior vulnerabilidade ao estresse, ao desgaste psicológico, se realmente demonstram maior sensibilidade, ou se na verdade procuram ser mais observadoras, mais críticas em relação ao que sentem e porque sentem e talvez procurem dar nome a isto; ou ainda, que os homens sintam algum tipo de receio em falar de sentimentos, de emoções, de patologias de fundo emocional e que estariam sofrendo delas. Nesse sentido, seria importante que se pudesse avaliar de forma mais consistente as questões do bem-estar psicológico masculino, uma vez que também é mais difícil a procura masculina por atendimento.

É preciso considerar algumas limitações do estudo. Inicialmente, por ter sido realizado com um número limitado de sujeitos e pouca representatividade de cursos, seus resultados devem ser vistos com cautela, uma vez que não podem ser generalizados para a totalidade da população universitária. Sugere-se que mais estudos na área sejam realizados, que possam abranger maior número de alunos, bem como cursos e áreas. Especificamente, sugere-se a realização de estudos longitudinais em que os alunos pudessem ser acompanhados ao longo da graduação, com avaliações periódicas da saúde emocional.

 

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Recebido em: 07/11/09
Aceito em: 22/12/09

 

 

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