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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

 ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.3 no.1 Juiz de fora jul. 2010

 

ARTIGOS

 

Os fora-da-turma: um estudo de caso sobre os parceiros rejeitados em grupos de crianças1

 

The excluded ones: a case study about rejected partners in children's groups

 

 

Carla de Cassia Carvalho CasadoI,2; Fernando Augusto PontesI; Celina MariaII; Colino MagalhãesI; Agnaldo GarciII

IUniversidade Federal do Pará, Belém, Brasil
IIUniversidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil

 

 


RESUMO

Diferentes estudos demonstram haver diferenças significativas na forma de comportar-se das crianças rejeitadas socialmente. Assim, o presente artigo teve como objetivo discutir a rejeição social, em crianças de 3 a 4 anos de idade, numa turma de maternal de uma escola privada localizada no município de Belém do Pará. A metodologia envolveu entrevista sociométrica e observação comportamental. Os comportamentos foram classificados como Comportamento Pró-social e Comportamento Negativo e analisados conforme o índice de sociabilidade de cada membro do grupo. Os resultados indicaram que crianças preferidas tendem a apresentar mais comportamentos do tipo negativo do que pró-social, mas esses comportamentos são direcionados a determinadas crianças do grupo, enfatizando que a rejeição social ocorre por fatores inerentes a relações vivenciadas.

Palavras-chave: Rejeição, Relação, Social


ABSTRACT

Different studies demonstrate that there are significant differences in the behavior of socially rejected children. Therefore, the purpose of this article was to discuss social rejection, in children from 4 to 5 years of age, in a kindergarten group of a private school in the municipality of Belém, in the state of Pará. The methodology involved sociometric interview and behavioral observation. The behaviors were classified as Prosocial Behavior and Negative Behavior and were analyzed according to the level of sociability of each member of the group. The results showed that preferred children tend to present more negative behaviors than prosocial behaviors, but those behaviors are addressed to certain children of the group, emphasizing that social rejection is due to factors which are inherent to experienced relationships.

Key words: Rejection, Relationship, Social.


 

 

O presente artigo pretende contribuir para a compreensão da dinâmica das rejeições sociais dos pares em crianças. Pesquisas sobre crianças e seus problemas de relacionamentos têm seu início na a década de 1930, mas apenas na década de 1970 é que elas foram aceleradas, tendo em vista o fomento de estudos sobre o desenvolvimento infantil e a aceitação por seus pares (Asher & Coie,1995). O campo é caracterizado por uma diversidade e riqueza de perspectivas. Entre elas, destacam-se estudos sobre o comportamento dos rejeitados, cognição social, processos afetivos e estratégias para promoverem as bases de apoio às crianças em risco de rejeição social.

A ampliação do contato social familiar inclui o mundo dos pares. O contato com os coetâneos, especialmente com amigos, possui muitas significações para o seu desenvolvimento. Os amigos são importantes fontes de companhia e recreação, pois permitem melhor compreensão sobre valores de posse, situações de crítica e confidência e promovem maior estabilidade para lidar com situações de estresse e transição (Asher & Coie, 1995). Entretanto, muitas crianças tendem a viver o ambiente social de forma pouco satisfatória. Para elas, as relações com os pares são fontes de estresse e angústia para elas mesmas, seus familiares e professores. Nesse aspecto, destacam-se os estudos sobre a rejeição social.

Uma análise das publicações sobre a rejeição social revela três formas de compreendê-la: uma, que focaliza as causas da rejeição nas características do sujeito, tais como: os trabalhos de Tonelotto (2002), Wood and Gross (2002), Dowerey, Lebolt, Ricón and Freitas (1998), DeRosier, Kupersmidt and Patterson (1994), Rubin (1983), Coie and Kupersmidt (1983) e Kurdek e Krile (1982); as que destacam o grupo como principal fator de rejeição (Dodge, Schlundt, Schocken, & Delugach, 1983) e as que identificam a rejeição social como uma consequência da história dos relacionamentos estabelecidos com pais, professores e outros (Howes, Hamilton, & Philipsen, 1998; Lansford et al., 2006).

No referente às características dos sujeitos, DeRosier et al. (1994), Cillessen, Van Ijzendoorn, Van Lieshout e Hartup (1992) e Rubin (1983) classificam as crianças rejeitadas em dois tipos: as que os pares não aceitam desenvolver atividades com elas e as que são ignoradas pelos grupos. O primeiro tipo evidencia a rejeição associada à agressividade e, dessa forma, percebe-se que os principais comportamentos dessas crianças são atos antissociais, incluindo insultos, ameaças, disputas, brigas e agressão física, além de apresentarem comportamentos autoritários e uma conduta perturbadora (Silva & Löhr, 2001).

Estudos, como os de Zakriski and Coie (1996) e Asher, Parkhurst, Hymel and Wiliams (1995), afirmam que crianças identificadas como sendo desse tipo apresentam elevado autoconceito e afirmam desconhecer a extensão de sua rejeição, o que, para Van Boxtel, Castro and Goossens (2004), apoia a hipótese de que o comportamento agressivo está relacionado a uma elevada competência autopercebida somente quando esta está combinada com julgamentos menos favoráveis de outros.

Crianças identificadas como sendo ignoradas pelo grupo, por outro lado, participam de poucas atividades sociais e físicas e não são agressivas, demonstram serem tímidas, mais sensíveis, submissas e isolam-se socialmente. Possuem, ainda, um sentimento de solidão, baixa autoestima e demonstram plena ciência do fato de serem rejeitadas (Zakriski & Coie, 1996; Asher et al., 1995). A esses aspectos, Rubin, Parkhurst, Hymel and Williams (2004) verificaram que essas crianças tinham a mesma probabilidade, de crianças controle, de ter um melhor amigo mútuo estável. Contudo, seus amigos eram mais tímidos, vivenciaram mais situações de agressão e relataram menor qualidade da amizade.

Autores, como Dodge et al. (1983) e Putallaz and Gottman (1981), relacionam a rejeição principalmente à ausência de habilidades de comunicação; entre elas, destacam-se dificuldades em: estabelecer um discurso coerente, direcionar claramente o início do diálogo, responder de forma contingente para a iniciação de outros e iniciar as respostas quando necessário para novos inícios. Nesse sentido, Castro, Melo e Silvares (2003) indicam a criação de estratégias de intervenção para crianças com dificuldades de interação.

A partir da década de 1970, o uso das escolhas sociométricas tornou-se bastante comum na investigação sobre o desenvolvimento cognitivo e social durante a infância. Estudos como os de Kohlberg, Lacrosse and Ricks (1972), Morais, Otta e Scala (2001), Sisto et al. (2004) e Peceguina, Santos e Daniel (2008), tendem a acentuar a importância dos pares como fontes de informação fundamentais para a avaliação do ajustamento social das crianças.

Nos estudos que destacam as características dos processos grupais, percebe-se que os rejeitados possuem uma distinta reputação negativa com seu grupo e são vistos como desagradáveis e antipáticos (Rubin, 1983, DeRosier et al., 1994), o que favorece o processo de rejeição. Coie (1995) afirma que o processo grupal pode criar a necessidade de um "bode expiatório" para a inclusão e a exclusão de determinados integrantes do grupo. Assim, os caminhos que relacionam o funcionamento do grupo com a rejeição pelos pares podem estar associados a processos de manutenção do status da criança rejeitada e as justificativas imaginárias para a rejeição de um determinado membro.

Autores, como DeRosier et al. (1994) e Rubin (1983), afirmam que, muitas vezes, o grupo constrói normas do que é ou não aceitável e apropriado, Nesse sentido, as crianças rejeitadas passam a deter uma distinta reputação negativa com seu grupo, são vistas como desagradáveis e antipáticas, por consequência, dispõem de poucos amigos e, constantemente, são evitados. Por outro lado, os que são rejeitados, muitas vezes possuem uma insensibilidade para perceberem as expectativas dos pares e se adaptarem à interação com os outros, promovendo feedback e modificando adaptativamente seu comportamento social (Bierman, Smoot, & Aumiller, 1993).

Para Silva e Löhr (2001), as crianças rejeitam principalmente os pares que se mostram autoritários, agressivos, com conduta perturbadora e que não participam, sendo essas classes comportamentais identificadas como "indicadores de rejeição".

Para Zakriski and Coie (1996), há diferença na qualidade e intensidade de respostas que as crianças rejeitadas recebem em seu cotidiano de interações com seus pares, o que favorece a existência de percepções de solidão e de autoconceito negativo; dessa forma, o processo grupal pode criar e manter o status da criança rejeitada. Assim, as crianças rejeitadas são mais ignoradas (Dodge, Cole, & Brakke, 1982; Putallaz & Wasserman, 1989), são alvos mais frequentes de agressão instrumental (Coie, Dodge, Terry, & Wright, 1991) e recebem menos reforço positivo que os demais integrantes do grupo (Gottman, Gonzo, & Rasmussen, 1975).

Aspectos como esses destacam a importância de compreender a rejeição dentro de uma perspectiva relacional. A reflexão que se faz é que o estilo de interação e o status sociométrico são bidirecionais. Se a rejeição ocorre é por que existem fatores relacionados à interação diádica. Assim, para que uma criança seja rejeitada, torna-se necessário que alguém a rejeite.

Um questionamento que se faz é que o grupo também manifesta comportamentos para manter a criança como rejeitada e, para isso, muitas vezes, emite comportamentos considerados como negativos, tais como: agressão física e verbal (Kochenderfer & Ladd, 1996; Perry, Williard, & Perry, 1990), exclusão (Buhs & Ladd, 2001) e agressão indireta (Asher, Rose, & Gabriel, 2001). Assim, por meio da análise de conteúdo das interações, é possível descrever seis categorias de experiências negativas: exclusão, negação de acesso, agressão, domínio, desaprovação moral e recusa para o envolvimento. Aspectos como esses podem influenciar até mesmo nas relações de amizade. Dessa forma, Deptula and Cohen (2003) afirmam que as crianças rejeitadas possivelmente selecionam amigos com base não em similaridade, mas na disponibilidade, sendo frequentemente amigos mais novos ou do outro sexo.

É fundamental que se perceba que todo relacionamento apresenta um contínuo processo de construção, o qual é influenciado por outras interações que ocorrem tanto no próprio relacionamento quanto em outros. Uma abordagem teórico-metodológica coerente com essa perspectiva é proposta por Hinde (1979, 1987), que compreende as relações sociais no sentido de troca interpessoal, em que a interação é produzida por ambos os pares.

De maneira exemplificada, pode-se afirmar que o que o sujeito A responde para o sujeito B é em parte função do que A é, isso porque A responde de forma seletiva para certos aspectos do que B é ou faz, sendo que o que A seleciona depende em parte das experiências prévias de A com B ou com outra situação semelhante (Hinde, 1979, 1987). É importante destacar que algumas das possíveis repostas de B para A são avaliadas por A como mais importantes que outras, enquanto que outras podem ser percebidas de forma aversiva. Os valores de A, nas várias respostas possíveis desse comportamento, variam com o tempo e com outros aspectos gerais, como: sentimentos, novas experiências e expectativas, entre outros.

Nesse sentido, o comportamento dos indivíduos é fortemente influenciado pelos dos coetâneos e as relações dentro de um grupo diferem entre cada um dos integrantes desse grupo ao mesmo tempo em que afetam cada um desses integrantes.

Assim, a presente pesquisa pretende refletir sobre a rejeição social, fazendo um "exercício" de investigação sobre quais comportamentos se destacam entre essas crianças e de que forma a seletividade e as escolhas sociométricas podem influenciar na rejeição, gerando indicadores e procedimentos metodológicos para a análise dos dados. De forma específica, pretende-se identificar sociometricamente crianças rejeitadas numa sala de aula e discutir, com base no padrão de sociabilidade do grupo, o padrão de sociabilidade dos rejeitados.

 

Metodologia

Este trabalho integra um projeto de pesquisa mais amplo, que procura discutir o processo de rejeição social no contexto escolar frente as dificuldades de interação social que algumas crianças apresentam nas séries iniciais. Em busca de maior visibilidade de tal abordagem, o trabalho foi desenvolvido em torno de dois eixos: a) fatores de rejeição na educação infantil e b) análise das interações das crianças rejeitadas. Neste trabalho, focaliza-se apenas o segundo eixo, destacando-se a necessidade de compreender como a rejeição social é influenciada pelas interações que ocorrem no ambiente escolar. O referido projeto foi autorizado pela direção da escola e pelos pais de cada participante por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O desenho metodológico baseia-se num estudo de casos múltiplos (Yin, 2005) que procura tanto compreender a rede de interações do grupo quanto os padrões de comportamento das crianças rejeitadas e as consequências desse comportamento no grupo. Neste estudo, focaliza-se a abordagem quantitativa e qualitativa no sentido de buscar uma compreensão mais ampla da realidade estudada. O trabalho de campo, desenvolvido no período de fevereiro a novembro de 2000, ocorreu numa turma do Maternal de uma escola particular localizada no centro da cidade de Belém do Pará.

Os participantes do estudo foram selecionados a partir dos seguintes critérios: ser regularmente matriculado na turma do Maternal, ter o consentimento de seus responsáveis e ser classificado na entrevista sociométrica como rejeitado. A partir desses critérios, foram selecionadas três crianças como participantes focais, todas do sexo feminino, duas com quatro e uma com três anos de idade. Do conjunto de integrantes da turma, foram entrevistados sociometricamente 14 alunos: três meninos e 11 meninas, com idades entre três e quatro anos. Os nomes dos entrevistados foram substituídos para garantir o anonimato dos participantes.

Os instrumentos de investigação utilizados neste trabalho foram: ficha da entrevista sociométrica e ficha de observação do participante focal. A ficha de entrevista sociométrica contou com 18 perguntas relacionadas às escolhas da criança para a realização das atividades escolares e às escolhas feitas pelos companheiros envolvendo ou não a criança entrevistada, por exemplo: "Quando tu chegas à escola, tu sentas ao lado de quem?" e "Quando tu chegas à escola, quem senta ao teu lado?".

A ficha de observação do sujeito focal destinou-se para o registro do comportamento dos participantes da pesquisa. A ordem de observação de cada criança foi aleatória e todo o registro foi manual. Nos registros, foram incluídas informações relativas à proximidade, orientação e ocorrência de contato social entre as crianças, além de um comentário geral sobre o comportamento da turma naquele momento.

O procedimento de coleta utilizado foi dividido em três etapas: habituação, entrevista sociométrica e observação comportamental dos sujeitos focais por meio da técnica de registro focal minuto a minuto.

Durante o período de habituação, a pesquisadora frequentou, ao longo do mês de março, o horário de aula da classe, de forma que as crianças e a professora se familiarizassem com a presença da pesquisadora. Em seguida, no mês de abril, ocorreu a entrevista sociométrica. A ordem de entrevista seguiu a disposição pessoal das crianças para serem entrevistadas. Cada criança foi conduzida pela pesquisadora para um espaço, ao lado da sala de aula, onde foram realizadas todas as entrevistas com um tempo médio de 30 minutos.

Ao final das entrevistas, foi construída uma matriz de Indivíduos x Indivíduos (n x n), na qual em cada espaço constavam as nomeações de cada indivíduo, de forma que foi possível identificar as preferências e as rejeições dentro do grupo. De forma arbitrária, optou-se por identificar como rejeitados (PR) os que obtivessem os dois menores números de citação na entrevista, como preferidos (PP) os que obtivessem os dois maiores números de citações e ficando os demais como parceiros neutros (PN). De posse desses resultados, foram construídos átomos sociais para cada criança rejeitada, indicando quantos e quais são os parceiros escolhidos, além da existência de reciprocidade.

Posteriormente, iniciaram-se os registros de observação, os quais foram realizados na sala de aula e na brinquedoteca. A ordem de observação seguiu o critério de disponibilidade da criança. Ao todo, foram 40 dias de observação, envolvendo quatro focais de quatro minutos, totalizando 160 focais para cada criança focal.

No que se refere ao registro focal das crianças, houve a quantificação e a classificação dos comportamentos nas categorias: Pró-social (oferecer objetos, mostrar objetos, ajudar, iniciar brincadeira, brincar em grupo e pedir) e Negativa (agressões física e verbal, tomar objeto, recusar empréstimo, ignorar, interromper atividade, não partilhar objetos e isolada). Posteriormente, foram computados os dias em que cada criança foi observada com cada parceiro, objetivando identificar os parceiros disponíveis, uma vez que as crianças foram focalizadas em dias totais diferentes e, portanto, nem todas estavam presentes em todas as sessões, seguindo procedimento semelhante ao de Carvalho e Moraes (1987). De posse da frequência simples de interação e dos dias em comum com os parceiros, os dados de cada criança foram padronizados, dividindo-se a frequência simples de interação pelos dias em comum.

Na tentativa de melhor visualizar os dados de observação, foi construído o Índice de Sociabilidade (IS), subtraindo-se os valores do comportamento pró-social pelos valores do comportamento negativo, dividindo-o pela soma desses mesmos comportamentos e multiplicando por 100, o que produziu um resultado entre -100 e 100. Ao se aproximarem das extremidades, estes corresponderiam à menor ou maior receptividade para a sociabilidade.

Optou-se por escalonar os intervalos entre os valores do IS, conforme o cálculo do IS do grupo, o qual se denominou de ISg. Dessa forma: 1) os valores menores ISg foram identificados como sendo sociabilidade baixa, 2) os valores semelhante ao ISg corresponderam à sociabilidade moderada e 3) os valores acima do ISg corresponderam à alta sociabilidade. Assim, o próprio funcionamento do grupo foi utilizado como referência para a análise do comportamento dos sujeitos. Para fins de identificar a existência de correlação entre o IS e a Escolha Sociométrica (ES), aplicou-se o teste de Sperman r. Por fim, foram analisados os IS de cada sujeito focal com relação a cada criança da turma, de forma que foi possível perceber aspectos ligados às relações interpessoais.

 

Resultados

Com base na Escolha Sociométrica (ES), os parceiros classificados como rejeitados (PR) e, portanto, selecionados como sujeito focal, foram Luiza, Júlia e Beatriz, conforme pode ser observado na Tabela 1, na qual é apresentado o número total de indicações recebidas por cada criança da turma na entrevista sociométrica.

 

 

Com os dados da entrevista sociométrica, também foi possível identificar quantas e quais crianças foram escolhidas pelos rejeitados. Assim, Luiza escolheu 12, das 13 crianças existentes em sala, faltando apenas citar Beatriz. Por outro lado, Luiza foi citada, no teste sociométrico, por Giovana (PN) e Wilson (PP), como pode ser observado na Figura 1.

Ainda na Figura 1, é possível perceber que Beatriz (PR) não foi escolhida por ninguém da turma, mas escolheu Manuela (PN) e Vitor (PP) como suas principais preferências. Por fim, Júlia escolheu e foi escolhida por Bianca (PN), além de ter sido escolhida por Luiza.

Fazendo um exercício em sistematizar essas formas de escolhas, é possível identificar duas estratégias para as crianças montarem seus grupos por escolha sociométrica: a) com seletividade e b) sem seletividade. Luiza demonstra ter como estratégia não ser seletiva e cita o nome de quase todos os membros da turma. Beatriz e Júlia, por sua vez, demonstram preferir a seletividade, pois escolhem no máximo dois parceiros na entrevista sociométrica. A seletividade é um elemento importante para se interpretar a disponibilidade da criança para interagir. Sendo assim, é possível imaginar que Luiza se mostra mais disposta às interações sociais, o mesmo não ocorrendo com Beatriz e Júlia.

Observando os resultados da entrevista sociométrica, pode-se identificar as preferências dos pares e, possivelmente, a disponibilidade para as interações. Contudo, saber como as interações ocorrem se torna fundamental para identificar a qualidade das interações e suas implicações na construção das relações. Somente os dados comportamentais podem identificar diferenças relacionais e se tais rejeições do grupo estariam relacionadas a determinados estilos de interação. Para tanto, optou-se por quantificar os comportamentos emitidos pelos rejeitados, atentando para a classificação desses comportamentos em negativo e comportamentos pró-social.

Pelo exposto, foi possível perceber que Luiza e Beatriz apresentam mais de 60% dos seus comportamentos como sendo do tipo negativo, o mesmo não ocorrendo com Júlia, como pode ser observado na Tabela 2.

 

 

No que se refere aos comportamentos emitidos por Luiza, 72% de comportamentos foram do tipo negativo. Desse percentual, 36% envolveram comportamentos do tipo agressão verbal, 15% agressão física, 9% ignorar, 6% tomar objeto, 4% não compartilhar e 2% interromper a atividade. Quanto aos comportamentos pró-sociais, foram identificados 14% para brincar em grupo. Os demais comportamentos ocorreram em torno de 4% para cada uma das demais categorias, com exceção do comportamento ajudar, que não foi registrado. Pelos comportamentos apresentados, pode-se afirmar que Luiza demonstra ser uma criança agressiva, que desejava permanecer nas atividades em grupo, mas que constantemente estava envolvida em situações de conflito, provavelmente por não apresentar habilidades sociais adequadas, verificado pela baixa incidência de comportamentos pró-sociais.

Beatriz apresentou 63% dos comportamentos como sendo negativos. Destes, 21% corresponderam a ignorar o coetâneo, 16% agressão verbal, 13% interromper atividade, 9% não partilhar e 4% envolvendo agressão física. No que se refere ao comportamento pró-social, 10% dos seus comportamentos envolveram brincar em grupo, 13% iniciar brincadeira, 5% oferecer, 4% pedir, 3% mostrar e 2% ajudar. Beatriz pode ser interpretada como uma menina que não demonstra interesse nas interações, pois não responde de forma favorável às investidas dos coetâneos, seja ignorando ou agredindo verbalmente.

Júlia apresentou 67% dos seus comportamentos como do tipo pró-social. Destes, 51% foram direcionados às brincadeiras em grupo e 4% para cada comportamento do tipo pedir, ajudar, mostrar e oferecer. Júlia aparenta ter grande interesse em interagir socialmente e um repertório de habilidades sociais bem diversificado. Entretanto, observando com mais detalhes percebe-se que quase todos os episódios de interação ocorreram com Bianca.

Calculando os comportamentos emitidos por todas as crianças da turma, foi possível identificar o Índice de Sociabilidade do grupo (ISg), o qual foi de 33,25 ou, aproximadamente, 33. Assim, os valores do IS maiores que 33 foram classificados como tendo sociabilidade alta, os valores iguais a 33 foram classificados como sociabilidade moderada e abaixo de 33 sociabilidade baixa.

De posse desses dados, também foi possível calcular o Índice de Sociabilidade dos rejeitados e o Índice de Sociabilidade dos rejeitados para cada integrante da turma.

No que se refere ao Índice de Sociabilidade (IS) dos rejeitados, foi possível identificar os seguintes resultados: Luiza -60, Beatriz -40 e Júlia 30. Dessa forma, as crianças rejeitadas apresentaram um IS abaixo de zero, considerado como sociabilidade baixa, com exceção de Júlia.

Visando a relacionar a Escolha Sociométrica com o Índice de Sociabilidade, aplicou-se o teste de Sperman r, o qual identificou que r (14) = 0,8508, p = 0,0001 e r2s = 0,724. Dessa forma, foi encontrada uma associação positiva, unilinear e extremamente significante entre as variáveis. Assim, conforme o maior número de escolhas sociométricas, maior foi o IS. Por extensão, cerca de 72,4% da variação nas escolhas sociométricas estão associados ao IS, com o restante podendo decorrer de outros fatores, como percepção do coetâneo, tipo de vínculo, normas do grupo e sexo.

Esses dados se referem a expressões médias do sujeito para com o grupo. Contudo, tais indicadores desconsideram as idiossincrasias relacionais. Nesse sentido, um Índice de Sociabilidade por sujeito (IS) pode ajudar a visualizar possíveis diferenças relacionais, como pode ser observado na Tabela 3.

Com relação ao IS dos rejeitados para com cada parceiro, percebe-se que Luiza apresentou sociabilidade baixa com todos os integrantes do grupo, o que pode contribuir para a interpretação de que ela realmente possui déficit de habilidades pessoais (Del Prette & Del Prette, 1999).

Júlia apresentou IS baixo com apenas duas crianças, ficando na maior parte das vezes com um IS moderado, mas também apresentando alto IS com quatro crianças, como pode ser observado na Tabela 3. Nesse caso, cogita-se a possibilidade de que Júlia possui habilidades sociais satisfatória para desenvolver um bom relacionamento no grupo; contudo, a seletividade é que se mostra em excesso.

Beatriz apresentou IS negativo com 11 parceiros, sendo que com um dos integrantes da turma ela obteve 100% de interações negativas. Contudo, percebe-se que, com dois parceiros, a criança também demonstra apresentar habilidades que podem contribuir para as interações sociais; contudo, a seletividade da criança também se mostra excessiva.

 

Considerações Finais

De um modo geral, o presente trabalho demonstrou que existe uma correlação entre o Índice de Sociabilidade (IS) e a Escolha Sociométrica (ES), indicando que os comportamentos negativos contribuem para a rejeição social (Bussab & Maluf, 1998; Hatzichristou & Hopf, 1996; Underwood, 1997). Crianças rejeitadas apresentam uma variedade de comportamentos inadequados: agridem verbal e fisicamente, recusam participar das interações, interrompem as atividades em grupo e magoam com frequência seus parceiros de interação (Dodge et al., 1983; Patterso et al., 1990; Coie & Cillessen, 1993; Coie, 1995).

Contudo, tal afirmação torna-se questionável quando se observa o caso de Júlia, que, apesar de ser rejeitada, apresenta poucos comportamentos do tipo negativo. Nesse aspecto, destaca-se a seletividade como sendo um fator a ser considerado.

A ocorrência de seletividade expressa uma propriedade fundamental da sociabilidade humana, que pode se expressar pela proximidade, atenção e trocas sociais, permitindo a aprendizagem de comportamentos socialmente adequados. Foram identificadas duas estratégias de as crianças rejeitadas fazerem suas escolhas: alta e baixa seletividade. A baixa seletividade pode aumentar a probabilidade de emergirem interações, uma vez que a criança aceita os coetâneos sem muitas restrições; a alta seletividade, por sua vez, limita o acesso aos parceiros, o que pode dificultar o início e a manutenção das interações sociais (Kurdek & Krile, 1982; Cilessen et al., 1992; Coie, 1995; Rubin, 1983; DeRosier et al., 1994).

Os resultados indicaram que crianças rejeitadas tendem a apresentar mais comportamentos do tipo negativo do que pró-social, mas esses comportamentos são direcionados a determinadas crianças do grupo, enfatizando que a rejeição social ocorre por fatores inerentes a relações vivenciadas. Estar disposta às interações é fundamental, mas não é determinante, visto que, como no caso de Luiza, depende, também, da manifestação de comportamentos considerados pró-sociais.

Na pesquisa, percebe-se que, conforme o parceiro de interação, os IS apontam para um padrão diferente de relacionamento, indicando que é possível ser rejeitado mesmo possuindo uma grande incidência de comportamentos pró-social.

Por outro lado, apresentar um IS baixo com todos os membros do grupo pode indicar déficit de repertório social. A esse respeito, Del Prette e Del Prette (2005) destacam que algumas pessoas apresentam déficit nos comportamentos verbais e não-verbais. Comportamentos como dar, permitir e partilhar são indicativos da existência de situações, que, de uma maneira geral, facilitam o relacionamento entre as crianças, permitindo o surgimento e o desenvolvimento de vários modelos ou padrões de interação (Del Prette & Del Prette,1999).

Crianças rejeitadas devem dispor de habilidades para iniciar e manter as interações. Quando isso não ocorre, têm-se interações não efetivadas que podem ocorrer tanto por "erro" do parceiro rejeitado quanto do parceiro que rejeita. Por essa análise, as dificuldades presentes entre os rejeitados estariam mais relacionadas aos comportamentos interativos do que individuais. No estudo, verificou-se que algumas das interações dos rejeitados foram abalizadas com comportamentos negativos. No entanto, não foi notado um padrão. Com cada díade, houve um comportamento negativo que ocorreu com maior frequência.

Segundo Argyle and Trower (1979), para que a interação social ocorra com sucesso, é fundamental que ocorram o reforçamento e o surgimento de regras pelas partes envolvidas - as regras representam determinadas normas que devem existir na interação e encontram-se, intimamente, relacionadas ao reforçamento social, o que pressupõe o emparelhamento de respostas, ou seja, a pessoa deve apresentar comportamentos semelhantes ao da outra, por meio de uma postura similar, retribuindo sorrisos ou apresentando sinais não-verbais que possam demonstrar interesse na interação. O reforçamento, também, pressupõe um ajustamento dos estilos pessoais de duas ou mais pessoas. Emissor e receptor devem estar de acordo quanto à atividade, e com o assunto tratado, e quanto ao nível de intimidade que deve existir.

Os resultados apresentados sugerem a necessidade de se incluir nos estudos sobre rejeição uma análise sobre a seletividade e os comportamentos pró-sociais, remetendo-nos à necessidade de um redimensionamento do foco dos comportamentos negativos da rejeição para o dos comportamentos positivos, os quais possam proporcionar interações sociais mais satisfatórias.

Mais do que esgotar discussões, os resultados encontrados instigam a realização de outros estudos e indicam a necessidade de se considerarem, em determinados casos, outras variáveis como as diferença de gênero e idade, ou, ainda, aspectos ligados à percepção sobre a agressividade.

Nossas principais contribuições enfatizaram a percepção sociométrica entre os pares e sua correlação com o índice de sociabilidade. Essa relação é importante para os estudos sobre rejeição social, pois ratifica a ideia de que devemos cuidar das relações que se formam dentro dos grupos e desenvolver estratégias que favoreçam o desenvolvimento infantil por meio das interações sociais. Tais conhecimentos são de extrema importância para os profissionais de educação e psicologia, uma vez que evidenciam a importância de investir na construção de estratégias que estimulem a proximidade e o compartilhamento social.

 

Referências

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Recebido em: 29/07/10
Aceito em: 25/10/10

 

 

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