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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

 ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.6 no.1 Belo Horizonte jun. 2013

 

ARTIGOS

 

Amizades de brasileiros residindo no exterior: significado, dificuldades e origem

 

Friendships of Brazilians living abroad: meaning, difficulties and origin

 

 

Agnaldo Garcia1; Cloves Bitencourt Neto; Dominique Costa Góes

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil

 

 


RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo investigar as relações de amizade de brasileiros residindo no exterior com brasileiros ou pessoas de outras nacionalidades. Sessenta brasileiros residindo na Ásia, Europa e América do Norte havia pelo menos seis meses responderam a um questionário sobre o início e episódios marcantes das amizades, dificuldades e o significado da amizade e a descrição dos amigos. Os episódios marcantes geralmente estavam ligados a experiências compartilhadas ou apoio social. As dificuldades encontradas ocorreram principalmente na comunicação e foram atribuídas a diferenças culturais, diferenças individuais, distância geográfica e falta de tempo. O significado da amizade estava associado ao companheirismo ou compartilhar atividades e interesses e apoio social. A descrição dos amigos atribui a estes uma série de características relacionais, como proximidade, companheirismo e disponibilidade para ajudar. Com base nas propostas de Hinde (1997), busca-se discutir a relação entre os aspectos estudados em um modelo teórico para amizade no contexto de migração.

Palavras-Chave: Relações interpessoais, Amizade, Migração humana.


ABSTRACT

This research aimed at investigating the friendships of Brazilians living abroad with other Brazilians or people from other countries. Sixty Brazilians living in Asia, Europe and North America for at least six months answered a questionnaire about the beginning and remarkable episodes of their friendships, difficulties and the meaning of friendship, and described friends. The remarkable episodes were often linked to shared experiences or social support. The difficulties encountered were mainly in communication, due to cultural and individual differences, geographic distance and lack of time. The meaning of friendship is associated with companionship or sharing activities and interests, and social support. The description of friends involves a series of relational characteristics, such as closeness and companionship and willingness to help. Based on Hinde's proposals, the paper discusses the possible relation among the aspects studied in a theoretical model for friendship in the context of migration.

Keywords: Interpersonal relations, Friendship, Human migration.


 

 

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores (2011), com base em consultas feitas no final de 2010 a Embaixadas e Consulados do Brasil, havia 3.122.813 brasileiros vivendo no exterior. Por outro lado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2011), com base no Censo 2010, chegou a uma cifra muito inferior, totalizando 491.645 emigrantes brasileiros, o que possivelmente é um número subestimado, em função da metodologia adotada para a estimativa. A falta de informações sobre brasileiros no exterior não se restringe a dados populacionais, mas atinge também a vida social desses brasileiros no exterior, de modo geral, e suas amizades, em particular.

A literatura acerca da rede social de brasileiros no exterior e, particularmente, suas amizades, ainda é escassa. A figura do amigo tem estado presente em vários estudos sobre migração internacional de brasileiros, indicando sua participação no processo migratório, tanto no local de origem quanto no local de destino dos migrantes. Fazito e Rios-Neto (2008), ao revisar a literatura sobre o tema, identificaram um sistema de migração internacional de brasileiros para os EUA envolvendo emigrantes, familiares e amigos no Brasil, familiares e amigos nos EUA, agentes independentes, agências de turismo, falsificadores, retornados, igrejas na comunidade de imigrantes, pastores e coiotes (mexicanos). Dentro desse sistema, as redes pessoais, baseadas nos laços familiares e de amizade, ocupariam espaços importantes.

A presença de amigos também foi verificada entre os motivos da emigração por mulheres brasileiras que migraram para a Europa (Lisboa, 2007), além do acesso à educação ou a oportunidades de maior qualificação profissional, experimentar diferentes sensações e ir atrás da rede familiar que já se encontra no país.

Diversos autores reconheceram a participação e a relevância de amigos nas migrações internacionais de brasileiros. Segundo Soares (2002), o indivíduo, ao migrar, tende a seguir as rotas traçadas por parentes e amigos antes dele, indo com conhecidos ou à procura de conhecidos, servindo as relações pessoais de ponto de apoio à movimentação espacial, especialmente as redes em torno de relações de parentesco, de amizade, de trabalho e de origem comum. Segundo Fusco (2009), a maior parte dos indivíduos que ingressa em fluxos migratórios internacionais, especificamente para os Estados Unidos, pertence a determinados grupos sociais de familiares ou de amigos. Para Siqueira, Assis e Campos (2010), os emigrantes brasileiros se utilizam das redes sociais para minimizar os riscos presentes na migração de longa distância, indicando a existência, no caso de Estados Unidos e Japão, de uma ampla rede migratória, que envolve agências de turismo, intermediários, instituições religiosas, redes de parentesco, amizade e solidariedade étnica ligada à migração, com destaque para os laços informais com parentes, amigos e conterrâneos. Apesar da participação de amigos no processo de emigração de brasileiros, pouco se sabe sobre o significado dos amigos e da amizade para brasileiros no exterior.

Mesmo considerando outros grupos nacionais, são poucos os estudos relacionando diretamente amizades e o processo de migração internacional. Kugele (2006) analisou as amizades de jovens adultos nômades e os efeitos da mobilidade social em suas amizades, discutindo a relevância dos amigos na reintegração social e o significado da comunicação para manter e estabelecer amizades. Haug (2003) considerou amizades interétnicas como um indicador de integração social entre jovens imigrantes italianos e turcos na Alemanha, com base em amizades desses jovens com alemães. Investigando jovens imigrantes de Taiwan vivendo nos Estados Unidos, Tsai (2006) aponta o papel do contexto sociocultural para o jovem imigrante reconstruir suas redes de amizade, vivendo com a sua comunidade étnica, devido à limitação no conhecimento de inglês, o que aumentava as redes de novas amizades, o que foi considerado como um fator de proteção para esses imigrantes.

Outros autores têm investigado amizades entre diferentes raças ou etnias, sem referência direta ao processo de imigração propriamente dito, investigando grupos étnicos diversos dentro de um mesmo país. Nesse caso, alguns estudos têm indicado a identificação racial e étnica como um fator nas escolhas de amigos (Fong & Isajiw, 2000; Kao & Vaquera, 2006). Em outros casos, têm sido destacadas as dificuldades de comunicação entre pessoas de diferentes grupos étnicos, dificultando a formação de amizade (Vorauer & Sakamoto, 2006). Contudo, quando amizades entre membros de diferentes grupos étnicos se formam, essas servem para reduzir o preconceito entre os grupos envolvidos (Aberson, Shoemaker & Tomolillo, 2004), contribuindo positivamente para a compreensão de atitudes multiculturais, de cuidado e simpatia por pessoas de outras etnias (Verkuyten & Martinovic, 2006).

Algumas investigações recentes conduzidas no Brasil relacionaram amizade e migração e são relevantes para a presente pesquisa. Garcia e Goes (2010) investigaram amizades de universitários de Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe residindo no Brasil. Doze entrevistas foram conduzidas sobre a rede de amigos e as amizades mais próximas desses estudantes. A maioria dos amigos era da mesma nacionalidade ou brasileiros, residia na mesma cidade e foi conhecida no Brasil e foi percebida pelos próprios participantes como relevante para a adaptação ao Brasil. Os autores concluíram que os amigos são fundamentais para a adaptação social e cultural desses estudantes.

Garcia e Rangel (2011) investigaram amizades de universitários cabo-verdianos residindo e estudando no Brasil, destacando a predominância de amigos da mesma nacionalidade residindo na mesma área metropolitana. Os participantes destacaram o valor da amizade e a ajuda recebida. As dificuldades percebidas nas amizades estavam relacionadas à distância dos amigos, características pessoais e dificuldades de comunicação. Os episódios marcantes estavam ligados a lazer e ajuda do amigo. A maioria das amizades foi considerada como relevante para a adaptação ao Brasil.

Garcia, Goes, Moura e Pepino (2010) investigaram os episódios marcantes nas amizades de universitários africanos no Brasil, considerados importantes por revelar aspectos internos à díade de amigos e pontos relacionados ao contexto social. Os autores destacaram apoio e companheirismo como as principais propriedades do relacionamento em suas dimensões diádicas e as festas e demais eventos sociais, como o contexto social mais amplo dessas amizades e a existência de diferenças culturais no conteúdo das amizades.

Esta pesquisa tem como referencial teórico a obra de Hinde (1997) sobre relacionamento interpessoal e as propostas de Adams e Blieszner (1994) sobre amizade. Hinde (1997), referindo-se ao relacionamento interpessoal, destaca a importância dada aos aspectos descritivos e a consideração de diferentes níveis de complexidade e suas relações mútuas. Adams e Blieszner (1994), tratando de amizades, também propõem investigar aspectos internos e externos (contexto), incluindo estrutura e processos. Segundo Hinde (1997), diferentes níveis de complexidade, incluindo processos intraindividuais, interações, relacionamentos, grupos e sociedade, além de estruturas socioculturais e o ambiente físico, afetariam e seriam afetados uns pelos outros de forma dialética.

Assim como Hinde (1997), Adams e Blieszner (1994) também buscam um modelo integrador para o estudo da amizade entre adultos, integrando aspectos internos ao relacionamento (como as dimensões tradicionalmente estudadas, como intimidade, compromisso, satisfação, entre outras) e aspectos externos (de contexto, como aspectos culturais, sociais, históricos, religiosos, entre outros).

Adams e Blieszner (1994) consideram estrutura e processos nas díades de amigos e nas redes de amizade. A estrutura da amizade envolve o grau de similaridade entre amigos, sua proximidade emocional, status e diferenças de poder e intimidade. Os processos interativos da amizade são dinâmicos e incluem processos cognitivos, afetivos e comportamentais. Finalmente, deve-se levar em conta o contexto estrutural e cultural das interações de amizade, incluindo suas mudanças no tempo. Esses elementos são similares aos propostos por Hinde (1997), cujo arcabouço conceitual para os relacionamentos em geral também integra aspectos internos e externos à díade (incluindo aqui o grupo e a sociedade como níveis de complexidade mais abrangentes que o do relacionamento, além de fatores sociais, culturais e ambientais). O autor também inclui aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais como elementos do relacionamento a ser investigados.

O objetivo desta pesquisa foi investigar as relações de amizade de brasileiros residindo no exterior com brasileiros ou pessoas de outras nacionalidades. Os objetivos específicos foram investigar a descrição dos amigos, os episódios marcantes e o significado da amizade, as dificuldades e a origem da amizade. Com base nos modelos propostos pelos autores acima, são propostos alguns elementos a ser considerados em modelos de amizades relacionadas ao processo de migração internacional.

O trabalho se justifica pela falta de informações sobre amizades em contexto de imigração, especialmente em torno de brasileiros, contribuindo particularmente para a consideração de fatores culturais nas amizades. Do ponto de vista social, conhecer em maior detalhe as amizades de brasileiros no exterior pode contribuir para a busca de melhores condições de vida para cidadãos brasileiros vivendo em outros países.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram da pesquisa sessenta brasileiros residindo no exterior havia pelo menos seis meses, com idades entre 17 e 56 anos, sendo 37 mulheres e 23 homens, 32 casados e 28 solteiros, sendo que 20 residiam na Ásia, 20 na Europa e 20 residiam na América do Norte, conforme Tabela 1.

Procedimento de coleta e análise de dados

Os participantes foram identificados a partir de indicações de amigos ou parentes de brasileiros residindo no exterior e a partir de comunidades de brasileiros no exterior. Os possíveis participantes foram contatados via internet (e-mail) e foram convidados a responder um questionário com questões fechadas e abertas sobre suas relações de amizade no exterior (com estrangeiros e/ou brasileiros), assim como preencher um Termo de consentimento informado para participação na pesquisa. Um questionário com questões abertas e fechadas foi especialmente desenvolvido para a realização da presente pesquisa. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Trata-se de pesquisa de natureza exploratória, descritiva e qualitativa. Os dados foram tratados buscando-se descrever e discutir alguns aspectos dessas amizades. O material obtido foi organizado e analisado de acordo com os pontos abaixo. Os dados foram discutidos à luz da literatura sobre amizades internacionais. Os seguintes pontos foram analisados: descrição dos amigos, o significado e a origem das amizades, episódios marcantes e dificuldades com amigos.

Com base em estudos preliminares, alguns tópicos foram selecionados para serem investigados considerando-se sua contribuição para a construção de uma base descritiva sobre amizades na situação investigada, conforme proposto por Hinde (1997). Assim, a descrição dos amigos e o significado da amizade visavam conhecer a concepção dos participantes acerca dos amigos e da amizade de modo mais conceitual, como a origem das amizades, os episódios marcantes nas amizades e as dificuldades na amizade também são elementos descritivos, mas de natureza mais episódica. Dessa forma, buscou-se uma base descritiva mais ampla para as amizades.

Quanto ao procedimento de análise, os dados foram objeto de análise de conteúdo (Bardin, 1977; Franco, 2008; Flick, 2009), buscando-se identificar as categorias emergentes em cada um dos aspectos investigados, de modo indutivo, de acordo com sua similaridade.

 

Resultados

De acordo com o referencial empregado (Hinde, 1997), foram investigados três níveis em relação às amizades de brasileiros no exterior: a pessoa do amigo, episódios marcantes (interações) e o significado da amizade (relacionamento). A origem ou início das amizades se mostrou relacionado ao contexto social, que reúne as características que Hinde (1997) denominou de grupo, com suas estruturas socioculturais e ambiente físico, dentro de uma sociedade mais ampla.

A descrição dos amigos

Considerando-se os três continentes, os amigos quase sempre foram descritos de modo positivo, com a utilização de um grande número de adjetivos ou características. Procurou-se organizar o conteúdo das descrições em grupos ou categorias. Três grupos são propostos: características relacionais, características relacionadas à atração interpessoal e similaridades.

No primeiro grupo, uma ampla gama de adjetivos e expressões foi empregada para descrever as características relacionais ou a forma como o amigo se relaciona com outras pessoas. Primeiramente, um grupo de qualificações reafirma a condição de amigo ou determina o tipo de amigo considerado, como o amigo de todos os momentos ou horas, bom amigo, melhor amigo, grande amigo, alguém que valoriza a amizade, amigo verdadeiro, amigo para todas as horas, além de amigo, ótimo amigo, amigo mesmo, amigo-surpresa, primeiro amigo, amigo mais marcante, alguém que vale a pena conhecer e ter como amigo e amigo para tudo. Outras características atribuídas ao amigo foram sua proximidade (muito próximo, presente, como irmão, mãe ou pai), a intimidade com ele (íntimo) e sua lealdade (fiel ou leal). Também frisaram o amigo como alguém que gosta, respeita e cuida do outro (querido, tem carinho e respeito, trata bem, preocupa-se comigo, anjo). O valor do amigo é destacado ao ser considerado fundamental, precioso e raro.

O companheirismo é enfatizado em expressões como companheiro, companheiro de aventuras, super companheiro, parceiro, compartilhar "alegrias de estar em outro lugar e tristezas de estar longe da família e dos amigos", compartilhar o "choque cultural", experiências e atividades, além de fazer "descobertas juntos".

Outro traço do amigo é sua disponibilidade para ajudar, sendo prestativo, ajudando muito ou dando apoio, sendo conselheiro, disponível, pronto ou disposto a ouvir, sempre apoiando ou disposto a ajudar, que sabe ouvir e dar conselho, sendo alguém com quem se pode contar, com quem se aprende muito, aquele que "ensinou as primeiras palavras em alemão" ou que ajuda em relação ao trabalho.

Além das características já mencionadas nos parágrafos anteriores, uma série de adjetivos e expressões caracteriza a forma como o amigo se relaciona com outras pessoas, como o fato de ser confiável ou de confiança, sincero, carinhoso, compromissado, comunicativo, sociável, sensível, agradável, amigável, atencioso, educado, generoso, "ter um coração imenso", ser acolhedor, humano, "de ótima convivência", transparente, comprometido, um "amor de pessoa", doce, caloroso, gentil, extrovertido, compreensivo, amoroso, verdadeiro, paciente, "sem preconceitos", meigo, jovial e discreto. E ainda reservado, fechado, impaciente, carente, tímido, teimoso e autoritário. Há aqui, a menção de diversas facetas do relacionamento, como confiança, sinceridade, carinho, compromisso, comunicação, entre outras.

Um segundo grupo de características atribuídas aos amigos, de natureza positiva, poderiam ser consideradas como elementos de atração interpessoal, como o fato de ser uma pessoa simpática, carismática, ótima, admirável, interessante, inteligente, tranquila, calma, despreocupada, batalhadora, determinada, firme em suas decisões, autoconfiante, constante, alguém que "coloca seus interesses em primeiro lugar", livre, culta, séria, muito especial, com muita energia, que "gosta de coisas sofisticadas", criativa, enérgica, forte, introspectiva, positiva, perfeccionista, organizada, simples, sistemática, centrada, concentrada, desapegada, responsável, "aberta a novas coisas ou novidades", "aberta a novas culturas", aventureira, espiritualista, madura, "gente boa", "personalidade boa", ágil, audaciosa, curiosa, esperta, sagaz, excêntrica, louca e pirada (ousada), conservadora, política, romântica e inocente. O humor é uma característica do amigo que se mostra alegre, bem-humorado, divertido, engraçado, de alto astral, animado, contente, feliz, de bem com a vida e brincalhão.

Alguns descreveram o amigo apontando similaridades com ele, como "a gente se identifica muito", ou possui "ritmo quase semelhante ao meu" ou é aquele que tem "o gosto musical mais parecido com o meu". Ou ainda apontaram interesses em comum, como "boas conversas", gostar de "contar histórias interessantes", "dedicação à família", "estar com várias mulheres ao mesmo tempo", também possuir "ex-mulher e filho", além de "guardar dinheiro para voltar para seu país". Também foi pontuada uma vez a diferença entre os amigos, ao ser descrito como "um pouco diferente de mim". Em poucos casos, os interesses e atividades do amigo serviram para descrevê-lo, como o fato de ser "o maior bebedor que conheço" ou ser alguém "interessado pela cultura brasileira" ou que gosta de "curtir a vida".

Finalmente, raras vezes, a nacionalidade e a cultura serviram para descrever o amigo, como ser "um húngaro um pouco diferente dos outros" ou "a melhor representante da cultura americana que poderia ter conhecido" ou ainda "bem aculturada". Raramente os amigos foram descritos com base em características físicas, de idade ou preferência sexual, como ser bonito, "um senhor de idade" ou gay, e poucas características do amigo eram aparentemente negativas, como o fato de ser preguiçoso, irresponsável, orgulhoso, medroso, pessimista, teimoso, nervoso e irônico.

Em suma, a descrição dos amigos é ampla e diversificada, destacando-se propriedades que foram denominadas "relacionais", pois qualificam o amigo como alguém que apresenta certas propriedades ao se relacionar. Outras características parecem indicar algo que se admira no amigo, possivelmente servindo como um fator de atração interpessoal, sendo raras as possíveis críticas. Alguns aspectos são, por vezes, associados à condição específica do imigrante, como o companheirismo (incluindo o compartilhar interesses e atividades com o amigo) e a disponibilidade para ajudar.

O significado da amizade

Os participantes descreveram o significado da amizade de modo diversificado e positivo. Contudo, três aspectos principais podem ser identificados: reconhecimento da relevância da amizade, companheirismo e apoio social.

Um primeiro aspecto a ser mencionado é a importância ou relevância da amizade e dos amigos em suas vidas. Segundo os participantes, as amizades significavam muito, era algo maravilhoso, importante, inesquecível, um patrimônio, de modo que amigos não podem faltar. Ainda são um sentido ou parte importante da vida, cuja opinião faz diferença na vida. O amigo completa o outro em vários aspectos, é alguém de quem se que gosta e com quem quer passar a vida. Para alguns, a amizade significava tudo ou muito, algo importante, especial ou indispensável. Em poucos casos, amizades foram consideradas como pouco significativas, não significando muito ou o participante "não esperava muito das amizades estrangeiras". Ainda destacaram a amizade verdadeira, baseada em um sentimento verdadeiro, forte, genuína. Amigos também foram comparados com uma figura familiar, irmão, irmã, pai ou mãe, com o intuito de destacar sua importância.

O companheirismo foi outro elemento central para o significado das amizades. Esteve presente em expressões como "alguém sempre presente", com quem se pode contar ou confiar. O amigo é "alguém com quem se mantém boas conversas", uma "companhia que me entende", um "companheiro para horas difíceis", com quem "se dá bem". O fato de se estar em outro país estava relacionado com "compartilhar dificuldade de morar em outro país" e "compartilhar a dificuldade do idioma e treinar juntas a nova língua". O significado da amizade envolvia diversão e alegria e a amizade também foi associada a apoio, segurança, bem-estar, carinho, atenção, amor, sinceridade, proteção, respeito mútuo, conforto e união.

O apoio foi outra dimensão central da amizade. Amigos foram considerados "fonte de sabedoria, conselho e crescimento individual", ajudando o outro a crescer. O apoio específico do amigo em um país estrangeiro também foi indicado de diversas formas, como "ajudar a conhecer o país e se relacionar com seus habitantes", "fundamental para adaptação no país", e ainda "ponto de referência para a cultura local, permitindo o aprendizado e conhecimento de uma nova cultura". O amigo também foi visto como o primeiro contato em uma nova cultura, apoio nas questões burocráticas, tutor em um mundo desconhecido, quem apresentou os amigos estrangeiros, contribuindo para a vida social, a melhor companhia que encontrou no país, "por um longo período foi o único amigo". O amigo também representou "ajuda com o idioma ou para conhecer ou se aproximar de outras culturas". Amigos ainda permitiam o contato com a própria cultura, com o Brasil, a família e as raízes brasileiras.

De forma geral, ao tratar do significado da amizade como algo mais amplo, não apenas apontaram a importância da amizade em si, como destacaram algumas dimensões específicas das amizades, especialmente o companheirismo e o apoio, centrais para o significado das amizades, inclusive no contexto de migração internacional.

A origem das amizades

A origem das amizades foi associada a um contexto institucional, a um grupo social, a um evento social, à internet ou a pessoas específicas. Os participantes se referiram a um contexto institucional específico, como o contexto escolar/universitário, incluindo cursos de idiomas, aulas de dança e atividades relacionadas a intercâmbio cultural. O trabalho e a igreja também foram indicados como contextos onde amizades tiveram origem, assim como a vizinhança e o condomínio. Grupos sociais indicados foram associações de brasileiros ou latinos, a própria família e um grupo musical (banda de jazz) como a origem das amizades. Outras formas pelos quais esses amigos se conheceram foi através de eventos sociais, como festas, feiras e viagens. A internet também foi indicada, incluindo o Orkut e um site de troca de conhecimentos linguísticos português-inglês.

O contato pessoal também foi apontado como a origem de amizades. Nesse caso, um amigo ou parente serviu de elo para formar uma nova amizade. Na Ásia, quatro amigos se conheceram através de outro amigo e um amigo foi apresentado por um familiar do participante. Na Europa, em seis amizades, um amigo apresentou o participante para outros amigos.

Episódios marcantes nas amizades

Os episódios marcantes se referiam principalmente a experiências compartilhadas e a apoio social. As experiências compartilhadas foram classificadas em quatro grupos e duas formas de apoio foram indicadas.

Um primeiro grupo de experiências compartilhadas diz respeito às atividades cotidianas, como dividir a mesma moradia, dormir na casa do outro, compartilhar refeições e trabalho voluntário, estudar ou trabalhar juntos, compartilhar caronas, conviver diariamente e partilhar atividades religiosas (oração e revelação).

Um segundo grupo diz respeito a compartilhar dificuldades ou experiências relacionadas a um momento especial de vida, como compartilhar dúvidas e inseguranças e apuros passados juntos, casamento e maternidade na mesma época, partilhar "a experiência de ser estrangeiras, mulheres e ter um companheiro nativo", de morar no exterior, compartilhar "a falta de seus parceiros românticos que moravam em países diferentes".

Um terceiro grupo se refere a experiências compartilhadas relacionadas a lazer e à diversão, como festas, viagens ou visitas a pontos turísticos, passar férias juntos, comer ou beber juntos (churrascos, jantares), ir a bares ou boates, passeios, shows, festivais culturais, concertos, locais para dançar, além de praticar esportes, ver filmes e jogar (jogos e videogame).

Um quarto grupo de experiências compartilhadas estava relacionado a conversas sobre diversos assuntos pessoais (como acontecimentos marcantes da vida, trabalho, relacionamentos, perspectivas futuras, perdas e expectativas familiares, família, assuntos íntimos, experiência de vida, desabafos, repartir sentimentos profundos, segredos compartilhados) ou culturais (história do país, filmes, livros, diferenças culturais e dificuldades no país). Ainda se referiram a gargalhadas e rir juntos.

Vários episódios se referiam a alguma forma de apoio social recebido ou fornecido, frente às dificuldades e problemas. Esses episódios foram divididos em dois grupos: episódios em que os participantes reconheciam o apoio como relacionado à adaptação ao novo país e episódios de apoio sem explicitar a condição de migrante.

Nos episódios relacionados à adaptação ao novo país, o apoio foi considerado marcante para ajudar a lidar com outra cultura e sociedade. Nesse sentido, o apoio de amigos foi importante para encontrar emprego em outro país para lidar com a saudade de casa, para se sentir acolhido nessas condições, para realizar estudos e viagens em outro país, para enfrentar momentos de tensão de guerra no país, para enfrentar momentos difíceis no país, inclusive em situação de ilegalidade ou renovação do visto.

Contudo, os amigos também forneceram apoio em diversas situações que não foram relacionadas diretamente à condição de migrante. Nesses casos, o apoio se deu frente a dificuldades familiares (como casamento ou namoro, separação, nascimentos, perdas), dificuldades pessoais ou de saúde (gravidez, problemas de saúde, acidentes, vulnerabilidade e dor), problemas no trabalho ou estudos (mudanças de emprego e acidente de trabalho), problemas com propriedades ou animais de estimação (resgate de moto após acidente ou automóvel, conserto de computador, pintura da casa, cuidar do cão do amigo). De forma geral, reconheceram o apoio de amigos em alguma forma de crise, necessidade ou uma situação difícil.

Duas dimensões se destacam nos episódios marcantes das amizades de brasileiros no exterior: compartilhar de experiências e apoio social. Enquanto a situação de imigrante aparece em algumas experiências compartilhadas em um país estranho, o fato de viver em outro país está presente em diversos episódios de apoio dado e recebido de amigos.

Com base nos episódios relatados, os amigos fornecem apoio social aos amigos na condição de migração. Por outro lado, os amigos também compartilham uma série de experiências em comum. Nesse sentido, pode-se supor que, mesmo em uma situação estranha, os amigos permitem compartilhar uma série de atividades, desde conversar até atividades mais complexas, permitindo assim a manutenção do curso e qualidade de vida. Assim, os amigos parecem suprir um meio social estável e familiar, que serve de proteção social, permitindo uma variedade que atividades e de companheirismo. Assim, os amigos parecem desempenhar duas funções complementares: ajudar ou apoiar o amigo e servir de parceiros em uma diversidade de atividades e interesses compartilhados. Os amigos forneceriam um ambiente social protetor e mantenedor da vida normal.

Dificuldades na amizade

Poucas foram as dificuldades citadas nas amizades investigadas. Aquelas que foram mencionadas podem ser classificadas em cinco grupos. O primeiro grupo se refere a dificuldades na comunicação, especialmente em relação a idioma. O segundo grupo se refere a diferenças culturais. Um exemplo diz respeito ao jeito caloroso das brasileiras, o que podia ser mal interpretado. Outras diferenças apontadas foram o senso de humor e tipos de piadas. Ainda foram consideradas diferenças culturais a falta de intimidade, postura fechada e ser independente e exigente, apresentar tradições e costumes diferentes, além da forma de se pensar, o que se considerava politicamente correto ou incorreto e mesmo o nível de higiene e a religião. Em terceiro lugar, algumas dificuldades foram associadas a diferenças pessoais ou individuais. Nesse caso, foram apontadas características pessoais como o amigo ser inflexível, fechado, instável, preguiçoso ou muito ativo. Um quarto tipo de dificuldades foi a falta de similaridade com o amigo, em que o participante reconhecia a "falta de pontos em comum", não compreendia "a visão de mundo do participante" (possivelmente por ser diferente da sua), além de diferenças de opinião e interesses diferentes. Finalmente, uma quinta categoria inclui a distância geográfica e falta de tempo para se encontrarem.

De forma geral, as dificuldades ocuparam um lugar secundário na descrição das amizades e parecem estar ligadas a fatores individuais e culturais. Nesse caso, os participantes atribuíram características individuais (como ser mais independente e exigente) à cultura.

 

Discussão

Com base no modelo proposto por Hinde (1997), para relacionamentos interpessoais, procuramos analisar a amizade em três níveis diferentes: a pessoa do amigo, a interação entre amigos (episódio marcante) e o relacionamento de amizade (significado da amizade). Primeiramente, com a descrição dos amigos, esperava-se ver as características atribuídas à pessoa do amigo, como parte do fenômeno da amizade. Houve uma grande diversidade na descrição dos amigos, predominando o caráter positivo. Diversas características foram consideradas de natureza relacional, indicando que, ao descrever o amigo, os participantes já atribuem a eles propriedades que revelam como eles se relacionam. Assim, há a menção de diversas características ligadas diretamente à amizade, partindo da descrição do outro como amigo ou um determinado tipo de amigo. Várias outras características apontam para traços que se manifestam na amizade e que são atribuídas aos amigos. Assim, enquanto a diversão e o lazer são indicados como parte da amizade, os amigos são vistos como divertidos e engraçados. Enquanto o apoio está presente na amizade, ao amigo se atribui a característica de ser prestativo ou alguém disposto a ajudar ou apoiar. O companheirismo é visto na pessoa do amigo ao ser tratado como companheiro. Há uma série de características relacionais que já atribui ao amigo o que ocorre plenamente na amizade. Outras características parecem indicar fatores que estariam associados à atração interpessoal, como ser inteligente ou determinado. Poucas vezes são citados interesses e atividades para descrever o amigo.

Assim, ao descrever um amigo, várias das características da amizade já são vistas na sua pessoa, relacionadas a apoio, proximidade, companheirismo, humor, entre outros. Ao falar sobre o amigo, fala-se dessa pessoa em relação de amizade.

Os episódios marcantes também foram de natureza diversa, a maior parte relacionada a lembranças de alguma forma de apoio social (recebido ou fornecido) relativo à adaptação ao novo país e experiências de companheirismo marcantes, incluindo momentos de lazer vividos com esses amigos, experiências compartilhadas e conversas com amigos. Os episódios revelam uma menor diversidade de características, especialmente ligadas a apoio e companheirismo ou compartilhar diversos aspectos da vida. Os episódios estão diretamente relacionados às características dos amigos (como ser prestativo e companheiro), indicando de forma mais sintética, e possivelmente mais próxima da experiência concreta, momentos ou interações importantes.

Apesar de o significado da amizade ser diversificado, geralmente foi positivo, assim como a figura do amigo e os episódios marcantes. Ao se referirem ao significado da amizade, os participantes enfatizaram-na como algo importante, apontando para a necessidade de sua autenticidade, a presença do companheirismo, além do apoio, carinho, união, atenção, sinceridade, confiança, segurança, bem-estar, amor, proteção e conforto, além de lazer e alegria. Em relação aos significados específicos do apoio do amigo em um país estranho, referiram-se à ajuda com o idioma ou para conhecer ou se aproximar de outras culturas. De forma geral, os participantes apontaram a importância da amizade em si e destacaram algumas dimensões específicas das amizades, especialmente o companheirismo e o apoio.

Os dados referentes à descrição dos amigos, dos episódios (interações) e do significado da amizade (relacionamento) indicam como os amigos são percebidos por brasileiros no exterior. Do ponto de vista teórico, esses três elementos mostram relações dialéticas no sentido de a amizade já ser vista na pessoa do amigo, nos episódios vividos e no significado da amizade, vista como um tipo de relacionamento. As relações entre pessoas (descrição do amigo), interações (episódios marcantes) e relacionamentos (o significado da amizade) são dialéticas, no sentido de que cada nível afeta o estágio seguinte e é por ele afetado (Hinde, 1997).

A pessoa do amigo é descrita de forma ampla e diversa, sendo proposto que parte dessa descrição se faz com base em características relacionais. Assim, a pessoa do amigo é, ao menos em parte, descrita como alguém que apresenta determinadas características ao se relacionar, como ser atencioso ou generoso. Características similares aparecem na descrição do amigo e dos episódios marcantes, como o fato do amigo ser prestativo e o episódio se referir a um evento de ajuda. Também há características em comum entre as interações e o relacionamento como um todo.

Levando-se em conta os três níveis, dois pontos se destacam nos dados ao se referirem às amizades no contexto de migração, o apoio e o companheirismo, no sentido de compartilhar experiências. Ambos são vistos como exercendo funções importantes no contexto da imigração. Já na descrição dos amigos, aparecem informações sobre o papel do amigo relacionado à condição específica do imigrante, como o companheirismo (incluindo o compartilhar interesses e atividades com o amigo) e a disponibilidade para ajudar.

Os episódios marcantes também, por vezes, explicitam o contexto da imigração, especialmente episódios relatando experiências compartilhadas e apoio social. Enquanto o apoio social parece mais evidente nessa situação, os episódios também se referem a uma diversidade de experiências compartilhadas com amigos, sugerindo que estes podem formar uma "microssociedade", que permite ao migrante viver uma vida social rica e diversificada. Assim, os amigos serviriam de apoio frente a situações adversas, inclusive aquelas decorrentes da condição de migrante, mas também forneceriam um meio social positivo para o exercício de uma vida social ampla e diversificada.

Apoio social e experiências compartilhadas relacionadas ao contexto de migração estão presentes nas descrições de amigo, nos episódios marcantes e no significado da amizade em torno de companheirismo (compartilhar atividades e interesses). De forma geral, as dificuldades ocuparam um lugar secundário nas amizades e se referem à falta de compartilhamento de algo, seja tempo, espaço, idioma, características individuais ou características culturais. Problemas de comunicação têm sido reconhecidos como obstáculos à formação de amizade entre grupos diferentes (Vorauer & Sakamoto, 2006).

Enquanto a discussão até o momento destacou as características individuais, a interação e o relacionamento, o contexto social ficou evidente ao se tratar da origem das amizades. Esta foi associada a dois fatores principais, a um contexto social ou institucional, como o trabalho, escola/universidade ou igreja, e a pessoas em particular que servem de elo para apresentar novos amigos, como os próprios amigos ou parentes.

Se os amigos já têm seu papel reconhecido antes da migração, seu papel para os brasileiros que já se encontram no exterior parece amplo, representando não apenas uma fonte de apoio social em uma situação especial, o que aparece no significado das amizades, nas interações e na descrição dos amigos, mas também permitindo compartilhar experiências em diversos sentidos, desde conversar até atividades de lazer, em várias instâncias da vida cotidiana. Esse papel dos amigos complementaria o papel já apontado por diversos autores.

Assim, os amigos no local de destino não apenas motivariam a migração (Fazito & Rios-Neto, 2008), mas exerceriam um papel importante e diversificado na vida diária do imigrante brasileiro no exterior, amigo esse que pode ser brasileiro, nativo do país de destino ou outro imigrante. Como indicado por Lisboa (2007), os amigos fazem parte de experimentar diferentes sensações em um novo país, proporcionando uma diversidade de atividades. Assim, como indicado por Soares (2002), o migrante tem nos amigos um ponto de apoio à sua movimentação espacial. Mais do que isso, os amigos formariam uma "microssociedade" que permitiria uma série de atividades sociais. Esse fato também está relacionado com as observações de Fusco (2009), quanto a maior parte dos migrantes pertencer a determinados grupos sociais de familiares ou de amigos. Também, como apontado por Siqueira, Assis e Campos (2010), os amigos, entre outros, minimizam os riscos presentes na migração de longa distância, não somente quanto a condições de sobrevivência básica, como emprego e salário, mas também quanto à manutenção de uma visa social diversificada.

O presente trabalho contribui para a literatura sobre amizade e migração indicando como os amigos são percebidos pelos brasileiros vivendo no exterior, indicando um amplo e diversificado papel, que não apenas responde pela motivação para migrar, mas também a motivação para continuar no lugar. Assim como apontado por Kugele (2006), os amigos auxiliam na inserção ou reinserção social dos migrantes, sejam através de amizades com pessoas da mesma nação ou de outras etnias (Haug, 2003). O amplo papel dos amigos como rede de proteção também foi apontado por Tsai (2006) para esses imigrantes.

Em relação a outros estudos relacionando amizade e migração, os dados sobre as amizades de brasileiros no exterior apresentam similaridades com amizades de estrangeiros no Brasil. Assim, Garcia e Goes (2010) indicaram que amizades de universitários de Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe residindo no Brasil eram percebidas como relevantes para a adaptação ao Brasil. O mesmo foi observado por Garcia e Rangel (2011) quanto às amizades de universitários cabo-verdianos residindo no Brasil, cujos participantes destacaram o valor da amizade e a ajuda recebida. De forma similar, os episódios marcantes também estavam ligados a experiências compartilhadas (lazer) e apoio (ajuda do amigo). Garcia, Goes, Moura e Pepino (2010), investigando os episódios marcantes nas amizades de universitários africanos no Brasil, também destacaram apoio e companheirismo como propriedades do relacionamento.

Com base em Hinde (1997) pode-se propor a existência de relações dialéticas entre os três níveis considerados (a pessoa do amigo, episódios e relacionamento de amizade) e a possibilidade de considerar os três conjuntamente como forma de enriquecer os estudos sobre amizade. Os dados referentes à origem das amizades também indicaram o papel relevante de outras pessoas e de instituições, como grupos de pessoas realizando atividades específicas em um dado ambiente, de modo que os dados sugerem que os fatores apontados por Hinde, como grupos, estruturas socioculturais e ambiente físico também surgiram de modo integrado e devem ser considerados nos estudos sobre relações de amizade, especialmente no contexto de migração internacional, em que os relacionamentos ocorrem em um ambiente culturalmente mais complexo.

 

Considerações finais

Amigos são elementos importantes na rede social das pessoas em todas as fases da vida, inclusive em situação de migração internacional. Conforme indicado na literatura, os amigos já têm seu papel reconhecido antes da migração, ao contribuir para motivar as migrações de brasileiros. Os dados da presente investigação sugerem que os amigos continuam a ser importantes durante a vida dos brasileiros no exterior, fornecendo apoio social em uma situação especial e também contribuindo para a construção de uma rede ou grupo social que permite compartilhar uma ampla gama de experiências.

Enquanto os estudos sobre migração têm identificado o papel dos amigos e familiares como fatores afetando a migração, o presente estudo indicou que os amigos desempenham um papel complexo na vida daqueles que deixaram seu país de origem para viver em outro país. Por outro lado, os estudos têm focado mais as relações entre diferentes etnias sem uma maior atenção aos movimentos migratórios. Os resultados indicam um papel importante dos amigos em contexto de migração e ajudam a compreender as relações entre amizade e cultura.

Outras pesquisas sobre o tema são necessárias, como investigar as diferenças entre a primeira e a segunda geração de imigrantes quanto a suas amizades em um novo país, as diferenças nas amizades entre aqueles que estão temporariamente no exterior e os que pretendem permanecer e as diferenças nas amizades de brasileiros de acordo com a cultura do país para o qual migraram.

 

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Recebido em: 22/05/2012
Aceito em: 12/09/2012

 

 

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