Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.6 no.2 Belo Horizonte jul. 2013
ARTIGOS
Grupo de crescimento psicológico na formação sacerdotal: pertinência e possibilidades
Growth groups in priestly formation: relevance and possibilities
Thais de Assis Antunes BaungartI,1; Mauro Martins AmatuzziII
IFaculdade Anhanguera, Campinas, Brasil
IIPontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, Brasil
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo descrever e compreender o processo de desenvolvimento psicológico e formativo de pré-seminaristas católicos com a prática do Grupo de Crescimento. Entende-se por Grupo de Crescimento um espaço destinado ao desenvolvimento pessoal no qual os participantes podem refletir e discutir sobre as vivências cotidianas dentro do prisma psicológico. Este estudo teve um enfoque qualitativo e uma fundamentação teórica humanista. Para a coleta de dados foram utilizadas Versões de Sentido, anotações em diários de campo e um questionário de avaliação do trabalho. O resultado desta pesquisa revelou que o Grupo de Crescimento trouxe contribuições no que se refere ao desenvolvimento psicológico e formativo na medida em que proporcionou aos participantes novas atribuições de significado em diversas áreas da vida relacionadas com a formação sacerdotal e o crescimento pessoal.
Palavras-chave: Grupo de crescimento, Religião, Fenomenologia.
ABSTRACT
This research aimed to describe and understand the process of psychological development and training of pre-Catholic seminarians through the Growth Group. The Growth Group is a space for personal development in which participants can reflect and discuss their daily experiences in a psychological perspective. This research was based on a qualitative approach and a humanist theoretical framework. For data collection were used versions of meaning, fieldnotes, and a questionnaire assessing the group work. The research result revealed that the Growth Group promoted participants psychological development and training through the attribution of new meanings to different areas of life related to priestly formation and personal growth
Keywords: Growth group, Religion, Phenomenology.
Este artigo tem como objetivo descrever e elaborar uma compreensão de vivências psicológicas de pré-seminaristas católicos com a prática do grupo de crescimento2. Pré-seminaristas são jovens do sexo masculino que se sentem chamados à vida sacerdotal dentro da Igreja Católica e que passam a residir numa casa (Seminário Propedêutico) onde se preparam para ingressar no Seminário Maior, no qual irão estudar Filosofia e Teologia. As vivências psicológicas consideradas aqui se referem aos sentimentos (percepções subjetivas) que acompanham esta fase de presença no Seminário Propedêutico e às dúvidas e inseguranças dos pré-seminaristas em relação à espiritualidade e à vocação sacerdotal.
Cabe esclarecer o que estou chamando de espiritualidade, religiosidade e vocação sacerdotal. Giovanetti (2005) diz que religiosidade e espiritualidade são conceitos distintos. Será baseado na compreensão do autor citado que trataremos tais conceitos.
a espiritualidade não tem necessariamente relação com a religião. O termo "religiosidade" "implica a relação do ser humano com um ser transcendente", ao passo que o termo "espiritualidade" "não implica nenhuma ligação com uma realidade superior" (p.136).
Assim, podemos afirmar que, para o autor, a espiritualidade significa a possibilidade de uma pessoa mergulhar em si mesma sem, necessariamente, estar ligada a algo transcendente, já a religiosidade implica, necessariamente, nessa relação com o transcendente. Nessa pesquisa, o termo religiosidade será usado com maior frequência por se tratar de um estudo sobre formação sacerdotal de católicos e, portanto, envolve uma instituição religiosa específica.
Em relação ao conceito de vocação sacerdotal, Azevedo (1954) explica que a palavra vocação deriva do latim vocare que significa chamar. É a tradução do termo vocatio que quer dizer chamado, apelo, convite. A Igreja Católica seleciona seus presbíteros com base nesse conceito de vocação e, assim, parte do princípio de que o futuro sacerdote deve ser aquele chamado por Deus para servir a Igreja. Cabe destacar que não foi intenção desse estudo discutir o conteúdo religioso vinculado ao processo formativo que acontece no seminário.
Chamamos de Grupos de Crescimento (GC) os encontros coletivos realizados pela psicóloga pesquisadora com os pré-seminaristas. A finalidade desses encontros foi a promoção do crescimento pessoal através do compartilhamento de experiências e reflexões vivenciadas pelos participantes. Embora o grupo possa ter trazido como consequência resultados terapêuticos, ele não foi concebido como um grupo de psicoterapia. A expressão "crescimento pessoal" está aqui designando o desenvolvimento psicológico entendido como complexificação das estruturas de percepção e ampliação do pensamento em torno de temas vivenciais pessoais.
O objetivo do Seminário Propedêutico, dentro do processo de formação, é promover o discernimento sobre a escolha de vida sacerdotal diocesana bem como aprimorar algum tipo de defasagem (acadêmica ou relativa à vivência de fé) que o candidato possa ter. Assim, o Seminário Propedêutico corresponde às orientações do Decreto Optatam totius (§14, Concílio Vaticano II, 1965) o qual sugere que os candidatos ao sacerdócio tenham um tempo de preparação espiritual e acadêmica prévia ao Seminário Maior.
O papel do psicólogo na formação sacerdotal
Massih (s/d) fala sobre o trabalho realizado no Instituto Terapêutico Acolher (ITA) cujo objetivo é o atendimento psicológico voltado para padres e religiosos. A autora enfatiza a importância de um diálogo sobre o papel da psicologia na formação do sacerdote e procura destacar a importância de se integrar a espiritualidade com o crescimento humano e afetivo. Para isso, a mesma autora sugere a realização de trabalhos em grupos mistos (rapazes e moças), assessorados por profissionais especializados, a fim de discutir e refletir sobre seu desenvolvimento afetivo e psicossexual. O trabalho com Grupos de Crescimento converge em parte com essa sugestão.
O Grupo de Crescimento (GC)
Os GCs, de acordo com Martins e Amatuzzi (2005), inspiraram-se primeiramente no método de reuniões ver-julgar-agir, utilizado em movimentos estudantis da segunda metade do século XX e também nos princípios da Abordagem Centrada na Pessoa (no que se refere às atitudes do coordenador). O método ver-julgar-agir parte dos relatos de acontecimentos vividos no contexto da vida do grupo, confronta-os com experiências semelhantes, analisa a temática envolvida e busca tirar conclusões práticas para a pessoa e para o grupo.
Segundo Rogers (1983), há três condições subjetivas por parte do facilitador de grupo que devem estar presentes a fim de criar um clima favorável ao crescimento, são elas:
1) Congruência (autenticidade): quanto mais o facilitador for ele mesmo (tendo acesso a sua experiência imediata) na relação com os membros do grupo, maior a probabilidade de os participantes se desenvolverem de modo construtivo.
2) Consideração positiva incondicional (aceitação): essa atitude tem duas dimensões: valorização da pessoa como tal e aceitação incondicional de tudo que ela queira dizer ou expressar na relação (o que não quer dizer aceitação de qualquer ato que a pessoa venha a fazer ou tenha feito no passado), ou seja, uma atitude positiva em relação ao que os clientes estão sentindo naquele momento. Quando isso ocorre, também aumenta a probabilidade de que ocorra um movimento para a mudança
3) Compreensão empática (empatia): o facilitador capta com precisão os sentimentos e significados pessoais que os participantes expressam no grupo e deve devolver a eles aquilo que captou. No caso do GC, o facilitador poderá expressar o que ele está sentindo em relação ao grupo como um todo ou também com uma pessoa em especial.
O GC é um tipo de grupo que pode ser caracterizado como psicoeducativo: ensina àqueles que participam dele a olhar para seu cotidiano de forma especial. Sua diferenciação em relação aos grupos de psicoterapia dá-se principalmente pelo fato de que neste, o ponto de partida costuma ser a existência de algum problema individual particular reconhecido, enquanto que os GCs partem de uma necessidade de aprender a olhar a vida com uma atenção diferenciada e elaborar isso na interação grupal. O início do trabalho se dá por meio de uma pergunta disparadora: "o que tocou você durante a semana?" ou "qual fato vivenciado por você durante esta semana foi mais marcante ou significativo?" (Martins & Amatuzzi, 2005).
Martins & Amatuzzi (2005) descrevem uma sistematização em sete passos para o Grupo de Crescimento: 1) Sentar: ao se dispor a "sentar", os participantes passam a uma postura de reflexão. Este primeiro passo obedece à necessidade de se cuidar do ambiente físico e social para que se estabeleça um clima favorável para o encontro do grupo. 2) Contar: é o ato de narrar fatos significativos que tenham ocorrido nas últimas semanas. Os participantes relatam ao grupo algo que os tenha tocado de modo especial. 3) Escolher: de todos os fatos relatados, es-colhe-se aquele que faz mais sentindo aos membros do grupo a fim de que seja aprofundado na seqüência. 4) Sintonizar: todos os membros do grupo contam alguma experiência pessoal que tenha o mesmo sentido daquela que foi escolhida como foco da conversa no grupo. Este quarto passo tem relação com a empatia. 5) Analisar: discernir no fato escolhido quais as pessoas envolvidas, seus sentimentos e atitudes, quais os conflitos e interesses em jogo (interpessoais, institucionais ou sociais), quais os valores e anti-valores, isto é, os aspectos positivos e negativos. Podem-se evocar textos de apoio à reflexão nesse momento. 6) Agir: cada membro relata para o grupo o que está levando da reunião para pensar ou a conclusão pessoal que tirou. 7) Despedir: o facilitador ou um dos participantes pode dar algum tipo de aviso que interesse ao grupo. Além disso, o facilitador também pode dar uma atenção especial a algum membro do grupo caso seja necessário. Esses passos, mais do que impor uma estrutura rígida ao funcionamento do GC, propõem uma direção geral para a reflexão. No trabalho realizado no Seminário Propedêutico, essa foi a inspiração geral seguida.
Método
O caminho percorrido neste estudo tem características fenomenológicas e também dialéticas. Isso porque a forma como foi conduzido aproxima-se da intenção fenomenológica na medida em que se buscou um acesso ao vivido, sua expressão e possível ressignificação, por um lado; e da dialética, por outro, na medida em que levou em conta o contexto do grupo e da instituição envolvida, permitindo uma abertura para níveis mais abrangentes de significado.
Foram realizados três grupos (GC1, GC2 e GC3), que aconteceram em anos consecutivos com participantes diferentes. Todos os participantes tinham mais de 18 anos e participaram voluntariamente deste estudo.
Esta pesquisa, antes de ser realizada, foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da PUC-Campinas o qual deu parecer favorável para sua realização. Também foram assinados os termos de consentimento livre e esclarecido após todos os esclarecimentos sobre a realização do estudo.
Para a análise desta pesquisa, trabalhamos a partir dos seguintes instrumentos: Diários de Campo redigidos pela psicóloga pesquisadora; Versões de sentido (VS) escritas pela pesquisadora e participantes do CG3 (nos grupos anteriores - GC1 e GC2 - não foi solicitado aos participantes que escrevessem VS); um Questionário de Avaliação respondido pelos participantes ao final de cada grupo.
Os seguintes passos orientaram a análise do trabalho: 1) Redação de uma narrativa descritiva do processo de cada grupo baseada nas informações dos diários de campo, versões de sentido e questionário de avaliação; 2) Busca dos elementos essenciais do vivido em cada narrativa, constituindo sínteses específicas para cada grupo; 3) Elaboração de uma compreensão do sentido do trabalho para o desenvolvimento psicológico dos pré-seminaristas e para o processo de formação sacerdotal dos mesmos.
Apresentaremos aqui essa compreensão, mostrando também como ela se apoiou nos relatos dos grupos, versões de sentido e questionário de avaliação.
Resultados
A experiência de viver em comunidade
O GC possibilitou aos participantes reflexões que levaram a mudanças em sua experiência de vida comunitária. Embora o tema tenha sido discutido em todos os grupos, em cada um deles foi trabalhado dentro de um enfoque específico.
No GC1, o tema surgiu a partir das reflexões sobre os sentimentos em relação à escolha da vida sacerdotal. Foram relatadas dificuldades sentidas por eles de adaptação ao novo estilo de vida ao saírem da casa da família. As discussões sobre esse tema e o compartilhamento de sentimentos parecidos proporcionaram aos participantes uma sensação de acolhimento mútuo, o que gerou melhora nas relações entre eles no seminário.
No GC2, a vida comunitária era entendida anteriormente com foco nas responsabilidades pelas tarefas comuns. Com as discussões, compreenderam melhor que o essencial estava no compartilhar objetivos e ideais de vida. Além disso, a discussão dos projetos de vida, que incluía contar sua história e pensar no futuro enquanto sacerdote possibilitou uma grande identificação entre eles e um aumento de intimidade. Muitos puderam repensar suas histórias a partir das relatadas pelos colegas. Com isso, novos significados foram atribuídos à vida comunitária e, como consequência, houve mudanças como maior tolerância entre eles no que se refere às experiências passadas e melhora no convívio.
Já no GC3, o tema vida comunitária levou à discussão sobre os objetivos do trabalho com grupo de crescimento. O que no começo era visto com desconfiança e insegurança (uma forma de controle sobre as relações comunitárias), passou a ser sentido de outra forma: passou a haver maior abertura para falar de assuntos pessoais e cumplicidade entre os participantes.
Necessidade de atender às expectativas externas
Todos os grupos mencionaram sentimentos de angústia por se sentirem na obrigação de atender às expectativas que foram depositadas sobre eles. Embora apenas o GC1 tenha escolhido o tema em si para discussão, ele apareceu dentro de outros temas nos outros grupos.
Para os participantes do GC1, atender às necessidades da comunidade paroquial era algo muito importante: eles se sentiam na obrigação de realizar as tarefas pastorais mesmo quando não se sentiam preparados para isso. O trabalho do GC favoreceu reflexões sobre essas práticas, e o resultado foi uma mudança de atitude: passaram a questionar a necessidade de atender sem exceções às expectativas da comunidade.
O GC2 e o GC3 revelaram sentimentos parecidos de angústia em relação às expectativas, mas, diferente do GC1 (cujo foco era a comunidade), sua preocupação estava na opinião da família e do formador em relação à formação. Com o trabalho de grupo e o apoio mútuo, eles deixaram de focar suas preocupações nas expectativas da família e do formador e passaram a se preocupar com o próprio processo de formação.
A sensação de se sentir constantemente avaliado
Este foi um dos temas mais comuns nas discussões dos três grupos. Isso porque, para os participantes, enfrentar as avaliações dentro do seminário causava muito descon-forto, pois, atender às expectativas dos avaliadores e agir segundo um padrão determinado, resultou em falta de espontaneidade por parte deles.
Em relação a esse tema, podemos dizer que o trabalho do grupo, com a expressão dos sentimentos gerados pelo processo de avaliação, proporcionou maior consciência do problema e a necessidade de se encontrar mecanismos para lidar com essas situações.
Preocupação com a imagem do clero na sociedade
Foi discutida no GC2 a preocupação em relação à imagem do clero para a sociedade. O assunto apareceu relacionado com outros subtemas como vida moderna e escolha pelo sacerdócio, celibato e homossexualidade, escândalos sexuais envolvendo padres, diminuição do número de vocações para o sacerdócio e as responsabilidades do seminarista em relação a isso tudo. Segundo eles, essas questões contribuíram para uma imagem negativa do clero na sociedade. Depois das reflexões, pôde-se notar uma evolução em relação à maneira como os participantes passaram a pensar. Primeiro, criticaram a imagem que alguns leigos fazem do sacerdo-te, depois passaram a se questionar sobre as próprias atitudes e a responsabilidade do seminarista em relação a essa imagem, e, por último, pensaram nas mudanças necessárias para que daí surgisse uma nova imagem do clero católico na sociedade. No GC2, eles passaram de uma forma passiva de pensamento (queixas) para outra mais ativa (busca de alternativas de solução), o que é fundamental no processo de amadurecimento.
As dificuldades dos participantes em relação aos estudos
Os estudos foram tema de discussão em todos os grupos. Os participantes do GC1, depois de algumas conversas sobre as dificuldades vividas nesse campo, passaram a repensar as escolhas que estavam fazendo para suas vidas. Perceberam que para eles, até então, a vocação sacerdotal estava mais relacionada com as atividades pastorais do que com as acadêmicas, o que os levou a refletir sobre com o que, de fato, estavam se comprometendo. Ficou evidente que os participantes visavam à liderança pastoral nas paróquias, mas não estavam dispostos (no momento da discussão) a estudarem seriamente filosofia e teologia. Foram percebendo, então, que a vida sacerdotal implicava, na realidade, em muitos estudos e, por isso, tiveram que ajustar suas expectativas pessoais e repensar sua opção.
Ao discutirem sobre as diversas possibilidades de escolhas que poderiam fazer para sua vida, perceberam que muitas não estavam relacionadas ao sacerdócio. Antes da discussão, os participantes sentiam a vocação sacerdotal como a única forma de dar continuidade às experiências vividas por eles nas comunidades católicas às quais pertenciam. A partir daí, houve um alargamento de possibilidades vocacionais. O trabalho de GC proporcionou aos participantes uma reflexão mais profunda sobre o significado de se fazer escolhas, não apenas dentro do seminário, mas também em qualquer outro contexto da vida.
Discussão
A vocação sacerdotal
A palavra vocação deriva do latim vocare, e quer dizer chamado, apelo, convite (Azevedo, 1954). A Igreja Católica seleciona seus presbíteros com base nesse conceito de vocação, partindo do principio de que o futuro sacerdote deve ser chamado por Deus para servir a Igreja. As pessoas que consideram ter a vocação para o sacerdócio costumam ser denominadas de vocacionadas, e passam por um processo orientado de discernimento vocacional.
Ao promover esse discernimento e toda a formação para essa função, a Igreja é movida por uma dupla atenção: salvaguardar o bem da sua própria missão e, ao mesmo tempo, o dos candidatos. O papa João Paulo II (1992), na exortação apostólica pós-Sinodal Pastores Dabo Vobis sobre a formação dos sacerdotes católicos, diz que: "toda vocação cristã vem de Deus, é dom divino. Todavia, ela nunca é oferecida fora ou inde-pendente da Igreja, mas pelo contrário, passa sempre por ela e mediante a ela"; [...] o chamado interior do Espírito precisa ser reconhecido pelo bispo como um autêntico chamado" (AAS 84, n.35b-c-d, 714 e 715). Embora a vocação seja algo sentido subjetivamente pelo candidato como um chamado de Deus, ela deve ser verificada e atestada pelo bispo; cabe a ele reconhecer dotes e virtudes morais e teologais suficientes, tais como: reta intenção dos candidatos, liberdae de vontade, idoneidade espiritual, moral e intelectual, conveniente saúde física e psíquica para exercer os deveres de um padre futuramente, e de um seminarista no momento. É só a partir desse reconhecimento que se permite ao vocacionado iniciar o processo de formação (Congregação para Educação Católica, 2008). Essa ambigüidade entre o desejo pessoal e o chamado institucionalmente mediado não é exclusiva da vocação sacerdotal: é uma realidade comum a qualquer vocação profissional em nosso mundo e até mesmo ao casamento, o que é compreensível se levarmos em conta que o homem é um ser de relação e vive em sociedade. A vocação sacerdotal é uma realidade complexa e seu discernimento não será apenas subjetivo.
Dentro dessa complexidade e numa ótica humanista, fica evidente a necessidade de se oferecer um clima de liberdade suficiente aos candidatos para que eles mesmos possam perceber se estão atendendo aos critérios acima mencionados. O trabalho com grupo de crescimento teve justamente essa intenção, ou seja, proporcionar um ambiente de maior liberdade para que os próprios pré-seminaristas pudessem pensar sobre suas escolhas em diálogo sincero com o bispo e os formadores. É preciso lembrar, no entanto, que o profissional que coordena o GC não faz parte da equipe de formação. Ele é um convidado, trabalha como auxiliar externo e numa perspectiva não diretiva.
No que se refere ao trabalho do psicólogo nesse contexto, encontramos em um documento escrito pela Congregação para Educação Católica (2008), Orientações para a utilização das competências psicológicas na admissão e na formação dos candidatos ao sacerdócio, algumas orientações que enfatizam tanto a importância como os limites de sua atuação. Segundo o documento, não é função da psicologia pronunciar-se sobre o caráter propriamente religioso (ou sobrenatural) da vocação religiosa, mas sim, sobre as condições psicológicas (emocionais e de comportamento) dos candidatos que se dizem chamados a exercerem o sacerdócio. Sobre isso pensamos que a psicologia, por estudar a dimensão psíquica do humano e atuar baseada nesse estudo, pode reconhecer se a pessoa vivencia a vocação como um chamado que tem todo seu sentido no âmbito da fé, ou se está equivocada em seus sentimentos, fazendo uma escolha motivada por outros fatores (como o interesse de promoção social, ou a fuga de conflitos internos, por exemplo). Nesse sentido, a psicologia pode ajudar a pessoa, ou mesmo as autoridades religiosas, a perceberem a autenticidade da vocação. Para isso, pode elaborar critérios de discernimento (constrói um perfil da função religiosa) e criar instrumentos de verificação (testes, inventários, questionários, entrevistas). Além disso, e este é nosso caso, ela pode também se basear em técnicas não avaliativas para ajudar na formação, por exemplo, através de trabalhos em grupo e psicoterapia. Os GCs vão nesta direção: pretendem oferecer ao candidato um espaço acolhedor, dentro do seminário, para que ele possa se responsabilizar por sua escolha e não considerála como uma convocação imperativa diante da qual deve se submeter passivamente.
Sentimentos gerados pelas avaliações no propedêutico
A Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis, do Papa João Paulo II (1992), enumera uma série de virtudes humanas e de habilidades relacionais que se requerem do seminarista e futuro sacerdote para que este seja capaz de cumprir sua missão evangelizadora. "Elas vão desde o equilíbrio geral da personalidade até a capacidade de carregar o peso das responsabilidades pastorais, desde o conhecimento profundo da alma humana até ao sentido da justiça e da lealdade" (n.43: AAS 84, 1992, 731-733). Esses tópicos são subjetivos e de difícil avaliação. Mesmo assim, é responsabilidade do padre reitor e da equipe de formação do propedêutico observar e depois decidir se o candidato está apto ou não.
Essa responsabilidade não é tarefa fácil. Os formadores procuram, da melhor maneira possível, buscar um apoio na ajuda de profissionais especializados. É preciso ressaltar, no entanto, que ainda não existe uma interação efetiva, multidisciplinar entre esse trabalho especializado do psicólogo, no caso, e a equipe de formação, no que se refere à forma de avaliar os seminaristas. Geralmente, as avaliações sobre vida comunitária, habilidade na pastoral, espiritualidade, competência para os estudos etc. são realizadas através de análises subjetivas da equipe de formação, a qual ainda é a única dotada de amplos poderes e autonomia para observar, supervisionar e selecionar os candidatos considerados aptos a continuarem ou não no seminário (Benelli, 2008), e dentro do modelo eclesiástico o fazem por delegação do bispo. Nesse ponto, e apesar das sondagens discretas às quais o psicólogo deve resistir em nome do sigilo profissional, ele deve ficar fora.
Pudemos, no entanto, perceber, através dos grupos, que a avaliação final (continua ou sai do Seminário) gera muita ansiedade nos participantes. Eles se sentem vigiados e avaliados sem critérios específicos, inclusive pelos próprios colegas que agem como auxiliares de formação numa espécie de vigilância mútua e constante. Isso coincide com o que diz Benelli (2006):
Os seminaristas permanecem em contato com seus colegas e formadores, expostos a uma observação constante [...] A técnica de vigilância promove a interligação de todas as esferas da vida do seminarista no contexto institucional, monitorando-as e avaliando a 'vocação autêntica' do candidato por meio da sua conduta. É o sistema de autoridade escalonada, na qual formadores, professores e colegas vigiam-se mutuamente (p.165).
A realização do trabalho de GC não mudou esse sistema, mas levou os participantes a pensarem nas consequências pessoais de se viver constantemente em busca por um perfil ideal imposto de fora. Foi possível, depois de algumas conversas sobre esse tema, uma discussão sobre alguns sentimentos opostos, ou talvez ambíguos, em relação ao que eles são, por um lado, e os papéis que precisam desempenhar para serem considerados bons seminaristas, por outro. A conciliação desses dois aspectos é a difícil tarefa desses seminaristas.
A pressão das expectativas externas a partir do novo papel
A decisão de ingressar para a vida sacerdotal diocesana passa por algumas etapas. A primeira delas é a percepção da vocação e a última é o recebimento do sacramento da Ordem pela imposição das mãos do bispo. Durante todo esse processo, o formando passa a ser visto como o seminarista fulano. Essa mudança de papel social costuma gerar confusão na compreensão que o próprio candidato tem de si mesmo. Para os participantes do GC, "ser seminarista" não signifi-cava apenas estar no processo de formação sacerdotal, mas também uma nova forma de atuação que o rótulo de seminarista inclui. Carregar esse rótulo trouxe para os participantes sentimentos incoerentes, pois, ao mesmo tempo em que se sentiam angustiados pelas cobranças para que sejam bons seminaristas, também se sentiam orgulhosos e realizados quando eram capazes de corresponder a tais cobranças adequadamente.
Na etapa do propedêutico, quem normalmente cria expectativas externas em relação aos seminaristas são as famílias, que esperam por um bom desempenho em todos os sentidos, e a comunidade da paróquia, que anseia por um seminarista que se comporte como se já fosse um padre. Mas também existe a expectativa da equipe de formação que espera por resultados satisfatórios dos candidatos selecionados. Todas essas fontes exercem uma pressão bastante grande sobre o candidato e o fazem a partir da sua simples condição de "ser seminarista".
Se somarmos a todas essas cobranças as expectativas que os próprios candidatos têm em relação a eles mesmos, fica clara a intensidade da pressão que sofrem. Com o simples fato de se tornar seminarista ocorre uma transformação subjetiva no significado que a pessoa passa a ter para a família, comunidade, formadores e para ele próprio. É como se, ao entrar para o seminário, eles adquirissem outra imagem social e tivessem que agir de acordo com isso.
O problema, no entanto, é que essa nova imagem exige uma responsabilidade de ações e atitudes para a qual, muitas vezes, eles não se sentem preparados. Apesar disso, muitos acabam tendo que assumir, de fato e mais ou menos artificialmente, tais responsabilidades com a intenção de atender às expectativas que são depositadas sobre eles, pois a recusa pode significar um atestado de incapacidade para o sacerdócio.
Diante disso, os candidatos sentem que ser seminarista não é a mesma coisa que simplesmente estar se preparando para um dia ser padre; é mais do que isso, envolve responsabilidades e expectativas difíceis de administrar. Diferentemente do que acontece com os demais universitários, que são aceitos socialmente como aprendizes e, portanto, sem condições de atuarem sozinhos, os seminaristas, desde o início da formação, são cobrados a terem uma postura, muitas vezes, incompatível com seu amadurecimeno pessoal.
Em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos (IHU), Rossi (2008), que foi coorenadora da pesquisa da Internacional Stress Management Association, revela alguns dados importantes que podem estar relacionados com os aspectos citados. Segundo a pesquisadora, o sacerdócio e a vida religiosa feminina estão entre os trabalhos que mais causam estresse e desgaste emocional. Na pesquisa, foram ouvidos 1.600 profissionais das cinco regiões brasileiras. Os resultados mosraram que os religiosos/sacerdotes sofrem pressões semelhantes, e até maiores, do que outras categorias reconhecidamente propenas ao estresse, como executivos, policiais, atendentes de telemarketing e motoristas de ônibus. Uma das causas apontadas para essa realidade é o fato de que o religioso/sacerdote não tem jornada de trabalho estabelecida e deve estar constantemente à disposição dos paroquianos. Outra fonte de tensão é a expectativa dos fiéis que esperam dos sacerdotes um comportamento exemplar e, muitas vezes, fora daquilo que eles são capazes de oferecer. "Eles são constantemente observados e avaliados", afirma Rossi (2008).
Apesar de tudo isso, na formação oficial não há uma preparação adequada para se lidar com todas essas pressões. O Grupo de Crescimento Psicológico pode trazer uma contribuição relevante nesse sentido, na medida em que ele funciona como um espaço coletivo em que essas pressões podem ser verbalizadas, conscientizadas e refletidas.
O desafio dos estudos e as dificuldades que dele decorrem
Um dos objetivos da etapa do propedêutico é preparar os candidatos, em termos intelectuais, para ingresso no seminário de filosofia. Essa preparação, no entanto, não é vista pela Igreja como uma forma de suprir possíveis defasagens escolares anteriores, mas sim, como uma revisão das disciplinas já
aprendidas no Ensino Médio (Congregação para Educação Católica, 1998). Dessa forma, supõese que os pré-seminaristas selecionados para estarem no propedêutico possuam conhecimentos básicos de segundo grau suficientes para prestarem o vestibular, sendo que as aulas oferecidas no propedêutico seriam apenas uma revisão dos conteúdos já aprendidos na escola.
Essa suposição, no entanto, não condiz com a realidade encontrada nesta pesquisa e nem com os dados de outros estudos que também avaliaram as condições intelectuais dos candidatos à vida religiosa/diocesana (Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais [CERIS], 2003; Pereira, 2004; Zilles, 2007;). Sabe-se que grande parte dos seminaristas provém de famílias carentes, muitas vezes desestruturadas e sem condições de oferecerem uma educação básica de qualidade (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil [CNBB], 1995). Além disso, alguns candidatos possuem limitações intelectuais causadas pela falta de estímulos ao raciocínio, à lógica, ao hábito de leitura, à compreensão de textos durante a infância. A consequência disso é que o período do propedêutico, que deveria oferecer apenas uma revisão dos conhecimentos, acaba sendo a única fonte de aprendizado de qualidade para os pré-seminaristas. Isso gera uma série de problemas que vão desde a dificuldade de aprovação no vestibular até desordens emocionais como depressão, baixa autoestima e isolamento.
No trabalho de GC, as dificuldades nos estudos foram tema de discussão nos três grupos. Em cada um, houve um enfoque diferente, mas, em todos, apareceram como fonte geradora de ansiedade, tensão, medo e baixa autoestima na maioria dos participan-tes. O problema com os estudos costuma aparecer quando os candidatos percebem que não são capazes de cumprir com a jor-nada de estudos e trabalhos comunitários exigidos no propedêutico e, diante disso, passam a ser cobrados, tanto pela equipe de formação quanto pelas famílias, por melho-res resultados os quais, nem sempre, são alcançados. Tudo isso, somado às comparações que eles mesmos se fazem quanto às notas escolares, gera problemas de convivência comunitária.
Ser formador: a difícil tarefa de preparar os futuros presbíteros da Igreja
Este e outros estudos apontam para as falhas encontradas no processo de formação dos membros da Igreja Católica. Exemplo disso são as pesquisas de Benelli (2006, 2007, 2008), Pinto e Martin (2007), Costa (2007), Zilles (2007) e Pereira (2004). Apesar de concordarmos com os autores citados no que se refere à importância de adaptação dos seminários às necessidades atuais de formação, também devemos destacar as diversas ações e movimentos da Igreja no sentido de melhorar a formação dos padres e religiosos católicos.
Um exemplo disso é a publicação do já citado documento "Orientações para a utilização das competências psicológicas na admissão e na formação dos candidatos ao sacerdócio" (2008), escrito pela Congregação para Educação Católica (CEC). A finalidade desse documento foi auxiliar os formadores e seminaristas quanto ao correto discernimento da vocação sacerdotal. Para isso, o Papa Bento XVI incentiva a participação de profissionais ligados à área das ciências psicológicas no processo de discernimento vocacional e/ou durante o processo de formação, afirmando que esses profissionais devem auxiliar formadores e bispos quanto à idoneidade dos candidatos e a autenticidade da vocação.
A abertura para atuação de profissionais leigos de ambos os sexos no processo de formação, além da maior participação dos seminaristas em atividades fora dos seminários, revela uma evolução importante, se compararmos o processo de formação atual com o anterior ao Concílio do Vaticano II. Sobre essas mudanças, Meschiatti (2007) diz que é à luz do Concílio Vaticano II que de-vemos compreender o processo de formação sacerdotal atual, bem como, aliás, o perfil dos presbíteros do século XXI.
Sabe-se que o Vaticano II propiciou, na Igreja, o surgimento de um período de abertura a novas experiências em diversos campos: liturgia, trabalhos com a juventude, diversos tipos de pastorais, atuações sociais e políticas. Com o processo de formação dos seus quadros não foi diferente e, nesse sentido, as dioceses viramse obrigadas a fazer uma reformulação nos seus seminários. Esse processo não foi simples e, no início, as maiores dificuldades eram em relação aos padres mais antigos que não aceitavam as mudanças propostas a partir do Concílio, cuja expressão mais significativa estava na liturgia, bem como na adaptação do corpo todo da Igreja às mudanças. Além disso, houve o crescimento de um clima de permissividade, de novas experiências que se faziam em todos os lugares em nome da renovação proposta (Meschiatti, 2007).
Uma grande e importante mudança dessa época foi a inserção dos seminaristas nas universidades para estudar filosofia e teologia junto aos leigos e não mais em regime de internato. Essa mudança refletiu a preocupação da Igreja em formar um novo tipo de presbítero que estivesse desvencilhado do aspecto meramente cultural de celebração dos sacramentos e mais apto e preparado para as responsabilidades na tarefa evangelizadora da Igreja. Estes novos presbíteros poderiam gerar uma nova visão missionária para a Igreja por estarem inseridos no mundo e na universidade e, assim, evitar sua segregação e o distanciamento da vida social. Meschiatti (2007) diz que havia muita resistência por parte dos reitores em relação à nova proposta formativa, pois o clero formado no seminário tradicional (tridentino, isto é, anterior ao Concílio Vaticano II, seguindo as normas do Concílio de Trento) tinha muita dificuldade em aceitar um estilo mais aberto de formação no qual os seminaristas tinham maior liberdade de ir e vir, es-tudar, envolver-se com os problemas dos alunos e da universidade, além de relacionarem-se livremente com alunos de ambos os sexos.
O processo de formação nos seminários foi se alterando, caminhando para a progressiva abertura até chegar aos dias atuais, onde encontramos formadores mais preocupados com a qualidade da formação dos seminaristas e também mais conscientes de suas limitações em relação a assuntos que não são de seu conhecimento. Um exemplo disso é a abertura do propedêutico para a realização deste trabalho com grupos de crescimento que foi realizado por uma psicóloga leiga, com consentimento do bispo e do padre reitor.
Considerações finais
Para finalizar este trabalho apresentamos algumas conclusões sobre pontos importantes para o processo de formação sacerdotal, especialmente sobre o período propedêutico. Além disso, apontamos algumas limitações em relação a esta pesquisa e sugerimos novos trabalhos que possam melhorar, cada vez mais, a formação dos presbíteros católicos brasileiros.
Sobre o processo de discernimento vocacional, concluímos que este é um ato do sujeito que procura respostas pessoais a um sentimento subjetivo. Para a psicologia, a vocação sacerdotal é uma resposta humana a algo sentido como um chamado de Deus. Porém, sentir-se chamado e dar uma resposta positiva a esse chamado não basta para que o candidato inicie o processo de formação sacerdotal, pois, para que isso aconteça, a vocação, dentro da visão eclesiástica, deve ser confirmada pelo bispo. Nesse sentido, o processo de discernimento vocacional é algo complexo e não se dá imediata-mente; consiste justamente em compreender com clareza de onde vem e qual a autenticidade daquilo que a pessoa sente como um chamado de Deus. É importante que esse processo ocorra em etapas e com tranquilidade para que o sujeito responda com liberdade e maturidade a esse chamado. Portanto, podemos dizer que a aceitação livre para o chamado de Deus é a última etapa do processo de discernimento vocacional. Mas o processo todo se dá no contexto de um diálogo com a autoridade eclesiástica.
Em relação ao sistema de avaliação no propedêutico, percebemos que avaliar os candidatos não é tarefa fácil para os formadores e eles o reconhecem. A realização de reuniões mensais entre a equipe de formação e os candidatos, onde pudessem ser expostas e compartilhadas, numa perspectiva educativa, as observações de comportamento feitas e dificuldades vivenciadas, seria bastante recomendável, seja no sentido do próprio processo de formação, seja no sentido de facilitar a tarefa avaliativa dos formadores. Se não fosse o sempre presente risco de burocratização e legalismo, até mesmo relatórios periódicos da equipe de formação para os candidatos poderiam ser instrumentos úteis para a orientação da formação e para prevenir surpresas no momento da avaliação final.
Apesar do esforço da equipe de formação percebemos, através do acompanhamento feito nessa pesquisa, que o processo de discernimento vocacional e crescimento pessoal dos pré-seminaristas não foi suficientemente trabalhado fora do GC. Acreditamos que isso tenha acontecido porque a maneira utilizada pela instituição para atender ao esperado na etapa propedêutica (estabelecer normas rígidas de horários, vida de oração, vida comunitária, formas de estudos, etc.) não contribui para o desenvolvimento pessoal e discernimento vocacional dos candidatos por enfatizar os aspectos disciplinares. Embora os formadores ainda não tenham encontrado um caminho para que essas dificuldades sejam solucionadas, o fato de o trabalho de GC ser aceito pela diocese e também pelos formadores revela que existe preocupação e cuidado por parte deles para que os seminaristas recebam de alguma forma, uma assistência em relação ao desenvolvimento psicológico e vocacional.
Outro ponto que merece destaque nas conclusões desta pesquisa são os sentimentos gerados nos vocacionados em relação às expectativas externas que são depositadas sobre eles. Neste estudo, o GC pode funcionar como um espaço coletivo em que as pressões puderam ser verbalizadas, conscientizadas e refletidas. Diante disso, concluímos que, durante o período propedêutico e também nos cursos de Filosofia e Teologia, os seminaristas precisariam ser mais instruídos e preparados para lidarem com as pressões emocionais que irão enfrentar ao longo do ministério sacerdotal. Isso pode acontecer através de GCs com os formadores e psicólogos, nos quais o tema "prepaação para lidar com as expectativas" seja discutido de maneira a envolver os seminaristas no assunto e proporcionar a eles condições emocionais para enfrentarem as dificuldades fora do seminário.
Pesquisas qualitativas interessadas em compreender os aspectos psicológicos envolvidos na experiência de candidatos ao sacerdócio podem contribuir para uma melhor compreensão do assunto, além de fornecerem subsídios para que formadores e psicólogos possam ajudar os formandos nessa situação.
Em relação às dificuldades acadêmicas, podemos afirmar que um dos maiores problemas encontrados nessa pesquisa esteve relacionado com os estudos. Percebemos que tais dificuldades costumam aparecer quando os candidatos percebem que não são capazes de cumprir com a jornada de estudos e trabalhos comunitários exigidos na instituição e, diante disso, passam a ser cobrados, tanto pela equipe de formação quanto pelas famílias, por melhores resultados, os quais, nem sempre, são alcançados. Tudo isso, somado à tendência espontânea em nossa cultura de fazer comparações em relação às notas escolares, gera facilmente problemas de convivência comunitária. Uma possível solução para essa questão pode ser um processo de seleção mais criterioso, que leve em conta as reais condições dos vocacionados em ingressar no curso de filosofia. Isso pode ser feito através da análise do histórico escolar dos candidatos e também através de uma prova que averiguasse sua condição intelectual, por exemplo, através de uma redação acerca de sua história de vida.
Em relação à vida comunitária no Propedêutico, observamos que a compreensão dos participantes sobre o que significa viver em comunidade foi se modificando na medida em que as discussões sobre esse assunto aconteciam nos GCs. Isso porque antes do trabalho eles entendiam a vida comunitária como apenas dividir responsabilidades, mas, depois, passaram a compreendê-la como compartilhar objetivos e ideais de vida que são comuns a todos. Diante dos bons resultados alcançados nos GCs em relação a esse tema, sugerimos a continuidade do trabalho com os GCs, e uma discussão mais abrangente desse assunto com os formadores.
A formação dos pré-seminaristas, nos dias atuais, não ocorre da mesma maneira como há anos. O Propedêutico, assim como outros seminários diocesanos, passou por algumas transformações significativas desde o Concílio Vaticano II. Dentre essas mudanças destaca-se a abertura da diocese para a realização de trabalhos com grupos, assessorados por profissionais da área das ciências humanas. Apesar dessas evoluções impor-tantes, gostaríamos de ressaltar um aspecto que ainda precisa ser discutido, pesquisado e repensado pelas autoridades eclesiásticas: a forma como são preparados os futuros presbíteros. O que vemos hoje é uma formação que acontece em grandes instituições dentro das quais vigora uma hierarquia rígida, e delas os seminaristas partem para o mundo. Questionamo-nos sobre como seria esse mesmo processo acontecendo em pequenas equipes, nas casas semelhantes àquelas em que residem sacerdotes já formados, num trabalho pastoral integrado com as paróquias. Dessa forma, os seminaristas seriam visitados por formadores preparados para essa função, realizariam constantes reuniões de partilha de vida, análogas ao trabalho com Grupos de Crescimento.
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Recebido: 24/07/2012
Aceito: 18/04/2013
1 Contato: taantunes@uol.com.br
2 Esse artigo é resultante da pesquisa de doutorado "Grupo de crescimento psicológico na formação sacerdotal: pertinência e possibilidades".